Mostrando postagens com marcador PROCESSO CIVIL. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador PROCESSO CIVIL. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 6 de maio de 2014

Próximo CPC romperá com passado ou será só continuidade?

Próximo CPC romperá com passado ou será só continuidade?

 
Caricatura José Miguel Garcia Medina - 30/07/13 [Spacca]No texto anterior desta coluna, chamei a atenção para o fato de que o projeto de novo Código de Processo Civil deveria ser analisado com cautela, em razão das sutis diferenças que há entre as versões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a serem analisadas nos próximos dias no Senado.
Hoje gostaria de tratar de uma outra questão, que muitos têm feito: O novo CPC significará uma ruptura com o passado, ou se tratará de mera continuidade?
Costumo dizer que aqueles que já vinham estudando o Direito Processual Civil à luz do que de mais moderno se tem produzido na doutrina brasileira não se surpreenderão com as inovações apresentadas no novo Código.
Por exemplo, o projeto dá especial ênfase à conciliação e à mediação. Mas não há, aí, real novidade: De acordo com a Resolução 125/2010 do CNJ, “o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa” e, “por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação”. Vê-se que, quanto a esse aspecto, o projeto de novo CPC, se convertido em lei, apenas incorporará algo que já existe, entre nós. Advogados e juízes devem se tornar aptos para lidar com a litigiosidade também através de técnicas consensuais, cujo uso, de acordo com o que se propõe para o novo CPC, deve ser estimulado.[1]
O mesmo se pode dizer, por exemplo, da preocupação do projeto em “incorporar” formalmente, ao longo de seu texto, uma série de garantias constitucionais do processo — que considero garantias mínimas. Trata-se, no caso, de se insistir em tornar de fato o que a Constituição prevê de Direito, e nesse sentido é imprescindível que algumas garantias constem, textualmente, na lei processual, e não apenas na Constituição.
Vê-se que o projeto consolida os avanços conquistados pela ciência processual, nos últimos tempos. Muitas das alterações legislativas, assim, são realizadas apenas para se acomodar a lei processual ao que já é — de Direito, repita-se, ainda que não seja de fato — o Direito Processual Civil brasileiro, em nossos dias.
É necessário que assim se faça. É evidente que algumas mudanças — culturais, inclusive — dependem do estímulo legislativo. Em alguns casos, a lei acaba insistindo no sentido de que algo deve ser feito de determinado modo, ainda que pareça algo evidente. É, ao meu ver, o que ocorre com disposições existentes no projeto de novo CPC contrárias à jurisprudência defensiva (clique aqui e aqui para ler o que já escrevi a respeito) ou relacionadas à fundamentação das decisões judiciais (clique aqui e aqui para ler a respeito), para citar alguns exemplos.
Sob esse prisma, pode-se ver que o projeto não significa uma ruptura. Suas principais inovações são, na verdade, avanços legislativos que incorporam algo que, de algum modo, já é experimentado, ainda que timidamente, em nosso sistema jurídico.
Aqui, impõe-se fazer uma ressalva importante. As novidades legislativas não devem ser empregadas exageradamente, apenas por serem novidades. Deve-se dar a elas o devido emprego e utilização adequada.
Assim, o estímulo a métodos consensuais de solução de disputas não significa que o uso de tais mecanismos seja, sempre, apropriado para o caso. Faz-se necessário compreender a natureza do conflito para verificar qual o meio mais adequado para solucioná-lo.
O mesmo se pode dizer, por exemplo, de mecanismos como o incidente de resolução de demandas repetitivas.[2] Haverá situações em que tal medida não poderá ser usada, ainda que existam muitos processos em que se controverte sobre a mesma questão de direito. O uso precipitado de tal incidente, ao invés de resolver dilemas, poderá estimular o surgimento de novos conflitos.
Por tudo isso, considero que o projeto — e, ao que tudo indica, em breve, o novo CPC — significa um caminhar adiante. O sucesso desse empreendimento dependerá sobretudo do que da nova lei nós fizermos. 

[1] Cf. art. 145, caput da versão do Senado Federal, e art. 166, caput, da versão da Câmara dos Deputados. Íntegra das referidas versões encontra-se disponível aqui, para download, num só arquivo. Vê-se que nossa concepção de modelo de justiça estatal deve passar por uma revisão, pois caminhamos para um centro de justiça mais abrangente. Esse é tema para outro texto, no futuro, nesta coluna.
[2] Cf. arts. 930 ss. da versão do Senado Federal e arts. 988 ss. da versão da Câmara dos Deputados.
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

