segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O livro de Ronald H. Coase, enfim, no vernáculo! Devore-o!





Por Gabriel Nogueira Dias


Se um “clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (Calvino, Ítalo), A Firma, o Mercado e o Direito, de Ronald H. Coase, pertence integralmente a tal seleto grupo de escritos.

Para dizer pouco, não tivesse o próprio autor anglo-saxão sido agraciado com o Nobel Prize em 1991, 9 dentre os 15 últimos economistas laureados em Estocolmo têm suas raízes justamente no campo de pesquisa mais impactado por seus trabalhos — a Microeconomia; no caso de Jean Tirole (2014), Bengt Holmström e Oliver Hart (2016), a coincidência da área científica é ainda mais marcante: a Teoria dos Contratos. Ou seja, Coase disse e ainda resta pronto a dizer e inspirar, muito, academia e sociedade.

A empreita de trazê-lo ao vernáculo merece efusivos aplausos. Contra a corrente da caudalosa e sem precedentes crise que, infelizmente, inunda, rectius: afoga o mercado editorial pátrio, a Coleção Paulo Bonavides — editada pela Forense Universitária (Grupo Editorial Nacional) e dirigida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e pelo professor Otavio Luiz Rodrigues Junior — caminha fiel e tinhosa no cumprimento de sua missão quase civilizatória, isto é, contribuir ao crescimento cultural da nação.

Com efeito, além do tradicional cuidado editorial e de tradução — a qual, permita-se a menção, contou com a revisão dos professores Alexandre Veronese, Lucia Helena Salgado e Antônio José Maristrello Porto, além de uma revisão total por Francisco Niclós Negrão e uma revisão final do próprio organizador, professor Otavio Luiz Rodrigues Jr. — o compêndio traz belo estudo introdutório do ministro do Superior Tribunal de Justiça Antonio Carlos Ferreira e da mestra em Direito Patrícia Cândido Alves Ferreira. Bem calibrando informações sobre origem, objetivos e contornos da obra de Coase, o essai préliminaire afigura-se como um motivo em si para adquirir e ler o compêndio em sua inteireza.

Nesse contexto, não seria preciso, talvez, mais muito para assanhar os leitores a (re)visitar a A Firma, o Mercado e o Direito de Ronald H. Coase. Aos indecisos e ainda pouco curiosos, três provocações talvez lhes sirvam de incremental estímulo.

É corrente dizer que Ronald H. Coase revolucionou o pensamento econômico do século XX ao introduzir o tema dos “custos de transação” e “direitos da propriedade” como ferramentas fundamentais à análise da estrutura institucional e do funcionamento da economia; que seu trabalho é um divisor de águas no exame de instituições, contratos, distribuição de direitos de propriedade, alocação ótima de recursos, externalidades e a real efetividade da regulação e intervenção do Estado na economia.

Tudo verdade. Porém, pouco, talvez, para espelhar a obra. Valor e virtude dos complete works de Coase parece-nos ligado a algo muito mais profundo e essencial a todo pensamento que se apresenta com status de significância perene ao mundo, qual seja, à ideia de Justiça.

Isto mesmo. Bem apreendido, o Law and Economics de Coase coloca em nossas mãos ferramentas para melhor interrogar e enfrentar o clássico tema da divisão ótima de recursos (escassos) na nossa sociedade. De Adam Smith a — para sacar um nome da moda — Thomas Piketty, passando por Thomas Malthus, David Ricardo e Karl Marx, por exemplo, todos os mais notórios economistas de nossa sociedade trouxeram e trazem consigo, no fundo, uma inquietação com o tema da acumulação de riqueza e as formas ótimas — ou justas, diríamos, filosoficamente — à divisão dos recursos (escassos) em nossa sociedade.

Revisitadas as origens de Ronald H. Coase, um garoto de origem proletária, marcado pela depressão dos anos 30 e com inicial inclinação ao socialismo Fabiano, não nos surpreende que este igualmente seja um fio condutor, se não propriamente oculto, implícito aos seus trabalhos. Ao infirmar exemplos e raciocínios a partir da existência de situações hipotéticas com zero custos de transação, Coase em verdade deseja colocar luzes à sua existência e, sobretudo, ao seu deletério impacto à ótima/justa divisão dos recursos. Estudos e críticas a sistemas regulatórios e contratuais que negligenciam e/ou estimulam a existência de severos custos de transação às partes envolvidas nada mais são do que crítico plaidoyer a uma sociedade mais justa.

Diretamente ligado ao tema, resta a incessante obsessão do autor para calcar a Ciência Econômica com pés e mãos no mundo real, apartando-se das abstrações inúteis. Per analogiam, Coase alinha-se, em comportamento e ideal metodológico, à inquieta personalidade do genial Rudolph von Jhering, que, a partir da segunda metade do século XIX, na esteira de seu irônico Scherz und Ernst in der Jurisprudenz (1884) abandona drasticamente sua marcante Jurisprudência dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz) para abraçar, com toda força, a defesa incessante de uma Ciência Jurídica calcada na vida real; um ferrenho defensor das análises empíricas. Assim comporta-se Ronald H. Coase, que em seus pensamentos e exemplos sobre fenômenos e opções econômicas (v. também O farol na Economia, 1974), rechaça abordagens e premissas abstratas, que, em suas palavras, não levam em conta o mundo como ele é.

