sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

PEDRINHAS: AS LÁGRIMAS QUE ME DESCEM EM SLOW MOTION

Pedrinhas: as lágrimas que me descem em slow motion

 
Todos conhecem o famoso livro Papillon, que retrata a fuga espetacular da pior prisão do mundo, a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Há também o livro escrito pelo verdadeiro prisioneiro que fugiu, René Belbenoit, A Ilha do Diabo (Dry Guillotine — nome original), publicado em 1938. Depois desse livro, a França desativou o presídio. O livro retrata o inferno. O filme, com Steve McQueen, provoca fortes emoções, raiva, indignação.
Pois bem. Desafio a qualquer pessoa a assistir ao filme sem se emocionar. Embora o livro retrate um acontecimento real, trata-se de uma ficcionalização. Quanto mais ficcionalizado, mais nos emocionamos. Choramos. Fungamos pelos cantos do cinema. Ficções da realidade...realidade das ficções, como dicotomizava Warat, deixando cair as cinzas do cigarro que não tragava sobre os papéis em cima da mesa, rodeada de xícaras vazias de café de vários dias.
Emocionamo-nos com as ficções e damos uma banana para a realidade. Qualquer folhetim, com boa trilha sonora, arranca-nos algo que, sem sonoplastia, não verteria. Por isso, tenho uma proposta, sobre a qual já escrevi em outro(s) lugar(es): colocar-sonoplastia-no-cotidiano. Flambar a realidade. Assim, quando a gente vai dar um esporro no mendigo, antes disso toca o alto falante do cotidiano... E a gente se torna terno. Imagine a música do filme Ghost... Minha mão começaria a tremer e uma lágrima desceria em slow motion, fazendo tobogã nas rugas que o tempo já me deu. Bingo. E eu abraçaria o meu semelhante... Isso. Tudo pode ser como...no Natal. Tudo pode ser... Como nas propagandas. O mundo estaria salvo. Alvíssaras. Até que levo jeito para a coisa, pois não? E a verdade... bem, a verdade deve estar lá fora.
A verdade está lá fora... em Pedrinhas e por aíA verdade está lá fora... em Pedrinhas, no Maranhão, no Presidio Central de Porto Alegre, em tantos lugares. A Ilha do Diabo é aqui. Não só o Haiti é aqui. Papillon é aqui. Imaginem os leitores se, na hora em que o ministro da Justiça estivesse concedendo uma coletiva, alguém mostrasse em um telão as cenas de Pedrinhas... com sonoplastia feita pela Rede Globo. As cabeças decepadas dos presos rolando pelo chão, com trilha sonora dessas holiudianas. O corpo com mais de 150 facadas mostrado com a música do filme Papillon. Os presos gritando em slow motion e um Vangelis de fundo musical. E quando o ministro ou alguma autoridade dissesse “as prisões brasileiras são masmorras medievais”, um música potente da trilha do filme Laranja Mecânica irrompesse no estúdio em que a entrevista estivesse ocorrendo. E aquela gargalhada do personagem do filme de Kubrick, o Alex (A-Lex) entrondamente constrangesse a todos...
Talvez assim pudéssemos levar a sério a discussão sobre essa vergonha nacional que são essas masmorras medievais. Só com sonoplastia no cotidiano. Só com um grande alto-falante. Só com uma espécie de alto-falante fundamental, se me entendem a ironia. Como é possível que o Brasil não se levante face à ignominiosa situação do presídio de Pedrinhas? Perdemos totalmente a capacidade de indignação. Nosso cotidiano nos esfalfelou.
De tanto vermos o vilipêndio dos presos, “normalizamos o nosso olhar”. Não por menos, durante o mutirão carcerário do CNJ em todo país, descobriu-se que 10,4% dos detentos estavam presos ilegalmente. Quer dizer, quase 50 mil pessoas (aqui)! Isso revela que em boa medida o Judiciário e o Ministério Público também são parte do problema, afinal, como é que não se enxerga um contingente de gente que lotaria qualquer estádio da Copa? E olha que o mutirão ainda não terminou... Uma explicação, talvez, esteja no fato de que as responsabilidades legais e éticas individuais terminam por se diluir no conglomerado, em que cada ser humano — ator jurídico — se funcionaliza, transforma-se em uma espécie engrenagem dentro da grande máquina do sistema punitivo. Assim como Arendt aponta em Eichmann in Jerusalem, é o espaço da burocracia que desumaniza o homem e dessignifica a barbárie.[1] Criamos capas de sentidos que nos imunizam contra o dar-se-conta-da-barbárie. Puzilanimizamos o nosso cotidiano. Sim: pu-si-la-ni-mi-za-mo-NOS!
Em 2009, em face de vários processos nos quais oficiei como procurador de Justiça, pelos quais constatei a barbárie no sistema prisional gaúcho, representei ao procurador-geral da República pela intervenção federal no estado. Mostrei filmes, documentos, depoimentos. Números e mais números. Desgraças e mais desgraças. Mostrei que o presídio central está(va) loteado pelas facções criminosas. Parte do presídio foi “vendida” por uma facção a outra. Quando o preso ingressa no sistema, deve optar por umas das facções... Pois bem. O então procurador-geral pediu informações à governadora. Que disse estar tomando providências-que-nunca-foram-implementadas. Como está hoje? Perguntem à Associação dos Juízes do RS que representou à ONU e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E Pedrinhas? Muito pior. Dezenas de mortos no ano passado, três só este ano. Cabeças cortadas, corpos picados à faca. Os presídios brasileiros deixam as celas abertas, exatamente para que as facções dominem as galerias. As pedras sabem disso. Pedrinhas sabem disso. Todos sabemos. Mas, sem sonoplastia, sem fundo musical, não nos indigna(re)mos. Os dominadores-chefes dos presídios cobram pela droga distribuída, pelos celulares, pelo “seguro-de-bunda”, pelo lugar para dormir... E furam a mão (ou o pé) do inadimplente. Muitos presos não querem sair no Natal e em datas festivas porque têm de executar tarefas fora do “sistema”. Os familiares dos presos têm que comprovar os depósitos por recibo bancário. Tudo profissionalizado. Pelos menos a ordem é que se use o banco estatal. Parece que não confiam nos bancos privados...
Beccaria morreu e nasceu o canibalismoQuando pensávamos que o sistema carcerário tinha atingido o fundo do poço em Pedrinhas... esta semana a revista Época narrou canibalismo em um presídio do Rio Grande do Norte (aqui). Então? Escrevi esta coluna sem fundo musical. Ainda consigo me indignar. Mas o grosso da comunidade jurídica e parcela considerável da população acha que, se os presos estão lá e sofrem, é “porque alguma coisa devem ter feito para merecer isso”. Como se isso fosse um carma que cada preso tivesse que carregar. Beccaria teria arrepios se visse os castigos corpóreos pelos quais passam os presos de terrae brasilis. Mas, não foi para isso — o fim das penas corporais — que surgiu o iluminismo penal? Beccaria morreu. Nem seu legado teórico é respeitado.
E sabem o que vem pela frente? Em vez de construirmos presídios dignos, como os países civilizados fazem, vamos criar um atalho. Pindorama é pródigo nisso. Vamos atirar a água suja fora...com a criança dentro. Ou seja, em vez de construirmos presídios, já começam a surgir propostas de acabar com tudo. Sim. Para que prender? Se a prisão é tão ruim, acabemos com as penas e as prisões, dizem alguns setores.
Eis o busílis da questão. Criamos o caos, incentivamos o inferno prisional, não fazemos nada para evitá-lo e, depois, apresentamos a solução: prisão só para quem “precisa”. Só que não se sabe o sentido da tal “precisão”. Ah, dizem alguns, prisão é só para crimes violentos. OK. E o que é um crime violento? Sinto um cheiro “estamental” no ar... Voltarei a esse assunto em outra coluna.
De todo modo, ao escrever esta coluna, lembrei-me de Anatole France, poeta e escritor que viveu no século XIX. Com sua ácida crítica, cunhou um “aforisma” genial: “A Lei, em sua magnifica ‘igualdade’, proíbe ao rico e ao pobre dormir debaixo de pontes, assim como mendigar pelas ruas e furtar pão”. A diferença é que, desde logo, sabemos quem não será jamais “pego pelas malhas dessa lei”. Por mais igualdade que exista na lei, alguns não serão apanhados... pela simples razão que a eles não se destina. Há outro dito castellano que ajuda a entender o problema: Las leyes son como las telarañas: los insectos pequeños quedan atrapados en ellas, los grandes las rompen.
Numa palavra finalO que me impressiona, entre tantas coisas — e peço para os meus estagiários ligarem a trilha sonora — é que a OAB e outras entidades precisem fazer queixas para organismos internacionais. Inacreditável. Isso é a confissão de que fracassamos. Cá para nós. Um rotundo fracasso. Se não temos mecanismos internos para preservar os direitos humanos da população carcerária, vamos entregar os pontos. Arriar a bandeira. Não confiamos em nossas instituições para resolver isso? Não, por favor, não respondam...

