segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Capitalismo e modernidade: a guerra contra a natureza


Por José Luiz Quadros de Magalhães

Qual a conexão entre paz e meio ambiente? A aparente desconexão é facilmente superada quando nos valemos da história. Percebemos, a partir de um passeio na história recente, que paz e meio ambiente estão completamente conectados, e que a preservação do meio ambiente necessita da conquista da paz, o que por sua vez só ocorrerá com a substituição radical dos valores que sustentam a relações humanas e logo as relações internacionais.
Comecemos pois a desdobrar o parágrafo anterior.



GUERRA E MEIO AMBIENTE



Podemos fazer uma ligação imediata entre paz e meio ambiente lembrando diversas passagens de conflitos armados em tempos diferentes da história, e como, gradualmente, estes conflitos levaram às devastações ambientais crescentes, desde a queima de florestas, contaminação da água dos rios (como na guerra do Paraguai), destruição de plantações, a utilização de armas de destruição em larga escala, até chegarmos à ameaça final da guerra nuclear, passando pelas guerras químicas e biológicas.

As devastações do campo e das cidades comprometem o meio ambiente. Os bombardeios em larga escala desde a segunda guerra mundial até as guerras do Iraque e Afeganistão no século XXI trouxeram, em muitos casos, prejuízos irreparáveis. Como exemplos recentes podemos citar a destruição sádica de Dresden (Alemanha 2ª guerra mundial); de Yroshima e Nagasaki (no Japão, onde pessoas ainda morriam em razão da bomba décadas depois da detonação); a destruição de Bagdá e de um acervo histórico de valor incalculável para humanidade, entre outros episódios lamentáveis.

Entretanto não é apenas esta a conexão que podemos fazer. Podemos buscar uma conexão menos aparente para o público em geral, mas de capacidade de destruição continua, pois se trata de um comprometimento da paz que sustenta todo um sistema econômico que vivemos na modernidade. O capitalismo e a necessidade da guerra para a sua sobrevivência.

Respeitando as dimensões deste texto precisamos delimitar a questão da paz, da guerra, do meio ambiente e do capitalismo aos séculos XX e XXI, ou seja, a construção da sociedade de consumo em que vivemos, que nos mergulha em valores que comprometem a vida humana no planeta, e não o planeta como muitos ressaltam.

Parece cada vez mais claro que uma sociedade global fundada em valores individualistas; egoístas; competitivos e materialistas, em uma relação de consumo e de apropriação de tudo (o que é contraditório na essência), não pode prosperar muito tempo (mesmo porque a idéia de prosperidade desta sociedade é material e quantitativa, portanto, inviável do ponto de vista ambiental e humano). Ou mudamos estes valores que hoje sustentam nossas sociedades ou acabamos.

Importante lembrar sempre, que estes valores não são naturais, são históricos. O individualismo, o egoísmo e a apropriação desenfreada são construções históricas capazes de gerar subjetividades que podem e são normalmente naturalizadas. Exemplo disto é a afirmação ainda hoje de direitos naturais, como, por exemplo, o direito de propriedade. O sentimento de propriedade ou a necessidade de apropriação são criações culturais históricas. A nossa percepção da nossa condição de seres históricos é fundamental para enfrentarmos o desafio de construirmos novas percepções do mundo, uma nova subjetividade, desafio fundamental para a preservação da humanidade.

Para compreendermos a relação entre sistema econômico e guerra precisamos relembrar alguns conceitos importantes da Teoria do Estado. Ao recordarmos estes conceitos pretendemos oferecer ao leitor elementos de análise crítica que possam permitir não apenas estabelecer a conexão lógica de um sistema moderno que se alimenta essencialmente da guerra, como também, a necessidade de construção de uma nova sociedade política, que permita a construção de relações internacionais fundadas no diálogo e na diversidade cultural.

Assim, a paz capaz de preservar o meio ambiente é um caminho a ser construído na superação do paradigma moderno.



A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE: A ERA EUROPÉIA



Uma data simbólica nos ajuda a compreender a construção da modernidade européia: 1492.

Por que esta data? São dois os fatos históricos marcantes que inauguram a modernidade.

A era européia.

Em primeiro lugar, em 1492, Colombo chega a América. Neste momento começa o processo de expansão militar, conquista e exploração sistemática dos que os europeus passaram a chamar de recursos naturais: a natureza estava reduzida a recursos para alimentar a expansão econômica européia. Esta concepção do ser humano separado da natureza e da natureza como fonte de recursos para este ser racional (o único) nos acompanhará até hoje. Esta idéia fundamenta a acelerada e continua degradação ambiental que hoje, mesmo após todos os alertas sobre as suas conseqüências, continua em ritmo cada vez maior.

Esta invasão que se inicia na América, ocorrerá nos outros continentes nos 500 anos de hegemonia militar e cultural européia.<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->

Naquele momento, quando europeus tomavam terras de uso comum de inúmeras comunidades originárias, assistíamos ao primeiro grande genocídio humano com milhões de indígenas assassinados, culturas extintas e o início de uma devastação ambiental com precedente na mesma Europa de onde vinham os invasores (que se diziam civilizadores).

O segundo fato histórico importante no ano de 1492 foi a expulsão dos mouros (muçulmanos) e dos judeus da península ibérica. Este é o marco para o início da formação do estado moderno e do seu direito territorial uniformizador, normalizador e hegemônico.

A fundação do estado nacional e a expansão européia fundam o universalismo europeu<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> com o qual começamos a romper, lentamente e pontualmente, na contemporaneidade.

Os mitos modernos começam a ajudar a compreender as bases das sociedades de exploração de recursos e pessoas que se constroi a partir de então. Boaventura de Souza Santos<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> menciona estes mitos: o selvagem; o oriental e a natureza separada do ser humano. Como visto, destes mitos, que sustentam a exploração da riqueza das Américas pelos invasores europeus que não consideram os selvagens (os povos originários) como pessoas, a separação do homem da natureza é um dos fundamentos ideológicos do sistema que perdura até hoje: a natureza, vista como algo separado de nós racionais, serve para ser explorada pelos homens, abastecendo a sociedade humana e sua indústria de todos os recursos que estes necessitarem.

