quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Prova da OAB, falta de isonomia e o novo “JEC-SUS”

Achei que nesta semana poderia, finalmente, mostrar o Cego de Paris II. As contingências, entretanto, me impedem. A prova da OAB e a perseguiçãoininterrupta da ladra Jane, de Cuiabá até a fronteira do Paraguai, obrigam-me a voltar ao tema. Quem estiver farto do assunto, está dispensado. Mas o respeito à angústia e à insônia dos milhares de candidatos — jovens bacharéis — são um motivo mais que ponderável para justificar essa reincidência temática. Teimosamente, volto ao tema, agregando outro assunto, a dispensa de advogado nos juizados cíveis e uma bizarrice contida no Projeto.

Por partes, então. Achei que a polêmica acerca da famosa questão da ladravaz Jane estava encerrada. Pensei que o comentário do Cezar Bitencourt (não só dele), mostrando que a banca estava equivocada, encerraria o debate.
Antes disso, quero manifestar meu apoio ao Movimento (Carta Aberta) Mobilização “OAB Nós Acreditamos” encabeçado pelo professor Alexandre Mazza, (re)clamando pela aplicação da isonomia na correção da prova de Direito Administrativo. Paradoxalmente, o Direito Administrativo não conseguiu aquilo que lhe é mais caro: a aplicação de um princípio. No mínimo, a banca deveria ter dado ao Direito Administrativo o tratamento dado às duas questões anuladas de Direito Civil. Uma pitada de Dworkin poderia ajudar na discussão, mostrando que todas as decisões devem ser proferidas fundadas em princípios e não por conveniência ou políticas. Fairness: eis a palavra certa!
Mostrei aqui na ConJur a caricatura que era a referida questão. Mais do que isso, era bizarra. Mostrei também que a discussão era de lana caprina, porque o furo é(ra) bem mais embaixo. É uma armadilha discutir “a questão da ladravaz Jane”, em vez de discutir o modelo de questões que se pratica em terrae brasilis.
Agora mesmo descobri que haverá uma audiência pública da OAB sobre o ensino jurídico. Está tendo em todo Brasil...  Estão preocupados com o EAD e os cursos de curta duração. Qual é o problema? O problema é a cegueira da OAB, que não percebe que o modelo de ensino exigido/estimulado pelo Exame de Ordem é que viabiliza essas soluções “mágicas”.
Meu desafio: alteremos a forma dos concursos e a forma das questões do Exame de Ordem que, em pouquíssimo tempo, mudaremos o ensino jurídico. A OAB não se dá conta de que ela mesma é quem fomenta isso que está ai. Repito: isso é uma reprodução do problema e não uma solução!
Com relação à filósofa contemporânea Jane, que cleptou um automóvel em Cuiabá, a questão que se põe, antes de tudo, é: queremos discutir um exemplo ou um caso concreto? Ora, do modo como,exemplificando, Guilherme Nucci tentou justificar o gabarito da FGV, tem-se a impressão que a malsinada questão continha um caso minudentemente detalhado... Ora, a questão não trata de um caso jurídico. A pergunta dizia respeito a um mero exemplo. E, por isso, por ser só uma caricatura de caso, devemos analisá-lo nos seus limites... de exemplo, ora pois. Ou seja, não se pode inventar detalhes que a pergunta não contém.
Nucci defendeu o gabarito (clique aqui para ler). Não vou alongar a discussão. Apenas agrego ao que já disse antes. Quero “brincar” com a sintaxe da questão: “Imediatamente, a vítima chamou a polícia e esta empreendeu perseguição ininterrupta, tendo prendido Jane em flagrante somente no dia seguinte, exatamente quando esta tentava cruzar a fronteira para negociar a venda do bem, que estava guardado em local não revelado”.
Atenção: perseguição ininterrupta e flagrante no dia seguinte. Bingo. De que modo, então, Jane escondeu o carro, se a perseguição foi ininterrupta? Sai dessa, banca! Vejam: a polícia de Mato Grosso (do Norte) perseguiu Jane sem parar (ininterruptamente). Mas a prendeu só no dia seguinte, quando tentava cruzar a fronteira. Sim. Jane cleptou o carro e, perseguida, escondeu o carro? De repente, atrás de um arbusto, Jane saiu em desabalada carreira de moto ou bike... Isso foi assim dia e noite? De forma ininterrupta. Sabem quantos quilômetros tem de Cuiabá até a fronteira com o Paraguai? Como assim, no dia seguinte e de forma ininterrupta? Qual é a lógica disso? Já sei. Nenhuma. É uma ficção. Pois como ficção que é, assim deveria ser analisada. E não como um pretenso “caso concreto”. Pronto. I rest my case.
Portanto, a invocação da “intenção da ladra” e as circunstâncias de sua prisão chocam-se e derrubam qualquer aspecto “técnico da questão”. A “senhora ficção” derrota o pretenso “senhor fato”. Isto porque não existe o “senhor fato” nessa estória. É só uma ficçãozinha. Um detalhe a mais para brincarmos com a ficção: que furto importante esse, pois não? Fez com que a polícia de Mato Grosso atravessasse todo o Mato Grosso do Sul, dia e noite, ininterruptamente, para prender uma mulher... já sem o carro. Fico imaginando a cena. A vítima ligando para a polícia e esta, incontinenti, começa a perseguição... rumo ao Paraguai, atravessando o estado de Mato Grosso do Sul. Não pararam nem para lanchar. Nem a acusada. Ou seja, sob qualquer ângulo, a questão é insalvável. Nem o papa salva a questão. Porque ela se esvai em si mesma. Não tem “lógica”. Sou um chato sintático-semântico. Pego ao pé da letra.
Numa palavra final: a questão da prova da OAB é só mais um capítulo da crise de paradigma de dupla face que abala a operacionalidade do Direito há muitos anos. Por isso, não podemos cair na armadilha do “sistema”. Denuncio isso há muito tempo. Só com muita ironia é possível entrar no mérito desse tipo de polêmica e desse tipo de questão, que tanto fez sofrer os jovens bacharéis que se esfalfelam para receber a tão almejada carteira (a eles, minha irrestrita solidariedade e meu apreço; respeito profundamente os advogados; ser advogado é passar por um processo de humilhação cotidiana, mormente para quem não é AFBS — Advogado Famoso e Bem Sucedido). Seria um gesto de grandeza a OAB reconhecer seu erro. E a banca deveria aproveitar para rever seus conceitos. E pedir desculpas aos sofridos candidatos.
Nestes dias em que a OAB faz audiências públicas, uma pitada de Teoria do Direito e epistemologia jurídica poderia ajudar bastante. E ler aqueles autores que há tantos anos critica(ra)m o modo como se ensina direito no Brasil e no modo como (não) se afere os conhecimentos nos concursos públicos e provas da OAB.
Sugestão de questão de concurso ou de prova de ordem. Vale 5 pontos
Já que estamos em tempos de grandes discussões, aproveito para inventar um exemplo que pode servir de “questão de prova”:

Em uma repartição pública, no início de uma bela tarde de sol, um estagiário está atrás da faixa pintada no chão — que estabelecia a distância entre um usuário e outro — esperando para fazer um pagamento em caixa eletrônico. Na sua frente, no caixa, estava o chefe da repartição, que, virando-se, disse ao jovem aprendiz: “Quer se retirar daqui, uma vez que estou fazendo uma transação de caráter pessoal?” Ao que o jovem estagiário respondeu: “Data venia, excelência, eu estou atrás da faixa de espera”. O chefe, então, disse para que o estagiário se dirigisse a outro caixa. Respondeu o estagiário que “em face da especificidade do que iria pagar, isto somente poderia ser feito naquele caixa”. Irritado, o chefe disse: “Pois eu sou o chefe Fulano de Tal e você está demitido; não trabalhará mais aqui nesta nobre repartição”. Na sequência, o chefe puxou o crachá que o jovem aprendiz trazia pendurado no pescoço (segundo o estagiário, a placa identificadora foi arrancada; segundo o chefe, apenas teria puxado o cordão — e com ele, a placa identificativa — com o claro intuito de ver o nome do aprendiz para, posteriormente, dele lembrar-se e proceder a respectiva exoneração, o que, de fato, foi feito, na forma da lei). Consta que o relato foi confirmado por duas testemunhas. O estagiário foi, efetivamente, demitido.
Examinando o exemplo fictício acima, responda: a conduta do chefe possui relevância penal? A conduta do chefe possui relevância no plano disciplinar (Estatuto do Funcionário Público, Código de Ética da respectiva repartição)? Ou é caso de arquivamento? E se for caso de arquivamento, esse critério tem universalidade?
O novo JEC: a institucionalização da burrice e das distâncias sociais
Pois é. Com tantos exames de Ordem e tantas formaturas e tantas faculdades de Direito, leio que o Congresso teve uma ideia genial. Segundo Projeto de Lei do deputado Jorge Tadeu Mudalen (ou seria Mudalei?) (clique aqui para ler o PL 5.123/2013), nas causas de até R$ 27,1 mil não será mais necessária presença de causídico. Antes era até a metade disso (20 salários mínimos). Gostei da nova redação: “Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, não sendo necessária a assistência de advogado; nas de valor superior, a assistência é facultativa”. Quer dizer: até 20 SM, não é necessário o advogado; até 40 SM, também não é. É isso, pois não?