FALSA CARÊNCIA E CABIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES

Falsa carência e cabimento dos embargos infringentes

 
Preferindo prestigiar o velho instituto de origem lusitana — e sem qualquer justificativa plausível —, foi o recurso de embargos infringentes acolhido na atual legislação processual civil em vigor.
Assim, fiel à tradição, os embargos infringentes continuaram a ser admitidos como o recurso interponível perante o mesmo tribunal de que emanado provimento judicial não unânime, proferido em apelação ou em ação rescisória.
Até o advento da reforma processual instituída pela Lei 10.352/2001, tal meio de impugnação, a teor do artigo 530 do Código de Processo Civil, tinha cabimento, em princípio, contra acórdão, não unânime, de qualquer natureza (terminativo ou definitivo), proferido em apelação ou em ação rescisória.
Cumpre observar que, na prática, a desmedida procrastinação do procedimento recursal decorrente da interposição dos embargos infringentes abonava a tese em prol de sua extinção, sendo certo que, nesse particular, o valor da celeridade deveria se sobrepor ao anseio de justiça da decisão.
Não obstante, infenso às críticas, o reformador acolheu integralmente a ponderada sugestão de Barbosa Moreira, que, de lege ferenda, propusera restringir o cabimento do recurso, “excluindo-o em alguns casos, como o da divergência só no julgamento de preliminar, ou em apelação interposta contra sentença meramente terminativa, e também o de haver o tribunal confirmado (embora por maioria de votos) a sentença apelada...” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, pág. 524).
A leitura da primeira parte do renovado artigo 530 revela que efetivamente a interposição dos embargos infringentes ficou reduzida a duas únicas hipóteses, quais sejam, quando o acórdão não unânime, que tiver julgado o mérito da causa: a) houver reformado, em grau de apelação, a sentença; e b) houver julgado procedente o pedido deduzido em ação rescisória.
Verifica-se que, na atualidade, não mais se admite o referido recurso contra julgamento de apelação em que a divergência ocorra sobre o objeto formal do processo (pressupostos processuais e condições da ação), ou, ainda, quando o acórdão confirmar, por maioria, a sentença de procedência ou de improcedência.
Doravante, pois, a adequação dos embargos infringentes contra acórdão proferido em apelação exige dois pressupostos, a saber: i) que tenha sido provido o recurso por maioria de votos para reformar a sentença; e ii) que a divergência diga respeito ao meritum causae, ou seja, ao objeto material do processo (cf., a propósito, Recurso Especial n. 645.437-PR, 1ª Turma do STJ, rel. Min. Teori Albino Zavascki).
De um lado, confere-se aí maior prestígio às sentenças de 1° Grau, e, de outro, evita-se discussão, muitas vezes de cunho meramente acadêmico, sobre tese de natureza processual.
Considerando a redação do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, vem atribuída ao Superior Tribunal de Justiça a prerrogativa de julgar em recurso especial “as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”.
Desse modo, conclui-se que apenas os pronunciamentos emitidos por órgãos colegiados de 2° Grau são passíveis de impugnação por meio do recurso especial. A supra citada regra constitucional impõe, portanto, como pressuposto genérico de admissibilidade do recurso especial, que não sejam cabíveis embargos infringentes contra o acórdão, alvo da impugnação.
É exatamente este o teor do enunciando da Súmula 207 do STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”.
Delineia-se, assim, imprescindível o esgotamento das “vias recursais ordinárias” para que tenha cabimento o recurso especial.
Saliente-se, por outro lado, que a imprecisão da redação do artigo 530 do CPC tem gerado notória polêmica na doutrina e na jurisprudência.
Todavia, a análise do posicionamento mais recente de nossas cortes acerca dessa questão demonstra que a melhor orientação é a que realmente inadmite a oposição de embargos infringentes quando o acórdão, por maioria de votos, extinguir o processo sem julgamento de mérito.
Precedente da 2ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial 953.894-PR, teve oportunidade de assentar que: “A Lei 10.352/01, ao alterar a redação do artigo 530 do CPC, restringiu o cabimento dos embargos infringentes às hipóteses em que houver reforma da sentença de mérito por acórdão não unânime em apelação ou julgamento de procedência de pedido formulado em ação rescisória por acórdão não unânime”.
Esse mesmo posicionamento prevaleceu em julgado da 4ª Turma do STJ, já agora no Recurso Especial 1.223.610-RS, relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, textual: “Não são cabíveis embargos infringentes contra acórdão que, por maioria, reforma sentença de mérito, reconhecendo a existência de coisa julgada, o que ensejou a extinção do processo sem exame do mérito”.
Em suma: à luz da legislação processual em vigor, os embargos infringentes são cabíveis apenas contra acórdão não unânime, proferido em apelação, que enfrenta o mérito da controvérsia!
Todavia, em algumas circunstâncias excepcionais, a despeito de o processo ser aparentemente extinto, em grau de apelação, sem julgamento do mérito, na verdade e por paradoxal que possa parecer, o tribunal enfrenta matéria de fundo.
Com efeito, a 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial 932.119-SC, de relatoria do ministro Paulo Sanseverino, foi instada a interpretar situação na qual o tribunal de origem, por maioria de votos, reformou a sentença de 1° Grau, acolhendo os embargos à execução e extinguindo a execução por força de carência da ação.
Nesse caso, o STJ destacou o cabimento dos embargos infringentes exatamente porque, “ao analisar a nulidade do título em razão do desvio de finalidade, o acórdão embargado realizou verdadeiro juízo de mérito...”.
Aduza-se que, a respeito dessa temática, em particular sobre as condições da ação, noticia Machado Guimarães que o próprio Liebman chegou a admitir, em conferência proferida no ano de 1949, que: “todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse. Quer isto dizer que, se da contestação do réu surge a dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução, já não há mais um problema de legitimação ou de interesse, já é um problema de mérito” (Carência de ação, Estudos de direito processual civil, Rio de Janeiro, Ed. Jur. e Univ., 1969, pág. 102).
Enfatiza, a propósito, José Roberto dos Santos Bedaque que, considerada a dogmática processual, o único modo de traçar a distinção da categoria das condições da ação do mérito da demanda é pela profundidade da cognição. Se, por exemplo, o juiz, após exame profundo do fato constitutivo afirmado na inicial, conclui pela ilegitimidade passiva do réu, na verdade, ele está julgando improcedente o pedido. “Essa visão do fenômeno ‘condições da ação’ amplia a possibilidade de o processo cognitivo terminar com sentença de mérito, afastando o grande número de falsas extinções por carência, que tantos problemas têm causado ao sistema” (Efetividade do processo e técnica processual, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2010, pág. 258).
Cumpre registrar que tal doutrina foi expressamente prestigiada em recente acórdão cujo voto condutor é da lavra da ministra Nancy Andrighi, proferido pela 3ª Turma do STJ no julgamento do Recurso Especial 1.157.383-RS. Admitindo o cabimento dos embargos infringentes, restou então decidido que, in verbis: “A atual redação da norma, conferida pela Lei 10.352/01, passou a fazer referência expressa à reforma de ‘sentença de mérito’, de sorte que, uma análise isolada e apriorística do dispositivo legal, indica a intenção — ao menos aparente — do legislador, de excluir do rol de acórdãos suscetíveis de embargos infringentes aqueles em que sejam proferidas decisões terminativas. Argumentar-se-ia, nesse sentido, que, a teor do que estabelece o artigo 268 do CPC, o trânsito em julgado de uma decisão terminativa não impede a parte de retornar a juízo com igual pretensão, instaurando um novo processo, motivo pelo qual não haveria nenhuma violação do direito de acesso à justiça, tampouco negativa de prestação jurisdicional. Há de se ter em mente, no entanto, que em se tratando de condições da ação, não obstante a matéria seja formalmente considerada processual, ela na prática pode envolver a análise do próprio mérito da controvérsia. Diante disso, assume relevo a teoria da asserção, que ganha expressão na doutrina, secundada por juristas como Ada Pellegrini Grinover e Kasuo Watanabe. Para os adeptos dessa teoria, como é o caso também de José Roberto dos Santos Bedaque, na análise das condições da ação ‘se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão’ (Direito e Processo, São Paulo:RT, 1995, p. 78). Em outras palavras, sempre que a relação existente entre as condições da ação e o direito material for estreita ao ponto da verificação da presença daquelas exigir a análise desta, haverá exame de mérito. Ainda que tacitamente, a teoria assertiva encontra respaldo em julgados desta Corte, nos quais entendeu-se que a decisão acerca das condições da ação implicou numa sentença de mérito. Confira-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 1.680/GO, 4ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.02.1990; REsp 2.185/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14.05.1990; REsp 86.441/ES, 1ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 07.04.1997; REsp 103.584/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.08.2001. Assim, em respeito ao devido processo legal, o artigo 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistematicamente com o restante do CPC, admitindo-se embargos infringentes contra decisão que, a despeito de ser formalmente processual, implicar análise de mérito. Essa exegese se faz necessária inclusive para fazer valer a vontade do próprio legislador que, na justificativa do projeto da Lei 10.352/01, afirmou somente ser conveniente manter os embargos infringentes quando ‘a divergência tenha surgido em matéria de mérito, não simplesmente em tema processual’. No que tange especificamente à legitimidade ad causam, sua verificação invariavelmente exige a análise da lide em concreto, havendo enorme dificuldade prática em separar tal questão do mérito da causa. Ainda que se admita o exame da legitimidade in statu assertiones, muitas vezes é no curso do processo que se chega à efetiva decisão sobre tal condição da ação, importando, dessa feita, na análise da relação jurídica de direito material. Na espécie não foi diferente. Verifica-se que o juiz de 1º Grau de jurisdição somente se pronunciou acerca da legitimidade passiva por ocasião da prolação da sentença, depois de toda a prova ter sido carreada aos autos. Também o TJ-RS, ao reformar por maioria a sentença, concluindo pela extinção do processo em relação ao banco com fulcro no artigo 267, VI, do CPC, foi obrigado a se imiscuir no próprio mérito da ação, notadamente a efetiva participação da instituição financeira no resultado danoso. Note-se, por oportuno, que a natureza da decisão, se processual ou de mérito é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva....
Aduza-se que a Constituição Federal assegura expressamente a todos os sujeitos de direito a garantia de acesso a justiça (artigo 5º, XXXV e LIV) e da ampla defesa, com todos os meios e recursos em lei admitidos (artigo 5º, LV).
Desse modo, verifica-se que, para esgotar a via recursal ordinária, diante da situação acima descrita, considerando a técnica processual (artigo 530 CPC) e o enunciado da Súmula 207 do STJ, a parte interessada deverá opor o recurso de embargos infringentes.
Acrescente-se por fim que, assegurado o recurso na legislação processual, desde que preenchidos os requisitos legais, o litigante tem o direito subjetivo ao julgamento daquele. Caso contrário, vale dizer, recusado pelo Poder Judiciário o exame e o respectivo julgamento da impugnação, adequadamente manejada, haverá injustificada ofensa às garantias de acesso à justiça e, em especial, da ampla defesa!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado. Ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo. Diretor e Professor Titular da Faculdade de Direito da USP.
Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2014