Em terceiro plano, a leitura de A Firma, o Mercado e o Direito nos coloca diante de uma imperativa reflexão sobre seu lugar e importância para a aplicação do direito pelos Tribunais. Coase, e grande parte dos defensores do Law and Economics, caminham pela picada de que o foco da prestação jurisdicional deveria ser a redução dos custos de transação. Bons juízes deveriam tentar, em suas decisões, distribuir os direitos entre as partes de forma similar ao que ocorreria se estas tivessem chegado a um acordo. Tais decisões, racionais (ou “ótimas” ou, melhor, “justas”), dariam causa a precedentes que orientariam os agentes econômicos em uma direção que os permitiria, no futuro, chegar a um acordo sem qualquer recurso aos tribunais.

Se, à atividade de lege ferenda, o projeto é interessante e próspero, quando da aplicação de lege lata tudo parece se complicar um cadinho a mais. A obsessão para a transformação da norma (dever-ser; Sollen) a partir do inconformismo com o fato (ser; Sein) bem habita o campo da política e sociologia, mas dificilmente parece se coadunar com os objetivos e funções da atividade jurisdicional. Ao juiz singular e/ou aos tribunais, por maior que seja a tentação (por pressão ou ativismo), é defeso abandonar a lei para abraçar, sem mais, o fato. A utilização de ferramentas e perspectivas eminentemente empíricas para melhor calibrar novas normas e estruturas regulatórias parece de virtude inquestionável; o trabalho legislativo deve se aproximar, sim, da Economia, bem como da Sociologia e da Análise Estatística. A “coisificação” ou, pior, a “fulanização” da norma à luz do fato pelos Tribunais, por sua vez, empobrece o Direito e incita a insegurança jurídica, o que por tabela nem de longe fortalece as instituições judicantes. Em síntese: “Coase, sim!; Coisa, não!”

Contudo, se nada disso for motivo suficiente para instigar a leitura do monumental clássico A Firma, o Mercado e o Direito, de Ronald H. Coase, fiemo-nos d’alma aberta na lição de Sócrates, tão citada por muitos como Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que servirá?’, perguntaram-lhe. ‘Para aprender esta ária antes de morrer’”.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).



Gabriel Nogueira Dias é sócio do Magalhães e Dias Advocacia, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn, Alemanha. Membro do Conselho da Fundação Hans Kelsen (República da Áustria).

Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2016, 8h05

Padre é condenado a pagar danos morais por impedir interrupção de gravidez


 
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um padre do interior de Goiás a pagar indenização de danos morais no valor de R$ 60 mil por haver impedido uma interrupção de gestação que tinha sido autorizada pela Justiça.

Em 2005, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz impetrou habeas corpus para impedir que uma mulher grávida levasse adiante, com auxílio médico, a interrupção da gravidez de feto diagnosticado com síndrome de Body Stalk – denominação dada a um conjunto de malformações que inviabilizam a vida fora do útero. No habeas corpus impetrado em favor do feto, o padre afirmou que os pais iriam praticar um homicídio.

Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma entendeu que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.

Ao saber que o feto não sobreviveria ao parto, os pais, residentes na cidade de Morrinhos, a 128 quilômetros de Goiânia, haviam buscado – e conseguido – autorização judicial para interromper a gravidez.

Durante a internação hospitalar, a gestante, já tomando medicação para induzir o parto, foi surpreendida com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento.

A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. O casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que preside a Associação Pró-Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.

Aterrorizante

Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal.

“Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”, disse.

A ministra afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possiblidade de criminalização da interrupção de gestação de anencéfalos.

“É inegável que ambas as condições, anencefalia e síndrome de Body Stalk, redundam, segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da vida extrauterina”, comparou a ministra.

Embora o julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra assinalou que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em 2005 era a mais consentânea com as normas constitucionais, inclusive pela reafirmação do caráter laico do Estado brasileiro e pelo reconhecimento da primazia da dignidade da gestante em relação aos direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.

Ação temerária

A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.

De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.

Andrighi refutou ainda a ideia de que a responsabilidade não seria do padre, que apenas requereu o habeas corpus, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que efetivamente proibiu a interrupção da gestação.

Segundo ela, “a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”.

A turma condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação por danos morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a partir do dia em que a recorrente deixou o hospital.