[1] Está para sair um livro de um orientando meu, Rosivaldo Toscano, que aborda essa dimensão perversa contida na transformação das instituições estatais em grandes corporações, voltadas a uma eficiência numérica e cega, e seus efeitos nefastos ao sistema de Justiça como um todo.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2014

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

ENTENDA AS AÇÕES ENVOLVENDO A CORREÇÃO DO FGTS

Correção monetária do FGTS deve ser feita pelo IPCA

 
A Taxa Referencial deixou de refletir as mudanças da moeda brasileira há quase 15 anos, sendo inadequada para a atualização monetária do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa é a tese de três decisões da Justiça Federal no Paraná que mandam a Caixa Econômica Federal atualizar o valor do benefício pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Em todas elas, o juiz federal Diego Viegas Véras, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, disse que esse índice do IBGE é o “mais abrangente” para medir a “real inflação” do país.
O magistrado determinou que a ré refaça o cálculo dos valores recebidos desde 1999 por três trabalhadores, representados por diferentes advogados. As decisões, proferidas entre os dias 15 e 16 de janeiro, já chamaram a atenção de uma multidão de advogados. Quase 530 pediram vista de ao menos um dos processos até a tarde desta terça-feira (21/1), segundo a vara.
Véras julgou com base em entendimentos do Supremo Tribunal Federal. Nas ações diretas de inconstitucionalidade 4425 e 4357, o STF considerou que a Taxa Referencial (TR) não deveria ser aplicada em precatórios (dívidas públicas reconhecidas pela Justiça).
Mesmo reconhecendo a justificativa da Caixa de que o uso da TR é legal — está na Lei 8.177/91 —, o juiz federal disse que a aplicação é inadequada. A instituição argumentou ainda que a mudança no cálculo deve gerar prejuízo às políticas públicas educacional, habitacional e de infraestrutura urbana, mas Véras disse que o governo federal “busca implementar projetos subsidiados às custas da baixa remuneração e quase nula atualização monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia”.
“Os juros de 3% ao ano [da TR] sequer são suficientes para repor a desvalorização da moeda no período”, afirmou o magistrado. Nas sentenças, ele detalha a diferença dos juros com base na TR e no IPCA-E entre 1999 e 2013, concluindo que há “desigualdade”. Ainda cabe recurso.
O FGTS é constituído por meio de depósitos mensais feitos pelos empregadores em contas da Caixa, com valor correspondente a 8% da remuneração do funcionário. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do JF-PR.
Clique aqui; aqui e aqui para ler as sentenças.
Processos:500.9032-81.2013.404.7002500.9537-72.2013.4.04.7002500.9533-35.2013.404.7002
 
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O TST DECIDE QUE TRANSTORNO DESENVOLVIDO POR ASSÉDIO SEXUAL É CONSIDERADO DOENÇA OCUPACIOAL




Transtorno desenvolvido por assédio sexual é considerado doença ocupacional






A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu como doença profissional o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) que acometeu o caixa de um supermercado de Porto Velho (RO), devido ao assédio sexual e moral que sofreu na empresa. A doença foi desencadeada porque um subgerente perseguiu o trabalhador dizendo que ele era homossexual e provocando situações constrangedoras.

"Você não fala fino, não anda rebolando, não parece ser gay, mas você é... fala logo que é e eu não conto para ninguém", era frase que o empregado ouvia com frequência. Por dois anos sofrendo de insônia e sem conseguir dormir sequer algumas horas durante seis meses, ele comunicou a situação à empresa. Demitido sob alegação de baixo rendimento, procurou um psiquiatra que constatou a doença.

Com dor intensa e ininterrupta nos dedos, mãos e braço, tinha paralisias temporárias, esquecimentos e surtos de agressão ao próprio corpo. O médico diagnosticou ainda insônia, visão de vultos, vozes, pesadelos, tremores, dores de cabeça e tiques nervosos, que passaram a ser controlados por remédios de tarja preta. O trabalhador relatou ainda que, devido ao tratamento controlado, seu estado orgânico fica alterado, deixando-o tonto, lerdo e sem condições sequer de falar com facilidade.

O supermercado foi condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO) a pagar indenização por danos morais, no valor de 50 salários mínimos (equivalente hoje a R$ 36.200,00), a ser atualizado na época do pagamento. No entanto, considerou que o TOC não é doença profissional, pois não está no rol de doenças constantes nos incisos I e II do artigo 20 da Lei 8.213/91.

TST

Para o relator do recurso no TST, juiz convocado José Maria Quadros de Alencar, não há dúvida de que o transtorno, no caso, "trata-se de doença adquirida em função da atividade exercida em ambiente de trabalho inadequado e hostil". Ele explicou que ficou caracterizada a prática de assédios moral e sexual por um dos subgerentes do supermercado, "que nada mais é que um dos seus prepostos".

Na avaliação do relator, a doença é resultado de condições especiais do ambiente em que o trabalho era executado, equiparando-se a acidente do trabalho, nos termos do parágrafo 2º do artigo 20 da Lei 8.213/91. Acrescentou ainda que, conforme o artigo 932, inciso III, do Código Civil, o empregador responsabiliza-se diretamente pelos atos praticados por seus prepostos.

Com a decisão do TST, o processo retornará ao TRT da 14ª Região (RO) para que analise o pedido feito pelo trabalhador de recebimento de pensão mensal e garantia provisória no emprego, garantidos pela Lei 8.213/91, no caso de doença profissional equiparada a acidente de trabalho.

Assédio constante

Na reclamação trabalhista, o empregado contou que fazia serviços de zeladoria para a empresa, quando, em 2002, lhe solicitaram o currículo. Já durante a entrevista de admissão para a função de caixa, estranhou algumas perguntas realizadas pelo subgerente, inclusive se era homossexual. Foi, segundo ele, o início de um longo período de constrangimentos e humilhações.

Um dos episódios aconteceu enquanto conferia preços no supermercado. Segundo ele, o subgerente aproximou-se e começou a aspirar seu perfume, junto ao pescoço, o que fez com que ele saísse bruscamente de perto, com raiva e constrangimento. Os assédios ocorriam, em sua maioria, durante conversas particulares, em que ele sofria coações morais quanto à sua sexualidade.

O trabalhador afirmou ainda que, sempre que tinha essas atitudes, o chefe dizia para que ele não contasse para ninguém, fazendo pressões psicológicas. Até que um dia, apesar de sentir vergonha, ira, ansiedade e medo de perder o emprego, o caixa falou dos constrangimentos que sofria a alguns colegas, que disseram já saber de desses episódios, pois o próprio subgerente comentava com os demais, com ironia.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: número não divulgado para garantia de preservação da parte envolvida.

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
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Fonte: TST

 

O STJ DECIDE QUE HONORÁRIOS NÃO PODEM SER RECEBIDO EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Honorários não podem ser recebidos em cumprimento provisório de sentença

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade de votos, pela impossibilidade de advogados receberem honorários de sucumbência relativos a cumprimento provisório de sentença. O tema foi decidido em julgamento de recurso repetitivo, rito previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

O recurso especial representativo de controvérsia trata do rompimento, em 2001, de um duto na Serra do Mar que impossibilitou a pesca na região por seis meses. Milhares de processos de indenização se seguiram ao acidente e a Petrobrás foi condenada a indenizar vários pescadores paranaenses que trabalhavam nas baías de Antonina e Paranaguá. A empresa entrou na Justiça contra a execução dos honorários requerida pelos advogados dos pescadores.

Paradigma

No caso tratado pela Corte Especial, a Petrobrás foi condenada a pagar a indenização a um dos pescadores e a sentença foi mantida pela apelação. O advogado deu início então à execução provisória, solicitando que a Petrobrás depositasse o valor da condenação, um total de R$ 3.150, e os honorários arbitrados entre 10% e 20% do valor da causa. O Tribunal de Justiça do Paraná aceitou o pedido de pagamento dos honorários.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, o fato de ainda haver possibilidade de recurso impossibilita o pedido. “É descabido o arbitramento de honorários sucumbenciais, em benefício do exequente, na fase de cumprimento provisório de sentença”, afirmou.

Salomão citou decisões relativas à execução provisória e explicou que é entendimento pacífico no STJ a não incidência da multa do artigo 475-J do CPC, aplicada caso não haja pagamento pelo condenado no prazo de 15 dias.

Contradição

Não se pode, portanto, exigir o pagamento voluntário da condenação na fase de execução provisória, pois isto contrariaria o direito de recorrer, tornando prejudicado o recurso do executado. Por essa razão, segundo o relator, seria uma contradição aceitar o arbitramento dos honorários.

Salomão explicou que, se por um lado afasta-se a incidência da multa pelo fato de o devedor provisório não estar obrigado a efetuar o cumprimento voluntário da sentença sujeita a recurso, não é possível condená-lo ao pagamento de honorários na execução provisória exatamente porque não realizou o cumprimento voluntário da mesma sentença.

“Em suma, somente se transcorrido em branco prazo do art. 457-J – que se inicia com o ‘cumpra-se’ aposto depois do trânsito em julgado – sem pagamento voluntário da condenação é que o devedor ensejará instalação da nova fase executória, mostrando-se de rigor, nessa hipótese, o pagamento de novos honorários – distintos daqueles da fase cognitiva – a serem fixados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC”, afirmou o ministro.

Porém, como a promoção da execução provisória é opção do credor, não cabe, neste momento, arbitramento de honorários. “Posteriormente, convertendo-se a execução provisória em definitiva, nada impede que o magistrado proceda o arbitramento dos honorários advocatícios”, concluiu.
Fonte: STJ

ACESSO À JUSTIÇA

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito

 
A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?
Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.
Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.
O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.
O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.
É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.
 
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

Entre Pedrinhas e “rolezinhos”, é o caso de ponderar princípios?