Uma característica essencial do estado moderno que deve ser levada em consideração para a compreensão do sistema é o fato deste estado se constituir a partir da afirmação do poder do Rei diante de dois poderes que ocupam espaços territoriais distintos: o império com grande dimensão territorial e o poder local dos senhores feudais. A lógica que sustenta a idéia de soberania externa (independência) e soberania interna (supremacia de poder) tem uma característica hegemônica uniformizadora que sustenta a extinção de diversos povos e diversas culturas, assim como a submissão (temporária ao que parece) de diversas outras culturas.

Para que o poder do estado nacional seja reconhecido ele necessita da uniformização de comportamentos da sua população. O estado moderno expulsa os mais diferentes<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> e uniformiza valores e comportamentos dos menos diferentes. Assim, para que todos os grupos étnicos do nascente Estado Espanhol reconheçam a autoridade do Rei, este não pode se identificar diretamente com nenhum destes grupos.

O Estado moderno que surge na Europa se pretende hegemônico (superior) em relação ao outro (estrangeiro) e reproduz internamente a lógica hegemônica e intolerante com o diferente uma vez que há sempre a dominação de um grupo étnico sobre os demais.<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->

A lógica que permanece deste Estado e do Direito por ele produzido é logo hegemônica e uniformizadora, subordinando pela força e pela ideologia todos que resistirem a sua supremacia. A ordem internacional também seguiu este modelo o que aparece expresso no Tratado de Versalhes e na Carta das Nações Unidas quando esta se refere ao Conselho de Tutela. Da mesma forma o direito comunitário (que seria uma novidade do pós-guerra) também reproduz o mesmo modelo hegemônico ao impor um sistema econômico especifico fundado em um direito de propriedade uniformizador que ignora as imensas diversidades dos diversos grupos étnicos que habitam o continente europeu.

Algumas premissas:

a) O estado moderno, hegemônico e uniformizador é essencialmente violento. Este estado depende das forças armadas e da policia para sobreviver, instituições que serão desenvolvidas e profissionalizadas durante os últimos 500 anos.

b) O modelo hegemônico interno cria as bases da economia capitalista. A moeda nacional, os bancos nacionais e o aparato repressivo do estado sustentam a economia interna.

c) Este estado reproduz externamente a lógica hegemônica interna e a sua economia interna ultrapassa suas fronteiras em uma busca por recursos naturais, humanos e mercados por meio da conquista militar.

Ou seja, a economia de exploração da natureza e das pessoas dos últimos quinhentos anos se baseou na conquista e ocupação militar de todo o planeta pelos europeus. A guerra permitiu a conquista de territórios de onde foram extraídos (e ainda são) os recursos naturais que permitem toda a expansão industrial e tecnológica. Desde o ouro e da prata da América ao coltan (combinação de dois minerais utilizados na fabricação de aparelhos celulares) da África, o sistema exploratório de recursos naturais por meio da guerra continua em ação, em larga escala.







AS GUERRAS MUNDIAIS NO SÉCULO XX E A EXPANSÃO DO CAPITALISMO



A Revolução Industrial gerou uma expansão econômica sem precedentes. Esta expansão, entretanto, não proporcionou uma melhoria uniforme do nível de vida da população. Enormes diferenças sociais criaram cidades industriais inchadas e desiguais. O fruto da expansão foi apropriado por poucos, os mesmos poucos que se utilizaram da estrutura do Estado para garantir a segurança de sua riqueza acumulada e agora necessitam do aparato militar estatal para expandir seus negócios em busca de mão-de-obra barata, novos mercados e recursos naturais. As guerras mundiais foram resultados da expansão econômica do século XIX, onde as potencias econômicas competiam por espaço.

Dentro deste contexto devemos entender o nazismo e o fascismo italiano e seus similares em outros países, especialmente no Japão.

No início do século XX havia uma competição por espaço, entre as seis grandes economias nacionais do planeta (e obvio as empresas nacionais destes países). De um lado Estados Unidos, Reino Unido e França com muito espaço para exploração de recursos naturais, mão-de-obra e mercados (nas suas muitas colônias) e de outro lado potências industriais importantes (Alemanha era a segunda maior economia industrial em 1910) em busca do mesmo espaço (Alemanha, Japão e Itália).

A primeira e a segunda guerra mundial foram frutos do imperialismo do século XIX e da acomodação de áreas de influência e exploração das grandes potências industriais. Assim Alemanha, Inglaterra e Japão (representados pelos interesses de seus empresários e de sua elite política a estes ligados) buscavam os espaços que, por sua vez, Estados Unidos, Reino Unido e França já haviam tomado.<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> Este conflito entre potencias industriais capitalistas em nível global é provisoriamente resolvido com o cenário de pós-guerra, onde agora era necessária uma Europa ocidental, unida sob o domínio estadunidense, capaz de barrar a expansão do socialismo no leste europeu sob a influência soviética.

Os inimigos da segunda guerra se encontram até hoje unidos no grupo dos sete grandes. Exatamente os mesmos: Estados Unidos; Reino Unido; França; Alemanha; Itália e Japão, acrescentando o Canadá que na época era formalmente colônia britânica.



A GUERRA COMO NECESSIDADE PARA A EXPANSÃO ECONÔMICA: ONTEM E HOJE



Assim, a expansão econômica industrial capitalista da Europa necessitou, e obviamente, ainda necessita da guerra e da dominação ideológica, para sua expansão.

São vários os exemplos históricos que comprovam a hipótese levantada:

<!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->A exploração da prata; do cobre e do ouro na América para o financiamento do Império espanhol;

<!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->A formação do território dos Estados Unidos da América com a invasão das terras dos povos originários e invasão e anexação de parte do território mexicano rico em petróleo;

<!--[if !supportLists]-->c) <!--[endif]-->A exploração do ouro de Minas Gerais enviado para Portugal que ajudou a financiar a revolução industrial na Inglaterra;

<!--[if !supportLists]-->d) <!--[endif]-->A expansão territorial alemã em busca de recursos naturais negados àquele país e aos seus industriais pelo tratado de Versalhes;

<!--[if !supportLists]-->e) <!--[endif]-->A expansão territorial japonesa sobre a Coréia e China em busca de espaço e recursos naturais para sua indústria;

<!--[if !supportLists]-->f) <!--[endif]-->A invasão e repartição da África em muitos Estados artificiais para a exploração de seus enormes recursos naturais;

<!--[if !supportLists]-->g) <!--[endif]-->A invasão e repartição do Oriente Médio em diversos Estados artificiais títeres para a exploração continua dos seus recursos naturais;

<!--[if !supportLists]-->h) <!--[endif]-->Mais recentemente a invasão do Iraque em busca do petróleo que trouxe um enorme peso ambiental com a queima de reservas de óleo.