Destaques de hoje
Padre é condenado a pagar danos morais por impedir interrupção de gravidez
Morre ministro aposentado do STJ Antônio Torreão Braz
Alteração de competência do juízo não prejudica legitimidade do MP
Corte Especial absolve desembargador do Amapá acusado de difamação 
 
Fonte: STJ

Trabalhador que cumpria jornada de mais de 13 horas diárias será indenizado por dano existencial




Um trabalhador que cumpria jornada extensa na distribuidora de bebidas onde trabalhou por mais de dois anos conseguiu obter o direito a uma indenização por dano existencial no valor de R$ 10 mil. A decisão é da 4ª Turma do TRT de Minas, ao reformar a sentença que havia indeferido o pedido.

A juíza sentenciante reconheceu que a jornada trabalhada era de segunda a sábado, das 7h às 20h30 min, com 15 minutos de intervalo. Por esta razão, condenou a distribuidora ao pagamento de horas extras, mas indeferiu a reparação por dano existencial, pretendida com base no mesmo contexto. No entanto, ao julgar o recurso apresentado pelo trabalhador, a desembargadora Paula Oliveira Cantelli chegou à conclusão diversa. Dando razão aos argumentos apresentados na inicial, entendeu que o cumprimento de uma jornada diária de mais de treze horas prejudicava a capacidade do trabalhador de exercer as demais funções da vida em sociedade. Considerando o período de sono do homem médio de 8 horas por dia, ponderou que restavam a ele duas horas e 30 minutos para as demais atividades, como, higiene pessoal, deslocamento casa-trabalho-casa, convívio com a família e os amigos, estudos, dentre outros.

"O dano existencial é uma espécie de dano moral decorrente de uma frustração que impede a realização pessoal do trabalhador, afetando negativamente sua qualidade de vida. Os projetos pessoais e as relações sociais dos trabalhadores são frustrados devido a condutas ilícitas praticadas por seus empregadores", explicou.

A decisão amparou-se na Constituição Federal, que reconhece como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, entre outros. Ainda conforme registrado, a Constituição limita a jornada a oito horas e a carga semanal a 44 horas. Já a CLT dispõe, no artigo 59, que "a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas)¿. De acordo com ela, trata-se de norma de interpretação restritiva e limitadora e que tem por objetivo a proteção da saúde do trabalhador.

"O direito fundamental do trabalhador à saúde, perpassa, necessariamente, pelo respeito à limitação da jornada, como corolário da dignidade humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, não descurando-se, ainda, que a saúde tem a sua base fundamental no direito à vida. O trabalhador, enquanto ser que aliena a sua força de trabalho, tem direito à desconexão", registrou.

Diante desse contexto, a julgadora deu provimento ao recurso para deferir a reparação por dano existencial. A indenização foi arbitrada em R$10 mil, valor considerado apto pela Turma julgadora a reparar as lesões sofridas pelo autor em sua esfera imaterial.
PJe: Processo nº 0011376-42.2015.5.03.0165 (RO). Acórdão em: 06/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

NJ ESPECIAL: SÚMULA nº 57 do TRT-MG trata da obrigatoriedade de motivação para dispensa de empregado da MGS







Em Sessão Ordinária realizada no dia 18/08/2016, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, em cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado pela 6ª Turma do TRT da 3ª Região. E, com base no entendimento majoritário de seus membros, determinou a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme de nº 57, que ficou com a seguinte redação: "EMPREGADO PÚBLICO DA MGS /EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DISPENSA. I - É obrigatória a motivação do ato de dispensa de empregado público da MGS, observado o devido procedimento administrativo. II - Incumbe à MGS o ônus de provar os motivos alegados para a dispensa, inclusive a extinção de posto de trabalho e a impossibilidade de recolocação profissional, sob pena de nulidade do ato administrativo".Histórico do IUJ

Constatando a divergência dos posicionamentos acerca do tema, a 6ª Turma do TRT de Minas decidiu proceder à uniformização da jurisprudência envolvendo o tema.

Após ser instaurado, o IUJ foi distribuído ao desembargador Jorge Berg Mendonça, que determinou a remessa dos autos à Comissão de Jurisprudência para emissão de parecer. Houve manifestação do Ministério Público do Trabalho. Teses divergentes

A controvérsia que deu ensejo ao incidente de uniformização diz respeito à obrigatoriedade, ou não, do ato de dispensa do empregado público da MGS e, caso positivo, de quem seria o ônus de comprovar a existência ou inexistência dos motivos alegados. Entendimento do STF sobre a necessidade de motivação

Acerca da necessidade de motivação da dispensa em empresas públicas, como a MGS, o relator frisou que o STF se manifestou nos autos do RE 589.998/PI, no qual foi reconhecida a repercussão geral, no sentido de que é exigida a motivação para a dispensa de empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista, em todas as esferas administrativas, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, conforme se infere da seguinte ementa: EMENTA: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III - A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindose, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (RE589.998/PI; Relator Min. Ricardo Lewandowski; Julgamento: 20/03/2013; Publicação: 12/09/2013).