 
Difícil tomar decisões jurídicas em relação a temas palpitantes, não apenas porque as opiniões a respeito de assuntos momentosos, não raro, são apaixonadas, mas também porque todos dão seu palpite... Mas é exatamente aí que está o problema: é possível decidir questões jurídicas movido pela paixão?
Vamos ao caso dos “rolezinhos”. É caso de ponderar princípios, citando Alexy e Dworkin — como se ambos pensassem do mesmo modo sobre o tema...—, para “escolher” qual dos direitos prepondera — por exemplo, é possível ponderar entre livre manifestação do pensamento e direito de propriedade?
Parece não ser esse o caso.
A Constituição assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de prévia autorização, e desde que não frustre reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido prévio aviso à autoridade competente (artigo 5.º, XVI). A principal tarefa do jurista, no caso, não está em ponderar princípios ou direitos, mas em definir, por exemplo, “local aberto ao público”, para saber se o shopping center se enquadra no que está escrito na regra constitucional, ou não. Ao se começar a fundamentação da decisão dizendo que o caso exige uma “ponderação de princípios”, praticamente diz-se, nas entrelinhas, que ao final se decidirá de acordo com convicções pessoais, e não com (verdadeiro) argumento de princípio — escrevi a respeito aqui.
O que dizer, então, do sucede no presídio em Pedrinhas — que tornou-se símbolo dos problemas graves que acontecem não apenas naquele local, mas em muitos outras prisões brasileiras? Pode o Judiciário ordenar ao Estado que construa novas prisões, para dar conta da população carcerária — por exemplo, sob pena de multa? Voltamos, aqui, à questão dos limites que devem operar entre a atuação jurisdicional e os outros órgãos do Estado. O problema se coloca porque, não raro, aqueles que ocupam poder de decisão no âmbito do poder Executivo, por exemplo, não atuam em consonância com o que impõe a Constituição. Em casos assim, ordenar ao Estado que cumpra uma decisão judicial sob pena de multa a ser paga pelo próprio Estado parece ser medida inócua. Insta identificar e responsabilizar o agente público que violou a lei. Apenas dizer que o Estado é responsável, pura e simplesmente, nada resolve, não passa de retórica vazia. Volto, aqui, ao que disse antes, em outro texto desta coluna. É preciso tornar de fato o que a Constituição estabelece de direito. O que sucede nas prisões brasileiras é resultado de uma equação perniciosa que começa na própria lei.
O que une os dois temas, para além dos aspectos sociológicos e políticos? Para mim, especialmente dois pontos: o primeiro, de tratar-se de temas que interessam apenas no presente momento, e deles logo nos esqueceremos, até que aconteça mais uma tragédia em algum presídio brasileiro; o segundo, de ambos ligarem-se ao nosso preconceito: em nossos tempos, é fácil ouvir que “bandido bom é bandido morto”, e que há pessoas que, sem saber qual o seu lugar, cometem o atrevimento de ir a um shopping center...
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2014

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

REGULAMENTO DA CBF - TÁ LÁ UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO!

 


Regulamento da CBF — tá lá um corpo estendido no chão!

Por Lenio Luiz Streck


Nos meus tempos de menino, os adultos usavam Gumex no cabelo, que deixava o cabelo lisinho, duro e esticado. Logo, o tal Gumex foi transplantado para a aplicação do Direito, quando se dizia — e me lembro das aulas na Faculdade de Direito — toda vez que se queria sustentar a literalidade da lei que “dura lex sed lex... e no cabelo só Gumex”, criação do grande Ary Barroso. Como diria Fiori Giglioti, meu ídolo na narração esportiva, “o tempo passa, torcida brasileira”.

Pois não é que um dos auditores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva andou utilizando o velho bordão? (clique aqui para ler) Não sei ele participou do julgamento que colocou a Lusa na segunda divisão, mas o que ele queria dizer — no que foi seguido pelo pleno do STJD – é que, se estava escrito no Regulamento da CBF, então tinha quer aplicado. Algo do tipo duela a quien duela, como diria o filósofo contemporâneo F. C. de Mello, no livro “Aplicación de la ley en el fútbol moderno”, editora Fondo di Casa (já de todos conhecida depois da multiplicação de publicações feitas a R$ 10 a página aqui referida na coluna em que o Papai Noel entregou presentes à comunidade jurídica (clique aqui para ler).

Sigo. Na semana que passou, o judiciário de São Paulo devolveu os quatro pontos que o STJD tirou do Flamengo e da Portuguesa de Desportos. Argumentou o juiz que não foi respeitado o Estatuto do Torcedor e que este vale mais do que o Regulamento da CBF.

Curto e grosso e eficaz, como o futebol de Dadá Maravilha, Flávio Bicudo e Jardel, grandes centroavantes que fizeram história enchendo os adversários de gols. Sem firulas. Perfeito. Assim foi a decisão do juiz de São Paulo. A lei votada democraticamente pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República de 200 milhões de habitantes vale (bem) mais do que um regulamento votado por meia dúzia de burocratas do futebol. Bingo.

Todos sabem de meu conservadorismo com relação à aplicação da lei. Em vários livros e textos — como em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica —, sustento que somente é possível deixar de aplicar uma lei ou regulamento em seis hipóteses:

a) se a lei for inconstitucional;
b) se for caso de, na relação texto-norma (fórmula Müller), ser possível fazer uma interpretação conforme;
c) se for caso de, nas mesmas circunstâncias, uma nulidade parcial sem redução de texto;
d) se estivermos em face da aplicação dos critérios de resolução de antinomias;
e) se for caso de inconstitucionalidade parcial com redução de texto:
f) e, por último, se for caso de uma regra ter de ceder em face de um princípio constitucional (claro, com as ressalvas acerca daquilo que se deve entender por princípios e sem cair, destarte, no pamprincipiologismo).

Ora, no caso do affair Lusa-Flamengo-CBF-STJD, simplesmente cabe aplicar a fórmula “Jardel-Bicudo-Dadá”: o regulamento da CBF tem de obedecer a lei maior (aliás, uma lei). Se a lei estabelece que uma decisão do STJD deve ser publicada para só depois valer, é porque a decisão-só-vale-depois-que-for-publicada! Simplíssimo.

Só para deixar claro, vamos ao que diz o artigo 35 do Estatuto:[1] As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.[2] Já o artigo 36 diz que a decisão que não observar o disposto acima é... nula! Mais: o parágrafo 2º acentua que as decisões, sempre motivadas, devam obrigatoriamente serem disponibilizadas no site!

Pronto. Tão claro quanto o fato de Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar serem craques. Sempre é bom um pouco de sintaxe e de semântica, até porque um texto só é na sua norma e a norma só é no seu texto. Há sempre limites na atribuição de sentidos. Por exemplo, a expressão semântica “em qualquer hipótese” não pode significar que essa regra seja excepcionada por uma informalidade do tipo “a intimação se dará na hora da sentença” ou algo desse jaez. Isso é acaciano.[3]

Logo, pouco importa que pretensamente a Lusa ou o Flamengo tenham sido intimados, citados ou informados na ocasião do julgamento na sexta-feira (o jogo foi no domingo). Não houve publicidade da decisão. Ela não foi posta em tempo hábil no site. Aliás, em termos de garantias, o que vale é a fórmula forma dat esse rei (a forma é a essência do ato). Flamengo e Lusa não são entidades metafísicas. Você não encontra “a Lusa” na rua e a cumprimenta, a não ser que seja uma bela rapariga lusitana nascida Trás-os-Montes... Ou seja, a intimação no julgamento não vale contra a exigência da Lei Federal. Até porque o “intimado” é um advogado ou dirigente, que pode esquecer de avisar (sei lá... pode beber, fazer uma noitada ou perder a fala por uma laringite, enlouquecer ou até mesmo morrer antes do jogo seguinte). E nada fica provado ou não provado. Ora, a garantia é em favor do futebol, questão social abarcada pela própria Constituição. Se o futebol não fosse coisa séria, não haveria uma Lei Federal tratando da matéria. Essa lei pretende preservar o torcedor, inclusivamente contra desídias de dirigentes que esquecem de avisar o clube acerca da suspensão de um atleta. Esse me parece um ponto fulcral. A formalidade é a garantia contra desídias genéricas.

Claríssimo isso. O estatuto de que falo é essa lei federal — que é chamado, não por acaso, de “do Torcedor”... Ele visa a garantir o espetáculo. E o resultado de campo. E para isso vai fundo, exigindo que a intimação formal, nos mesmos termos em que procedem os tribunais federais, de alguma sanção seja feita no BID ou por escrito (até mesmo por e-mail ou fax).

Consequentemente, é por isso que o Estatuto do Torcedor vale mais do que o regulamento da CBF. Entre o torcedor e a CBF, um amigo meu “ponderador” diria: faço um sopesamento e fico com a aplicação da Abwägung... Neste caso até eu concordaria — com todas as ressalvas, reservas e ironias do mundo — embora ele não tenha utilizado o caminho para construir a tal regra da ponderação (sobre proporcionalidade e ponderação, não resisto a uma observação a latere: li uma das decisões liminares concedidas por um juiz de São Paulo para proibir o rolê da patuleia em shopping center; nela, o juiz “junta” Dworkin e Alexy, mais postulados etc, faz uma salada de frutas para concluir-o-que- concluiu, cuja decisão ele já havia tomado e, para justificá-la, poderia ter citado tanto Dworkin, Alexy como o filósofo alemão Onkel Dagobert, que daria no mesmo; ah, esses sincretismos; ah, essas misturanças de autores...).

E lembremo-nos de uma coisa que qualquer curso de quinta categoria ensina aos seus alunos: o Direito é um sistema de regras e princípios. Logo, quais são os princípios que regem o estatuto do Torcedor? Hein? Li e lá vi que existe um, que manda preservar o resultado do jogo. Bingo. Isto quer dizer, lá na minha terra, do glorioso Atlético Clube Avenida: jogo jogado, faixa no peito e taça no armário.