Com chance de ser aprovado, o projeto também estabelece outra pérola: a de que, na hipótese de a petição inicial ser prolixa, a secretaria — sim, a secretaria do juizado — dará prazo ao advogado para emendá-la em 24 horas. Bingo. Vou estocar alimentos. O caos é iminente. A saída será o aeroporto de Cumbica. Rumo à Estação Finlândia. Pela Burkina Faso Airways. Na classe econômica. Qualquer problema, vou ao JEC reclamar...em uma petição bem curtinha (não-prolixa).
Falando sério: não pode ser sério esse projeto. Primeiro, quer-se que causas de até 40 salários mínimos dispensem o patrocínio de advogado. Maravilha. Em um país com alto grau de analfabetismo (funcional ou não), é bom isso. É uma boa forma de fazer com que as “causas” andem mais rápidas. E mais rapidamente sejam perdidas. E a qualidade do julgamento? Isso interessa? Parece que não! O direito não se leva a sério, certo?
Cidadania no Brasil é de primeira, segunda, terceira e quarta classe. O projeto apenas institucionaliza isso. Sua “causa” não tem importância. Afinal, ela é menor do que 40 salários mínimos (mais de três anos de trabalho de um patuléu). Logo, pode entrar no JEC sem advogado.[1] Pergunto: poderíamos fazer outra lei dispensando a presença do Promotor em pequenos delitos... Juiz só seria necessário em causas “complexas”... Policiais só atenderiam ocorrências de furtos acima de determinada quantia... A população faria uma espécie de self service da Justiça! Pouparíamos o dinheiro da Viúva.
Outra sugestão: estender a ideia para a Medicina. Doenças “pequenas” podem ser curadas por atendentes de pharmácia. Ou automedicamentadas. Vamos desafogar o SUS. Criemos uma JEC-SUS.
E na engenharia? Casas até 30 m² não precisam de planta. Nem de “Habite-se”. Faça você mesmo. E nem tente complicar a planta. E se você tiver um engenheiro e ele fizer uma planta complexa, o secretário da repartição mandará alterá-la em 24 horas... Isso também poderia ser aplicado no ensino jurídico: para ensinar a cadeira que trata do JEC, convidaríamos o atendente do fórum ou os funcionários da secretaria do JEC... Afinal, não são eles que, pelo projeto, fiscalizarão se uma petição é não prolixa?
Paradoxos de Pindorama, pois não? Temos mais de 500 mil estudantes de direitos, 1 milhão de formados... E criamos mais vagas nas faculdades. Tem até EAD. Ao mesmo tempo, queremos fazer uma lei que dispensa o trabalho desse profissional. Como estão sobrando advogados, poderíamos emprestá-los para outros ramos que dispensam o acompanhamento do profissional... O problema é que quem dispensa o profissional é tão somente... o Direito. Viva. A Constituição diz que o advogado é (in)dispensável! Estou sem paciência, confesso.
E o que dizer da ultrabizarrice de a secretaria do JEC “mandar” alterar a petição? Onde chegamos? Isso é improbidade legislativa. O projeto deveria ser mandado ao Ministério Público para processar o autor. Quer dizer que, se a causa for patrocinada por advogado, que estudou cinco anos, passou pela corrida de obstáculo que é o Exame de Ordem, ela tem de ter a petição inicial bem simplezinha... Claro. O direito de quem tem uma causa de até 40 salários mínimos não merece qualquer complicação ou sofisticação... Deve ser feita em quadrinhos. Para qualquer imbecil entender. Atenção: a dogmática jurídica tem um novo desafio: conceituar o que é “prolixo”. Surgirão várias “teses”. Até x palavras é “adequado”. Tantos toques a mais, já é prolixo. E tudo pode ir “pro-lixo”! Poupem-me.
Enfim, era o que estava nos faltando. Como conseguimos sobreviver sem isso até hoje?
Como conseguimos sobreviver sem a ladra Jane até estes gloriosos dias? Como sobrevivemos sem saber que Paraguai não faz divisa com o Mato Grosso?
Criaremos uma disciplina nos cursos de Direito chamada “petissões [assim, com dois “esses”] para o JEC? Aquele que escrever sentença com “ç” e “s” (çentensa), ganhará nota 10. E quem escrever qualquer palavra que o secretario do JEC não entender, chumbará.
Enfim, nunca levaremos o Direito a sério?
Larguei. I rest my case! Repetindo o velho Barão do Itataré: “diga-me com quem andas e eu te direi... se posso sair contigo!”
Lançamento em São Paulo
Antigamente isto se chamava de “reclame publicitário”. Pois quero convidar a todos meus leitores (e não leitores) para comparecerem ao lançamento dos meus livros Compreender Direito e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, no dia 8 de agosto, na Livraria RT (Rua Conde do Pinhal, 80, centro de São Paulo), a partir das 18 horas. (clique aqui para mais informações) Estarei lá para “bater papo” (prolixamente).


[1] Atenção: examinando tabula rasa, não há problema em estabelecer que alguém possa se autodefender ou dispensar a assistência de advogado. O problema está no aspecto simbólico. Esta lei é feita em um país que não conseguiu, minimamente, fazer com que se respeite a legalidade “burguesa”... “Conceder” o direito de entrar em juízo desse modo é ignorar as especificidades do Brasil, com ilusões de laissez-faire, laissez passer. Gosto desses surtos de “liberalismo” como o do deputado Mudalei. Seria bom que isso se estendesse ao BNDES e a outras formas de (“maldita”) intervenção estatal... fornecendo subsídios aos “liberais” de Pindorama. Somos “liberais” quando interessa; quando não interessa, penduramo-nos nas tetas do Estado.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.

Revista Consultor Jurídico, 1º de agosto de 2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470

Aliomar Baleeiro explicou certa vez, em notável reflexão sobre o trabalho do STF: “Se há coisa em que falhamos é não termos provocado, dos juristas, das universidades, das Ordens de Advogados e dos cidadãos, uma crítica permanente às nossas opiniões e aos nossos trabalhos”.