O relator salientou que, em se tratando de empresa pública, integrante da administração pública indireta do Estado de Minas Gerais, a MGS se sujeita não só ao disposto no art. 173/CF, como também aos ditames do art. 37 da mesma Carga Magna e, assim, só pode admitir seus empregados mediante prévia aprovação em concurso público.

"Neste contexto, em atenção ao princípio do paralelismo das formas, bem como em obediência aos princípios da isonomia e impessoalidade, e como forma de evitar dispensas arbitrárias, frutos de perseguições, ou afetas ao subjetivismo, incompatível com as atribuições do Administrador Público, é mister que não só a admissão de empregados se submeta aos critérios do certame público, como também a dispensa seja motivada", pontuou o desembargador, opinando pela edição de Súmula no sentido de ser necessária a motivação dos atos de dispensa praticados pela MGS.

O relator registrou a existência de entendimentos esparsos e isolados em sentido contrário, levando em conta apenas dois aspectos: o fato de a decisão do STF não ter transitado em julgado e o fato de haver entendimento no sentido de que essa decisão se aplica somente aos Correios (EBCT). Porém, considerando a corrente majoritária do TRT-MG (todas as Turmas, conforme apontado no parecer da Comissão de Uniformização de Jurisprudência), bem como o fato de a decisão do STF ser dotada de repercussão geral, o relator opinou pela edição de Súmula, com o teor sugerido pela comissão:

"EMPREGADO PÚBLICO DA MGS. DISPENSA. MOTIVAÇÃO NECESSÁRIA. É OBRIGATÓRIA A MOTIVAÇÃO DO ATO DE DISPENSA DE EMPREGADO PÚBLICO DA MGS".Ônus da prova - Existência de duas correntes contrárias

Em relação ao segundo tema controvertido (ônus da prova), o relator ponderou que, nos processos analisados pela 6ª Turma do TRT mineiro, a MGS vem justificando a dispensa de seus empregados na extinção do posto de trabalho e na impossibilidade de recolocação dos empregados em outra função similar. Diante disso, o desembargador entendeu que a grande questão que se coloca é: para a motivação da dispensa dos empregados da MGS é suficiente essa alegação? E, nesse contexto, concluiu que deve-se indagar acerca do ônus probatório. A esse respeito, o relator registrou o nascimento de duas correntes: 1ª Corrente - ônus da prova da motivação recai sobre o empregador

De acordo com essa corrente, a mera alegação da extinção do posto de trabalho e impossibilidade de recolocação do profissional não representa motivação suficiente, cabendo ao empregador o ônus probatório de suas afirmações. Assim, seria ônus da MGS comprovar a efetiva extinção do posto de trabalho e a impossibilidade de recolocação profissional nos diversos tomadores de serviço. Os adeptos dessa corrente fundamentam-se na previsibilidade da rotatividade dos contratantes e na possibilidade de reaproveitamento de seus empregados em outros postos de trabalho, tendo em vista o fato de que a MGS tem como objeto social justamente a prestação de serviços técnicos, administrativos e gerais nas diversas áreas de atuação no Estado de Minas Gerais. Desse modo, baseando-se nos princípios da aptidão para a prova e da continuidade da relação de emprego, o encargo probatório recai sobre o empregador. 2ª Corrente - ônus da prova recai sobre o empregado

Para essa linha de pensamento, a mera alegação de extinção do posto de trabalho e impossibilidade de recolocação profissional representa motivação suficiente, recaindo sobre o empregado o ônus probatório. Fundamenta-se na presunção de legitimidade e veracidade de que gozam os atos administrativos. De modo que, o ônus de infirmar a justificativa apresentada pela MGS e de demonstrar que suas atividades são necessárias ao empregador, salientando que os motivos expostos pela MGS não ocorreram, recairiam sobre o empregado. Redação proposta

Nesse contexto, a Comissão de Uniformização de Jurisprudência sugeriu a seguinte redação de súmula: Opção A: Empregado público da MGS. Dispensa. Motivação. Ônus da prova. Incumbe à MGS o ônus de provar os motivos alegados para adispensa de seus empregados, inclusive a extinção de posto de trabalho e a impossibilidade de recolocação profissional, sob pena de invalidade do ato administrativo. Opção B: Empregado público da MGS. Dispensa. Motivação. Ônus da prova. Incumbe ao empregado da MGS o ônus de provar a inexistência dos motivos alegados pelo empregador para a sua dispensa, ainda que se refiram à extinção de posto de trabalho e a impossibilidade de recolocação profissional, em razão da presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo.