O que mais se quer? Desde que não haja fraude, vale o resultado do jogo. E, somando-se o fato de que o regulamento da CBF é só um regulamento, que vale tanto quanto um Portaria ou Instrução Normativa, qualquer juiz de terrae brasilis football club não terá maior dificuldade de fazer esse gol. Juiz 1x0 STJD. “As bandeiras estão tremulando, tremulando, torcedor brasileiro” (bordão do narrador Haroldo de Souza, da Rádio Grenal de Porto Alegre – ouça aqui). Mário Vianna, com dois enes, gritaria: Goool leeeegallll! E para continuar as homenagens aos grandes narradores, Pedro Ernesto Denardim diria “É demaiiis!!!” (ouça aqui). Ah: não se pode esquecer que o próprio artigo 282 do CBJD diz, enfaticamente: “A interpretação das normas deste Código far-se-á com observância das regras gerais de hermenêutica, visando à defesa da disciplina, da moralidade do desporto e do espírito desportivo.” Golaço! Ou seja, o próprio regulamento diz que o que deve prevalecer é, na dúvida, o resultado do campo! Bola na rede! Ainda: regras gerais da hermenêutica também quer dizer que, entre um regulamento e uma Lei, vale a Lei Federal. Além disso, devem prevalecer os princípios em detrimento de regras que levem ao absurdo (como por exemplo, uma regra que estabelece a perda de mais pontos do que os jogados em campo...!).

Ou seja, e cá para nós, se uma partida vale três pontos, qual seria a razoabilidade ou a proporcionalidade (cuidado com as placas que meus estagiários levantam nessas horas) em acreditar que a sanção por utilizar um jogador irregular é maior do que se perdesse a partida? Isso nem um jurista que joga na quarta divisão da CBF sustentaria. No bordão de outro monstro da narração esportiva, Osmar Santos, “tiroliroli, tirolirolá, ripa na chulipa e pimba na gorduchinha...(...) e que Goool...” (ouça aqui).

Mas ainda tem um outro argumento: para o STJD, o que vale é o regulamento da CBF. Vamos então fazer um teste, para saber os limites de um “regulamento”. Se esse regulamento dissesse que o clube perderia 5 pontos, valeria? Sim ou não? E 6 pontos? E 10 pontos? Sim ou não? E se no regulamento constasse que um auditor que não conseguisse esconder seu clubismo sofreria pena de chicoteamento, isso valeria? Afinal, dura lex, sed lex? Então, meus caros: no Direito, há hierarquias na conformação dos atos normativos. Por isso existe uma Constituição, que vale mais do que todas as leis. Assim funciona a democracia. E é por isso mesmo que o Estatuto do Torcedor vale mais do que o regulamento ou Código da CBF. Além disso, existem princípios...que comandam as regras. Simples. Tão claro como colocar água em cima, como diria o meu professor Ricardo Cristofics.

É isso. Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, homenageando sempre o grande Fiori Gigliotti. Ou o narrador Januário de Oliveira, que diria, para o auditor que sustentou o regulamento como dura lex sed lex: “tá lá um corpo estendido no chão...”.

Crepúsculo de jogo, vociferava Fiori. Me emociono quando lembro do Fiori e de suas narrações. Eu o imitava quando narrava os jogos de futebol de botão. Eu era feliz... e sabia disso. Eu seria, na narração de Fiori, o “moço de Agudo” (quem se lembra das narrações do Fiori, vai lembrar quando ele dizia: “bola com Dudu, o moço de Araraquara” ou “Garrincha, o moço das pernas tortas”).

Ah, a emoção do rádio. A emoção do futebol. E que não pode ser conspurcada por julgamentos a la Azdak, de Brecht. Cartão vermelho para o STJD. E Mário Vianna decretaria: “- errrrou!”. Carrinho por trás... é vermelho. A regra é clara, pois não? Fim de jogo! No bordão criado por Januário de Oliveira, “acabou o milho, acabou a pipoca, fim de papo."

Nota final 1: esta coluna é uma homenagem ao rádio esportivo brasileiro. Efetivamente, o rádio transmite a cores as coisas do mundo da bola!

Nota final 2: Nos acréscimos regulamentares para a entrega da coluna, fiquei sabendo que, no Rio, uma juíza reconheceu a Justiça Desportiva como plenipotenciária para dirimir a querela. Não é, entretanto, o que diz o artigo 217 parágrafo 1º da Constituição. Ali diz que o Poder Judiciário admitirá ações desde que esgotadas as instâncias desportivas. De todo modo, a questão é outra: o Estatuto do Torcedor! Tudo conforme argumento nesta coluna.
[1] Meus cumprimentos ao Defensor Público José de Souza, que escreveu sobre o assunto em texto replicado por diversos sites esportivos e por esta ConJur.
[2] Vou deixar isso mais claro: A legislação federal regula a intimação de atos judiciais de duas formas: a) sentença de primeiro grau; b) decisão colegiada dos tribunais. Na primeira hipótese, proferida a sentença em audiência, as partes já saem intimadas do ato, e não haverá nova publicação da sentença, porque todos os seus fundamentos já constam da ata, cuja cópia poderá acessar o advogado ou a parte. Na segunda hipótese, por se tratar de um julgamento complexo, no qual irão se somar vários votos e possível debate argumentativo entre os integrantes do julgamento, com acréscimo ou retirada de argumentos, a publicidade, para fins recursais, exige a publicação do acórdão, ainda que as partes e advogados estejam presentes quando da prática do ato processual. No caso da justiça desportiva, o regramento legal federal a ser aplicado, no que se refere ao cumprimento da decisão da justiça desportiva, por se tratar de órgão colegiado, é aquele incidente aos julgamentos colegiados dos tribunais, e não o regime jurídico das sentenças monocráticas proferidas em audiência. Isso em virtude das questões antes enunciadas: o julgamento coletivo, iniciado pelo relator, somente se perfectibiliza após acréscimo dos demais votos, e a possibilidade de debates, com introdução de novos argumentos, geraria uma insegurança incompatível com o sistema recursal. Assim, somente após a publicação, com todos os fundamentos, da decisão é que ele passa a ser exigível. Essa interpretação fica mais evidente quando se verifica que o artigo 35, em seu parágrafo 2º (estatuto do torcedor), determina que as decisões, sempre motivadas, devam obrigatoriamente serem disponibilizadas no site, justamente para propiciar eventual impugnação à decisão, para o que a simples presença da parte ou de seu advogado na sessão de julgamento já não se mostra suficiente (tudo em virtude da possibilidade de serem integrados/retirados argumentos durante a sessão - veja-se o caso das sessões do STF, quando o acórdão é publicado já não corresponde ao que foi debatido em Plenário: grandes partes das notas taquigráficas simplesmente são retiradas pelo ministro, embora efetivamente a fala tenha sido produzida em plenário....
[3] Acaciano deriva do personagem Conselheiro Acácio, do romance de Eça de Queiroz, Primo Basílio. Só para não gerar mal entendidos. Uma das máximas do grande Conselheiro era: as consequências vem sempre depois...! Gênio, não?


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2014

VEJA A JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE A ATUAÇÃO DO FIADOR