Poderíamos aqui citar páginas e páginas de relatos de fatos ocorridos nos últimos quinhentos anos de hegemonia européia, que trouxe consigo a economia capitalista e a acelerada degradação ambiental. Capitalismo, guerra, degradação ambiental na era europeia andam juntas e inseparáveis. A paz parece impossível no sistema vigente. Mesmo que os conflitos tradicionais de guerras entre estados nacionais e exércitos fardados tendam desaparecer, estes cederam lugar a outras formas de guerra: guerras civis (como na Colômbia); movimentos guerrilheiros (movimento Zapatista no México); ações terroristas (Al Qaeda); guerrilha urbana e conflitos religiosos (Iraque); guerra não convencional (Afeganistão); conflitos urbanos, tráfico de drogas, criminalidade organizada ou não organizada (nas metrópoles do mundo).

Se a mundialização do sistema capitalista sustentada por uma questionável democracia representativa liberal vai tornando desnecessária a guerra por recursos naturais entre estados nacionais, o sistema econômico global, pela engrenagem demonstrada, necessita do conflito armado para manter os recursos, conquistar novos e manter a cada vez maior massa de excluídos sob controle.



A IDEOLOGIA SUBSTITUI A GUERRA?



Como dito acima, os conflitos armados convencionais<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> entre estados nacionais têm diminuído. Isto se explica pelo fato da expansão da democracia liberal e a globalização da economia. O fato é que, a guerra entre estados nacionais de democracia liberal e economia capitalista foi substituída por um eficiente controle ideológico fundado na legitimidade de democracias representativas liberais comprometidas pelo financiamento privado de campanha; corrupção generalizada e desinformação gerada por uma imprensa concentrada nas mãos de conglomerados econômicos. As decisões são aparentemente democráticas por que tomadas por governos eleitos que governam com maioria da opinião pública.

Luis Barrios<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> cita dois exemplos entre vários que ilustram o que dissemos acima. O pesquisador aborda no seu artigo a exportação de riscos ambientais para os países economicamente mais frágeis e com democracias liberais representativas, enquanto os vultosos lucros permanecem nos países hegemônicos (especialmente Europa ocidental e o ocidente americano – EUA e Canadá).

O primeiro caso ocorre no Uruguai a partir de 1998. Seguindo o que vem ocorrendo no Chile, Brasil, Paraguai e Argentina, o governo eleito do Uruguai admite receber investimentos de empresas européias (no caso a ENCE espanhola e a METSÄ-BOTNIA finlandesa) para reflorestamento com fins de produção de papel. Entre os argumentos que fundamentam a propaganda, capaz de ganhar a simpatia da opinião pública sustentando assim a tomada de decisão do governo, estão os tratados de proteção de investimentos e o comércio do carbono instalado sob a proteção dos “mecanismos de desenvolvimento limpo” do protocolo de Kyoto. Estes tratados de proteção de investimento, segundo no informa Luis Barrios, têm a força de neutralizar a mobilização social que ocorre com o deslocamento de culturas tradicionais e expulsão de comunidades étnicas para naquelas terras plantar eucaliptos e pinhos. O mais absurdo é o fato destas plantações serem certificadas como bosques pelo Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewardship Council), gerando, portanto, autorizações para continuar emitindo gases estufa nos países de origem dos donos das plantações. Em 2005 uma empresa Sueca (STORA-ENSO) iniciou a formação de seu parque florestal no Uruguai com a pretensão de comprar 90.000 hectares para plantar pinho e eucalipto e instalar uma fábrica de papel às margens de um dos principais afluentes do Rio Uruguai.

Esta prática de exportação de risco ambiental transferindo para os países considerados “subdesenvolvidos econômicos” (e para os europeus subdesenvolvidos sociais, culturais e políticos) os processos mais danosos de produção do papel não é o único exemplo:

“Os danos causados pelas explorações mineiras a céu aberto no Peru, Chile e Argentina; a instalação de indústrias químicas que lançam seus dejetos contaminadores em rios e terras ou os armazenam nas próprias fábricas; a invasão de culturas transgênicas no Brasil, Paraguai e Argentina, seguidas das correspondentes propagandas de presentes de semeadoras de segunda geração; o assédio das reservas de água doce, em particular as do lençol subterrâneo Guarani; a privatização de reservas naturais com o objetivo de criar novas espécies geradoras de patentes nanotecnológicas; a exportação de lixo tóxico de origens distintas. Enfim, uma lista interminável de decisões de risco e de perigosos empreendimentos em curso.”<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]-->



Todas estas ações são tomadas hoje por governos eleitos que se sustentam em uma opinião pública tomada pela ideologia (crença) de que a prosperidade do mercado com os investimentos estrangeiros impulsionarão a equidade social, proteção ambiental e segurança coletiva.<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> A silenciosa aceitação da opinião pública de constantes ações tomadas por governos eleitos contra os interesses dos eleitores é tema que necessita ser pesquisado e minuciosamente analisado. Os exemplos são muitos.

Entre 1998 e 1999, 600 toneladas de sementes de algodão contaminadas, uns 4.000 kg de pesticidas e quantidades indeterminadas de uma bactéria fungicida, tudo fora de uso, foram jogadas em uma localidade próxima à cidade de Ybicuí, distante 120 Km da capital do Paraguai. Os dejetos tóxicos provinham dos Estados Unidos e pertenciam à empresa industrial química DELTA & PINE LAND Co. O caso foi relatado e documentado pelo jornalista Carlos Amorim, 2003, “As sementes da morte”. Desde novembro de 1998, o Paraguai era signatário da Convenção de Rotterdam. Além da óbvia toxidade de todo o carregamento, algumas das substâncias trazidas e jogadas nas proximidades de Ybicuí estavam explicitamente na lista de circulação controlada (PIC). O tratamento abertamente cúmplice que as autoridades paraguaias deram ao ilícito depois da primeira morte causada pelos dejetos é revelador da falta de defesa em que se encontram as populações do mundo subdesenvolvido quando se trata de enfrentar ilícitos por contaminação de poderosas transnacionais que negociam, diretamente com os governos e com particulares sem escrúpulos”.