Apesar de comungar do posicionamento da 2ª corrente, curvando-se ao entendimento da maioria das Turmas do TRT, o relator sugeriu que fosse adotada Súmula com o teor da 1ª corrente, a qual prevaleceu, com o seguinte teor: "EMPREGADO PÚBLICO DA MGS / EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DISPENSA. I - É obrigatória a motivação do ato de dispensa de empregado público da MGS, observado o devido procedimento administrativo. II - Incumbe à MGS o ônus de provar os motivos alegados para a dispensa, inclusive a extinção de posto de trabalho e a impossibilidade de recolocação profissional, sob pena de nulidade do ato administrativo". (TRT- IUJ-00499-2015-096.03-00-7 - Acórdão em 18/08/2016)

Confira as Notícias Jurídicas anteriores sobre o tema:
13/12/2013 - JT constata irregularidade no processo administrativo de dispensa e manda reintegrar empregado da MGS

15/09/2011 - TRT manda reintegrar empregado da MGS

29/11/2010 - MGS é condenada a reintegrar empregada dispensada sem motivação do ato

18/10/2010 - Turma determina reintegração de empregada da MGS

16/07/2010 - Turma aplica teoria dos motivos determinantes e confirma anulação de dispensa de empregada da MGS


Clique AQUI e confira o acórdão que deu origem ao IUJ

Clique AQUI e confira o acórdão que firmou a Súmula nº 57

Clique AQUI e confira a relação de todos os INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA suscitados

Clique AQUI para ler a jurisprudência do TRT-MG anterior à Súmula 57

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Fonte: TRT3

domingo, 23 de outubro de 2016

TJ-RS condena advogada a pagar R$ 20 mil para juíza ofendida em petição



Por Jomar Martins


A imunidade garantida constitucionalmente ao advogado não protege o profissional de excessos cometidos contra a honra das pessoas envolvidas no processo. Por isso, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra, sentença que condenou uma advogada a pagar R$ 20 mil de indenização moral à juíza Elisabeth Stefanello Scherer, da 1ª Vara Criminal de Tramandaí.

Nos dois graus de jurisdição, ficou claro aos julgadores que as manifestações ofensivas dirigidas à juíza, por meio de uma petição protocolada em agosto de 2013, tinham o propósito de ofendê-la, em afronta aos direitos de personalidade previstos no artigo 5º da Constituição.

Segundo o petição apresentada pela juíza, a advogada achou que houve demora na liberação de veículo de um cliente, apreendido numa operação de combate às drogas. Na petição, ao reiterar o pedido, a advogada colocou em dúvida a capacidade da juíza de interpretar o processo e acusou-a de descumprir a lei e de manipular a ação penal, para defender seu ponto de vista moral — leia abaixo alguns trechos.

Chamada a se defender na 13ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a advogada afirmou nada saber sobre a capacidade da juíza de exercer com presteza seu trabalho em relação aos advogados e partes. Sustentou que os atos praticados estão dentro dos limites da legalidade.

Disse que a magistrada incorreu em "manipulação maliciosa dos fatos", pois ela só requereu a devolução do automóvel apreendido. Por fim, ajuizou reconvenção, exigindo reconhecimento de que a juíza colaborou para a situação narrada na petição, já que, com sua suposta negligência, incorreu nos crimes de prevaricação e improbidade administrativa. E tal enseja o pagamento de danos morais.

Sentença procedente
A juíza Fernanda Carravetta Vilande julgou totalmente procedente a ação principal. Ela entendeu que o conteúdo da petição protocolada extrapolou os deveres profissionais, pessoalizando a discussão e ultrapassando todos os limites de civilidade e urbanidade toleráveis.

Ao ir além do que é razoável, a parte ré atingiu os direitos de personalidade da autora, sobretudo no que diz respeito à dignidade. “É evidente que, ao questionar a capacidade da magistrada para atuar no processo, acusando-a de manipular a ação penal para defender seu ponto de vista moral, a procuradora teve a intenção de desabonar a demandante, atingindo a sua reputação profissional”, escreveu na sentença.

Para a titular da 13ª Vara Cível da Capital, a imunidade profissional do advogado — prevista no parágrafo 2º do artigo 7° do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) — não é absoluta. Além disso, o próprio Estatuto da Advocacia, em seu artigo 32, não confere imunidade para os atos cometidos com dolo ou culpa.

Ela, no entanto, extinguiu a reconvenção sem análise de mérito por entender que a juíza é parte ilegítima na ação, já que a demanda deveria ser direcionado ao estado do Rio Grande do Sul, a teor do previsto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Também apontou não haver possibilidade legal de o Estado declarar a responsabilidade da juíza.

Intuito de ofensa
Relator da Apelação na corte, o desembargador Túlio de Oliveira Martins, disse que a petição foi redigida no único intuito de afrontar a pessoa da juíza. “Ora, a ré utilizou-se de termos fortes e fez acusações graves, atingindo a honra da magistrada, o que era totalmente desnecessário para sustentar suas teses ou para robustecer a defesa de seus clientes”, complementou em seu voto.

Para Martins, a atitude da advogada não só produziu “menoscabo espiritual interno” na autora como acarretou também reflexos na sua atividade jurisdicional. É que as acusações infundadas atingiram sua honra profissional no meio jurídico, seu reconhecimento entre os membros da profissão, além do grau de estima e confiabilidade indispensáveis à sua carreira.

Clique aqui para ler a sentença modificada.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.