Veja a jurisprudência do STJ sobre a atuação do fiador

 
Prestar fiança pode ser uma grande ajuda para alguem que precisa fechar um contrato, mas pode se tornar uma grande dor de cabeça. Em diversas ocasiões, o Superior Tribunal de Justiça foi acionado para definir questões envolvendo o papel do fiador em contratos de aluguel, o que levou inclusive à edição de súmulas sobre o assunto.
Ao contrário do aval, que é específico para títulos de crédito, como nota promissória, cheque, letra de câmbio, a fiança é válida para contratos em geral. Outra diferença é que o aval não depende de contrato, mas da simples assinatura do avalista no título de crédito. Isso justifica o fato de o contrato de locação demandar um fiador, que será a garantia financeira até a entrega das chaves, e não um avalista. A “entrega das chaves” é alvo de questionamento frequente no STJ, o que deu origem à edição da Súmula 214.
De acordo com o enunciado da Súmula 214 do STJ, “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. No entanto, isso não elimina a possibilidade de renovação da fiança sem a aprovação do fiador. A jurisprudência do tribunal aponta que, se o contrato de locação inclui cláusula prevendo que os fiadores respondem pelos débitos locativos até o imóvel ser entregue, a fiança será mantida durante a prorrogação do contrato, inclusive sem a anuência do fiador, como decidido no Agravo em Recurso Especial 234.428.
O entendimento, porém, vale apenas para os contratos fechados antes da entrada em vigor da nova redação do artigo 39 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), introduzida pela Lei 12.112/09. Isto foi decidido durante o julgamento do Recurso Especial 1.326.557. A nova redação do artigo 39 diz que “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.
Assim, a fiança só não será prorrogada automaticamente se a definição constar do contrato. Relator do REsp em que isso foi analisado, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que “salvo pactuação em contrário, o contrato de fiança, em caso de prorrogação da locação, por prazo indeterminado, também prorroga-se automaticamente a fiança, resguardando-se, durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade de o fiador exonerar-se da obrigação, mediante notificação resilitória”.
Troca de fiador
A exoneração do fiador também foi alterada pelo Código Civil de 2002. Enquanto o texto de 1916 citava apenas ato amigável ou sentença judicial como formas de exoneração, a nova redação admite que a fiança, sem prazo determinado, possibilita a exoneração unilateral do fiador. Isso depende de notificação ao credor sobre a intenção de exoneração e, segundo a nova redação da Lei 8.245/91, a conclusão não é imediata, já que o fiador aina é responsável pelos efeitos durante 120 dias, prazo em que o locatário é notificado e deve indicar nova garantia, sob risco de a locação ser desfeita.
A troca do fiador também pode ser exigida em caso de morte, declaração judicial de ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, alienação ou gravação de todos os seus bens, mudança de residência sem comunicação e quando o contrato por tempo determinado é encerrado. Este último caso levou ao Recurso Especial 902.796, que envolvia uma ação de despejo. Encerrado o contrato de aluguel, que tinha prazo determinado e não possuía previsão de prorrogação, o locador exigiu um novo fiador, o que não ocorreu.
O locatário argumentou que “não cometeu qualquer falta contratual capaz de suscitar a rescisão e o consequente despejo. Isso porque, em sendo a avença prorrogada por tempo indeterminado, não haveria para ele, ainda que instado a tanto pela locadora, qualquer obrigação de apresentar novo fiador”. Relatora do caso, a minists Laurita Vaz negou provimento à peça, apontando que o artigo 40, inciso V, da Lei 8.245/91 permite ao locador exigir a substituição da garantia inicialmente prestada, notificando e dando prazo ao locatário para que cumpra o pedido.
Outorga uxória
Também exige atenção do locador o formalismo legal relacionado à outorga uxória, que impede que um dos cônjuges dilapide o patrimônio do casal. Isso leva à nulidade da fiança prestada sem anuência da outra parte, como previsto na Súmula 332, com a seguinte redação: “Fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.”
Ao analisar o Recurso Especial 1.095.441, porém, a 6ª Turma relativizou tal entendimento. O caso em questão envolvia um fiador que se disse separado, mas vivia em união estável. Na execução da garantia do aluguel, a companheira apontou a nulidade da fiança por conta da falta de sua anuência,mas os ministros entenderam que a anulação beneficiaria o fiador, que agiu de má-fé no caso. Isso impediria a adoção do entendimento, disse o ministro Og Fernandes, relator do recurso, que também apontou a garantia da meação da companheira, afastando o desrespeito à lei.
A outorga uxória vincula a fiança até em caso de morte do fiador, pois a jurisprudência do STJ, explicitada no REsp 752.856 aponta para a manutenção dos efeitos da garantia, por parte do cônjuge, se o fiador morre. Isso não ocorre quando o locatário morre, já que débitos advindos depois do falecimento não são direcionados ao fiador.
Ao julgar o Agravo de Instrumento 803.977, o ministro Arnaldo Esteves de Lima afirmou que “é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, por ser contrato de natureza intuitu personae, porque importa a confiança que inspire o fiador ao credor, a morte do locatário importa em extinção da fiança e exoneração da obrigação do fiador. No caso, o locatário morreu, mas sua cônjuge e as filhas permaneceram no local, levando o locador a ajuizar ação contra o fiador. Tanto o tribunal estadual quanto o STJ, porém, apontaram que a morte extinguiu a obrigação.
Benefício de Ordem
Outra opção para o fiador é o Benefício de Ordem, direito que o personagem tem de exigir ao credor que acione primeiro o devedor principal, com os bens dele sendo executados antes do fiador. Tal benefício não é válido, porém, se o contrato apontar a renúncia à opção, caso o fiador seja pagador principal ou devedor solidário, ou se o locatário devedor for insolvente ou falido. A alegação de abusividade da cláusula de renúncia, como ocorreu no Recurso Especial 851.507, também de relatoria do ministro Arnaldo Esteves de Lima, tampouco muda a situação, já que a renúncia é regulamentada pelo artigo 828 do Código Civil.
Bem de família
O fiador que assume tal obrigação não pode, também, alegar impenhorabilidade de bens na execução, ainda que trate-se de bem de família, como ocorreu no julgamento do Recurso Especial 1.088.962, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. O tribunal de origem afastou a penhora, sob o entendimento de que tratava-se de bem de família, mas o acórdão foi reformado. 
Em seu voto, Sidnei Beneti apontou que há precedente do Supremo Tribunal Federal, na análise do Recurso Extraordinário 407.688, no sentido de que “ o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário. O amparo para a medida vem do no artigo 3º da Lei 8.009/90 e, no julgamento do Recurso Especial 1.049.425, o ministro Hamilton Carvalhido, relator do caso, disse que em sua opinião a lei fere o princípio de igualdade, o que a tornaria inconstitucional. No entanto, baseando-se no entendimento do STF e na jurisprudência do STJ, votou de acordo com entendimento firmado, mesmo sem concordar. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 
Clique aqui para ler o Agravo em Recurso Especial 234.428
Clique aqui para ler o Recurso Especial 1.326.557
Clique aqui para ler o Recurso Especial 902.796
Clique aqui para ler o Recurso Especial 1.095.441
Clique aqui para ler o Recurso Especial 752.856
Clique aqui para ler o Agravo 803.977
Clique aqui para ler o Recurso Especial 851.507
Clique aqui para ler o Recurso Especial 1.088.962
Clique aqui para ler o Recurso Especial 1.049.425
 
Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2014

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

FAZER TESTEMUNHA REPETIR RESPOSTA FAVORÁVEL PODE SER ARRISCADO

Fazer testemunha repetir resposta favorável pode ser arriscado

 
 
O Tribunal do Júri não é um ringue do UFC. Não tente “finalizar” o adversário, quando ele já está na lona. Você pode receber um golpe inesperado e perder a luta. O conselho é do advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheater. Para exemplificar, o advogado conta a história do julgamento de um traficante, em que a Promotoria era a favorita, até que uma resposta inesperada da testemunha da acusação mudou o rumo das coisas — ou poderia ter mudado, não fosse pela insistência da Defesa na mesma questão.
O objetivo da Promotoria, no julgamento, era provar que o réu teve participação ativa em uma conspiração para traficar 500 gramas de heroína. O objetivo da defesa, diante das circunstâncias, era tentar provar que o réu teve apenas uma pequena participação na transação: tudo o que fez foi negociar com apenas uma pessoa. Por acaso, essa pessoa era um informante da Polícia.
Mas o julgamento se revelou uma história de trapalhadas, explicável pela inexperiência do advogado de defesa e do promotor, ambos praticamente iniciantes no Tribunal do Júri.
O jovem promotor colocou no banco sua testemunha-chave, o informante da Polícia e, cumpridas as formalidades, fez a pergunta que incriminaria o réu:
— Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente durante as negociações?
Resposta da testemunha, para a surpresa geral:
— Não que eu saiba.
O promotor, sobrecarregado de trabalho, sem tempo de ir a fundo nos casos e sem saber o que fazer nessa situação, informou ao juiz que não tinha mais perguntas e se sentou, abatido.
Nesse ponto, um advogado de defesa experiente, faria a mesma coisa: diria “sem perguntas” e se calaria. A acusação já estava na lona. 
Mas não foi o que fez o empolgado e inexperiente advogado de defesa. Ele se levantou prontamente, fechou o botão do paletó e começou a interrogar a testemunha para “finalizar” o adversário de uma vez.
— O promotor lhe perguntou se Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações e você disse “não que eu saiba”. Correto?
— Sim, está correto. Não acho que ele estava.
— Então, Desmond Llewellyn Witherspoon não tem nada a ver com as negociações?
— Ao que eu saiba, não.
— Nesse caso, Desmond Llewellyn Witherspoon não acertou a venda de 500 gramas de heroína, não é? 
— Não. Não que eu saiba.
— OK. Você já disse e repetiu “não que eu saiba”, mas acho que devemos deixar isso bem claro, de uma vez por todas. [Aponta para o réu e continua] Então, o réu não tem nada a ver com as negociações de heroína... Ou tem?
— Oh! O Pookie? Sim, Pookie foi o cara que acertou tudo. Ele me telefonou, me deu os preços, falou sobre a qualidade da heroína, contou que pode fornecer quantidades ilimitadas da droga, já que ele matou alguns traficantes que controlavam os negócios na Colômbia e que, além disso, ele tem patrulheiros da fronteira em sua folha de pagamentos. Ele me garantiu que tem o controle total dos negócios na região. Sim, Pookie é o chefão. Agora, esse tal Desmond, que vocês ficam mencionando, nem sei quem é. Aliás, nesse negócio ninguém sabe o nome verdadeiro de ninguém. Esse aí, todo mundo chama de “Pookie”.
Wilcox conta a história em tom de ficção — mais preocupado, talvez, em dar um exemplo radical para sedimentar facilmente uma ideia. Mas ele assegura que, muitas vezes, advogados e promotores inexperientes convertem uma resposta favorável de uma testemunha em desfavorável, apenas por insistir inadvertidamente na questão e, com isso, “sacramentar” a vitória. Outro exemplo comum:
— Você ouviu alguma coisa?
— Não. Ao que me recordo, não.
— Está seguro disso?
— Sim, estou.
— OK. Então você não ouviu absolutamente nada…
— Bem, a não ser por … — e segue-se o relato de um ponto fundamental que parecia inócuo para a testemunha.
Para Wilcox, não há nada demais se, diante de uma resposta favorável, o advogado (ou promotor) mudar a linha de questionamento ou se calar. Insistir na confirmação do testemunho favorável pode gerar respostas inesperadas, porque abre-se oportunidade para a testemunha se explicar — ou falar o que quiser. A partir daí, ninguém sabe o que pode acontecer.
No Tribunal do Júri, nenhum advogado (ou promotor) pode deixar a testemunha da outra parte falar o que quiser e ficar à mercê de respostas inesperadas, diz Wilcox.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2014

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

DISCUSSÃO DE PONTOS FRACOS PODE CATIVAR CLIENTES

 