segunda-feira, 14 de abril de 2014

EMBARGOS E DECLARAÇÃO DEVEM SER SEMPRE ADMITIDOS

Embargos de declaração devem ser sempre admitidos

 
Na jurisprudência dos tribunais superiores, prepondera a orientação de que não cabem embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de origem, que não admite recurso extraordinário ou especial. Segundo esse modo de pensar, o único recurso cabível seria o agravo previsto no artigo 544 do Código de Processo Civil.[1]
Tenho defendido opinião diversa. Segundo penso, devem ser admitidos embargos de declaração contra quaisquer decisões judiciais. O fato de a lei processual prever o cabimento de outro recurso (como, no caso, o agravo referido no artigo 544 do CPC) não altera essa ordem de ideias.[2]
A mesma orientação jurisprudencial antes referida é no sentido de que, como os embargos de declaração não seriam cabíveis na hipótese, sua interposição não interromperia o prazo para a interposição do agravo.[3]
Recentemente, contudo, decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, “excepcionalmente, atribui-se esse efeito interruptivo quando, como evidenciado na espécie, a decisão é tão genérica que sequer permite a interposição do agravo”.[4]
Essa decisão interessantíssima, por várias razões.[5] Desejo destacar, contudo, no presente texto, apenas o seguinte aspecto: reconheceu-se, na mencionada decisão, que, caso existente obscuridade (Constituição Federal, artigo 535 do CPC), os embargos de declaração seriam cabíveis; logo, sua interposição interromperia o prazo para interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC.
Trata-se, sem dúvida, de orientação que destoa da observada pela jurisprudência antes praticamente pacífica do Superior Tribunal de Justiça. Resta saber se tal orientação passará a ser observada pelos demais órgãos do referido tribunal.
Entendo que a orientação firmada no julgado ora referido não se limitou a criar uma exceção à orientação antes preponderante. Com efeito, antes decidia-se no sentido de não serem cabíveis os embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de origem, que não admite recurso extraordinário ou especial; o julgado proferido pela Corte Especial do STJ, diversamente, passa a admitir os embargos de declaração se presentes as circunstâncias indicadas no artigo 535 do CPC — o que significa, simplesmente, aplicar-se o referido dispositivo legal.
Resta, porém, um problema: acabará o STJ tendo que decidir, caso a caso, se os embargos de declaração interpostos pela parte seriam cabíveis (ou seja, se encontravam-se presentes as circunstâncias referidas no artigo 535 do CPC) para, então, admitir a interrupção do prazo para interposição do agravo do artigo 544 do CPC.
Cria-se, assim, mais uma questão processual que será levantada por uma das partes, em tais casos, o que acabará criando mais incidentes processuais e, consequentemente, gerando mais trabalho para o tribunal superior. Melhor seria, pura e simplesmente, admitir-se que os embargos de declaração opostos tempestivamente, ainda que não conhecidos, interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC, aplicando-se o disposto no artigo 538, caput, do Código.

[1] Nesse sentido, por exemplo, no STJ, cf. AgRg no Ag 1341818 (j. 20.9.2012) e AgRg no AREsp 466711 (j. 18.3.2014); no STF, cf. ARE 663031 AgR (j. 28.2. 2012) e ARE 789420 (j. 24.3.2014).
[2] Cf. o que escrevi em Código de Processo Civil comentado, 2. ed., Revista dos Tribunais, comentário aos artigos 535 e 538 do CPC.
[3] Cf. julgados citados na nota n. 1.
[4] STJ, Corte Especial, EAREsp 275615 (j. 13.3.2014), íntegra disponível aqui.
[5] Por exemplo, afirma-se, na fundamentação do voto condutor do referido acórdão, que aquele entendimento no sentido de que os embargos de declaração não interromperiam o prazo para interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC não seria explicado pela jurisprudência: “A jurisprudência, sem explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que esse prazo não é interrompido” (grifou-se).
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2014

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A VEDAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS

O devido processo legal e a vedação às provas ilícitas

 
A garantia fundamental ao devido processo legal, diferentemente do que ocorria nos textos constitucionais anteriores, foi incorporada ao texto da Constituição de 1988 e proclamada em seu inciso LV, do artigo 5º, em face de sua indispensabilidade à proteção dos direitos fundamentais, pois configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção aos direitos civis e políticos, quanto no âmbito formal, ao assegurar‑lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa, visando salvaguardar suas liberdades públicas e impedir o arbítrio do Estado.
O devido processo legal garante no âmbito do processo sancionatório — seja penal, administrativo ou eleitoral — a vinculação estatal a “padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado”. Esses padrões são consagradores de verdadeiro “círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado –, até que sobrevenha irrecorrível sentença que, condicionada por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado que jamais necessita demonstrar a sua inocência o direito de defender‑se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos”, como “fórmula de salvaguarda da liberdade individual” (HC 73.338/RJ).
A integral exigência de nossa Corte Suprema aos “padrões normativos” e “parâmetros ético-jurídicos” na colheita de “elementos probatórios” é igualmente observado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao se referir ao devido processo legal como fundamental para “evitar abusos estatais” e construir “a confiança do povo numa administração imparcial da Justiça” (Decisão – Beschluss – do Primeiro Senado de 8 de janeiro de 1959 – 1 BvR 396/53).
Não são por outros motivos que, como corolário ao devido processo legal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, são inadmissíveis no processo as provas ilícitas, definidas como aquelas obtidas com infringência ao direito material, entendendo-as como sendo aquelas colhidas em desrespeito aos direitos fundamentais e inviolabilidades públicas (por exemplo, por meio de tortura psíquica, desrespeito a intimidade e vida privada, desrespeito à inviolabilidade domiciliar, quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico sem ordem judicial devidamente fundamentada), configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.
A inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois, a previsão constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos (HC 69.912/RS, HC 74.152/SP, RHC 74.807-4/MT, HC 75.8926/RJ, HC 76.231/RJ); Entretanto, a consequência da ilicitude da prova é sua imediata nulidade e imprestabilidade como meio de prova, além da contaminação de todas as provas que dela derivarem.
O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal é absolutamente pacífico no sentido da adoção da doutrina do fruits of the poisonous tree (fruto da árvore envenenada), ou seja, pela opção da prevalência da comunicabilidade da ilicitude das provas (Rextr. 251.445-4/GO).
Nossa Suprema Corte consolidou esse importante entendimento sobre a derivação da ilicitude da prova e contaminação de todas as demais provas dela diretamente decorrentes (HC 73.461-SP, HC 73.510-0/SP, HC 84.417/RJ, HC 90.298/RS), afirmando que “qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária”, pois “a exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal” (HC 93.050/RJ), mantendo-se, porém, válidos “os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos” (HC 89.032/SP).
As provas ilícitas e as ilícitas por derivação, da mesma forma que não podem ser utilizadas no procedimento de origem, também não podem ser reapresentadas de maneira reflexa, indireta ou aproveitadas como provas emprestadas em quaisquer outros processos penais, civil, administrativos ou eleitorais, pois contaminadas com o vício insanável do desrespeito aos Direitos Fundamentais (HC 82.862/SP).
A consagração do Estado de Direito exige fiel observância ao princípio do Devido Processo Legal, e, consequentemente, as provas ilícitas bem como todas aquelas delas derivadas são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, ou ainda, utilizadas como provas emprestadas, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, pois são imprestáveis para a formação do convencimento do magistrado e atentatórias a plena eficácia dos direitos fundamentais.
 