Pois bem, queiramos ou não, com o julgamento da Ação Penal 470, a Corteprovocou a crítica. Suas cores, tons e duração serão frutos do labor do tempo, mas a verdade é que a comunidade jurídica fez do acórdão objeto de intensos estudos, debates e análises. Até mesmo cursos e seminários levam em seu nome a célebre ação.
Dentro desse contexto, continuamos a tecer algumas considerações a respeito da decisão do STF, nesse momento, sobre o elemento subjetivo do tipo penal de lavagem de dinheiro.
Há tempos a doutrina se divide sobre a admissibilidade do chamado dolo eventual para este delito. Pelas regras legais, se o agente desconhece a procedência infracional dos bens ocultados ou dissimulados, faltar-lhe-á o dolo da prática de lavagem e a conduta será atípica mesmo se o erro for evitável, pois não há previsão da lavagem culposa. Assim, se o agente não percebe a origem delitiva do produto que mascara por descuido ou imprudência, não pratica lavagem de dinheiro, respondendo penalmente o terceiro que determinou o erro, se existir (parágrafo 2º do artigo 20 do Código Penal).
Questão mais complexa é: qual o grau de consciência exigido do agente sobre a procedência dos bens? É suficiente que ele desconfie da origem infracional (dolo eventual) ou se faz necessária aconsciência plena da proveniência ilícita do produto?
Há quem sustente que apenas pratica lavagem de dinheiro aquele que tem plena ciência da origem delitiva dos bens (dolo direto).[1] Nessa linha, a Convenção de Viena (artigo 3, 1, b), de Palermo (artigo 6, 1) e a Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (26/10/2005) (artigo 1, 2, a e b), indicam que apenas quem tem conhecimento da proveniência dos bens pratica lavagem de dinheiro.
Por outro lado, há quem afirme que basta a mera suspeita da origem infracional (dolo eventual) para que se afaste o erro de tipo.[2] Nesse sentido, a Convenção de Varsóvia (2005) indica que os Estados-membros da Comunidade Europeia podem tomar medidas para entender como crime os casos de lavagem em que o agente suspeitava da origem ilícita dos bens ou deveria conhecer a origem ilícita dos bens, indicando a possibilidade da prática do crime a título de dolo eventual ou mesmo de imprudência (artigo 9, 3).
Como já expusemos em outra oportunidade[3], entendemos que o agente deve ter consciência clarada origem ilícita dos bens para a lavagem de dinheiro na forma do caput do artigo 1º, sendo o dolo eventual admissível apenas nos casos descritos no parágrafo 2º, inciso I da Lei.
Aceitar o dolo eventual para todas as formas de lavagem de dinheiro não parece adequado do ponto de vista político criminal porque resultaria na imposição de uma carga demasiado custosa àqueles que desempenham atividades no setor financeiro, afinal, sempre será possível encontrar algumindício de mácula na procedência do capital de terceiros com o qual se trabalha, à exceção dos casos em que a licitude original é patente.
A falta de informações sobre a fonte do dinheiro pode gerar desconfiança, ao mesmo tempo em que a fungibilidade do bem impede — em geral — o reconhecimento seguro de sua procedência. Mesmo que sejam adotadas medidas de averiguação do cliente e da operação, nos termos dos atos regulatórios em vigor, sempre — ou quase sempre — haverá espaço para dúvida, e tal dúvida poderá, em um campo semântico alargado, indicar suspeita. Por isso, nos parece que a tipicidade subjetiva da lavagem de dinheiro na forma do caput do artigo 1º é limitada ao dolo direto, sendo odolo eventual admissível apenas nos casos descritos no parágrafo 2º, inciso I da Lei.
No entanto, não parece ter sido esta a orientação do STF por ocasião do julgamento da Ação Penal em discussão. Alguns ministros rechaçaram expressamente o dolo eventual na lavagem de dinheiro, ao menos diante do texto legal anterior[4], mas a maioria admitiu esta modalidade, reconhecendo-a como possível mesmo na redação da Lei 9.613/1998 em vigor à época da prática dos fatos julgados[5].
Seja como for, a leitura das manifestações deixa claro que — para os integrantes da Suprema Corte — o novo texto da lei de lavagem de dinheiro admite o dolo eventual em todas as formas de lavagemde dinheiro[6]. Por isso, parece necessário conceituar tal categoria dogmática, para que sua aplicação seja balizada por critérios precisos.
Tem dolo eventual o agente que suspeita da origem ilícita dos bens com os quais trabalha, mas não tem certeza sobre tal fato. Assim, aquele que envia ao exterior (a uma empresa off-shore) valores não declarados, sobre os quais exista fundada suspeita de origem criminosa, pratica lavagem de dinheiro dolosa (sob a ótica do dolo eventual).
No entanto, não é qualquer suspeita que sustenta o dolo eventual. Ainda que careça da vontade de resultado e da ciência plena da origem ilícita do bem, o dolo eventual exige a consciência concreta do contexto no qual se atua. Como ensina Roxin, não basta uma consciência potencial, marginal, ou um sentimento.[7] É preciso mais: é necessária uma percepção clara das circunstâncias, uma compreensão consciente dos elementos objetivos que justifiquem a duvida sobre a licitude dos bens. Deve-se averiguar se o agente percebeu o perigo de agir, e se assumiu o risco de contribuir para um ato de lavagem.[8] A mera imprudência ou desídia não é suficiente para o dolo eventual. Nesse sentido, a ministra Rosa Weber:
“Admitindo-se o dolo eventual, viabiliza-se uma resposta penal apropriada a esse fenômeno (da lavagem de dinheiro) sem ir ao extremo de prescindir da ciência pelo agente da lavagem da elevada possibilidade da procedência criminosa do objeto da transação (folha 1.300 do acórdão, sem grifos no original)
Porém, algo mais deve ser levado em consideração. Parte da doutrina e da jurisprudência equiparam ao dolo eventual a chamada cegueira deliberada (wilfull blindness). Trata-se de instituto de origem jurisprudencial norte-americana pelo qual se aceita como dolosos os casos em que o agente se coloca em uma situação proposital de erro de tipo. Assim, tem dolo de lavagem de dinheiro não apenas o agente que conhece (dolo direto) ou suspeita (dolo eventual) da origem ilícita do capital, mas também aquele que cria conscientemente uma barreira para evitar que qualquer suspeita sobre a origem dos bens chegue ao seu conhecimento[9].
Para ilustrar: se o diretor financeiro de uma instituição bancária determina expressamente a seus gerentes que não o informem de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, poderá ser condenado pela prática desse crime, por cegueira deliberada, pois criou conscientemente um mecanismo que veda a chegada ao seu conhecimento de qualquer dúvida sobre a licitude dos bens que processa.
A nosso ver, se a admissão do dolo eventual na lavagem de dinheiro já parece pouco recomendável, seu reconhecimento na forma de cegueira deliberada parece ainda menos adequada a um sistema penal pautado pelo princípio da culpabilidade.
No entanto, a cegueira deliberada foi ao menos tangenciada por integrantes do STF, nos autos da Ação Penal 470, apontando para sua possível admissão no cenário jurídico nacional. O ministro Celso de Mello chegou a admitir expressamente a adoção da cegueira deliberada no crime de lavagem de dinheiro, como indica Informativo do STF:
Ato contínuo, o decano da Corte, Min. Celso de Mello admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio na teoria da cegueira deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida.[10]
No mesmo sentido, a ministra Rosa Weber à folha1.273 do acórdão, discorreu sobre a teoria, admitindo sua utilização.
Diante da possível aceitação da cegueira deliberada pela jurisprudência pátria, algumas cautelas — recomendadas pela doutrina de países mais íntimos do instituto - devem ser tomadas em sua aplicação[11].
Em primeiro lugar, para a cegueira deliberada é essencial que o agente crie consciente evoluntariamente barreiras ao conhecimento, com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, caso ela ocorra. O diretor de uma instituição financeira não está em cegueira deliberada se deixa de se certificar de todas as operações do setor de contabilidade a ele subordinada, e se contenta apenas com relatórios gerais. A otimização da organização funcional da instituição não se confunde com a cegueira deliberada. Por outro lado, se o mesmo diretor desativa o setor de controle interno ou de prevenção à lavagem de dinheiro, e suspende seus procedimentos mais relevantes de monitoramento, pode criar uma situação de cegueira deliberada.[12].
Em síntese, a cegueira deliberada somente é equiparada ao dolo eventual nos casos de criação consciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento da proveniência ilícita de bens.
Mas, para além disso, há um segundo requisito: o agente deve perceber que a criação das barreiras de conhecimento facilitará a prática de atos infracionais penais. Assim, se o agente não quer conhecer a procedência dos bens, mas representa como provável sua origem delitiva, haverá cegueira deliberada. Por outro lado, se lhe faltar a consciência de que tais filtros o impedirão de ter ciência de atos infracionais penais, fica “absolutamente excluído o dolo eventual”.[13] Assim, se um doleiro cria mecanismos para que não lhe cheguem notícias sobre a origem dos bens que manipula porque percebe que podem ser provenientes de ilícitos administrativos — sem representar em absoluto que possam ser oriundos de infrações penais — não haverá dolo eventual em relação à lavagem de dinheiro. Por outro lado, se o diretor de instituição financeira suprimir os sistemas decompliance e desativar mecanismos de comunicação, representando a possibilidade da prática de lavagem de dinheiro, haverá dolo eventual pela cegueira deliberada.[14]
Por fim, é necessário que a suspeita de que naquele contexto será praticada lavagem de dinheiro seja escorada em elementos objetivos. A possibilidade genérica que os usuários do serviço ou atividade praticarão mascaramento de capital não é suficiente. São imprescindíveis elementos concretos que gerem na mente do autor a dúvida razoável sobre a licitude do objeto sobre o qual realizará suas atividades. Como ensina Blanco Cordero, é preciso suspeita, probabilidade de realização e verificação da evitabilidade para a cegueira deliberada.[15]
Em síntese, a cegueira deliberada somente é equiparada ao dolo eventual nos casos de criaçãoconsciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento de indícios sobre a proveniência ilícita de bens, nos quais o agente represente a possibilidade da evitação recair sobre atos de lavagem de dinheiro.
Também a ministra Rosa Weber entendeu — em seu voto na Ação Penal em estudo — prudente a adoção de critérios para a aplicação da cegueira deliberada, dentre os quais, i) a ciência do agente quanto a elevada probabilidade de que bens, direitos ou valores provenham de crimes; ii) o atuar de forma indiferente a esse conhecimento; iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa (folha1.273 do acórdão).
Assim, a cegueira deliberada parece encontrar espaço potencial na jurisprudência pátria. Embora a teoria tenha sido mencionada de passagem por poucos ministros, seus fundamentos não foram rechaçados, apontando para uma possível incorporação ao conceito de dolo das situações em que o agente não conheça os elementos típicos por deliberação expressa.
Tal incorporação — como dito — parece preocupante, uma vez que caracterizará como dolosos comportamentos ontológica e normativamente diferentes. Será dolosa a ação típica na qual o agenteconheça o contexto no qual atua e queira o resultado, bem como aquela na qual o sujeito não queira o resultado e nem mesmo conheça a criação do risco porque criou mecanismos que lhe impediram a ciência deste. Ainda que ambos sejam reprováveis, caracterizar os dois da mesma forma sobrecarrega o instituto do dolo e afeta a proporcionalidade na aplicação da norma penal.
Nessa linha, vale a anotação de Ragués y Vallés, ao tratar da cegueira deliberada na Espanha, país que adota conceitos dogmáticos similares aos brasileiros. O autor aponta para a necessidade de repensar as categorias de dolo e culpa, indicando a possibilidade de criar novas modalidades deimputação subjetiva, com consequências jurídicas diferentes. Com isso, evitar-se-ia o alargamento dodolo para abrigar situações evidentemente dispares, como o dolo direto e a cegueira deliberada, com todos os problemas de proporcionalidade envolvidos nesta equiparação[16].
Assim, talvez melhor que equiparar o dolo eventual à cegueira deliberada, seja a criação legislativa de novas modalidades de imputação subjetiva, para além do dolo e da culpa, com patamares distintos de punição para cada categoria, evitando-se o alargamento e a imprecisão dos institutos e garantindo-se a proporcionalidade na aplicação da pena.
Seja como for, a decisão do STF abre espaço para a cegueira deliberada, exigindo do intérprete e do acadêmico reflexões urgentes sobre o tema, em especial diante dos institutos jurídicos nacionais.