Importante notar que o Paraguai era, nesta ocasião, mais uma recente democracia liberal representativa com meios de comunicação concentrados como ocorre em muitos outros exemplos.



CAPITALISMO E A PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA.


A guerra hoje não é apenas uma necessidade do sistema econômico em busca de recursos naturais e de sua manutenção. A indústria armamentista se tornou um grande negócio que se alimenta da guerra. A engrenagem se tornou mais complexa uma vez que a guerra não é apenas uma necessidade para possibilitar acesso a recursos, mas mesmo que não se necessite de recursos, mesmo que estes recursos estejam militarmente ou ideologicamente assegurados, a guerra se justifica pela necessidade de venda de produtos para a guerra. É a guerra pela guerra.

Não só a indústria armamentista se alimenta da guerra, mas todo um setor de serviços privados foi criado para possibilitar a guerra. Neste momento a engrenagem se ajusta: ações militares em busca de recursos; ações militares para manutenção dos recursos conquistados; ações militares para reprimir os excluídos do sistema econômico; ações militares para gastar os produtos da indústria bélica e finalmente ações militares para empregar os serviços privados de guerra.

Os exemplos também são fartos e basta prestar atenção aos jornais diários especialmente nos conflitos constantes no continente africano.



DIREITO A PAZ, JUSTIÇA E FIM DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: UMA POSSIBILIDADE JURÍDICA CONSTITUCIONAL PÓS-MODERNA?

A superação da modernidade européia parece cada vez mais visível. A uniformização do direito e do comportamento que sustentam a globalização de um sistema econômico egoísta e excludente é a marca desta modernidade. Foram quinhentos anos de opressão; violência e exploração sistemática e continua da natureza. A natureza, nestes séculos, tem sido vista como dissociada da sociedade humana, servindo para abastecer, esta sociedade, de “recursos” necessários para alimentar o desejo incontrolável de consumo de bens, de produtos.

Este sistema criou subjetividades, formas de ver, viver e compreender o mundo, subjetividades estas que aprisionam o ser humano em um sistema que se alimenta no desejo por bens de consumo. A competição e o individualismo foram naturalizados.

Como romper com a ideologia hegemônica na qual boa parte da população do planeta se encontra mergulhada.

Se cada um tem um papel no processo de revolução social, aqueles que estudam a realidade social podem ajudar a desvendar, a revelar os processos escondidos pelo discurso ideológico hegemônico.

Um dos movimentos mais interessantes que têm a capacidade de romper com as bases ideológicas da modernidade (que sustenta o estado moderno do qual o capitalismo carece) é a rica experiência do estado plurinacional na Bolívia e Equador.

A idéia de Estado Plurinacional pode superar as bases uniformizadoras e intolerantes do Estado nacional, onde todos os grupos sociais devem se conformar aos valores determinados na constituição nacional em termos de direito de família, direito de propriedade e sistema econômico entre outros aspectos importantes da vida social. Como vimos anteriormente o Estado nacional nasce a partir da uniformização de valores com a intolerância religiosa.

A partir da constitucionalização e sua lenta democratização (em geral, ainda de bases liberais meramente representativas) não se poderia mais admitir a construção da identidade nacional com base em uma única religião que uniformizasse o comportamento no plano econômico (direito de propriedade) e no plano familiar (direito de família). Tornou-se necessário construir uma outra justificativa e um outro fator agregador que permitisse que os diversos grupos sociais presentes no Estado moderno pudessem se reconhecer e a partir daí reconhecer o poder do Estado como legitimo.

A Constituição irá cumprir está função. Inicialmente não democrático, o constitucionalismo irá uniformizar (junto com o direito civil) as bases valorativas desta sociedade nacional, criando um único direito de família e um único regime de propriedade que sustentaria o sistema econômico. Isto ocorreu em qualquer dos tipos constitucionais: liberal; social ou socialista.

A uniformização de valores e comportamentos, especialmente na família e na forma de propriedade exclui radicalmente grupos sociais (étnicos e culturais) distintos que, ou se enquadram ou são jogados, aos milhões, para fora desta sociedade constitucionalizada (uniformizada). O destino destes povos é a alienação, o aculturamento e a perda de raízes ou então a miséria, os presídios ou os manicômios.

A lógica do Estado nacional, agora constitucionalizado e mesmo “democratizado”, sustenta esta uniformização. A ideologia que justifica tudo isto é a existência de um suposto “pacto social” ou “contrato social”, ou qualquer outra ideia que procura identificar nas bases destas sociedades um suposto acordo uniformizador. Nas Américas seria admitir que as populações originárias tivessem aberto mão de sua história e cultura para assumir o direito de família e o direito de propriedade do invasor europeu, que continuou no poder com seus descendentes brancos a partir dos processos de independência no século XIX.

A grande revolução do Estado Plurinacional é o fato que este Estado plural, democrático participativo e dialógico pode finalmente romper com as bases teóricas e sociais do Estado nacional constitucional e democrático representativo (pouco democrático e nada representativo dos grupos não uniformizados), uniformizador de valores e logo radicalmente excludente.

O Estado plurinacional reconhece a democracia participativa como base da democracia representativa e garante a existência de formas de constituição da família e da economia segundo os valores tradicionais dos diversos grupos sociais (étnicos e culturais) existentes.

Nas palavras de Ileana Almeida sobre o processo de construção do Estado Plurinacional no Equador:

“Sin embargo, no se toma en cuenta que los grupos étnicos no luchan simplemente por parcelas de tierras cultivables, sino por un derecho histórico. Por lo mismo se defienden las tierras comunales y se trata de preservar las zonas de significado ecológico-cultural.”<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]-->

Certamente este Estado joga por terra o projeto uniformizador do Estado moderno que sustenta a sociedade capitalista como sistema único fundado na falsa naturalização da família e da propriedade e mais tarde da economia liberal.