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

ÂMBITO DE CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO STJ

Âmbito de cabimento dos embargos de divergência no STJ

 
Em países federados, como o Brasil, os tribunais de superposição detêm a precípua função de unificar a interpretação e a aplicação do direito objetivo.
Apontando esta importante atribuição, afirmou o ministro Humberto Gomes de Barros que: “O STJ foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós — os integrantes da corte — não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência da corte. Melhor será extingui-la” (AgrReg. nos EmbDiv. no REsp. n. 228.432-RS, Corte Especial)
Em nossa legislação, dentre os mecanismos processuais de uniformização da jurisprudência, destacam-se os embargos de divergência, que constituem um meio de impugnar acórdão proferido, no âmbito de recurso extraordinário ou especial, por uma das turmas, respectivamente, do STF ou do STJ.
Enfatizava, ainda, de forma precisa, o ministro Humberto Gomes de Barros, ao relatar os Embargos de Divergência no Recurso Especial 222.524-MA, que: "Os embargos de divergência foram concebidos no escopo de preservar — mais que o interesse tópico de cada um dos litigantes — a necessidade de que o tribunal mantenha coerência entre seus julgados".
Se os órgãos fracionários destes tribunais superiores dissentirem sobre questões de direito federal, a missão constitucional que lhes foi confiada não estará sendo cumprida. Assim, exatamente para reforçar a previsibilidade e harmonia dos julgamentos e, até mesmo, a segurança jurídica, é que os embargos de divergência se tornam um importante instrumento para resolver as inexoráveis divergências intra muros, ou seja, nos quadrantes das respectivas cortes de justiça.
Como bem pondera José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, pág. 641), “os embargos de divergência visam afastar interpretação divergente do sentido das normas positivas, em tese, nos órgãos do STF e do STJ. Essa é a razão maior da sua existência em nosso sistema processual”.
Os embargos de divergência são interponíveis apenas no âmbito do STF e do STJ, a teor do disposto no artigo 496, VIII, do Código de Processo Civil: “São cabíveis os seguintes recursos: ... VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário".
Acrescente-se que, no STJ, em consonância com a regra do artigo 546, I, do mesmo diploma legal, somente é admissível a interposição de embargos de divergência quando um acórdão, proferido por uma das turmas, “em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial”.
Reiterando esta norma processual, dispõe o artigo 266 do Regimento Interno do STJ, que: “Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o julgamento dos embargos”.
Conclui-se, portanto, que os embargos de divergência têm cabimento restrito à hipótese de dissenso entre órgãos colegiados, verificado exclusivamente nos domínios do recurso especial.
Por força da nova redação do artigo 557 do CPC, que atribuiu ao relator a faculdade de julgar monocraticamente recurso especial, foi editado o enunciado da Súmula 315 do STJ, com a seguinte redação: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.
Importa esclarecer que, de forma coerente, o próprio STJ abre exceção a este regramento pretoriano, na subsequente Súmula 316 (“Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial”), uma vez que, nesta hipótese, do ponto de vista substancial, o julgado em tudo se assemelha ao acórdão proferido em recurso especial.
Aduza-se que a Corte Especial do STJ, ao analisar a indigitada Súmula 316, não conheceu do recurso, no julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo 1.186.352-DF, de relatoria do ministro Cesar Asfor Rocha, ao assentar, in verbis: “São cabíveis embargos de divergência, ainda, diante da exceção criada pela jurisprudência da Corte, nas hipóteses em que se conhece do agravo de instrumento previsto no art. 544, caput, do Código de Processo Civil, para dar provimento ao recurso especial na forma do § 3º do mesmo dispositivo. É que, nesse caso, embora dispensada a reautuação do feito, o próprio recurso especial terá sido julgado. Inadmitido o recurso especial na origem e desprovidos o agravo de instrumento (atual agravo em REsp) e o respectivo agravo regimental nesta Corte, mesmo que adotada fundamentação que passe pelo exame do mérito do apelo extremo, descabe a interposição de embargos de divergência, incidindo a vedação contida no enunciado n. 315 da Súmula/STJ...”.
A Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Agravo 1.253.341-BA, relatado pelo ministro João Otávio Noronha decidiu, ainda, que: “São incabíveis embargos de divergência contra acórdão proferido em sede de agravo regimental que impugna agravo de instrumento que, por não ter ultrapassado o juízo de admissibilidade, não apreciou o mérito do recurso especial”.
Nesse exato sentido, enfrentando questão em tudo análoga, a mesma Corte Especial, no julgamento do Agravo Regimental na Petição 3.934-MG, relatado pelo ministro Ari Pargendler, teve oportunidade de patentear que: “Em se tratando de julgamento ocorrido no âmbito do agravo de instrumento, os embargos de divergência só podem ser admitidos se o acórdão, proferido em agravo regimental, mantendo ou reformando decisão do relator, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento”.
Colaciono ainda exegético pronunciamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, já agora no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial 232.083-PR, de relatoria do ministro Humberto Martins, que, também examinando tal tema, assentou o seguinte: “Aplica-se ao caso dos autos a Súmula 315/STJ, que assim dispõe: ‘Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial’. Isso porque a inteligência dos artigos 546 do CPC e 266 do RISTJ, bem como da Súmula 315/STJ, somente excepciona o conhecimento dos embargos de divergência quando o relator conhecer do agravo para provimento ao próprio recurso especial, aplicando o disposto no art. 544, § 3º, do CPC...”.
Permito-me concluir, à luz deste uníssono entendimento pretoriano, que se faz de todo inadequado o manejo de embargos de divergência contra acórdão proferido em agravo regimental em agravo, quando resulta indeferido o trânsito do recurso especial.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É APROVADO NA CÂMARA

Novo Código de Processo Civil é aprovado na Câmara

 
 
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (26/3) o projeto do novo Código de Processo Civil (CPC), que tem o objetivo de atualizar os dispositivos atuais, em vigor desde 1973, e acelerar a tramitação das ações cíveis, incluindo questões de família, do consumidor e tributárias. O texto base já tinha sido aprovado em novembro, mas a redação final só foi votada após a análise de cerca de 40 destaques em diferentes sessões. A proposta segue agora para o Senado.
O texto atual permite que advogados públicos recebam honorários, um dos pontos mais polêmicos do PL 8046/2010. Hoje, o valor pago ao governo nas ações em que é vencedor vai para os cofres públicos, mas o novo CPC permite que ele seja repassado ao profissional que atuou no caso, na forma de uma lei futura. Haverá uma tabela com a quantia devida nas causas que o governo perde e, para todos os advogados, o pagamento de honorários deve ocorrer na fase de recursos.
Uma das principais inovações é a possibilidade de que pedidos que tratem de interesse de um grupo — casos que afetem uma vizinhança ou acionistas de uma empresa, por exemplo — poderão ser convertidos em Ação Coletiva, com decisão aplicada a todos já na primeira instância. O novo CPC também estabelece a contagem de prazos em dias úteis e determina a suspensão dos prazos no final do ano, garantindo descanso para os defensores.
A audiência de conciliação deve se tornar a fase inicial da ação. Se não der certo, o juiz poderá tentar novamente um acordo durante a instrução do processo. “Teremos câmaras de conciliação nos tribunais, com corpos especializados para isso. Só depois da impossibilidade da conciliação é que o conflito irá para o processo judicial”, disse o relator do substitutivo, deputado Paulo Teixeira (PT-SP). A conciliação também será pré-requisito na análise de pedidos de reintegração de posse envolvendo invasões de terras e imóveis que durarem mais de um ano.
Sobre a falta de pagamento de pensão alimentícia, fica alterada a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, que só permite a notificação do devedor quando a dívida for superior a três meses. Isso significa que a Justiça poderá ser acionada já depois do primeiro mês de inadimplência. A proposta original tentava ampliar de três para dez dias para o devedor pagar ou justificar a falta de pagamento e estabelecer a prisão em regime semiaberto como regra geral, mas ambas as mudanças foram vetadas após críticas da bancada feminina.
Na execução, a carta de fiança e o seguro de garantia judicial terão o mesmo valor do dinheiro para fins de penhora. Quem responde a processos poderá recorrer a esses títulos para garantir que o seu dinheiro não será confiscado. O confisco de contas e investimentos bancários deve ser limitado, sem que comprometa o negócio e sem ser definido em plantão judicial. O juiz terá 24 horas para devolver o valor penhorado que exceder a causa. Com informações da Agência Câmara Notícias.
Clique aqui para ler o texto aprovado.
 