[1] Barros, Lavagem de capitais, p. 59, Callegari, Lavagem de dinheiro, p. 164, Podval, Lavagem de dinheiro, p. 2100, Pitombo, Lavagem de dinheiro, p. 137. Ainda que não mencione expressamente odolo eventual, Reale Jr. caracteriza o dolo da lavagem a partir do conhecimento da origem ilícita, apontando que o agente deve agir com convicção de que o bem sobre o qual atua é ilícito (Figura típica e objeto material do crime de “lavagem de dinheiro”, p. 559-575).
[2] Maia admite dolo eventual diante da ausência de qualquer restrição – diferente do que ocorre com a receptação, Lavagem de dinheiro, p. 88; Bonfim e Bonfim, Lavagem de dinheiro, p. 46; De Carli, Dos crimes, p. 188. Admitem ainda dolo eventual, Moro, Crime de lavagem de dinheiro, p. 62; Prado, Dos crimes: aspectos subjetivos, p. 228. Delmanto, Leis penais especiais comentadas, p. 559-564; Sanctis, Combate à lavagem de dinheiro, p. 49; Oliveira, A criminalização da lavagem de dinheiro. p. 112-129; Pereira, Lavagem de dinheiro: Compatibilidade com o dolo eventual?, p. 32-44.
[3] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9.613/1998 com as alterações da Lei 12.683/2012.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.
[4] Nesse sentido, o Min. Ricardo Lewandowsky (fls.3736 do acórdão),Min. Dias Toffoli, indicando que é preciso refletir se a nova legislação permite o dolo eventual (fls.3273 do acórdão)
[5] Nesse sentido, a Min. Rosa Weber (fls.1273 do acórdão), a Min. Carmen Lucia, às fls.2081 do acórdão (embora aponte em alguns trechos a necessidade do agente saber da ocorrência de um dos crimes antecedentes, como às fls.2082 do acórdão), o Min. Luiz Fux (fls.3188 do acórdão), o Min. Celso de Mello (embora não publicadas suas manifestações a respeito no acórdão, parece ser essa a linha de seu raciocínio descrita no Informativo STF n.677) e o Min. Ayres Britto (fls.3425 do acórdão).
[6] Posição que, a nosso ver, não parece a mais adequada
[7] ROXIN, Derecho penal, p. 472.
[8] ROXIN, Derecho penal, p. 447.
[9] Para uma visão detalhada do instituto, BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, 3. ed., Cap.VII, 3.3; PRADO, Dos crimes: aspectos subjetivos, p. 237 e MORO, Crime de lavagem de dinheiro, p. 69.
[10] Informativo 684, sem grifos.
[11] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9.613/1998 com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 94.
[12] Idem, ibidem.
[13] Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales, 3. ed., Cap.VII, 3.3.
[14] Idem, ibidem.
[15] El delito de blanqueo de capitales, Cap.VII, 3.2.
[16] RAGUÉS Y VALLES, Ramon. La ignorância deliberada em derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007, pg. 209.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2013

Proposta faculta advogados em juizados especiais cíveis

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que torna facultativa a participação de advogados nas ações de juizados especiais cíveis, independente do valor da causa. A proposta vale inclusive para os recursos, que hoje obrigatoriamente só podem ser apresentados por advogados, independente do valor. Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico alertam para os riscos da ausência de advogados em processos.
“O cidadão leigo não possui o conhecimento técnico necessário para o bom andamento da demanda, estando despreparado para o prosseguimento do processo caso não haja êxito na conciliação. A ausência do advogado faz com que muitas vezes o autor não formule os pedidos da maneira correta, de modo que a prestação jurisdicional por ele buscada não é alcançada de maneira satisfatória”, afirma Fabiana Sales, da banca Marcelo Tostes Advogados.
De autoria do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), o Projeto de Lei 5.123/13 altera a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). A proposta será analisada de forma conclusiva pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o que dispensa a deliberação em Plenário.
Atualmente, a participação de advogados só é facultativa nas ações de valor até 20 salários mínimos (R$ 13,5 mil). Nas outras ações dos juizados especiais, que vão até o limite de 40 salários mínimos (R$ 27,1 mil), é obrigatória a representação por um advogado. 
Mudalen argumenta que a intenção de regulamentar rapidamente os juizados especiais nos anos 90 acabou afastando a lei dessas instituições dos princípios da Constituição. “O que provocou inúmeros contrassensos de ordem processual a todo aquele que busca ou responde ao procedimento sumaríssimo dos juizados especiais”, disse.
Outras mudanças propostas no projeto de lei dizem respeito a prazos e peças de defesa e recursos. A intenção do autor é impedir que seja usado o linguajar jurídico, já que a lei fala em “oralidade, simplicidade e informalidade”. Por outro lado, os prazos e momentos da ação onde pode haver recurso ou adiamento ficam mais claros, de forma a ajudar um leigo a entender o processo judicial.
Um exemplo: caso a secretaria do Juizado ache que a linguagem é prolixa ou inadequada, dará prazo de 24 horas para que o advogado que a redigiu possa corrigi-la. Em outro momento, a proposta deixa claro que uma das partes pode dizer que não quer um acordo e partir diretamente para o julgamento da ação.
Em toda caso, a proposta preserva o direito a um advogado constituído pelo Judiciário caso a outra parte compareça com um advogado, ou caso a ação seja contra uma empresa ou outra pessoa jurídica.
Consequências negativas
O especialista em direito securitário Ernesto Tzirulnik afirma que embora corresponda à melhor utopia, o projeto édelicado para a sociedade. “Desacostumados à linguagem e ao tecnicismo jurídico, os cidadãos sem advogados poderão sofrer reveses na defesa de seus direitos, além de perderem um profissional que é responsável pela boa atuação técnica”, comenta.

Para a advogada Fabiana Sales o projeto, caso seja aprovado, terá consequências negativas. Ela lembra que o advogado é indispensável à administração da Justiça, como prevê o artigo 133 da Constituição Federal. Além disso, explica que muito embora a criação dos Juizados Especiais tenha trazido a simplificação do rito para as causas de menor complexidade, as regras processuais ainda são complexas, impedindo o entendimento daqueles que não são operadores do direito.
“O argumento de que o jus postulandi trará maior facilidade de acesso à Justiça aos cidadãos que não possuem condições de arcar com os custos da contratação de um advogado não pode ser entendido como sendo justificativa válida para as alterações pretendidas pelo projeto, posto que o Estado deve assegurar o acesso dos cidadãos à justiça através da Defensoria Pública”, conclui.
No mesmo sentido, a advogada Andressa Barros, sócia do Fragata e Antunes Advogados, afirma que a falta de acompanhamento técnico pode gerar novas demandas consequentes das ações mal resolvidas. “As partes precisam de esclarecimento e o Judiciário não pode ser mais demandado do que já é para atendê-las”, afirma.
Ela afirma ainda que não é razoável imaginar que facultar a participação dos advogados nas causas dos juizados especiais cíveis acima de 20 salários mínimos vá acelerar a tramitação dos processos. Andressa critica também o trecho do projeto que trata da simplificação do linguajar jurírido. “Supor que o advogado não é capaz de simplificar é um outro grave erro do projeto. Não será submetendo a petição inicial à apreciação da secretaria dos juizados que tornará a comunicação mais viável para agilizar o processo. Não basta ser simples se não for eficaz”, complementa. 
Para a advogada Carolina Neves do Patrocínio Nunes, do Ávila, Nogueira e Miguel Neto Advogados, o projeto apresenta diversas incongruências técnicas no âmbito do direito processual, além de imprecisões semânticas, mas, sem dúvida, o que mais preocupa é que o texto prevê a postulação em juízo sem advogado nas causas envolvendo valor acima de 20 salários mínimos.
“Se hoje, com a obrigatoriedade do patrocínio nessas causas, as demandas nos Juizados — especialmente aquelas envolvendo relações de consumo — já não raro antecedem qualquer tentativa de solução amigável do conflito, o que dizer da facultatividade da assistência qualquer que seja o valor da causa?”, questiona a especialista, alertando que o risco do projeto é de se transformar os Juizados em verdadeiros serviços de atendimento ao consumidor.
Carolina Nunes aponta também outra proposta arriscada do projeto: a mudança projetada para o dispositivo que trata das nulidades processuais, permitindo  pronunciá-las sem prejuízo. “O sistema jurídico brasileiro, conforme sustenta a própria Lei 9.099/95 em seu  primeiro parágrafo do 13º artigo, adota o princípio ´pas de nullité sans grief’, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo e que, aliás, melhor se adequa à celeridade do processo nos Juizados Especiais”, comenta.
O advogado especialista em Direito Civil, Franco Mauro Russo Brugioni, sócio do Raeffray Brugioni Advogados, considera o projeto inadequado. "O movimento de desburocratização do Poder Judiciário e redução de tempo de trâmite de processos não pode chegar ao ponto deixar os jurisdicionados desamparados juridicamente", afirma.
Ele afirma ainda que o advogado não pode ser genericamente responsabilizado pela demora nos processos, até porque este apenas se utiliza dos meios legais para a melhor defesa de seu cliente. "Este projeto de lei, portanto, é temerário e representa um retrocesso no que diz respeito às garantias dos jurisdicionados perante o Poder Judiciário", encerra.
Clique aqui para ler a íntegra do PL 5.123/13
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2013

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia?