Nas palavras de Ileana Almeida:

“Al funcionar el Estado como representación de una nación única cumple también su papel en el plano ideológico. La privación de derechos políticos a las nacionalidades no hispanizadas lleva al desconocimiento de la existencia misma de otros pueblos y convierte al indígena en victima del racismo. La ideología de la discriminación, aunque no es oficial, de hecho está generalizada en los diferentes estratos étnicos. Esto empuja a muchos indígenas a abandonar su identidad y pasar a formar filas de la nación ecuatoriana aunque, por lo general, en su sectores más explotados.”<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]-->

A Constituição da Bolívia, na mesma linha de criação de um Estado Plurinacional dispõe sobre a questão indígena em cerca de 80, dos 411 artigos. Pelo texto, os 36 “povos originários” (aqueles que viviam na Bolívia antes da invasão dos europeus), passam a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do poder estatal e na economia. Com a aprovação da nova Constituição, a Bolívia passou a ter uma cota para parlamentares oriundos dos povos indígenas, que também passarão a ter propriedade exclusiva sobre os recursos florestais e direitos sobre a terra e os recursos hídricos de suas comunidades. A Constituição estabelece a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a justiça ordinária do país. Cada comunidade indígena poderá ter seu próprio “tribunal”, com juízes eleitos entre os moradores. As decisões destes tribunais não poderão ser revisadas pela Justiça comum.

Outro aspecto importante é o fato da descentralização das normas eleitorais. Assim os representantes dos povos indígenas poderão ser eleitos a partir das normas eleitorais de suas comunidades.

A Constituição ainda prevê a criação de um Tribunal Constitucional plurinacional, com membros eleitos pelo sistema ordinário e pelo sistema indígena.

A nova Constituição democrática transforma a organização territorial do país. O novo texto prevê a divisão em quatro níveis de autonomia: o departamental (equivalente aos Estados brasileiros), o regional, o municipal e o indígena. Pelo projeto, cada uma dessas regiões autônomas poderá promover eleições diretas de seus governantes e administrar seus recursos econômicos.

O projeto constitucional avança ainda na construção do Estado Plurinacional ao acabar com a vinculação do estado com a religião (a religião católica ainda era oficial) transformando a Bolívia em um Estado laico (o que o Brasil é desde 1891).

Outro aspecto importante é o reconhecimento de várias formas de constituição da família.

Além de importante instrumento de transformação social, garantia de direitos democráticos, sociais, econômicos plurais, e pessoais diversos, a Constituição da Bolívia é um modelo de construção de uma nova ordem política, econômica e social internacional. É o caminho para se pensar em um Estado democrático e social de direito internacional.

Citando novamente Ileana Almeida:

“En contra de lo que podría pensarse, el reconocimiento de la especificidad étnica no fracciona la unidad de las fuerzas democráticas que se alinean en contra del imperialismo. Todo lo contrario, mientras más se robustezca la conciencia nacional de los diferentes grupos, más firme será la resistencia al imperialismo bajo cualquiera de sus formas (genocidio, imposición política, religiosa o cultural) y, sobre todo, la explotación económica”.<!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]-->

A América Latina (melhor agora a América Plural), que nasce renovada nestas democracias dialógicas populares, se redescobre também indígena, democrática, economicamente igualitária e socialmente e culturalmente diversa, plural. Em meio à crise econômica e ambiental global, que anuncia o fim de uma época de violências, fundada no egoísmo e na competição a nossa América anuncia finalmente algo de novo, democrático e tolerante, capaz de romper com a intolerância unificadora e violenta de quinhentos anos de Estado nacional.

CONCLUSÕES


Para a compreensão da grande contribuição do Estado Plurinacional e do constitucionalismo boliviano e equatoriano para a construção de um novo paradigma democrático de Estado que supere os 500 anos de estado nacional precisamos pontuar algumas questões:

<!--[if !supportLists]-->a) <!--[endif]-->O estado moderno surge a partir da afirmação de uma esfera territorial intermediária de poder: o poder dos reis entre o poder dos impérios (multi-étnico e descentralizado) e o poder dos senhores feudais (local e fragmentado);

<!--[if !supportLists]-->b) <!--[endif]-->Para que o poder deste novo estado fosse reconhecido foi necessário construir uma nacionalidade por sobre as nacionalidades pré-existentes. Assim foi inventado o espanhol como uma identidade por sobre as identidades anteriores de castelhanos, galegos, bascos, catalães e outros, processo que se repetiu em escalas diferentes na França, Portugal, Reino Unido e vários outros estados nacionais que se formaram nos últimos quinhentos anos;

<!--[if !supportLists]-->c) <!--[endif]-->Este estado nacional uniformiza valores por meio, inicialmente, da religião. A partir daí é gradualmente construído todo um aparato burocrático que permitirá o desenvolvimento do capitalismo: o povo nacional, a moeda nacional, os bancos nacionais, os exércitos nacionais (fundamental para a expansão européia em busca de recursos para o desenvolvimento de sua economia) e a polícia (fundamental para o controle e repressão dos pobres excluídos do sistema econômico desigual);

<!--[if !supportLists]-->d) <!--[endif]-->Desde então, este modelo uniformizador vem se reproduzindo, até mesmo nas novas formas descentralizadas de estado como os estados federais, os estados regionais e o estado autonômico espanhol. Nestes estados, mesmo se reconhecendo a diversidade cultural e lingüística, a base uniformizadora do direito de propriedade (que sustenta um sistema econômico único) e o direito de família (que sustenta os valores deste sistema econômico) permanecem mais ou menos intactas, mas sólidas;

<!--[if !supportLists]-->e) <!--[endif]-->A uniformização econômica fundada na uniformização do direito de família e do direito de propriedade permanece também em novas formas jurídicas como, por exemplo, o direito comunitário europeu;

<!--[if !supportLists]-->f) <!--[endif]-->A base ideológica moderna permanece intocável, mesmo com todas as conquistas de direitos constitucionalizados: o estado permanece uniformizador, excludente, fundado sobre uma economia capitalista que necessita de “recursos naturais” para abastecer a sede de consumo alimentada pela ideologia hegemônica.