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

sexta-feira, 21 de março de 2014

ROL DOS TÍTULOS EXECUTIVOS NO CPC GARANTE CELERIDADE PROCESSUAL

Rol dos títulos executivos no CPC garante celeridade processual

 
Atualmente, pode-se dizer que a celeridade processual constitui um dos maiores anseios da população e operadores do Direito, quando se fala em Justiça. É, portanto, um dos maiores desafios do Poder Público.
Atendendo a esta necessidade, a Emenda Constitucional 45 de 2004 trouxe em seu texto significativas mudanças, ao incluir no rol pétreo dos direitos e garantias fundamentais a celeridade ou brevidade processual. Embora trate de direito subjetivo, a previsão constitucional da celeridade rapidamente frutificou na legislação infraconstitucional de ordem processual.
Não poderia ser diferente, uma vez que o processo é o instrumento que viabiliza a aplicação do direito. A Lei 11.232/2005 veio sob os reflexos do princípio da celeridade processual, para tutelar a então arcaica jurisdição de execução no Código de Processo Civil, trazendo a ideia do processo sincrético, dentre outros inúmeros dispositivos que privilegiam a solução rápida do litígio.
Um deles tem grande potencial de efetivar rapidamente a prestação buscada pelas partes, além de diminuir o contencioso nos tribunais: é o inciso I do artigo 475-N, que traz o rol dos títulos executivos judiciais, cuja redação prevê que é titulo executivo judicial a “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Este dispositivo legal veio substituir o já revogado artigo 584, inciso I, do CPC, que se limitava a tratar como título executivo judicial “a sentença condenatória proferida no processo civil”.
Como se vê, o legislador aperfeiçoou a norma, visando dar a esta maior amplitude, ante a complexidade e dinamicidade da ciência processual. Suprimiu-se, assim, a terminologia “sentença condenatória”, justamente para permitir que outros títulos executivos judiciais “não condenatórios” pudessem ser executados, como, por exemplo, as sentenças homologatórias, as decisões interlocutórias e as sentenças de mérito nas ações declaratórias e revisionais, dentre outras. Quanto a estas últimas, isso significa dizer que o reconhecimento de um crédito a favor do réu nas demandas revisionais ou declaratórias, seja de forma expressa ou por inferência lógica, permite a execução nos próprios autos, sem a necessidade de que tenha havido prévia reconvenção ou pedido contraposto. O requisito preponderante a ser observado nestes casos é que a decisão judicial contenha a identificação da norma jurídica individualizada que impute ao sujeito o dever de pagar, fazer, não fazer ou entregar coisa.
O ministro do STF Teori Zavascki, em sua obra chamada “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados”, é percuciente ao lecionar, que “se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente”.
Este posicionamento, aliás, já era predominante no STJ desde os idos de 2010, quando julgado o REsp 1.114.404 pela 1ª Seção (recurso reconhecido como representativo de controvérsia) reconheceu-se a eficácia executiva da sentença que traz em seu bojo a definição integral da norma jurídica individualizada. Posteriormente, em 9 de novembro de 2011, a 1ª Seção da Corte Especial pacificou a controvérsia, no julgamento do REsp. 1.261.888, também submetido ao regime do artigo 543-C do CPC (representativo da controvérsia), decidindo que “com a atual redação do artigo 475-N, inc. I, atribuiu-se eficácia executiva às sentenças que reconhecem obrigação de pagar quantia”. Esta decisão foi proferida nos autos de uma ação declaratória julgada parcialmente procedente, onde o réu buscou, após o trânsito da sentença, reaver os valores reputados como devidos pelo juízo de mérito. No último dia 11 de fevereiro, a corte voltou a ratificar este posicionamento, no julgamento do REsp 385.551, desta vez nos autos de uma ação declaratória julgada improcedente, e por isso permitindo ao demandado a execução de seu crédito, nos próprios autos.
Com estas decisões, a jurisprudência se consolida e orienta os tribunais na perfeita aplicação do inciso I do artigo 475-N, trazendo de volta a norma ao seu desígnio, que é o de emprestar ao processo a celeridade e efetividade necessárias e almejadas pelas partes e operadores do Direito.
Do ponto de vista da aplicação da técnica processual, não haveria sentido em ser diferente, uma vez que a submissão, pelo demandado (nas ações revisionais ou declaratórias julgadas parcialmente procedentes ou improcedentes), de novo processo ao Judiciário para reaver crédito reconhecido em demanda anterior, representaria afronta à Coisa Julgada Material, constituindo-se em mera burocracia, tão nociva à prestação estatal da Justiça.
 
Caio Lucio Montano Brutton é advogado especialista em direito das relações de consumo, é sócio do Fragata e Antunes Advogados
Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

SENADO DEVE SER ÁGIL NO EXAME DAS EMENDAS AO PROJETO DO CPC

Senado deve ser ágil no exame das emendas ao projeto de CPC

 
Há poucos dias, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto do novo Código de Processo Civil. Após os ajustes relativos à sua redação, nos próximos dias o texto deve retornar ao Plenário para votação da redação final. Em seguida, o projeto retornará ao Senado. Nesta fase final, deverão os senadores examinar as muitas emendas feitas ao texto.
Não vejo, contudo, razão para demora. Se é certo que houve alterações, considero que, em grande medida, muitas delas avançaram no sentido antes proposto, originalmente. Mais que voltar atrás, tais emendas aprofundaram algo que já constava tanto no anteprojeto quanto na versão antes aprovada pelo Senado.
É o que ocorre, por exemplo, com a preocupação com a integridade da jurisprudência. O tema consta do artigo 882 da versão do Senado — em cujo caput consta um inexplicável “em princípio”[1]. Na Câmara, os ideais que inspiraram a Comissão que elaborou o anteprojeto foram considerados, e inseridas disposições relacionadas à formulação de precedentes (cf. artigos 520 e 521 da versão aprovada pela Câmara).
Poder-se-ia dizer que a inserção de disposição específica a respeito seria desnecessária. Há muitos anos venho sustentando que mais importante que impor aos juízes a observância de precedentes deve ser a preocupação com a criação de decisões judiciais bem fundamentadas. Um modelo precedentalista depende, sobretudo, da mudança de atitude dos juízes, não no sentido de se dever obediência ao precedente, mas, especialmente, no sentido de se produzir julgados modelares, que sirvam de referência, que gerem confiança nos cidadãos.
Também manteve-se o rumo e esmiuçou-se o texto dedicado à fundamentação das decisões judiciais — artigo 476 na versão do Senado; artigo 499 na versão da Câmara.
Entendo que, em tais casos — e, certamente, representam a imensa maioria das emendas —, deveria o Senado, em homenagem ao trabalho feito pela Câmara, simplesmente aceitar as modificações realizadas por esta casa.
Há, contudo, emendas que merecem análise cuidadosa pelo Senado, e que, segundo penso, devem ser rejeitadas. Como exemplo, podem-se citar as emendas referentes ao efeito suspensivo da apelação e à vedação de penhora on line na execução de liminares. Mas emendas como essas são exceção.
Espero, contudo, que os trabalhos não sejam excessivamente demorados, no Senado. Como disse acima, não há razão para isso. Ademais, discute-se um novo CPC, no Congresso, desde o final de 2009 — quando foi instituída a Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto. Feitos e superados os debates em torno de questões relacionadas à legislação processual, deve-se dar ênfase a outras questões que interferem na eficiência da tutela jurisdicional, como as relacionadas a investimento, gestão etc.
Como os trabalhos do Congresso no projeto de novo CPC, ao que tudo indica, entram agora em sua reta final, acabaremos enfatizando, nos próximos textos da coluna Processo Novo, aquelas modificações que nos parecem mais interessantes para a comunidade jurídica em geral.

[1] De acordo com referido texto, “os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, [...]” (grifou-se).
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS


Embargos de declaração em processos administrativos.
Um conceito em evolução
Matheus dos Santos Buarque Eichler


Publicado em 01/2012. Elaborado em 09/2011.


Com o passar do tempo, devido à evolução do pensamento jurídico adotado pela Administração Pública, os embargos passarão a ser cada vez mais adotados em suas formas regimentais.


I – Introdução

O presente artigo tem como objetivo, de forma sucinta, analisar a possibilidade da interposição de embargos de declaração em processos administrativos, de acordo com a dinâmica dos eventuais pontos omissos, contraditórios ou obscuros. Com a adoção de procedimento semelhante pela Administração Pública, estar-se-ia municiando a todos de ferramentas mais precisas e de esboço mais próximo à lógica da cognição do Processo Civil, sem se descuidar dos Princípios que regem os Princípios e Regras que devem ser observados pela Administração Pública.

Quanto à definição do que seriam os Embargos de Declaração, em sede do processo civil, não nos restam dúvidas ou pontos controvertidos, com exceção das discussões doutrinárias a respeito da sua natureza (se estaríamos diante de um recurso em sentido estrito ou uma petição de reconsideração).

A Doutrina majoritária aponta no sentido de que os Embargos de Declaração são espécie do gênero Recursos, por estarem previstos no capítulo "Dos Recursos", da Lei nº. 5869/73 (Código de Processo Civil):


"Art. Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

IV - embargos de declaração;

Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 1994)

II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 1994)

Art. 536. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo

Art. 537. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias; nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subseqüente, proferindo voto.

Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes.

Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo."

A CLT também prevê os Embargos de Declaração:

Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.

Em relação aos efeitos da sua interposição, no que diz respeito a possibilidade de interrupção dos demais prazos recursais (efeito suspensivo):


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTEMPESTIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. NÃO-INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. 1. A teor do disposto no artigo 538, caput, do CPC, os embargos de declaração somente interrompem o prazo recursal quando conhecidos, já que recursos praticados sem observância dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade não podem produzir validade e eficácia ao ato processual praticado e devem ser tidos como inexistentes. Desse modo, os embargos de declaração não conhecidos por irregularidade de representação são considerados inexistentes e não interrompem o prazo recursal. 2. Intempestivo o recurso de revista interposto fora do prazo recursal previsto no artigo 895 da CLT, não merece provimento o agravo de instrumento. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST - AIRR - 1152/2004-067-01-40.9 - Ac. 7ª T – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos - DJ 13/06/2008)

‘Os embargos de declaração interrompem o prazo recursal, mesmo em hipóteses de não-conhecimento ou inadmissibilidade, à exceção quando intempestivos, o que impõe o óbice da coisa julgada formal (art. 538 do CPC). Esse entendimento deve ser aplicado até em casos de embargos meramente protelatórios, visto que, para combatê-los, o próprio CPC prevê a imposição de multa (art. 538, parágrafo único, do CPC), tal como em caso de litigância irresponsável (arts. 17, 18, e 20, do CPC). REsp 544.038-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/5/2004".