A ideia de que a apresentação do advogado a um possível cliente deve se concentrar nos pontos fortes do escritório é errada. Muitas vezes, um advogado age dentro do melhor figurino de marketing em seu primeiro contato com o cliente. Leva-o a falar sobre sua vida e seus problemas, explica como seus casos podem ser resolvidos, antes de começar a expor as vantagens de contratar o escritório. Mas é surpreendido com o desaparecimento subsequente do provável cliente, que fica impressionado, diz que vai pensar, mas nunca mais dá notícias.
A explicação é muito simples: o cliente percebeu alguma coisa que não gostou. Como a ConJur já publicou, clientes não têm competência para avaliar o desempenho jurídico do escritório. E nem mesmo seus pontos fortes (ou positivos). Mas sabem, obviamente, que, como tudo na vida, existem pontos fracos (ou negativos). Só não sabem quais são. Por isso, se guiam por um sentimento irracional, a percepção.
A ideia certa é discutir com o possível cliente, depois de conhecer seus problemas ou de descrevê-los de antemão, os pontos fortes e os pontos fracos do escritório. A discussão de pontos fracos esvazia o desassossego do cliente, que não consegue descobrir, por ele mesmo, os lados negativos. E evita que ele se entregue a percepções, que nunca serão positivas se o que está na mesa é apenas o lado positivo.
Não há qualquer incoerência nisso: pontos fracos, bem apresentados, podem soar como vantagens. Nas entrevistas de emprego, nos EUA, os entrevistadores pedem aos candidatos para falar sobre algum ponto fraco em seu perfil. Um candidato atento pode dizer, por exemplo, que às vezes demora muito para entregar um trabalho, porque é um perfeccionista. O que fica na mente do entrevistador, muitas vezes, é o “perfeccionista”, um “defeito” que pode vir a calhar para os objetivos da empresa. Ou que é corrigível.
O segredo é não deixar o possível cliente à mercê de possíveis percepções negativas. Por isso, o advogado deve ter consciência de seus pontos fracos (reais ou supostos) e levá-los à mesa de reunião com o cliente. Algumas vezes, um cliente que “nunca mais apareceu”, se perguntado em alguma oportunidade, poderá ser sincero o suficiente para esclarecer sua “percepção negativa” do advogado ou do escritório.
O consultor de marketing para advogados Trey Ryder conversou com seus clientes sobre isso. Coletou informações sobre algumas “percepções negativas” que os clientes dos advogados tiveram sobre eles, em algum momento, e sobre como lidaram com a situação. Veja as mais comuns:
Percepção: o advogado é novo demaisIsso é bom, mas pode atrapalhar, porque o cliente pode ter a percepção de que o profissional não tem a experiência necessária e lhe falta conhecimentos para prestar os serviços jurídicos que precisa. É preciso argumentos que transformem essa “desvantagem” em “vantagem”. Um deles, de um advogado para um empresário: "uma coisa boa é que, como ainda sou muito jovem, poderei ajudar sua empresa por muitos anos; você não precisará voltar ao mercado tão cedo, em busca de um advogado".
A situação é mais complicada para advogados que saem da faculdade diretamente para seu próprio escritório. Advogados que, apesar de muito jovens, passaram por um ou mais empregos em escritórios conceituados, podem facilmente apontar a experiência anterior. Sempre ajuda ter um escritório conceituado como referência.
Para os que abrem escritórios muito cedo, é melhor que tenham um nicho pequeno e bem definido, para poder argumentar: “Só fazemos isso”. Aliás, para todos os advogados novos, a situação se torna mais favorável quando se especializam em uma área que exige conhecimentos tecnológicos.
Percepção: o advogado é velho demaisIsso é bom, considerando, em primeiro lugar, a alternativa mais provável: o profissional está fora de combate. Mas a experiência é um adicional imbatível. Através dos anos, foram muitos os conhecimentos acumulados, a prática adquirida é incomparável, o respeito conquistado no trânsito pelos tribunais e no relacionamento com partes adversárias é valioso. Uma “raposa velha” será sempre respeitada por sua capacidade indiscutível de sobrepujar adversários — e sequer precisam dessas dicas.
Percepção: o valor é muito baratoSe seus honorários estão entre os mais baixos do mercado, prepare-se para explicar ao cliente as razões, antes que ele diga “que bom, hein!” e vá embora para sempre. Já é antiga a percepção de que barato é sinônimo de ruim. Por isso, é melhor deixar claro que o escritório foi propositadamente montado para oferecer os benefícios de uma estrutura simplificada e racionalizada ao cliente. Hoje em dia, ninguém (ou nenhuma empresa inteligente) vê necessidade de pagar por sofisticação não relacionada a serviços jurídicos.
Explique como o escritório usa a tecnologia para reduzir custos e outras medidas que foram tomadas para repassar os benefícios da contensão de despesas aos clientes. Isso é o que a maioria das empresas faz atualmente, não é? E esse é um dos pontos fortes do escritório, para concorrer com os grandes.
Percepção: o valor é muito caroSe os honorários são maiores do que os de outros advogados, o valor também tem de estar acima do que se vê no mercado, na avaliação do cliente. Por isso, tem de ser bem explicado a ele, logo na primeira reunião, antes que ele chegue à conclusão que os serviços jurídicos são tão caros porque terá de pagar pelo “luxo” do escritório. Hoje em dia, as empresas estão mais “conscientes” de custos.
Pode ser necessário explicar, por exemplo, que a estrutura do escritório deve ser grande o suficiente, para dar atendimento adequado a clientes de grande porte. Também pesam a qualificação da equipe, a experiência, a capacidade de fogo, o histórico do escritório. Definitivamente, não é acessível a todos. Muitos clientes apreciam essas justificativas.
A forma de apresentar os custos também contribui para mudar a percepção do cliente: “Nossos honorários serão de 15 mil” é diferente de “podemos economizar a sua empresa (ou a sua família) cerca de 300 mil, por um custo de 15 mil”, diz o consultor.
Percepção: o advogado é ocupado demaisMuitos clientes pensam que, se o profissional tem clientes demais e está ocupado demais, terá tempo e disposição de menos para cuidar de seu caso apropriadamente. Isso ficará ainda mais claro se o advogado pular a parte do interesse pela vida do cliente, sugerir que se vá diretamente ao assunto e mostrar alguma ansiedade para encerrar a reunião, porque tem outros compromissos.
Se tiver pouco tempo, realmente, precisa manejar melhor a situação. E, sobretudo, explicar ao cliente as medidas que o escritório toma para dedicar todo o tempo necessário a cada caso e para cumprir prazos, não perder reuniões etc. Uma demonstração de organização pode ajudar a eliminar a má percepção.
Percepção: o advogado é quase um desocupadoA impressão de que o escritório está entregue às moscas e de que o advogado não tem mais nada o que fazer do que bater um papo interminável com o possível cliente pode ser pior do que a percepção de que está ocupado demais, ao que se acredita.
Nos EUA, é praticamente impossível marcar uma consulta, com qualquer profissional, para a mesma semana. "Sua a agenda está sempre cheia", diz a secretária. No entanto, se o cliente diz que tem de ser até amanhã ou nunca mais, provavelmente ela encontrará um horário para o mesmo dia.
Nenhum advogado precisa recorrer a esse tipo de recurso. Mas deve arrumar ocupação com seus projetos de marketing, com reuniões de equipes, com serviços pro bono, com encontros comunitários ou o que for. Estar razoavelmente ocupado cria uma percepção de valor.
Percepção: o advogado é especializado demaisSe o cliente precisar de serviços que fogem da especialização, o advogado não deve ameaçá-lo com uma oferta para “quebrar o galho”. Deve explicar que não é um “clínico geral” e, até onde for conveniente, as razões de sua especialização. Mas advirta-o de que não ficará desamparado ou no escuro. Deve dizer que um advogado competente cuidará do caso, porque irá falar pessoalmente com ele.
Se for um grande escritório, basta mandar chamar o colega. Para quem opera um escritório pequeno, é fundamental desenvolver uma rede de relacionamentos com outros advogados, em que todos conhecem bem o trabalho dos outros, e os recomendam. A única coisa que não pode ser feita é sugerir ao cliente que procure, ele mesmo, outro advogado. O advogado deve se manter como fonte principal de informações do cliente para assuntos jurídicos.
Percepção: O advogado é generalista demais“Paus para toda obra” talvez sejam úteis em uma... obra. Em profissões como advocacia, medicina e outras de alta responsabilidade se sobressaem os especialistas. Se há uma percepção de que é generalista demais, é preciso demonstrar ter conhecimentos suficientes para cuidar do caso do cliente ou que, se for necessário, poderá contar com a ajuda de um colega especializado.
Em nenhum caso, em que percepções contraproducentes possam surgir, o advogado precisa recorrer a espertezas ou enganar o cliente. Isso só vai resultar em desastres e mau conceito. Trata-se, apenas, de analisar os pontos fracos do escritório, que serão apresentados junto com os pontos fortes, e apresentá-los de uma maneira positiva. Afinal, tudo na vida, incluindo os pontos fracos, tem polos positivos e negativos. Basta identificar os polos positivos do que parece ser um ponto fraco. Como associar perfeccionismo a uma suposta lentidão.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2014

E SE FOSSE CRIADO O MINISTÉRIO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS?

 