<!--[if !supportLists]-->g) <!--[endif]-->Nas Américas os estados nacionais tiveram um processo de formação diferenciado: enquanto na Europa os mais diferentes foram excluídos fisicamente (muçulmanos e judeus) e os menos diferentes foram uniformizados (os grupos étnicos internos), na América os estados formados que se tornaram independentes nos séculos XVIII e XIX, foram construídos pelos descendentes dos europeus para os homens brancos descendentes dos europeus. Os povos originários, chamados de índios pelos invasores europeus, foram radicalmente excluídos da ordem jurídica constitucional nascente, assim como os imigrantes forçados da África que tiveram suas vidas escravizadas;

<!--[if !supportLists]-->h) <!--[endif]-->Assim surgiram nas Américas, estados nacionais para 20% (este é um número simbólico uma vez que encontramos estados que até hoje a exclusão supera este número). Nos Estados Unidos a população carcerária<!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--> já atinge 2.750.000 pessoas (dois milhões setecentos e cinqüenta mil pessoas) sendo que destes, 80% são negros e hispânicos. Só de homens negros são 800 mil presos e mulheres negras 75 mil presas.<!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--> Este fenômeno se repete em toda a América. No Brasil só os pobres e miseráveis são presos. A maioria dos povos originários na Bolívia, Equador e Chile foram radicalmente excluídos e só agora com governos democráticos finalmente eleitos (Evo Morales na Bolívia; Rafael Correa no Equador e Michelle Bachelet no Chile) a situação começou a mudar;

<!--[if !supportLists]-->i) <!--[endif]-->A onda democrática na América Latina trouxe uma importante novidade: a previsão de um estado plurinacional, onde cada grupo étnico poderá manter o seu próprio direito de família e o seu próprio direito de propriedade, mantendo ainda tribunais para resolver as questões nestas esferas;

<!--[if !supportLists]-->j) <!--[endif]-->Esta novidade pode finalmente representar uma ruptura com 500 anos de hegemonia do paradigma do estado nacional que representa a hegemonia européia;

<!--[if !supportLists]-->k) <!--[endif]-->Este novo constitucionalismo plurinacional pode fundamentar uma nova ordem internacional democrática e logo igualitária exigindo a coragem de se romper com o universalismo europeu<!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--> que gerou os direitos humanos “universais” europeus e uma ordem desigual cultural, econômica e social favorável aos estados do norte (Europa ocidental, EUA e Canadá) reproduzidos nos textos preconceituosos de suposta superioridade européia presentes no Tratado de Versalhes e com fortes resquícios na Carta das Nações Unidas (como, por exemplo, no sistema de tutela)

Um novo estado democrático plurinacional é possível assim como uma nova ordem mundial e a construção de um direito internacional (talvez mundial) democrático deve partir da superação das pretensões hegemônicas; das falsas declarações ou suposições disfarçadas de superioridade cultural. Uma nova ordem democrática radical pode fundamentar a construção de uma nova ordem mundial democrática, sustentável e pacífica o que exige a construção de espaços permanentes de diálogo em condições reais de igualdade de manifestação, de igualdade de fala na construção de consensos. Este novo constitucionalismo democrático latino-americano deve fundamentar uma nova ordem mundial democrática o que exige o reconhecimento dos novos atores das relações mundiais; de novos sujeitos de um direito internacional que, talvez, a partir daí, seja finalmente democrático e deixe de ser meramente internacional, mas efetivamente mundial.



<!--[if !supportFootnotes]-->

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<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> - Doutor em Direito Constitucional. Professor da UFMG e PUC-MG, nos cursos de graduação e pós-graduação.
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Quando nos referimos a Europa hegemônica hoje nos referimos ao ocidente ou a OTAN: Europa ocidental, Estados Unidos e Canadá.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> WALERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu, São Paulo : Editora Boitempo, 2008.
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Gramática do Tempo – para uma nova cultura política, São Paulo: Editora Cortez, 2006, pp. 181-190.
<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> Tomando como exemplo a Espanha os mais diferentes expulsos são os muçulmanos e judeus e os menos diferentes uniformizados são os diversos grupos étnicos cristãos ibéricos.
<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--> São vários os exemplos ainda hoje: castelhanos sobre bascos, catalães, galegos e andaluzes na Espanha; ingleses sobre escoceses, galeses e irlandeses no Reino Unido seguindo-se esta lógica em vários outros estados (Itália, França, etc). Alguns estados onde a hegemonia é menos clara as tensões também existem. A Bélgica, tenta solucionar, as hegemonias históricas de franceses e flamengos, com um federalismo assimétrico de grande complexidade.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> Obviamente não ignoramos as potências medianas que também participaram da divisão global dos recursos com força diferenciada em momentos diferentes como Portugal; Espanha; Holanda; Bélgica entre outros.

<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> Como dito, isto não significa dizer que a violência e os conflitos armados não convencionais tenham diminuído.
<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco” in VARELLA, Marcelo Dias (organizador) Direito, Sociedade e Riscos – a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco, Brasília: Uniceub; Unitar, 2006.
<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> BARRIOS, Luis. “O difícil diálogo entre estratificação social e a sociedade do risco” in VARELLA, Marcelo Dias (organizador) Direito, Sociedade e Riscos”, ob. Cit. Paginas 235-236.
<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> Trabalhei em diversos textos de minha autoria a questão da ideologia e do encobrimento do real.
<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos. Quito : Editora Abya Yala, ,2008, p. 28.

<!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos; ob.cit. p. 28.


<!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--> ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico y libertad política para los indígenas ecuatorianos; p. 29.


<!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--> - Em contato com o sistema penal, aí incluídos a probation e a parole, são mais de 4 milhões de pessoas, de acordo com Virgílio de Mattos.
<!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--> WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, Editora Boitempo, São Paulo, 2008.
<!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--> WALLERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu – a retórica do poder. São Paulo: Editora Boitempo, 2007.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO (SCP) X SOCIEDADE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE)