Torna-se evidente que tais efeitos suspensivos inserem-se na seara dos pontos mais críticos para a aceitação de Embargos de Declaração interpostos em sede de Processos Administrativos, quando não previstos nos Regimentos Internos da Administração.

Os Embargos de Declaração são definidos por Humberto Theodoro Junior, da seguinte forma:


"Recurso destinado a pedir ao juiz ou tribunal prolator da decisão que afaste obscuridade, supra omissão ou elimine contradição existente no julgado"

De acordo com o magistério de Ovídio Batista da Silva [01], o sentido e o alcance do instituto, no que diz respeito aos embargos em face de uma sentença seria:


[...] instrumento de que a parte se vale para pedir ao magistrado prolator de uma dada sentença que a complete em seus pontos obscuros, ou a complete quando omissa ou, finalmente que lhe repare ou elimine z)".

Os Embargos de Declaração visam combater eventuais obscuridades, contradições ou omissões. Neste sentido, Rodrigo Mazzei [02] define:


"Ato judicante obscuro é aquele que, em razão de sua má redação, não permite inequívoca e objetiva compreensão, pelo que reclama correta explicitação; contraditório, por sua vez, é aquele que adota premissas internas inconciliáveis, justificando-se a sua desintoxicação".

Com relação ao vício da omissão conforme preleciona Araken de Assis [03]:


"sucede quando o órgão judiciário abstém-se de apreciar as questões de fato e de direito, suscitadas ou não pelas partes – há as que comportam exame ex officio, a teor dos arts. 267, § 3°, e 301, § 4° -, debatidas ou não, embora o contraditório legitime o resultado obtido, desde que se configure pertinência com os elementos do processo"

II - Embargos de Declaração Em Processos Administrativos

Ponto pacífico é que o devido processo legal deve ser observado nos processos administrativos, certamente uma das características intrínsecas à manutenção do Estado Democrático de Direito é a fiel observância deste princípio maior, amparado pelos princípios consagrados pela CFRB/88.

A Lei 9784/99, que estabelece normas gerais para o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal, prevê de maneira expressa em seu art. 2º a necessária observância do Poder Público, no sentido de Administração Pública lato sensu, dos princípios da ampla defesa e do contraditório, regulando-se no âmbito infraconstitucional o cumprimento do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal vigente de modo direto, e indiretamente o art. 5º, inciso LIV, já que se violados o contraditório e a ampla defesa, restará liquidado o princípio do devido processo legal.

Celso Antonio Bandeira de Melo [04] atenta sobre a importância da possibilidade de se suscitar a revisão das decisões administrativas através da via recursal, sempre esta decisão seja capaz de contribuir para que as decisões administrativas sejam adequadas, justas e corretas:


"Deveras, seriam impossíveis ‘o contraditório e a ampla defesa’, constitucionalmente previstos, sem audiência do interessado, acesso aos elementos do expediente e ampla instrução probatória. Assim, também seria impossível exercitá-los eficientemente sem direito a ser representado e assistido por profissional habilitado. De outra parte, uma vez que o Texto Constitucional fala em ‘recursos a ela inerentes’ [no art. 5º, LV da CF] (isto é, inerentes à ampla defesa), fica visto que terá de existir revisibilidade da decisão, a qual será obrigatoriamente motivada, pois, se não o fosse, não haveria como atacá-la na revisão."

José Frederico Marques [05] caminha no mesmo sentido:

"O devido processo legal, corolário e decorrência, na evolução histórica do direito anglo-saxônico, do princípio da "lei da terra" ("law of the land"), é expressão que se condensa uma lei genérica, como dizia Webster "lei que ouve antes de condenar, que mantém a vida, a liberdade e a propriedade "sob a proteção das coordenadas que governam a sociedade" ("apud" A.R. Sampaio Dória, "Princípios Constitucionais Tributários", e a Cláusula "Due processo of law", 1964, pág. 32, nota n. 30. Isto posto, evidente se torna que a administração pública, ainda que exercendo seus poderes de autotutela, não tem o direito de impor aos administrados, gravames e sanções que atinjam, direta ou indiretamente, seu patrimônio, sem ouvi-los adequadamente, preservando-lhes o direito de defesa.Seguem-se, neste passo, vias análogas às do procedimento judicial, através de atos de comunicação procedimental destinados a estabelecer a bilateralidade no processo administrativo, para que, assim, fiquem estendidos os princípios básicos do "due process of law".

Nesta esteira, a previsão de Embargos Declaratórios na Administração Pública soaria como uma forma de dar efetividade aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, tomando-se por empréstimo um Recurso previsto nos Códigos de Processo, ou seja, de Direito Adjetivo, processual.

Entretanto, um dos obstáculos claros à interposição de Embargos de Declaração na esfera administrativa seria a falta de previsão legal expressa na legislação que cuida do processo administrativo. Quanto a omissão legislativa, acredito que, caso o julgador ou determinado órgão encarregado de formular pareceres viesse a receber "embargos de declaração", poderia recebê-lo como tal, sob fundamento do art. 5º, LV da CFRB/88 e em conjugação com o Princípio da Máxima Eficácia das Normas Constitucionais.

A título de exemplo, o Regimento Interno do CADE prevê em seu art. 147 a figura dos embargos de declaração:


"Art. 147. Aos acórdãos das decisões proferidas pelo Plenário do CADE, poderão ser opostos Embargos de Declaração, nos termos do art. 535 e seguintes do Código de Processo Civil, no prazo de 05 (cinco) dias, contados de sua publicação, em petição dirigida ao Relator, na qual será indicado o ponto obscuro, contraditório ou omisso, cuja declaração se imponha."

Art. 148 O Relator, se assim entender necessário, poderá abrir vista à parte ou interessado a quem eventual modificação do julgado possa causar gravame, para manifestação, no prazo de 05 (cinco) dias e, após, poderá colher parecer da Procuradoria do CADE"

Verifica-se também a semelhança dos efeitos ocasionados pela interposição dos Embargos perante o Conselho do CADE com os previstos pelo atual Código de Processo Civil de 1973:


"Art. 150 Existe a previsão expressa que de que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição da Reapreciação e suspendem a execução do julgado."

Semelhante previsão de Embargos de Declaração pode ser verificada no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF):

Em relação ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, há previsão expressa sobre a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração em face de decisões proferidas pelos seus órgãos colegiados:


Art. 64. Contra as decisões proferidas pelos colegiados do CARF são cabíveis os seguintes recursos:

I - Embargos de Declaração;

Art. 65. Cabem embargos de declaração quando o acórdão contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a turma.

§ 1º Os embargos de declaração poderão ser interpostos, mediante petição fundamentada dirigida ao presidente da Turma, no prazo de cinco dias contado da ciência do acórdão:

I - por conselheiro do colegiado;

II - pelo contribuinte, responsável ou preposto;

III - pelo Procurador da Fazenda Nacional;

IV - pelos Delegados de Julgamento, nos casos de nulidade de suas decisões;

V - pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão.

§ 2º O presidente da Turma poderá designar conselheiro para se pronunciar sobre a admissibilidade dos embargos de declaração

§ 3º O despacho do presidente será definitivo se declarar improcedentes as alegações suscitadas, sendo submetido à deliberação da turma em caso contrário.

§ 4º Do despacho que rejeitar os embargos de declaração será dada ciência ao embargante.

§ 5º Os embargos de declaração opostos tempestivamente interrompem o prazo para a interposição de recurso especial.

§ 6º As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às decisões em forma de resolução.

Art. 3º Os recursos já sorteados aos conselheiros anteriormente à edição desta Portaria não serão devolvidos ou redistribuídos e serão julgados na turma para a qual o conselheiro for designado.

4º Os processos que retornem de diligência e os com embargos de declaração interpostos em face de acórdãos exarados em sessões anteriores à vigência deste Regimento Interno serão distribuídos ao relator original do recurso, salvo quando estiver atuando em colegiado com especialização diversa da do anterior.