Leia abaixo os trechos considerados ofensivos:

“Mas de onde que Vossa Excelência retirou ‘embargos de declaração’ para despachar nesse sentido? Neste autos, processo nº 073/2013.0003797-0, que trata de um apenso de incidente de restituição de veículo, JAMAIS FOI AJUIZADO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. O que temos aqui é uma petição inicial de incidente que foi ajuizado a inúmeros meses e este juízo está amorcegando [sic!] o processo para não despachar a petição inicial conforme lhe foi apresentada.

A decisão publicada nestes autos de INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO é lamentável e demonstra que a prestação jurisdicional dada por este juízo é de tamanha falha jurídica que põe em dúvida a capacidade deste juízo quanto à leitura dos autos, interpretação dos fatos concretos, à aplicação dos princípios constitucionais de liberdade plena e de inocência máxima dos acusados até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e do sistema processual penal vigente no território brasileiro, no sentido de ser o sistema acusatório (onde cabe ao MP fazer prova das acusações) e não o sistema inquisitório da época do império (onde o acusado era que tinha de provar sua inocência).”

(...)

“Assim, muito mal fundamentada está a decisão [n]o que se refere à nota de expediente acima transcrita, porque esse juízo não disse para que veio, para que está servindo nos autos. Vossa Excelência, como servidora pública igual a qualquer outro servidor, não tem a obrigação que cumprir com sua parte como servidora e, na sua função, assegurar um juízo de garantias? Presumo que Vossa Excelência saiba o que é um juízo de garantias!”

(...)

“Quer dizer: Vossa Excelência está mantendo uma versão mentirosa nos autos, contrário [sic!] às provas até então colhidas. Se os fatos são estes, são fatos que estão provados nos autos.”

(...)

“Vossa Excelência está manipulando o processo de tráfico em apenso com este incidente. Isso bem demonstra a desorganização da prestação jurisdicional que Vossa Excelência está prestando em nome do Estado.”

(...)

“A reclamação é pertinente porque, face o acontecido nestes autos e no apenso, cabe, sim, uma ação de improbidade administrativa, porque não se pode admitir que um servidor público, comum, como qualquer outro, venha descumprir a lei e manipular o sistema para defender ponto de vista moral ao invés de dizer o direito previsto no ordenamento jurídico como se o Estado fosse e para isso que serve o Estado.” O acórdão foi lavrado na sessão de 29 de setembro.





Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2016, 7h50

"Com a judicialização da saúde, Estado age como um Robin Hood ao contrário"





Por Claudia Moraes


Ao determinar que o Estado forneça remédios que não são distribuídos pelo SUS, muitas vezes caros ou experimentais, o Judiciário está guiando, indiretamente, a política de saúde pública, fazendo com que a verba destinada para a área privilegie alguns no lugar da coletividade. A opinião é do procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, que tem enfrentado esse problema diariamente.

O procurador tem o cálculo na ponta da língua: São Paulo gasta, hoje, mais de R$ 1 bilhão com o cumprimento de ordens judiciais na área de saúde. E analisando onde esse dinheiro foi investido, ele afirma que a judicialização é mais comum em regiões mais ricas, enquanto nas mais pobres, faltam hospitais e saneamento básico. Ou seja, o Estado é obrigado a agir como "um Robin Hood exatamente ao contrário".

Ramos lidera a Procuradoria-Geral de São Paulo desde 2011, quando foi nomeado pelo governador Geraldo Alckmin. Ele já havia ocupado o cargo de 2001 a 2006, nomeado pelo mesmo governador. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele afirmou que os precatórios continuam um problema para o governo, pois com a crise econômica, não poderão ser pagos sequer no longo prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (até 2020).

Atualmente, a PGE-SP atua em mais de 1,6 milhão de casos. A grande maioria das ações trata de execuções fiscais. E a partir do ano que vem, esses processos terão um novo aporte tecnológico para o cruzamento de dados de contribuintes.

Além da modernização e de parcerias com outros órgãos, Elival da Silva Ramos, que atua como procurador do estado desde 1980, acha que está na hora de novas contratações na procuradoria, que, atualmente, tem 130 vagas em aberto.

Leia a entrevista:

ConJur – Em março, foi feito um acordo da PGE-SP com o Ministério Público para a repressão de crimes tributários. Como se deu esse acordo? Qual tem sido o resultado?
Elival da Silva Ramos – Este não é um processo comum. Nós costumamos cobrar os devedores através de execuções fiscais, raramente com processo criminal. Nesses casos, houve indícios de prática de algum crime fiscal, sonegação ou fraude. Claro que são indícios, então nós já enviamos 96 expedientes para o Ministério Público. O MP realizou toda a parte deles de investigação. Eventualmente, em conjunto com a Polícia Civil, e já tem vários que estão em fase de denúncia. Nesta fase, a legislação prevê a possibilidade de o devedor efetuar o pagamento.