Sociedade em conta de participação (SCP) X Sociedade Propósito Específico (SPE)
  • Jane Resina Fernandes de Oliveira
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 991 a 996 do Código Civil Brasileiro, trata da constituição e operacionalização da SCP (Sociedade em Conta de Participação),a qual é definida em síntese como uma sociedade não personificada, ou seja, ela é instrumentalizada através de um contrato particular entre os sócios, onde estarão previstas todas as regras/condições estabelecidas livremente, sendo que não requer o registro junto aos órgãos do comércio ou no Registro Civil das pessoas jurídicas.
Essa modalidade de sociedade normalmente é utilizada para a realização de um empreendimento ou negócio específico, onde os sócios podem ser classificados como: ostensivo ou oculto. O sócio ostensivo é aquele que atua e exerce todos os negócios da sociedade em seu próprio nome, assumindo, consequentemente, todas as obrigações e responsabilidades sociais, comerciais e jurídicas, as quais, não vinculam o sócio oculto, posto que este último não assume perante terceiros, qualquer responsabilidade quanto ao objeto social definido no contrato de constituição da SCP
Na SCP a atividade definida como objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios (ocultos) dos resultados correspondentes. Os sócios ocultos somente se responsabilizam perante o sócio ostensivo, na forma definida pelas partes no contrato social que é particular, o qual, não se limita às empresas, podendo ser constituída por qualquer pessoa física ou jurídica.
A constituição da sociedade independe de qualquer formalidade, como dito acima, pois trata-se de contrato social particular firmado entre os interessados, o qual produz efeitos somente entre os sócios; uma vez que, perante terceiros, a responsabilidade é integral do sócio ostensivo, podendo no entanto, o sócio oculto ou participante, como também é conhecido, fiscalizar a gestão dos negócios sociais.
A contribuição do sócio oculto ou participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, com valor definido em contrato, que será designado como objeto da conta de participação e será utilizado para a finalidade estabelecida no contrato para determinado negócio. Exemplificando: A empresa “A”, precisa de capital para construir um empreendimento que será colocado a venda, para tanto encontra dois investidores, “B” e “C”, que serão os sócios ocultos, os quais fornecerão os recursos financeiros necessários para que a empresa “A”, cumpra o objeto da sociedade que será constituída para determinado fim: construir e vender imóveis. No contrato da SCP serão estabelecidas as regras, prestação de contas, retorno do investimento, responsabilidades das partes entre si entre outras. Sendo que, os investidores “B” e “C”, não terão qualquer responsabilidade perante terceiros, sendo estas exclusivamente do sócio ostensivo que executará o negócio. A responsabilidade dos sócios ocultos serão aquelas definidas em contrato da SCP e serão exclusivamente perante o sócio ostensivo e não perante terceiros.
A sociedade poderá ser constituída com prazo determinado ou indeterminado; para a efetivação de um ou mais negócios.
Esse tipo societário é muito utilizado por exemplo, para que investidores possam injetar dinheiro em uma empresa que pretende lançar um novo produto; em incorporadoras imobiliárias, aquisição de matéria prima para atendimento a um contrato específico do sócios ostensivo, construção de prédios, condomínios entre outras, uma vez que, no próprio contrato de constituição será estabelecido as diretrizes societárias, como a forma de utilização do capital da sociedade em conta de participação, a restituição desse capital, as atribuições e responsabilidades das partes, a dissolução, prazo de duração entre outras.
As regras estabelecidas para a sociedade simples são aplicadas subsidiariamente a esse tipo societário, e a sua liquidação rege-se pelas normas processuais relativas à prestação de contas.
SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE)
A SPE (Sociedade Propósito Específico) surgiu juntamente com a Lei de Parceria Pública Privada (Lei n. 11.079/2004), com o objetivo de unir forças entre os setores público e privado, para a realização de um contrato de parceria, concedido após licitação. É organizada sob um dos tipos societários personificáveis existentes na ordem jurídica, como exemplo: sociedade limitada, sociedade anônima aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado (§ 2º do art. 9º da Lei de PPP) entre outras.
A SPE, como o próprio nome diz, tem um fim específico, tem prazo determinado, podendo ter como membros, empresas particulares e a Administração Pública, sendo vedado a esta última, ser titular da maioria do capital votante (§ 4º do art. 9º da Lei de PPP), salvo sua eventual aquisição por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.
A SPE, além de ser muito utilizada em PPP(Parcerias Público Privadas), de acordo com o parágrafo único do art. 981 NCC, também poderá ser criada sem a participação do Estado, para a realização de um ou mais negócios determinados, citando como exemplo, a constituição de uma SPE para a construção e exploração de uma estrada, para o fim de construção e venda de imóveis em condomínios, loteamentos entre outros empreendimentos de grande vulto.
Esse tipo de empresa possui as regras estabelecidas na legislação, conforme o tipo societário escolhido para a sua constituição, mas normalmente são constituídas empresas limitadas, ou seja, as regras que regem o relacionamento entre os sócios, entre a sociedade e seus sócios, entre a sociedade e terceiros, as responsabilidades dos controladores e dos administradores, serão as estabelecidas nas várias modalidades associativas previstas no direito brasileiro para as empresas com finalidade lucrativa.
Enquanto a Sociedade em conta de participação é uma sociedade não personificada, as regras são particulares e definidas entre as partes, respondendo perante terceiros somente o sócio ostensivo; a Sociedade de Propósito Específico é personificada, depende do registro nos órgãos do comércio, e as suas regras são estabelecidas no contrato social registrado, e todos os sócios respondem igualmente pelas obrigações sociais, nesse sentido, cabe ao empreendedor a escolha do modelo societário que melhor se adequará para o atingir as metas traçadas.
 
* Autora é advogada. Sócia fundadora do escritório Resina & Marcon Advogados Associados. Mestre UnB – Universidade de Brasília, MBA em Gestão Empresarial/FGV-RJ. Especialização em Direito Empresarial UCDB/MS. Palestrante, com livros e artigos publicados nas áreas de Direito Societário e Eletrônico. www.resinamarcon.com.br. http://janeresina.wordpress.comhttp://twitter.com/JaneResina

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Um bom exemplo de publicidade abusiva - Conar determina retirada de anúncio de lingerie da Duloren em favela