Caricatura José Miguel Garcia Medina - 13/02/2012 [Spacca]
Segundo um dos mais populares teóricos da atualidade, “fomos treinados com sucesso a fechar os olhos e tapar os ouvidos” (Zygmunt Bauman, Medo líquido, Zahar, 2006, página 86). Não se trata apenas de conformismo, mas de um estado de indolência: vivemos como se não tivéssemos nada a ver com os problemas que saltam aos nossos olhos. Quando não corrigimos isso, descambamos para o cinismo. Nesse caso, não ignoramos o problema, mas argumentamos que é correto e justificável o modo como lidamos com ele. Seria algo como dizer que o que faço é errado, mas meu erro é legitimado por uma série de circunstâncias (minha história de vida, problemas sociais etc.). Por isso, o que faço não pode ser, ao fim e ao cabo, considerado algo censurável.

Tal é o que pode acontecer, creio, com aquilo que se convencionou chamar de jurisprudência defensiva. Acostumamo-nos com ela. Em nossos livros, escrevemos a respeito dos requisitos exigidos pela jurisprudência dos tribunais superiores, ainda que os mesmos não estejam amparados na Constituição, ou na lei. Em nosso dia a dia, na advocacia, já nos habituamos a ser surpreendidos por mudanças jurisprudenciais, novas orientações dos tribunais superiores que passam a exigir requisitos não previstos em regra jurídica alguma, e convivemos, sem questionamentos, com isso.
Com a finalidade de viabilizar o funcionamento do Superior Tribunal de Justiça, tornando-o “sustentável” (levando em conta o número de processos que poderia julgar), a jurisprudência passa a adotar postura não apenas mais rigorosa em relação aos requisitos recursais, mas vai além, impondo às partes a observância de exigências não previstas em qualquer norma jurídica.
Segundo afirmou o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência defensiva é “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”. A medida deveria ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, disse então o ministro, “para fugir do ‘aviltante destino’ de transformar-se em terceira instância”.
Ficamos sensibilizados, pois. Afinal, ninguém entre nós deseja que os tribunais superiores fiquem inviabilizados ou sejam “aviltados”. Há pouco tempo, quando reclamei da jurisprudência defensiva em uma palestra, fui repreendido. Afinal, segundo meu interlocutor, eu falava como alguém que desconhecia a quantidade de processos que chegam aos tribunais superiores. Os cidadãos, afinal, seriam os grandes culpados, já que recorriam em demasia àqueles tribunais.
Falar contra a jurisprudência defensiva, assim, é quase um pecado, pois demonstraria que o autor da crítica é insensível aos problemas dos tribunais.
Penso que temos que lutar contra esse nosso conformismo diante da jurisprudência defensiva. A mudança deve começar por nós mesmos.
Devemos, também, afastar essa ideia de que a jurisprudência defensiva seria, de algum modo, justificável. A quantidade elevada de processos nos tribunais superiores, sem dúvida, é um grave problema. Mas tal problema não é resolvido com a criação de entraves, pretextos, desculpas ou algo que o valha, sem apoio legal, para que recursos não sejam admitidos. São vários os exemplos de exigências injustificáveis, até mesmo contrárias à Lei. Dentre outras, pode ser citada a orientação disposta na Súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “na instância especial é inexistente recurso interposto sem procuração nos autos”, não se admitindo a juntada posterior de procuração, o que contraria os artigos 13 e 37 do Código de Processo Civil (assim, por exemplo, noAgRg no REsp 1370523/RJ, no STJ).
Há também o entendimento de que, sendo “ilegível o carimbo de protocolo” — circunstância que, evidentemente, escapa ao controle da parte —, o recurso não deve ser conhecido, sendo inadmissível “a juntada posterior de certidão que ateste sua tempestividade” (nesse sentido, dentre outros, o AgRg no AREsp 239.167/MG).
Pode-se recordar, igualmente, da orientação, ainda preponderante no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a parte deve comprovar a existência de feriado ou dias sem expediente forense na instância local, com a finalidade de afastar o risco de o tribunal, posteriormente, considerar o recurso intempestivo. O Superior Tribunal de Justiça ensaiou uma mudança de entendimento a respeito, mas depois voltou atrás. O Supremo Tribunal Federal, acertadamente, abandonou tal orientação.
Os tribunais superiores têm a grande função de apontar o rumo correto a ser seguido na interpretação e aplicação da Constituição e da lei federal. Devem, pois, ser tomados como exemplos do cuidado com que a norma jurídica deve ser interpretada e aplicada. A criação de requisitos recursais à margem da lei definitivamente não corresponde ao papel que deve ser desempenhado pelos tribunais. Esse, a meu ver, é o maior problema da jurisprudência defensiva. Os tribunais — e, no que respeita ao tema, especialmente os tribunais superiores — devem atuar com retidão, ao aplicar a lei. A criação de “entraves e pretextos” não previstos na norma jurídica “para impedir a chegada e o conhecimento de recursos” mancha a imagem daqueles tribunais que deveriam servir de guias na interpretação da própria lei.
De lege ferenda, duas considerações devem ser feitas, a respeito do tema.
Tem-se, de um lado, o projeto do novo Código de Processo Civil, que contém uma série de disposições tendentes a simplificar procedimentos hoje excessivamente burocráticos. Alguns exemplos:
Contra a exigência de ratificação do Recurso Extraordinário e/ou Especial interposto antes da oposição de Embargos de Declaração pela outra parte (Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça), estabelece o projeto que “se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado e julgado independentemente de ratificação” (artigo 1.039, parágrafo 2º, na versão da Câmara dos Deputados, correspondente ao artigo 980, parágrafo 3º, da versão do Senado).
Em direção contrária à orientação segundo a qual é intempestivo o ato praticado antes da publicação da intimação, prevê o projeto que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo” (artigo 218, parágrafo 4º, na versão da Câmara, correspondente ao artigo 186, parágrafo 1º, na versão do Senado).
Para os casos em que os tribunais superiores controvertem quanto a tratar-se de constitucional ou federal a questão de direito suscitada na decisão recorrida, o projeto prevê a possibilidade de conversão do Recurso Extraordinário em Recurso Especial, ou vice-versa. Na versão do projeto aprovado no Senado, estabelecem os artigos 986 e 987: “Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente deduza as razões que revelem e existência de repercussão geral, remetendo, em seguida, os autos ao Supremo Tribunal Federal, que procederá à sua admissibilidade, ou o devolverá ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão irrecorrível”; “Se o relator, no Supremo Tribunal Federal, entender que o recurso extraordinário versa sobre questão legal, sendo indireta a ofensa à Constituição da República, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento, por decisão irrecorrível”. Tais disposições correspondem aos artigos 1.045 e 1.046, na versão do projeto em trâmite na Câmara dos Deputados.
Quanto à caracterização do prequestionamento, é conhecida a divergência entre as orientações adotadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, aquele admitindo, este rejeitando o denominado “prequestionamento ficto”. O projeto opta por caminho menos formalista, ao dispor que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade” (artigo 979 na versão do Senado; correspondente ao artigo 1.038 na versão da Câmara dos Deputados).
Por fim, caso se esteja diante de requisito cuja ausência não seja suprida em razão de uma das soluções acima referidas, prevê o projeto que “quando o recurso tempestivo contiver defeito formal que não se repute grave, o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal poderão desconsiderar o vício, ou mandar saná-lo, julgando o mérito” (artigo 983, artigo 2º, na versão do Senado, correspondente ao artigo 1.042, parágrafo 3º, na versão da Câmara dos Deputados).
Tais soluções, somadas a outras previstas no projeto de novo CPC, tendem a permitir que se concretizem as garantias mínimas do Processo Civil moderno. Esse propósito, creio, não é utópico, no sentido de algo irrealizável. Penso que temos condições de trabalhar para que o sistema jurídico e as instituições que o operam melhorem, e, definitivamente, a estratégia imposta pela jurisprudência defensiva, além de não se sustentar no sistema jurídico, não torna melhores aqueles que a operam. Tratando do termo “sustentabilidade”, Mitchell Joachim disse que a expressão não seria evocativa o suficiente. E exemplificou: “Você não quer que seu casamento seja ‘sustentável’. Você quer estar evoluindo, inspirando, aprendendo”. Embora dirigida à temática do meio ambiente, a crítica chama a atenção para um modo de pensar que é bastante difundido, entre nós. Criar “entraves e pretextos” para que processos não cheguem à Justiça não torna nossa Justiça melhor, nem evita sua piora qualitativa: apenas torna-a uma Justiça com menos processos. Uma Justiça sustentada apenas em números não é, ipso facto, uma boa Justiça.
Há, também de lege ferenda, outro aspecto que desejo analisar, mas que ficará para uma das próximas colunas. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional, ora em trâmite no Congresso Nacional, que cria o requisito da relevância da questão federal para o Recurso Especial. Tal requisito, segundo penso, não é condizente com a missão constitucional do Superior Tribunal de Justiça.
Doravante, aqui na ConJur, na coluna Processo Novo, passaremos a examinar os aspectos que consideramos mais relevantes e que maior repercussão devem ter no dia a dia daqueles que atuam no foro. Dúvidas e sugestões a respeito de temas poderão ser enviadas por e-mail.
Até a próxima semana!
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o noTwitter, no Facebook e em seu blog.

Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2013

Contratar trabalhador como empresa é simular, diz TRT-RS

Quando duas empresas legalmente constituídas firmam contrato para mascarar a relação de emprego, em fraude à legislação trabalhista, está caracterizada a ‘‘pejotização’’ da prestação de serviço. Neste caso, pelo princípio da primazia da realidade, deve ser reconhecido o vínculo empregatício.
Ancorada nesSe entendimento, a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul considerou fraudulento um contrato de representação comercial entabulado entre uma distribuidora de medicamentos e um vendedor que teve de abrir uma empresa para poder prestar os serviços.
Tanto os desembargadores do TRT quanto o juiz que proferiu a sentença foram unânimes em reconhecer o vínculo empregatício, por constatar que o vendedor prestou serviços de forma onerosa — o contrato gerava obrigação de pagamento mensal —, pessoal, subordinada e não eventual durante cinco anos. A previsão está expressa nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
No TRT, o empregador ainda tentou invalidar o depoimento da testemunha-chave que permitiu o reconhecimento de vínculo empregatício, pelo fato de ela também ter ajuizado reclamatória trabalhista. O colegiado não acolheu o recurso, pois a jurisprudência já consolidou o entendimento de que a circunstância de a testemunha demandar ou ter demandado em juízo contra o mesmo empregador não a torna suspeita para depor, na forma da Súmula 357 do TST.
O desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, que relatou os recursos, determinou o envio de ofício ao Ministério Público do Trabalho, em vista das ‘‘reiteradas fraudes praticadas pela empresa reclamada’’. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 6 de junho.
O caso
O autor informou, na inicial, que foi contratado no dia 9 de fevereiro de 2004 para trabalhar na função de vendedor, recebendo comissões e prêmios. Em vez do contrato do trabalho, entretanto, assinou contrato de representação comercial com o empregador. A relação durou até 15 de dezembro de 2009, quando a empresa dispensou os seus serviços, ensejando uma reclamatória com inúmeros pedidos.

Ao analisar pontualmente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, o titular da 10ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, juiz Elson Rodrigues da Silva Junior, deu especial relevo ao depoimento da testemunha. Na sua percepção, o relato comprovou que o contrato formal de prestação de serviços, entabulado entre duas pessoas jurídicas, serviu para fraudar a contratação.
Conforme registra a sentença, a distribuidora de medicamentos exigia que a empresa do reclamante — da qual este era sócio — firmasse instrumento de mandato para outros vendedores, como se fossem seus prepostos. Desta maneira, a distribuidora era quem, na realidade, contratava os vendedores. Estes, decorridos três meses, abriam a própria empresa, para poder continuar a trabalhar para a reclamada. O modus operandi acabava sonegando os direitos trabalhistas daqueles que lhe prestavam serviços.
‘‘Comprovado que se tratava de prestação de serviços de pessoa natural à pessoa jurídica, bem como considerando a fraude, caberia à reclamada comprovar a ausência de elementos caracterizadores da relação de emprego, o que não fez’’, observou o magistrado.
Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2013

Especialistas questionam efeito suspensivo em Apelação

A decisão da Câmara dos Deputados de excluir do projeto do novo Código de Processo Civil artigo que previa o fim do chamado "efeito suspensivo" do recurso de apelação devide os advogados. Para alguns, a decisão manteve a morosidade da Justiça em detrimento da sua efetividade. Para outros, o efeito suspensivo garante o direito à ampla defesa e atende às garantias constitucionais.
Crítico ao efeito suspensivo, o advogado Benedito Cerezzo Pereira Filho considera que, assim, há favorecimento a uma das partes do processo: o réu. “Continuou-se a privilegiar uma parte, no caso o réu, em detrimento do autor que demonstrou, desde o início do processo, ter razão. Em outras palavras, o juízo de primeiro grau continua sendo apenas uma ‘jurisdição de passagem’, e a sentença, um mero parecer aguardando a verdadeira ‘decisão’ que, em última análise, será do réu, de permitir ou não a realização do trânsito em julgado”, afirma. O advogado é professor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo e atua em Brasília, no escritório Eduardo Ferrão Advogados Associados. Ele fez parte da Comissão de Juristas que elaborou o texto do projeto. 
O especialista Antonio de Pádua Soubhie Nogueira, sócio do escritório Ávila, Nogueira e Miguel Neto Advogados e doutor em Direito Processual Civil pela USP, também critica a mudança e concorda que o texto deveria prever o fim do efeito suspensivo.
“O efeito suspensivo da apelação é coisa que não existe em nenhum sistema processual avançado. Quem venceu a ação precisa ter o direito de, se quiser, poder executar imediatamente a decisão dada a seu favor, a despeito de o autor ter recorrido ao tribunal. Essa execução, que se chama provisória, é conduzida com todas as cautelas e exige que o autor preste uma garantia para poder levantar dinheiro. Nada há a temer, portanto", comenta.
Já a advogada Ana Carolina Remígio de Oliveira, especialista em Direito Cível e sócia do Marcelo Tostes Advogados, tem opinião completamente distinta. “Na verdade, foi uma decisão sensata e benéfica, pois privilegia a segurança jurídica e a economia processual, porquanto não é incomum ocorrer a reforma das decisões de primeiro grau pelos tribunais”, diz.
Ela observa que o fim do efeito suspensivo, apesar de procurar acelerar o cumprimento das decisões proferidas, “poderia criar um grande tumulto naqueles casos em que houver a reforma da decisão, além de ignorar por completo o consagrado direito ao duplo grau de jurisdição”. Ana Carolina destaca que, muito embora a reforma do CPC tenha como objetivo conferir ao cidadão o direito a um processo célere, “não pode, sob esse pretexto, atropelar garantias constitucionais previamente instituídas, tais como o devido processo legal e a ampla defesa”.
Outros pontos
José Carlos Puoli, professor de Direito Processual Civil da USP e sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, classifica como retrocesso a possibilidade de ser convocada audiência de mediação como condição prévia para análise, pelo juiz, do pedido de reintegração de posse em demandas possessórias coletivas. Segundo Puoli, “mesmo com a redação resultante dos últimos debates havidos na Comissão, essa audiência cria entraves que não se justificam e ainda torna muito pouco eficaz a proteção devida a quem tem sua propriedade invadida”.

Caio Lúcio Montano Brutton, especialista em Direito das relações de consumo e sócio do Fragata e Antunes Advogados, considera que o novo CPC traz importantes mudanças que atuarão diretamente no combate à morosidade da Justiça, como a simplificação dos ritos e o incidente de demandas repetitivas, além da diminuição do sistema recursal. “Mas outros temas podem gerar efeito contrário, como, por exemplo, a inexistência de preclusão para as questões suscitadas no andamento do processo, que inclusive poderão ser invocadas na fase de apelação”, comenta.
Para Brutton, há também lacunas consideráveis, como as poucas disposições adaptativas ao procedimento eletrônico, “que é uma realidade sem volta. Neste sentido, chama a atenção a ausência de previsão de sustentação oral, dentre outros atos, por videoconferência”. O advogado afirma que o novo CPC, além de já nascer obsoleto neste ponto, “traz aí um contrassenso, uma vez que sustentações por videoconferência já ocorrem em alguns TRFs”.
Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2013

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Prova da OAB: “Ivo viu a uva” ou “onde fica o MT”?

O que é isonomia? Vale um ponto
Acompanho, de longe, a polêmica que se instalou sobre a prova da OAB. Li que “Candidatos e professores de direito reclamam de falta de isonomia na correção da prova prático-profissional. Segundo eles, duas questões foram anuladas na prova de Direito Civil porque a pergunta demandava dos bacharéis conhecimentos sobre jurisprudência que não estavam inclusos no edital.”