Em suma, advogamos no sentido de que, nos casos em que seja verificada omissão, contradição ou obscuridade de decisões provenientes da atuação Administração Pública, seria possível a interposição de Embargos de Declaração, consoante a conjugação do Direito de Petição com o Princípio do Devido Processo Legal c/c o Princípio do Aproveitamento dos Atos das Partes, mesmo quando não previstos em sua forma regimental.

Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, em seu livro Teoria Geral do Processo, o autor cita que uma decisão obscura, contraditória ou omissa seria, por vezes, pior que uma não decisão. Evidencia-se que, tanto em processos quanto em procedimentos, a previsão de Embargos de Declaração ou de modelos análogos seria um importante instrumento de efetividade ao contraditório.

Acredito que, por razões de equidade e de ordem principiológica, não obstante a eventual falta de previsão legal, a interposição de Embargos de Declaração seria, mesmo assim, possível, com a ressalva da não afetação dos demais recursos, sob pena de se estar conferindo um efeito suspensivo onde não há.

Seguimos, em conclusão, o seguinte raciocínio: caso não exista previsão expressa, na legislação aplicável ao órgão competente, sobre suspensão de prazo no caso de Embargos de Declaração (efeitos suspensivos, como é previsto no RI do CARF), os demais recursos e prazos não poderiam se restar prejudicados. Sendo assim, caso o administrado estivesse diante de uma situação que demandasse a interposição de um recurso, este deveria ser interposto no prazo previsto, pois, aqueles embargos teriam sido recebidos apenas na sua forma de embargos por analogia, inexistindo eventuais efeitos suspensivos.

Acreditamos que, com o passar do tempo, devido à evolução do pensamento jurídico adotado pela Administração Pública, os embargos passarão a ser cada vez mais adotados em suas formas regimentais. Diversos institutos do Processo Civil poderiam ser "exportados" para o processo administrativo, sobretudo considerando que o primeiro oferece mecanismos cada vez mais sofisticados para a composição de interesses, tantas vezes divergentes e controvertidos.
Notas
BAPTISTA, Sônia Marcia Hase de Almeida. Dos Embargos de Declaração. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. (Recursos no Processo Civil; vol. 4).
MAZEI, Rodrigo, Embargos de Declaração e a Omissão Indireta (Matérias que devem ser resolvidas de ofício,independentemente de argüição prévia pelo interessado, in Revista Forense, v. 399, 2008, p. 163.
ASSIS, Araken, Manual dos Recursos, 2ª Ed., São Paulo: RT, 2008, pág. 600.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 436.
Marques, José Frederico. "A Garantia do "Due Process of Law" no Direito Tributário", Revista de Direito Público, Ano II,Jul/Set de 1968, Vol. 5, p. 29.
 

Autor
Matheus dos Santos Buarque Eichler

Advogado Especialista em Propriedade Intelectual, Direito Tributário, Empresarial e Marítimo, formado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - Centro - Rio de Janeiro - RJ. Membro da Associação Brasileira de Agentes da Propriedade Industrial, da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual e da Licensing Executives Society.
Veja todos os textos publicados pelo autor


FONTE: JUS NAVIGANDI

quinta-feira, 6 de março de 2014

AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO GERA INADMISSÃO DE RECURSO NAS INSTÂNCIAS ESPECIAIS

Recurso de ex-prefeito é negado por falta de representação

 
Recursos só podem ser interpostos no Superior Tribunal de Justiça por advogado com procuração ou substabelecimento válido. Foi justamente pela falta de documentos delegando poderes ao operador do Direito que a ministra Assusete Magalhães, do STJ, negou provimento a agravo interposto pelo ex-prefeito de Juazeiro (BA) e suplente de deputado federal Joseph Wallace Faria Bandeira, contra decisão do Tribunal de Justiça da Bahia.
A corte baiana não admitiu Recurso Especial por ausência de representação processual. A ministra lembrou, então, entendimento consolidado na Súmula 115 do STJ: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.”
Acusado de desviar recursos públicos para financiar festividades de formatura dos acadêmicos dos cursos de Direito e de Agronomia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2003, o ex-prefeito foi condenado a três anos e seis meses de reclusão, em regime inicial aberto. Ele alega que não houve desvio e sim aplicação indevida de recursos.
O ex-prefeito de Juazeiro sustentou que o STJ já firmou entendimento no sentido de ser possível a juntada posterior da procuração ou de substabelecimento, para fins de regularização processual.
Entretanto, de acordo com Assusete Magalhães, a jurisprudência do STJ tem-se orientado no sentido de que a regularidade da representação processual deve ser demonstrada quando da interposição de recurso às instâncias especiais, e não posteriormente. Negado provimento ao agravo do ex-prefeito, o Recurso Especial contra a decisão do tribunal estadual não será analisado pelo STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

NOVO CPC ACABARÁ COM PULVERIZAÇÃO DE DEMANDAS IDÊNTICAS

Novo CPC acabará com pulverização de demandas idênticas

 
Não é nova no ordenamento jurídico brasileiro a iniciativa de criar institutos jurídicos com a finalidade de viabilizar o julgamento coletivo de ações judiciais que versam sobre um mesmo tema ou de tutelar direitos e interesses que, a um só tempo, sejam pertinentes à considerável parcela da sociedade. Estes últimos são os chamados direitos coletivos lato sensu, dentro dos quais se encontram os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos.
Já em 1965 foi sancionada a lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), ainda vigente, que tem por objetivo tutelar o patrimônio e a moralidade pública. Em 1985, surgiu a lei 7.347/85, conhecida como a Lei da Ação Civil Pública, cuja finalidade é tutelar diversos direitos coletivos lato sensu, como o meio ambiente, o consumidor, direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, entre outros.
Em 1990 advém o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) que integra as normas esparsas de tutela de direitos difusos e coletivos criando o que acabou ficando conhecido como sendo o “microssistema” de proteção dos direitos e interesses desta natureza por meio do chamado “processo coletivo”.
Em 1992, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA - lei 8.429/92), que visa combater o mau uso da coisa pública por aquele que exerce cargo, emprego ou função públicos, passa a integrar esse microssistema. A mais recente das grandes normas sobre processos coletivos que foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro é a lei 12.016/2009, que passou a disciplinar o Mandado de Segurança Coletivo, até então previsto somente na Constituição Federal.
Atualmente, dignos de nota são os novos institutos processuais que se pretende inserir no ordenamento jurídico nacional com o advento do novo Código de Processo Civil (CPC), cujo projeto foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, restando pendentes alguns destaques.
São eles a conversão da ação individual em ação coletiva e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Independentemente do mérito destes institutos, é inegável a clara intenção do legislador nacional de acabar com o fenômeno da pulverização de demandas que versam sobre um mesmo assunto.
Empresas cujos produtos têm grande dispersão no mercado, como é o caso de concessionárias de serviços públicos, instituições financeiras, empresas que prestam serviços ou fornecem produtos de primeira necessidade etc., costumam ter um número elevado de ações judiciais ajuizadas contra si nas quais se pleiteia, especialmente, a proteção aos direitos do consumidor.
Para gerir estas dezenas, centenas e, não raras vezes, milhares de ações, têm sido alocados verdadeiros batalhões de profissionais, internos ou terceirizados, que exercem a chamada “advocacia de massa”, que consiste na produção quase que mecanizada de peças processuais com base em teses já prontas que são apenas “encaixadas” nos casos aos quais elas se adequam.
Esta modalidade de advocacia permite às empresas fazer uma gestão do passivo que é gerado por estes processos, especialmente no que diz respeito à necessidade de provisionamento contábil, de acordo com a avaliação de risco que é feita, caso a caso, pelo profissional encarregado de cuidar destes processos.
Com os institutos que o projeto do novo CPC pretende implantar, um grande número destas ações que versam sobre o mesmo tema, como a pretensa nulidade de uma cláusula contratual, ou a alegada abusividade de uma determinada conduta, serão decididas em uma única oportunidade, em alguns casos pelo órgão de primeiro grau de jurisdição, em outros, pelo próprio tribunal competente.
Uma única decisão, portanto, especialmente se ela vier a ser proferida diretamente pelo tribunal, pode causar um considerável impacto às empresas que enfrentam essa demanda judicial massificada, num primeiro momento, ensejando a necessidade de provisionamento imediato dos valores discutidos nos muitos processos nos quais se discute a matéria decidida de uma só vez e, posteriormente, mediante o passivo que é gerado em razão das condenações judiciais que serão proferidas com base nesta mesma decisão.
Isto quer dizer, portanto, que a tendência é a de que a gestão destes processos judiciais massificados deixe de ser feita por um numeroso contingente de profissionais e passe a ser realizada de forma mais estratégica e diferenciada. Aqueles que não se prepararem adequadamente para esta nova realidade que está por vir, dificilmente terão condições de manter uma atividade empresarial saudável do ponto de vista contábil e financeiro.
 