O Ministério Público suscitou uma dúvida: se esses casos comportariam um parcelamento. Aparentemente, não comportam, porque são casos todos de substituição tributária. Há, nesse momento, um estudo, para saber se haveria alguma possibilidade de parcelamento ou não. Se não houver, ou o devedor paga ou vai ser denunciado.

ConJur – Então a parceria continua?
Elival da Silva Ramos – Continua. o que foi ótimo, porque aproximou o setor de repressão a crimes tributários do MP da Procuradoria. Institucionalmente, não havia um trabalho em conjunto, agora foi formalizado. A ideia é que isso vá sendo alimentado de tempos em tempos. Nós quisemos esperar esse primeiro lote estar bem consolidado para poder avançar, mas certamente acho que até o final do ano deve vir um outro lote.

ConJur – E também teve uma cooperação técnica com o Tribunal de Contas do Estado?
Elival da Silva Ramos – Nesse caso não são propriamente procedimentos de atuação, mas informações que eles nos passam sobre devedores. O tribunal de contas tem as contas de todos os municípios do estado. Então, às vezes, empresas que trabalham com o estado também têm recolhimento de impostos municipais e, com as informações delas, podemos melhorar nosso trabalho de busca pelos bens e localização de devedores, por exemplo.

ConJur – Conseguem cruzar dados também?
Elival da Silva Ramos – Essa é a grande ferramenta de combate à fraude, de maneira geral. Hoje, há empresas privadas que fazem esse trabalho, com grande eficiência, que costumam ser contratadas por bancos. Entramos em contato com essas empresas, com computadores de grande porte, e colocamos nosso orçamento para contratar esse tipo de serviço a partir do próximo ano. Hoje, a Procuradoria cruza dados sem a mesma eficiência que resultará desse sistema que está sendo contratado. Vamos contratar para o ano que vem o sistema mais moderno que existe no Brasil, talvez um dos mais modernos do mundo.

ConJur – Essa empresa nova, terceirizada, começa em 2017?
Elival da Silva Ramos – Exato. Hoje, com a crise fiscal, o Estado está cortando gastos ao máximo. O governador tem dado reiteradas declarações nesse sentido, mas essa foi uma exceção. Foi autorizado justamente pela importância para a recuperação de ativos.

ConJur– Muitos setores públicos estão reclamando do corte do orçamento. Qual foi o impacto que teve na Procuradoria?
Elival da Silva Ramos – Atrasos acontecem e isso prejudica o serviço. Há servi~ços que deixamos de contratar. Tivemos uma queda de arrecadação considerável. Quando temos um orçamento projetado e há uma queda de 10%, temos de cortar despesa de 10%. Então, existe o chamado contingenciamento. Esse contingenciamento foi de 25% este ano, e foi transformado em eliminação da despesa orçamentária. Às vezes, você contingência e depois libera. A Procuradoria, aliás, foi uma das poucas que teve alguma liberação de contingenciado, justamente para lidar com algumas dificuldades que a gente tinha, coisas importantes. Mas todos sofremos de alguma maneira, com menos carros alugados e contratos de forma geral.

ConJur– Depois das questões fiscais e tributárias, quais os assuntos que mais entram nas ações da PGE-SP?
Elival da Silva Ramos – Até setembro, temos em andamento no estado 1.125.000 execuções fiscais, aproximadamente. É um dado relevante, quer dizer, mostra que o estado de fato é um dos principais litigantes em juízo, mas principalmente pelas execuções. Processos que não sejam execuções fiscais somam mais ou menos 500 mil, que é um volume também considerável. Fora execuções fiscais, os assuntos principais que são políticas públicas e ações envolvendo sistema carcerário. Em relação ao sistema carcerário há inúmeras ações sobre superlotação de presídios. Às vezes, questões envolvendo direito à educação. Hoje, no estado de São Paulo, todas as crianças têm acesso à rede, mas pode haver discussões sobre faixa etária, por exemplo.

Sem dúvida, das políticas públicas, a área com maior volume de ações é a saúde, porque são pedidos de medicamentos e procedimentos que não são autorizados pelo SUS. Em geral, as ações são pedidos de medicamentos ou procedimentos não previstos na lista e nos procedimentos autorizados pelo SUS. Quando surge uma coisa nova, como uma insulina importada, ou um procedimento novo, alguns sem registro na Anvisa, vem a discussão. Alguns são experimentais, outros não são autorizados pelo SUS porque têm um equivalente mais econômico. O Supremo ainda vai definir isso.

Depois das execuções fiscais e das ações área de saúde, vêm os processos sobre responsabilidade do estado pelas terceirizadas, depois, ações de servidores em geral, normalmente envolvendo gratificações de policiais militares ou de professores.