Ao que se sabe, na última prova, o problema decorreu do fato de que algumas perguntas só poderiam ser respondidas com base na jurisprudência do STF. Solução: mudar o edital pra dizer que a resposta deve estar em consonância com a jurisprudência pacificada. A patetada: fizeram duas questões na prova de civil e o gabarito apontava resposta contrária à jurisprudência pacificada. Os desdobramentos: na prova de Direito Administrativo queriam (querem?) anular duas por isonomia! Uau! Já, de pronto, poderíamos fazer uma pergunta para a banca: o que é isonomia? (vale um ponto)
Algo de novo ou estamos no interregno?
O que há de novo nisso? A prova da OAB (e dos demais concursos) reflete apenas a crise no ensino jurídico, aliás, decorrente de uma crise muito maior, que a crise de paradigmas que assola o Direito em Pindorama. Falta de isonomia? E existe isonomia nas decisões judiciais? A maior prova da fragmentação no modo de decidir está na criação das súmulas vinculantes e na repercussão geral. Isto é, as fórmulas de decidir por pilhas de processos (vide agora o festejado incidente de processos repetitivos no projeto do novo Código de Processo Civil) nada mais são do que uma resposta darwiniana ao solipsismo judicial brasileiro. Venho denunciando isso há anos. Trata-se de uma crise de imaginário. Quem está acostumado a fazer uma coisa de um jeito, mas não sabe que está errado, está inserido até o pescoço nesse magma de significações (Castoriadis). Ou ainda, poderíamos dizer, com Peter Sloterdijk, em sua Crítica da Razão Cínica, que esse modus procedendi indica o grau de mal estar em que está inserida a nossa cultura jurídica. Um modelo que pode ser tomado por cínico, uma vez que “ousa se mostrar com verdades nuas, que mantêm algo falso no modo como são expostas”[1].

Um exemplo contado por Bauman ajuda: o primeiro rei de Roma, Rômulo, reinou por 38 anos; esse tempo era o tempo de vida das pessoas, na época; quando ele morreu, ninguém sabia o que fazer... É o que Bauman chama de interregno: "Nós nos encontramos num momento de ‘interregno’: velhas maneiras de fazer as coisas não funcionam mais...”. A dogmática jurídica vive um (e no) interregno!
Duas questões foram anuladas? Céus. E as outras? Posso elencar, se quiserem, outras que não passam por um crivo epistêmico. A dogmática jurídica é um queijo suíço. Não tem remendo. Só uma profunda reformulação do ensino jurídico e do modo de decidir poderão apontar caminhos para que não mais transformemos concursos públicos (e a prova da OAB) em quiz shows.
O que é jurisprudência pacificada (sic)? E qual é a diferença entre a lei a jurisprudência? Quer dizer que há questões indagando sobre “a letra da lei” e outras sobre “jurisprudência pacificada”? Não me façam farfalhar. Paremos com isso. Estudaram Teoria do Direito onde? Ano zero. Estamos todos nos enganando. Falta só agora alguém vir dizer que as provas indagarão sobre as regras jurídicas e também... sobre os princípios... só que em questões separadas! Claro: se pensarmos o que se ensina sobre a relação regra-princípio por aí, nada disso surpreenderia. E por aí afora. Ah: e o que dizer da LINDB, essa lei ridícula que se pretende uma “lei de introdução ao Direito”? Um país que tem uma LINDB (isso é nome de chocolate?) não pode esperar muitos de seus alunos (e professores).
A questão da Jane e o Mato Grosso
Outra coisa interessante foi/é a polêmica sobre a famosa questão de direito penal da 2ª Fase do Exame de Ordem, mais especificamente no que tange à viabilidade, ou não, da tese de desclassificação do crime de furto qualificado (artigo 155, parágrafo 5º, Código Penal) para furto simples (artigo 155, caput, CP). Quanta profundidade epistêmica. A pergunta (vou resumir) versava sobre a personagem Jane, que subtraiu um veículo em Cuiabá, aproveitando-se que o carro estava com a chave na ignição. A terrível ladravaz queria revender a res no Paraguai. Foi presa no dia seguinte, quando tentava passar a fronteira com El Paraguai (mas sem o veículo!). Detalhe: a vítima morreu no dia seguinte por ataque cardíaco. Jane foi condenada à pena de cinco anos de prisão (dureza da caneta do juiz, hein?). Detalhe: dias após o fato, Jane avisou o filho da vítima sobre o esconderijo do carro. E este ficou com o carro (mas não contou para ninguém!)... A questão indagava sobre o que fazer agora, em 2013, enquanto advogado de Jane, uma vez que a sentença transitou em julgado. Não valia falar em HC.

Vários professores se manifestaram. Vozes importantes do mundo jurídico entraram no debate. Onde estaria o carro? No Mato Grosso? Na casa do Marcos Valério? Em Miami? No estádio Defensores del Chaco? É furto? É qualificado? Se desclassifica, vai para a segunda divisão? Tem rebaixamento de tipo penal nesse campeonato? Eu, por exemplo, queria saber acerca do filho da vítima, que ficou quietinho e com o carro durante esse tempo todo! Malandrão! Qual era a idade do menino ou moço? E o advogado de Jane, não foi punido? Ele estudou por EAD? O causídico de Jane era inscrito na OAB? Ele passara no Exame? Ou ele “ganhou” a carteira? Sim, porque defender sua cliente desse modo... Afinal, o que o mentor da questão queria que o novo causídico fizesse? Ainda: qual é o nexo causal da morte da vítima com o ato de Jane? Qual foi a prova apurada? E qual foi a nova prova apurada? Outra coisa: que história é essa do paraguaio (suponho que seja) apresentado como testemunha e adquirente de boa-fé do automóvel? Boa-fé de quê, cara pálida? Ao que entendi, essa testemunha (de boa-fé) serviu para demonstrar o “animus vendendi” (desculpem-me a blague) da ré Jane. Ainda: Jane devolveu o carro ao filho da vítima e não relatou isso ao seu advogado? Nem ao juiz? É ficção demais para o meu gosto!
Guardada a bizarrice da pergunta e da falta de conhecimento de geografia da banca (seria impossível o furto ocorrer em Cuiabá e a ré ser presa na fronteira do Paraguai, a menos que ela tenha entrado na Bolívia e depois voltado ao Brasil, para, de novo, tentar entrar no Paraguai) — problemática apontada muito bem por Cezar Bittencourt —, não quero entrar na polêmica[2], porque, com o devido respeito, discutir o mérito de tão mal formulada pergunta é cair na armadilha do “sistema”. Não devemos discutir “a questão”, mas, sim, o modelo de questões e o modelo de formulação de provas. A pergunta que cabe é: por que isso é assim? Por que a dogmática jurídica está longe dos aprofundamentos epistemológicos?
Por que a dogmática tem ficado no raso?
A dogmática jurídica tem ficado no raso. Com saudades do século XIX, alimenta-se de restos de sintaxe e de semântica jurídica, assim como de exemplos bizarros, buscando com isso alcançar, por vias tortas, a plenitude de algo que nunca foi pleno... Ora, parece que a dogmática — mormente a penal — não consegue se movimentar fora do modelo tradicional. Se, no positivismo clássico, toda regra era geral, porque buscava antecipar todas as hipóteses aplicativas; agora, em tempos de “um novo modelo de Direito e de Estado”, parece restar ao jurista apenas rechear o direito penal com “simulacro-de-respostas-antes-das-perguntas”.