 
Esclarecimentos necessáriosA ficção faz parte de nossas vidas. Compreendemos melhor a realidade por intermédio de sua ficcionalização ou de sua fabulação. A coluna de hoje está nesse contexto. Trata-se de um exercício absolutamente ficcional. A literatura sempre tratou a mundanidade do mundo a partir de artifícios. Esta coluna é uma homenagem a todos aqueles que labutam no Direito e se debruçam sobre as (im)possibilidades de alteração do atual estado d’arte das práticas jurídicas. Faço-o com todo respeito. Sem exceções. Do mais importante operador-Ministro ao mais humilde advogado de Agudo, minha terra. A coluna deve ser lida assim, com espírito aberto. Porque ela não tem intenção de criticar nenhuma pessoa em particular. Apenas fazer refletir. Nestes tempos de muita flexão e pouca reflexão. Saludos!
A (declaração da) “inconstitucionalidade” do presidencialismo de coalisãoO presidente da República enxugava o suor que lhe empapava o terno que usava por debaixo da toga. Um calor de lascar, como aqueles que se sente no Palácio Jaburu, cujo ar condicionado já não funciona de há muito. O novo Ministério do Mandado de Segurança não deferira liminar para cassar outra liminar para religar a luz do Palácio do Planalto que tinha sido cortada por decisão — liminar — de um juiz-prefeito da cidade da Xapuri (ou Agudo), cuja jurisdição era para todo o território do novo Justerraebrasilis, o novo nome do Brasil depois da queda do governo tradicional eleito a partir da ultrapassada divisão de poderes do serôdio Montesquieu, cujo livro O Espírito das Leis havia sido banido das bibliotecas por decisão de um juiz-governador do Maranhão, porque o seu conteúdo conspurcava o espírito dos jovens concurseiros. No caso da falta de energia elétrica, ocorreu que o Ministério dos Agravo de Instrumento não conseguira fazer com que o Ministério dos Embargos Declaratórios esclarecesse o conteúdo da liminar do juiz-prefeito de Xapuri. Na verdade, o Ministério do Agravo ingressara com novo pedido de esclarecimento junto ao Ministério dos Embargos e...fora multado. Bingo! E contra isso somente caberia um pedido de reconsideração junto ao Ministério dos Recursos Especiais.
Mas, o que aconteceu? Já conto. Embalada e empolgada com o resultado de uma certa ADI na qual se falava que o Judiciário (em especial, o Supremo Tribunal) deveria empurrar a história, além do fato de que nessa ADI prevaleceu a tese-da-relativização-da-exigência-de-parametricidades-constitucionais para declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos, a OAB deu o passo decisivo e ousado: entrou com um conjunto de ADIs e ADPFs visando a declarar inconstitucionais o malsinado sistema de governo presidencialista-de-coalisão e uma conjunto de dispositivos que diziam respeito aos mandatos dos parlamentares, a estrutura administrativa do governo etc.
Enfim, as ações propunham que o STF, além das inúmeras inconstitucionalidades-sem-parametricidade, decretasse um novo modelo de governo. No caso específico, a OAB invocara uma nova ação, chamada Apelo-ao-Judiciário (ainda sem tradução). E, com isso, fosse determinado um modelo sem voto, sem presidencialismo, sem mandatos, com renomeação de ministérios, enfim, tudo baseado em uma nova concepção. E qual seria esse novo modelo? Com a devida modulação de efeitos, a nova concepção do país está baseada na concursocracia. E tudo sob a batuta do Judiciário. Afinal, com mais de 1200 faculdades, o que fazer com toda essa gente? Assumir o poder, em todos os seus termos, parecia ser o melhor caminho. E, com tantos cursinhos preparatórios para concursos, com tantos blogs, vídeos infestando o YouTube ensinando à malta como passar em concursos e na prova da OAB, nada melhor do que unir o útil ao agradável. “Todo poder aos juristas”: esse é o lema. As ruas amanheceram pichadas de cima a baixo. Fora com os políticos. Fora com a burocracia iletrada. Povo não sabe votar. bacharelocracia e concursocracia: eis a nova era.
Depois do julgamento, no qual inclusive foi declarado nulo o mandato da presidenta por inconstitucionalidade do presidencialismo de coalisão, foi eleito o novo mandatário, chamado de juiz-presidente de Justerraebrasilis. O STF elegeu-o à unanimidade. De imediato, o Parlamento foi extinto, porque, por evidência, também inconstitucional. Como não servia para nada — por exemplo, não conseguiu durante anos resolver o problema da doação de campanhas eleitorais, sem a demarcação de terras indígenas, as uniões homoafetivas etc, etc e etc — sua instituição tornou-se despicienda. Por exemplo, de que adiantou o Parlamento aprovar a alteração no CPP na parte do artigo 212, se ninguém obedeceu, tendo o próprio STF sufragado tal posição? Hein? A revista Veja fazia essa pergunta na capa. Realmente, o Parlamento tornara-se dispensável, segundo alegação na ADI-ADPF (e na AAJ — nova Ação Apelo ao Judiciário). Em seu lugar, assumiu provisoriamente o CNJ, agora com o quádruplo de componentes (claro, sem os representantes do Parlamento, que já não existe). Como o CNJ já legislava (de há muito), ficou mais barato e mais rápido. E poupava trabalho ao próprio Supremo Tribunal, porque, agora, o juiz-presidente da República vetava ou não a matéria. O povo na rua comemorava a economia de milhões de reais (também segundo a capa da Veja).
Os prefeitos serão substituídos por pessoas concursadas. Uma SVP — Súmula Vinculante Provisória (sim, o instituto da medida provisória fora substituído, através de uma interpretação conforme — verfassungskonforme Auslegung, pelo novo instituto: a SVP) baixada pelo presidente da República regulamentou a assunção aos cargos. Cada Estado também passará a ser governado por um concursado (por enquanto, assume um juiz ou desembargador ou, em alguns Estados, o Procurador-Geral de Justiça).
Os parlamentos municipais, estaduais e federal passarão também a ser ocupados por concurso público. Afinal, como o Brasil é o país dos concursos, logo foi criado o Ministério dos Concursos Públicos, com a consequente abertura de 5.332 vagas para vereadores e mais 750 deputados. Senador? Não. O Senado foi extinto, em face do perigo da alopeciocracia,[1] representado pelo número considerável de calvos ou semi-calvos de senadores que poderiam representar um problema se todos fossem requisitar aeronaves da FAJ (Força Aérea de Justerraebrasilis). Neste caso, o Senado foi considerado inconstitucional com base no princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, além do novo princípio: o neoparametricidade, pelo qual o STF mesmo tem o poder de dizer qual é o não-parâmetro violado. Meio complexo, mas é isso mesmo. Na verdade, foi feita uma ponderação. Vários livros que tratam da “ponderação de valores e interesses” foram citados. Só se fala em ponderação na Nova República. Já tem gente querendo trocar o nome da capital para Abwägung (fica chique e é em alemão o nome de “ponderação”). Esse neoprincípio (o da neoparametricidade, que significa “não é necessária a parametricidade) ganhou logo destaque nos cursinhos de preparação para concursos. Autores destacados de livros de Direito Constitucional facilitados, simplificados, plastificados etc, já abriram um capítulo para tratar dessa conquista da neo-hermenêutica constitucional. A bolsa de valores abriu um pregão só para a compra e venda de livros para concursos. As ações do Direito facilitado-simplificado-resumido tiveram alta de 315% só na primeira hora.
Foram criados novos ministérios (por lei emitida pela CNJ, enquanto os concursos para deputados não são concluídos), além daqueles criados por SVP (como os Ministérios do Agravo e dos Embargos). Para cuidar das finanças, o Ministério do Direito Fiscal. Para a segurança pública, o Ministério do Direito Penal, comandado pelo Procurador-Geral da República. As questões ligadas ao Direito Civil foram deixados a cargo do Ministério da Afetividade, comandados pelos adeptos das cláusulas gerais e pamprincipiologistas..
Foi criada também uma Secretaria Especial para Elaboração de Novos Princípios (Sesprin), com status de ministério. O encarregado também poderia usar aviões da FAJ (essa é a importância da equiparação de secretaria com o Ministério). O CNJ estabeleceu metas para criação de princípios: no mínimo 50 novos princípios ao mês. Menos, nem falar.
Os novos deputados, a serem escolhidos por concurso público com perguntas difíceis como “se um gêmeo xifópago ferir o outro, qual será o crime” e “se Paula foi mesmo morta por veneno se, afinal, levou 16 facadas”, não farão leis como era no ancién regime. Leis não serviam para nada mesmo. Agora, os novos deputados farão apenas ementas e enunciados (protossúmulas), além de discutirem, nas várias comissões, os novos princípios que a tal secretaria (Sesprin) enviará a cada mês. E haverá audiências públicas, em que cada participante terá longos três minutos para expor a sua tese.
E assim por diante. A imaginação dos leitores preencherá os demais mi(ni)stérios do nouveau regime. Um problema, voltando ao início: o novo governo tem enormes dificuldades em lidar com as decisões fragmentadas emanadas pelos quatro cantos do país. Como tudo se judiciarizou (ou judicializou), cada juiz-prefeito-administrador, pela falta de uma teoria da decisão e com base no livre convencimento, emite ordens como quer (ou de acordo com a consciência de cada um). E cada ministério também faz o que bem entende, com base na livre apreciação (da prova). Na medida em que não há mais inconstitucionalidades (porque tudo estará concentrado em um só poder), o sistema está a exigir a criação de súmulas vinculantes que tratem de toda a administração. Consequentemente, deverá ser criado o Ministério da Súmula Vinculante, além do Ministério da Repercussão Geral e o Ministério da Reclamação, que agirá contra a desobediência das súmulas vinculantes e/ou das SVP. E já tem gente pensando em criar a Super Súmula Vinculante (SSV), que terá a pretensão de abarcar todas as hipóteses de aplicação (para isso, os estudos estão sendo elaborados por um grupo de positivistas adeptos da velha Begriffjurisprudenz). Ainda: em caso de dúvida sobre a aplicação da SSV, é só ligar para um 0800. Disque Justerraebrasilis. Disque 1, se você é estagiário; 2 concursado; 3 se for concursando do nouveau regime; 4, se quer saber o sentido da SSV; 5, se for caso de embargos; 6, se não era caso de embargos, você acabou de ser multado; 7, se for caso de agravo; 8, de quiser fazer uma ponderação e 9, para falar com um autor de livro resumido, ao vivo... Antes de desligar, atribua uma nota ao nosso atendimento.
O problema, mientras tanto, é a autonomia dos Ministério dos Embargos Declaratórios e do Ministério do Agravo (e do Agravinho). Eles são uma espécie de Banco Central dos Sentidos. Controlam a interpretação. Por exemplo, quem pagará as multas aplicadas em todas as hipóteses em que o Ministério dos Embargos Declaratórios disser que ele não tem nada a esclarecer e que ele não está obrigado a esclarecer nada para além dos fundamentos de sua própria decisão e for feito um novo pedido de embargos (os embargos dos embargos)?
Pois — e volto ao problema do calor e da falta de energia elétrica no Palácio — foi no meio dessa confusão que o juiz-prefeito (ou prefeito-juiz) de Xapuri (ou teria sido de Agudo?) acabou por trancar o ar condicionado do Palácio do Planalto. E parece que vai demorar até que a energia seja religada. O recurso deverá, primeiro, ter juízo de admissibilidade. Mas ainda falta consultar o Ministério dos Embargos Declaratórios, por causa do pré-questionamento... E há que se tomar cuidado com a multa...
Enquanto isso......lá no Brasil profundo, parece que há um pequeno movimento que deseja a volta do Parlamento (claro que sem o problema da alopeciocracia e as constantes viagens com os aviões da antiga FAB e com algumas melhorias, porque o réu tem de se ajudar, pois não?). Sabem como é: como em Totem e Tabu (Freud), mata-se o pai, mas depois vem a culpa...Todos prometem que, na próxima eleição (se for restaurado o sistema de partidos), todos votarão melhor. Assim esperamos. Aleluia.
Ao lado desse movimento, detecta-se também um punhado de pessoas que deseja a volta do tempo em que professor de Direito ensinava e aluno aprendia. Incrível, não? E que os alunos liam livros e não apostilas. Sim, os alunos não eram reféns do Dr. Google. E liam os clássicos e não os plastificados. Ainda estão pouco organizados. Não chegam a formar um movimento stricto sensu. Seu nome, se vingar, será MEP — Movimento Ensina Professor.
E há outro grupo (DVD ou DODO – Doutrina-Doutrina), ainda que bem pequeno, querendo que a Doutrina-Volte-a-Doutrinar (por isso, DVD). São corajosos. Mas, enfim... E há até mesmo um punhado de pessoas que deseja estudar Direito Constitucional, mas que não seja por resumos e resumos de resumos (esse grupo se autodenomina Frelipocref — Frente de Libertação Popular Contra Resumos e Afins). Querem mesmo estudar Konrad Hesse, Canotilho, Hirsch, Tribe e tantos outros (não vamos falar em autores daqui a serem estudados, e há muitos, para não semear sizâneas nas hostes aliadas; poderia esquecer alguns). Pedi inscrição nesses dois grupos.
Na mesma linha, existem professores que querem introduzir a cadeira de Teoria do Direito nas faculdades (de verdade). E ali prometem discutir a fundo coisas como positivismo, Estado, política, filosofia no Direito (e não “do” Direito). E o aluno que tentar levar um resumo plastificado será expulso da sala. Esse grupo quer denunciar aquilo que Umberto Galimberti chama de “comunicação tautológica”, em que o ouvinte-leitor lê (ou ouve) as- mesmas-coisas-que-ele-próprio-poderia-dizer e quem fala diz as-mesmas-coisas-que-podemos-ouvir-de-qualquer-um. Nesse monólogo coletivo, nessa comunicação tautológica em que se transformou o ensino jurídico e uma certa (pseudo) doutrina, a experiência da comunicação rui(u), porque é abolida a diferença especifica entre as experiências pessoais do mundo que estão na base de qualquer experiência comunicativa. Esse grupo, Moccota (Movimento Contra Comunicação Tautológica), promete jogar duro nessa área (embora o grupo caiba em uma Kombi).
Alguns professores estão prometendo que não mais orientarão dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre agravo de instrumento, cheque, princípio da afetividade etc ( trata-se da Acrec — Ação Contra Recorta e Cola em aliança com Motete — Movimento Tese tem que ter Tese). Se for com bolsa da Viúva, então, nem falar... Bingo!
E há professores que defendem a tese de que os alunos na sala de aula não usem o celular e o lepitop enquanto o professor está explicando a matéria (MQUBFOEO — Movimento Quando um Burro Fala o Outro Encurta as Orelhas ou, simplesmente MRM — Movimento Respeito ao Mestre).
E nesse Brasil profundo, tem gente querendo que os professores ministrem aula sem a bengala do pauerpoint. Muita gente também defendendo a tese de que novamente sejam discutidas causas nos Tribunais e não somente teses abstratas (é a gente do Frelicacon — Frente de Libertação do Caso Concreto). Os mais ousados, consideram que os Embargos de Declaração são inconstitucionais, porque violam o dever de fundamentação. Para esses corajosos incautos, uma decisão que é omissa, contraditória ou obscura é...simplesmente nula. Estou frequentando as reuniões desse grupo (MSPeA — Movimento Sem Pauerpoint e Afins), que se reúne clandestinamente as quartas-feiras, em local que não posso divulgar, é claro.
Dizem que há uma pequena facção chamada VAR-Copon (Vanguarda Reflexiva Contra a Ponderação). E o Micopid (Milícia Contra a Piriguetização do Direito).
Há outro grupo — veja como já há divisões e subdivisões na resistência — que começou um movimento para que o ex-juiz Rocha Matos tivesse seu recurso julgado (Monaprom — Movimento-Não-à-Prescrição-da-Ação-Penal-do-Rocha-Matos).
Forma-se também um pequeno movimento (Moinfema – Movimento pela Intervenção Federal no Maranhão), em face da barbárie do Presídio de Pedrinhas. Sem chance, pelo visto. Afinal, quem se importa com os presos? E vejam só: eis um bom caso para judicilializar, pois não?
Outra facção da resistência quer recuperar — imaginem os leitores — a autonomia do Direito. Eles sustentam que, nesta quadra da história, o Direito assume um grau de autonomia e, por isso, não pode ser corrigido por argumentos metajurídicos, por argumentos morais ou por argumentos teleológicos (políticos etc). Enfim... Também frequento esse movimento chamado MAD (Movimento pela Autonomia do Direito). Há também um pequeno grupo chamado MLDS (Movimento Levemos o Direito a Sério) Será que tem futuro o MAD e o MLDS?
Claro: todos esses grupos estão na clandestinidade.
Mas, enfim, esses movimentos são todos utópicos. E como diz o poeta: A utopia está lá longe, no horizonte. Achego-me um passo e ela se afasta um passo. Ando mais alguns passos e o horizonte some um tanto de passos à frente. Então, para que serve esse U-topos, esse não-lugar? Simples: para que continuemos a caminhar. Porque, como dizia Antonio Machado, caminante, no hay caminho... el caminho se hace al andar”...
Ou, com Mário Quintana:
"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a presença distante das estrelas!"
Ou, ainda, com o autor de Os Miseráveis: “Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.”
Pronto. Eis, pois, a minha crônica de ficção! Os que quiserem se filiar aos diversos movimentos, grupos e frentes, façam contato no Facebook.