 
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) decidiu por unanimidade determinar a retirada da campanha "Duloren - Pacificar foi fácil. Quero ver dominar". Em decisão de segunda instância, em 31 de julho, após julgar recurso da marca de lingerie, por unanimidade os conselheiros do Conar mantiveram a decisão de maio, que recomendava a suspensão da propaganda. O G1 entrou em contato com a Duloren e aguarda sua manifestação.
Segundo o relatório do Conar sobre o recurso impetrado pela Duloren, “numerosos consumidores questionaram anúncio em internet de marca de lingerie que mostra foto de uma jovem negra trajando roupas íntimas e segurando um quepe militar com ar desafiador. Ao fundo, aparece um homem ressonando, com uniforme desabotoado que lembra a farda dos policiais cariocas, tudo ambientado no que sugere ser a laje de uma casa em uma favela carioca”.
Ainda de acordo com o Conar, para os consumidores, a imagem sugeria desrespeito ao trabalho da polícia e também à imagem feminina, além de expressar racismo e machismo.
Imagem da campanha da Duyloren, lançada em março (Foto: Divulgação)Imagem da campanha da Duloren, lançada em março (Foto: Divulgação)
Na propaganda, lançada em março, uma moradora da Favela da Rocinha, a depiladora Ana Paula Conceição Soares, de 29 anos, aparece em roupas íntimas ao lado de modelo caracterizado como policial do Bope e desacordado. Na imagem, a inscrição: “Pacificar foi fácil, quero ver dominar”. A Rocinha está entre as comunidades do Rio que já receberam uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Segundo o Conar, o orgão recebeu mais de 20 reclamações de consumidores, homens e mulheres, que consideraram a campanha apelativa, sexista e desrespeitosa à política de segurança pública do Rio de Janeiro.
A suspensão da campanha foi aprovada por unanimidade pelos 13 conselheiros do Conar em maio, mas a Duloren recorreu alegando que "é inerente à publicidade atrair a atenção dos consumidores sem desrespeitá-los".
Segundo o relatório do Conar sobre o recurso, o que a marca quis dizer com a mensagem seria algo como: "Pode-se pacificar um morro, mas nem homem nem soldado nenhum é capaz de dominar uma mulher com lingerie Duloren".
Para Renata Garrido, relatora do recurso, os argumentos não convenceram:
"Existem muitas formas criativas de anunciar lingerie sem ferir as normas da boa propaganda. O anúncio tentou inovar e foi infeliz, pois vulgariza a mulher e banaliza o programa de pacificação das favelas, desrespeitando todas as partes envolvidas", disse ela em seu voto, ratificando a recomendação de sustação, aprovada por unanimidade.

Fonte: G1

 

























 

SEGURO DE VIDA EM GRUPO E TEMPORÁRIO NÃO GERA OBRIGAÇÃO DE RENOVAR APÓLICE OU RESSARCIR CONSUMIDOR

Seguro de vida em grupo e temporário não gera obrigação de renovar apólice ou ressarcir consumidor
Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser possível obrigar seguradora a renovar apólice de contrato em grupo e com prazo predeterminado para encerramento. Segundo o ministro Massami Uyeda, forçar a renovação sem considerar os aspectos atuariais do seguro levaria à inviabilização das coberturas e prejudicaria os demais segurados.

Para o relator para o acórdão, o exercício de um direito – de não renovação, pela seguradora – inerente à natureza do contrato de seguro de vida, não pode ser entendido como abuso em vista do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Também não configura má-fé apenas pelo fato de o contrato ter durado dez anos.

“Não se pode simplesmente, com esteio na lei consumerista, reputar abusivo todo e qualquer comportamento contratual que supostamente seja contrário ao interesse do consumidor, notadamente se o proceder encontra respaldo na lei de regência”, afirmou Massami Uyeda.

“Diz-se ‘supostamente’ porque, em se tratando de contrato de viés coletivo, ao se conferir uma interpretação que torne viável a consecução do seguro pela seguradora, beneficia-se, ao final, não apenas o segurado, mas a coletividade de segurados”, completou.

Conforme o ministro, no contrato por prazo determinado, a seguradora arca com os riscos daquele período. Ocorrendo a hipótese prevista, deve pagar a cobertura. Não ocorrendo, não se estabelece inadimplemento contratual por parte da seguradora. Dessa forma, também não faria sentido devolver os valores pagos ou parte deles, nem mesmo obrigar a manutenção do vínculo.

Supressio e surrectio

O ministro Luis Felipe Salomão, relator originário, votava pela aplicação da supressio e da surrectio na hipótese. A supressio impede o exercício de um direito, ainda que reconhecido ao tempo, pelo seu não exercício, ausente a má-fé dos contratantes. A surrectio, de outro lado, gera direito pela passagem do tempo, em vista da expectativa legítima criada pela outra parte.

O relator original condenava a seguradora a pagar indenização correspondente às reservas técnicas proporcionais aos prêmios pagos durante a vigência do contrato. Seu voto foi acompanhado pela ministra Nancy Andrighi e pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Seguiram o ministro Massami Uyeda os ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi.

Fonte: STJ

DECISÃO - GRUPO ´PÃO DE AÇÚCAR DEVE PROVAR QUE NÃO É RESPONSÁVEL POR BOTULISMO CONTRAÍDO POR CONSUMIDORA

A Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar) deve produzir provas que comprovem que a empresa não é responsável pelo botulismo contraído por uma consumidora. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso da rede de supermercados e manteve a inversão do ônus da prova.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que a inversão estava de acordo com a regra do artigo 333 do Código de Processo Civil (CPC). Individualmente, ela negou seguimento ao recurso especial. Ao julgar agravo regimental, a Turma manteve a decisão da relatora.

A decisão ocorreu no curso de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por uma mulher contaminada pela toxina botulínica, causadora do botulismo. Ela teve sérios problemas de saúde, como dificuldades para enxergar e falar, sofreu parada cardiorrespiratória e entrou em coma vígil. Depois de exames e a confirmação de que havia consumido palmito no dia anterior ao início das complicações de saúde, foi constatada a contaminação. Completamente incapacitada, a mulher é representada por curador.

Seus advogados apontam que a doença foi causada pelo consumo de palmito em conserva, adquirido pela consumidora em outubro de 1998 em um dos supermercados do grupo, fornecedor exclusivo do produto consumido. Alegam que o supermercado não adotou os procedimentos adequados para comercialização do palmito, uma vez que o produto não atendia às especificações técnicas da vigilância sanitária.

Ônus da prova

A Justiça inverteu o ônus da prova, para que o Grupo Pão de Açúcar comprove que não foi responsável pela contaminação da consumidora. Também determinou o depósito pela empresa de R$ 3 mil a título de honorários periciais.

O grupo contestou a inversão do ônus da prova. No recurso especial, alegou que a contaminação pode ter ocorrido por outras razões, que não o consumo do palmito. Sustentou que a consumidora trabalhava na área de cosmetologia e tinha fácil acesso a produtos feitos à base da toxina botulínica. Argumentou também que a empresa não reconhece que a consumidora tenha adquirido o produto em uma de suas lojas.

Os argumentos não foram analisados porque a ministra considerou que a inversão do ônus da prova, tema do recurso, foi determinada de acordo com a lei e que não havia nenhuma omissão a ser corrigida na decisão da Justiça do Rio de Janeiro. “Pela análise das razões recursais apresentadas, verifica-se que a agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ilidir os fundamentos da decisão agravada”, afirmou a ministra.

Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...