Vitor José de Mello Monteiro é mestre e doutorando em Direito das Relações Sociais da PUC/SP, professor de direito processual civil do curso de pós-graduação lato sensu da FMU/SP e de direito empresarial do curso de graduação da Universidade Anhembi Morumbi, sócio de Morata, Galafassi, Nakaharada, Serpa e Monteiro Advogados, autor e coordenador de obras da área jurídica.
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A PROCURAÇÃO "AD JUDICIA" NÃO SE SUBORDINA A PRAZO DE EFICÁCIA

A procuração ad judicia não se subordina a prazo de eficácia

 
Dentre as reformas que foram efetivadas, o longo do tempo, no CPC, revela-se de indubitável relevância o precioso parágrafo 4º do art. 515, cuja redação foi introduzida pela Lei 11.276, de 7 de fevereiro de 2006: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.
Com esta regra, o legislador pretendeu, uma vez identificada a existência de algum vício processual sanável, que o tribunal possa determinar providência saneadora, sem que seja necessário o retorno dos autos ao primeiro grau ou, ainda, sem anular o processo, ou mesmo — o que é absolutamente prejudicial — não conhecer do recurso.
Observa-se, outrossim, que no transcrito parágrafo 4º do art. 515 encontra-se consagrada a ideia de que, em grau recursal, deve-se abrir oportunidade à correção de qualquer defeito processual. Como bem ponderam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de direito processual civil, v. 3, 8ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2010, p. 134): “Não obstante o dispositivo contenha a expressão ‘poderá determinar’, cumpre que se confira sentido cogente à regra para se entender que o tribunal ‘determinará’ a prática ou renovação do ato...”.
Defendendo também a oportuna inclusão da norma processual em apreço, dentre outros, Rogerio Licastro Torres de Mello (Art. 515, parágrafo 4º, do CPC e a correção das nulidades sanáveis no âmbito dos recursos) e, ainda uma vez, Carneiro da Cunha (Sanação de defeitos processuais no âmbito recursal - o parágrafo 4º do art. 515, do CPC, Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, obra coletiva, São Paulo, Ed. RT, 2008, p. 764), chamam atenção para o espírito de flexibilização do mencionado dispositivo contra imotivados rigores formais verificados na instância recursal, visto que, como é curial, os recursos, de um modo geral, têm experimentado inúmeras e sucessivas restrições formais em sua tramitação, até mesmo como uma equivocada tentativa de contenção do volume de impugnações que são dirigidas aos tribunais!
A possibilidade da regularização da representação processual, hipótese típica de nulidade relativa, pode ser efetivada em grau recursal, porquanto se encontra superado o argumento de que tal poderia ocorrer apenas perante o primeiro grau por força da regra do art. 13 do CPC. O supra aludido parágrafo 4º do art. 515 autoriza o tribunal a deferir prazo para ser sanado tal vício.
Ressalte-se que o nosso sistema processual vigente reveste-se de um conjunto de normas que tendem a garantir aos jurisdicionados tutela jurisdicional efetiva, vencendo eventuais barreiras decorrentes, na maioria das vezes, de incidentes processuais, que são passíveis de correção.
No âmbito do mandato judicial, a proteger o direito material dos litigantes, a morte do advogado não acarreta qualquer prejuízo ao mandante. Realmente, seja em primeiro grau, seja durante o procedimento recursal, tal ocorrência, a teor dos arts. 13 e 265, I, do CPC, implica, ope legis, a suspensão do processo.
Igualmente, a revogação dos poderes outorgados ao causídico impõe à parte o dever de constituir novo profissional para continuar o patrocínio da causa (art. 44 do CPC).
Na mesma diretriz legislativa, deixando também de sofrer qualquer prejuízo, o litigante terá o ônus de outorgar poderes a outro advogado, quando, nos termos do art. 45 do CPC, verificar-se a renúncia ao mandato. Aduza-se que, mesmo denunciando o contrato de mandato, o advogado ainda fica obrigado a praticar atos em prol de seu constituinte!
Assim sendo, embora inexista previsão legal, a expiração do prazo de vigência do contrato de mandato judicial não pode acarretar prejuízo ao mandante, até porque se trata, à toda evidência, de defeito sanável.
Não havendo manifestação de vontade contrária de qualquer dos contratantes, incide o disposto no art. 662 e em seu parágrafo único, do CC, com a seguinte redação: “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato”.
Esta derradeira conclusão, extraída do próprio ordenamento jurídico, tem sido prestigiada, de modo consistente, pela doutrina contemporânea e pela jurisprudência do STJ.
Realmente, acórdão da 3ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 812.209-SC, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, assentou que:
“A circunstância de, no curso do processo, a procuração haver atingido seu termo final não implica a revogação do mandato que credencia o advogado. Entende-se que a procuração ad judicia é outorgada para que o advogado represente o constituinte, até o desfecho do processo”.
Seguindo o mesmo posicionamento, a 4ª Turma, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial 912.524-GO, de relatoria do ministro Hélio Quaglia Barbosa, consignou na ementa do respectivo acórdão:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535. NÃO CARACTERIZAÇÃO. APELAÇÃO INTERPOSTA NA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. DEFEITO SANÁVEL. RECURSO PROVIDO. 1. ‘Nas instâncias ordinárias, verificada a irregularidade na representação das partes, deve ser aplicado o disposto no artigo 13 do CPC. Embargos recebidos’ (EREsp 191.806/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Corte Especial, DJ 06.09.1999). 2. Recurso especial conhecido, em parte, e na extensão, provido para anular o acórdão proferido, somente quanto ao não conhecimento da apelação formulada pelo recorrente, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que seja propiciada ao réu a regularização de sua representação processual, julgando-se o seu apelo em seguida".
Em época mais recente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por meio de ato decisório monocrático, proveu o Recurso Especial 870.991-SC, no qual restou patenteado, em consonância com a jurisprudência consolidada no STJ, que a falta de procuração do subscritor do recurso nas instâncias ordinárias é vício sanável que pode ser suprido mediante determinação do juiz ou do relator, para que seja regularizada a representação processual do advogado nos moldes do art. 13 do CPC.
Reportando-se ao precedente, acima colacionado, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, a 3ª Turma, uma vez mais, enfrentou idêntica questão, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.348.536-MS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual ficou decidido que:
“É entendimento consolidado nesta Corte e sumulado no verbete 115/STJ que ‘na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos’, aplicável, segundo a jurisprudência do STJ tanto nos casos de revogação expressa do mandato outorgado, quanto naqueles em que a parte constitui novo procurador nos autos, sem ressalva da procuração anterior (revogação tácita). Ocorre que não é isso que se sucede na hipótese dos autos, porquanto in casu não houve constituição de novo procurador e nem revogação expressa do instrumento de mandato outorgado aos advogados subscritores do recurso especial, mas mera expiração do prazo de validade da procuração outorgada, razão pela qual o entendimento a ser adotado é o da continuidade da outorga efetuada, sob pena de se imputar as partes o prolongamento do processo além do termo final do mandato, o que não pode ser a elas atribuível. Cumpre ressaltar que, conquanto haja alguns julgados desta Corte no sentido de que o recurso interposto por advogado com procuração expirada equipara-se ao recurso interposto por advogado sem procuração nos autos (Súmula 115/STJ), ouso dissentir destes pelos motivos acima expostos, amparada em precedente de relatoria do i. Min. Humberto Gomes de Barros (REsp 812.209/SC, 3ª Turma, DJ de 18/11/2006), do qual participei do julgamento e proferi voto no sentido de acompanhar o relator. Nesse sentido, veja-se ainda o seguinte precedente: REsp 870.991/SC, decisão monocrática da lavra do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 11/02/2011” (destaque meu).
Constata-se, pois, que a procuração ad judicia com prazo de eficácia expirado não pode acarretar qualquer prejuízo ao outorgante!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...