Ou seja, a dogmática penal nega a applicatio. Ela se nega a entender que o Direito só se dá em um caso concreto. Por isso, trabalha o todo tempo com exemplos ficcionais. Caio, Ticio, Zenão (e Jane), ou outros nomes, passam a fazer parte de um mundo de exemplos bizarros. Um grupo vai fuzilar uma pessoa. Só um rifle está carregado, nenhum dos atiradores sabe. Qual é a solução? Caio e Tício querem matar Mévio. Com veneno. Um não sabe do outro. Os dois usam apenas a metade da dose letal. Mas o idiota do Mévio toma as duas meias-doses. Qual é a solução? E daí? E as peculiaridades de cada caso? É possível dar uma resposta sem que se esteja diante do caso concreto? Ora, buscar respostas antes das perguntas nada mais é do que repetir a fórmula das normas gerais do positivismo clássico. Ou o direito penal está blindado às mudanças filosófico-paradigmáticas?
Essa pergunta sobre o automóvel e a discussão sobre onde esse automóvel estaria é típico exemplo do que estou discutindo. Faltam elementos... É claro que faltam elementos. Trata-se de um exemplo que não serve para aferir o conhecimento do candidato. E onde estaria a jurisprudência pacificada sobre esse assunto? De novo: o que é jurisprudência? E o que é “pacificada”? É uma súmula? Jurisprudência pacificada é medida como? Pela ementa? Ou pelos fundamentos de decidir? Que coisa, não?
Vamos “brincar” com isso? Para começar, súmula não é precedente. Nós nem temos um sistema de precedentes, embora o projeto do NCPC aposte em um modelo de como decidir “via precedentes”. Direito tem DNA. Cada caso tem uma historia institucional a ser reconstruída. Não dá para brincar com exemplos e pensar que existem “conceitos sem coisas”. Isso é apenas cair em uma armadilha “metafísica”. Como se uma ementa pudesse abarcar todas as hipóteses de aplicação. Como se existissem essências a serem descobertas. Ora, ora.
Já que querem fazer perguntas com “exemplos” (ou simulacros de casos), pergunto: por que razão sempre se fazem questões com furtos, roubos, enfim, delitos cometidos pela patuleia? Vejam a chinelagem do furto de Jane (a da famosa questão). Ou isso ou os exemplos beiram ao ridículo, com Caio e Tício, Mévio e outros personagens caricatos (lembro sempre de Paulo Freire: por que ensinar às crianças que “Ivo viu a uva”, se no Nordeste não tinha Ivo e nem uvas? Por que ensinar Ivo a escovar seus dentes todas as manhãs e levar maçã para a escola se a maioria das crianças nem dentes tinham e nunca comeram uma maçã na vida?).
Sugestões de temas para discutir...
Por que não fazem questões, então, sobre sonegação de tributos, por exemplo, se o sujeito que furta pode ter sua punibilidade extinta se devolver o valor furtado à vítima, nos mesmos moldes que ocorre com o crime de sonegação? Hein? Poderiam colocar o HC que beneficiou Marcos Valério e confrontar com um caso concreto (que eu atuei, por exemplo e que está no Hermenêutica Jurídica e(m) Crise) em que do furto não restou prejuízo algum para a vítima... Por que não perguntam sobre se levar droga na vagina para dentro do presídio caracteriza crime impossível? Por que não perguntam sobre se as atividades do bispo Rodovalho, que ensina na sua igreja os “segredos espirituais, emocionais e práticos para adquirir riquezas”, não violam o preceito constitucional que trata do livre exercício da fé e dá isenção de impostos às igrejas? Ou se seria um estelionato? Dizer na igreja que a fé tira o sujeito do SPC — já, aqui, não é o Rodovalho (ex-deputado pelo DEM) quem faz essa promessa, mas, sim, outra seita – é liberdade religiosa ou é puro estelionato? O que os candidatos diriam disso tudo?

Ou quem sabe perguntar se “planejamento tributário” é atividade lícita, ou não, como consta em recente reportagem da Folha de S.Paulo (Fisco vê má-fé em planejamento tributário – clique aquipara ler), dando conta de que a receita multa em R$ 50 bilhões grandes empresas por redução de tributo em fusões e aquisições? Uma boa quaestio para resolver: a empresa A controla a empresa B; empresa B controla C. Empresa A faz um investimento em C, transferindo suas ações de B para C. A transferência de ações é registrada no balanço de B com base no valor patrimonial desses papéis, mas é feita em C com base no valor de mercado (maior). Isso pode, Arnaldo? De todo modo, se forem pegos, pagarão cesta básica. Ou não. Não daria uma bela questão de direito tributário?
Ou uma questão sobre licitações, tendo como case a problemática envolvendo o consórcio de empresas que cuida da manutenção das 500 mil urnas eletrônicas e que querem uma prorrogação no seu contrato. O candidato teria que responder: se a Constituição exige licitação, é possível prorrogar? (observação: valor envolvido — R$ 120 milhões). Ainda: é possível um juiz ou um membro do Ministério Público abrir empresas nos Estados Unidos?
Outra dica de questão: na relação regra-princípio, por que não perguntam se ainda é possível dizer que o ato de uma autoridade é “legal”, mas foi “imoral”? Basta uma resolução para dar foro de legalidade a uma conduta imoral (portanto, ilegal-inconstitucional)? O que é uma regra? O que é um princípio? O que é isto — uma teoria da norma? O que a banca da prova da OAB teria a dizer sobre isso?
Enfim, por que a banca insiste em fazer perguntas do tipo “Ivo viu a uva” ou “quantas maçãs Olavo deu para Élida” ou “quantos ossos o cão de Olavo e Élida — Bodoque — comeu em um ano, se ele recebe um a cada dois dias” (sou do tempo dos personagens Olavo, Élida e o cachorro Bodoque)?Houston, Houston, we have a problem! Em que país vivemos? Ah. Já sei. É onde o banqueiro bilionário André Esteves é contratado para salvar Eike Batista da falência e confessa que “estamos perdendo o jogo”, referindo-se não ao grupo Eike... mas, sim, ao Estado brasileiro. Ele critica o paternalismo do Estado. Critica o BNDES... Hip, hip, hurra! Pois o BNDES deu de bandeja R$ 10 bilhões para... justamente seu cliente. Ah, sim, ele repete a cantilena do “bom empresário-empreendedor”: o público é ruim, corrupto; bom é o privado, ético. Claro, o lado dele, Esteves, é o privado. E ele é favor da meritocracia. Ah, bom. Se ele não diz isso, o que eu poderia pensar? De meritocracia, Eike entende tudo. E os bancos de terrae brasilis também. A propósito: “Estamos perdendo o jogo”? “— Nós quem, cara pálida”? Claro que é a patuleia. Tudo isso são retratos da meritocracia de Pindorama.
O que isso tem a ver com a prova da ordem e as questões dos concursos públicos? Pensemos um pouco. Se o mundo dos concursos e das provas da OAB for o das ficções, gente como Esteves, Eike e tantos outros sabem muito bem lidar com a realidade... E como sabem. Devem estar rolando de rir das questões da prova da Ordem... que falam de furtos e desclassificações de qualificado para simples, carros furtados levados para o Paraguai (ou para o Mato Grosso do Sul)... Como não estou conseguindo parar de rir da comparação das ficções das provas e da realidade das relações de poder em terrae brasilis, paro por aqui!
Por que temos que transformar tudo em ficções? Como dizia o Oswald de Andrade sobre os brasileiros, o que aplica também ao Exame de Ordem (e aos concursos em geral): "Cheio de bugiganga, sempre de tanga".
O TCU, a água do parto e as botas do aristocrata
Vou me repetir. E isso que vou dizer não tem stricto sensu relação com o que escrevi acima (embora,lato sensu, tenha!). O homo empoderadus voltou a atacar (leia A camponesa e o homo empoderadus de terrae brasilis), agora tendo a seu lado o homo patrimonialisticus. Eis o “senhor fato” que me obriga a me repetir: o TCU gastará R$ 6,7 milhões na troca de móveis (sofás, mesas, armários, cabideiros...). Comprará 41 televisores de 60 polegadas, por R$ 5,8 mil cada. Poltronas de quase R$ 4 mil cada. Enquanto isso, os utentes, os patuleus, os choldreus, tomam soro em pé e morrem nas filas dos hospitais que não têm macas. Mas o TCU tem sofás chiquérrimos. É por isso que conto de novo a alegoria da Revolução Francesa. O TCU merece. Nós merecemos. Aí vai:

Há um filme sobre uma peça de teatro que pretende contar a Revolução Francesa. Na primeira cena, o rei e a rainha fogem da França e são recapturados na fronteira. Da plateia, alguém reclama, dizendo que a revolução deve ser contada de outro modo.
Na nova cena, aparece uma bacia com água quente, uma camponesa pronta para dar à luz e a parteira. Na sequência, entra um aristocrata, que voltava da caçada. Vendo aquela água límpida, lava as suas botas sujas na bacia destinada ao parto. Desdém, deboche e desprezo. E alguém grita da plateia: “— Isso. É assim que se conta a origem da Revolução”. Alguma coisa tinha que ser feira. Já não dava mais.
Peço desculpas, mas não podia deixar de repetir o início da coluna de duas semanas atrás e que, ao que consta, passou despercebida, perdendo, de longe, em ibope para a notícia de que a Lei Maria da Penha não se aplicava ao caso Luana Piovani (e daí?)!

[1] Cf. SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012, p. 26.
[2] Só para registrar: no plano da dogmática, gostei mais das críticas do Cezar Bittencourt (o Pacelli também levanta bem essa questão da má formulação). Cezar entra — bem — no jogo da questão e mostra a impossibilidade geográfica. Vejam a ficcionalidade do direito e por que caras como Eike e outros riem do direito: Quem acreditaria que Jane furtaria o carro em Cuiabá e iria até o Paraguai (foi presa na fronteira) e depois voltaria para buscar o carro? Venderia o carro e o comprador viria buscar o veículo no Mato Grosso? E que história é essa de “terceiro de boa-fé”? E esse terceiro picareta-receptador veio depor? Atravessou a fronteira e veio depor? Ou foi por carta rogatória? Hein? E o Promotor ou o Juiz não perguntaram para ele algo do tipo: “– Mas o Senhor iria comprar um carro vindo do Brasil, assim, sem documentos?” Outra coisa: se o menino ou moço, filho da vítima, nada contou sobre a devolução do veículo e isso, portanto, não veio aos autos, tal circunstância é “questão de prova”, pois não? Não tem que provar isso? Como o moço ficou rodando com o carro nesse tempo? Se a mãe dele, a vítima, morrera, não teria que ter transferido o carro, se ele era o único herdeiro? Tudo matéria de prova... Logo, é revisão criminal, pois não? Cá para nós, não dá. É demais. La garantia soy yo...
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.

Revista Consultor Jurídico, 25 de julho de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...