[1] Poder da careca ou poder dos calvos.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2014

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

LEI QUE PUNE EMPRESAS É GRANDE AVANÇO PARA O BRASIL

 

 
No mês de fevereiro, entrará em vigor a Lei nº 12.846, sancionada em 1º de agosto de 2013, a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração e patrimônio público nacional e estrangeiro e contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A nova lei representa um grande avanço para o Brasil no que tange ao combate da corrupção, pois atende aos anseios da sociedade que há muito tempo aguarda do legislador uma lei que punisse as empresas, e não somente as pessoas físicas, envolvidas em ato de corrupção.
Ela traz severas sanções às empresas que cometerem atos ilícitos contra a administração pública, sendo certo que referida legislação atende aos reclamos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão que conta com a participação de 40 nações, inclusive o Brasil, e, que assinou no ano de 2000 a Convenção sobre o Combate de Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros e, Transações Comerciais Internacionais.
Observamos, que para a punição das empresas a Lei, em comento, traz penas pecuniárias que podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo administrativo, e, caso, não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, as multas que poderão variar de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
Com efeito, para aplicação das sanções serão considerados os seguintes elementos: a gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida; a consumação ou não da infração; o grau da lesão ou perigo de lesão; o efeito negativo produzido pela infração; a situação econômica do infrator; a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denuncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesada.
Além da cominação da multa, poderá ser aplicada a suspensão ou interdição parcial das atividades, bem como a dissolução compulsória da pessoa jurídica.
A decisão condenatória será publicada na forma de extrato de sentença, a expensa da pessoa jurídica condenada em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional.
As pessoas jurídicas, aqui incluídas, as sociedades empresariais, as sociedades personificadas ou não, as fundações, as associações e sociedades estrangeiras que forem punidas, serão inscritas no CNEP (cadastro nacional de empresas punidas), podendo ainda, ser proibidas de participar de licitações.
Nas hipóteses de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária persiste a responsabilidade, mas será restrita à obrigação de reparar o dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não sendo aplicáveis as demais sanções decorrentes de atos e fatos, ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
Nesse rumo, a lei estabelece que as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pelos atos ilícitos, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano.
Responsabilidade individualA pena aplicada a empresa não excluirá a responsabilidade judicial, individual dos seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora ou coautora ou partícipe do ato ilícito.
Igualmente, cumpre destacar que a lei estabelece a responsabilidade objetiva das empresas, as quais estarão obrigadas a reparar integralmente o dano causado, independentemente da aplicação das demais sanções, que serão aplicadas de forma fundamentada, isolada ou cumulativamente.
No processo administrativo de responsabilização das pessoas jurídicas deverão ser observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo concedido à empresa o prazo de 30 dias para apresentação de defesa.
A instauração e julgamento do processo administrativo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica compete a autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação.
O processo administrativo será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por no mínimo por dois servidores estáveis, que deverão concluir o processo no prazo de 180 dias.
Tem-se ainda que Lei nº 12.846/2013 traz em seu bojo a possibilidade do acordo de leniência para as pessoas jurídicas que colaborarem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo.
Assim, notamos que a partir do próximo mês teremos uma norma relevante e importante, especialmente para aquelas empresas que, habitualmente, mantêm relações de fornecimento de serviços e ou produtos para os entes públicos, haja vista que ilegalidades cometidas em razão dessas relações comerciais poderão gerar reflexos negativos para toda empresa.
 
Domenico Donnangelo Filho é presidente da Comissão da Sociedade de Advogados da OAB/Pinheiros e sócio do escritório Morais, Donnangelo, Toshiyuki e Gonçalves Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...