ConJur– O estado tem condições de pagar esses medicamentos que são liberados pela Justiça? Uma hora as contas podem não fechar e o estado quebrar?
Elival da Silva Ramos – O Estado é inquebrável, por uma simples razão: toda a vez que ele paga uma conta, vem cobrar da gente, ou seja, do cidadão comum, aumenta a carga tributária. Por que o Brasil tem uma carga tributária alta? Esse é um dos temas que eu mais gosto de discutir do ponto de vista constitucional. É uma visão também de relação entre Executivo e Judiciário, que envolve separação de Poderes, o papel do Judiciário, a questão de orçamento e vários outros temas, em caráter multidisciplinar do Direito. Toda decisão tem um custo. Inclusive as administrativas. É preciso, primeiro, ter consciência desse custo. Em segundo lugar, envolvem escolhas. Quando o Judiciário manda fornecer insulina importada significa que, do orçamento da saúde, uma parte vai ser destinada para isso. Provavelmente, outras ações que não sejam ações compulsórias deixarão de ser feitas.

No Brasil, não temos a vacina da dengue e temos fornecimento de medicamentos altamente sofisticados em juízo, o que é contraditório. Fornecemos, por esse mecanismo judicial medicamentos que a Suécia, a Dinamarca, não fornecem. Mas não temos prevenção de doenças tropicais, coisas que somente a África subequatoriana tem. O Judiciário brasileiro parece não ter uma clara consciência disso, porque está fazendo uma escolha, pela qual os segmentos mais pobres da população não vão ter vacina. É a doença da miséria, do subdesenvolvimento, que já podia ter sido eliminada. Mas investimos para cumprir decisão judicial. O CNJ tem ajudado bastante, tem feito vários fóruns nacionais sobre o assunto.

ConJur – Mas não vai ter dinheiro para tudo...
Elival da Silva Ramos – No Supremo, os ministros estão demonstrando ter essa consciência que a maior parte dos juízes não tem. A legislação do SUS foi sendo aperfeiçoada e é das mais modernas do mundo. Ela prevê o seguinte: primeiro, toda doença, qualquer uma que você cite, que seja ordinária, seja extraordinária, tem uma resposta do sistema. Essa resposta leva em conta a efetividade do medicamento no procedimento e custo, como qualquer sistema público de saúde do mundo. Não vão fornecer tudo, mas alguma resposta, que seja compatível com nosso padrão de orçamento. Quando falavam da fosfoetanolamina, era pior, porque esse não tem nenhuma comprovação científica. Foram milhares de ações aqui em São Paulo, que atolaram o Judiciário.

ConJur – Como o Judiciário tem influenciado as políticas públicas?
Elival da Silva Ramos – Em política pública, o erro é um desastre, porque aquilo se multiplica. Por isso o controle judicial de políticas públicas é um grande tema. Nós temos nos envolvido, não só por defender o estado nas ações, mas institucionalmente para trabalhar o tema. Evitar que leis mal feitas sejam editadas, e de tentar transmitir ao Judiciário uma visão relevando elementos factuais, como, por exemplo, que aqui em São Paulo se gasta hoje mais de R$ 1 bilhão com o cumprimento de ordens judiciais na área de saúde. Quantos hospitais a mais não poderíamos ter? Quantas vacinas?

Quando pergunto qual é a região mais pobre do estado, todo mundo diz que é o Vale do Ribeira, todos os índices mostram. Esta é uma das regiões com o menor índice de judicialização na saúde. Qual é a região mais rica do interior do estado? É Ribeirão Preto, que é a de maior índice. Então, isso mostra que o Judiciário colabora para uma desigualdade no Brasil, porque ele passa a atender segmentos em melhores condições econômicas da população, que têm acesso à Justiça. E o pobre, que é aquele que também não tem acesso à Justiça em geral, porque ali não tem uma Defensoria Pública funcionando, os advogados não têm o mesmo nível técnico dos que atuam em outros lugares... E esse pobre fica sem aquele tratamento, vai ter menos esgoto tratado, vai ter menos vacina, não vai ter um hospital melhor. O Estado deixando de investir nessas áreas significa não atender o mais pobre. Está cumprindo ordem judicial para atender o mais rico. Então, é um Robin Hood exatamente ao contrário, que é promovido por essa judicialização.

ConJur – Como que a Procuradoria se organiza para aplicar as decisões do Supremo? No caso de repercussão geral, ou mesmo de recursos repetitivos?
Elival da Silva Ramos – Primeiro avaliamos se cada repercussão geral tem impacto no estado. Se tiver, nós entramos como amicus curiae. Hoje, os estados têm um mecanismo de atuação conjunta que é o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais. Uma coisa é eu dizer, por exemplo, que eu gasto aqui R$ 1 bilhão para medicamento, mas se eu somar o Brasil inteiro, todas as secretarias de saúde que me derem os dados, eu levo um número muito mais expressivo. Então, há uma atuação conjunta dos estados que é muito eficiente. Eles distribuem memoriais, procuram os ministros, servem de apoio técnico, mas isso não tira a possibilidade de o procurador geral ir lá e fazer o trabalho. Mas é uma forma de coordenar a atuação entre os estados.

ConJur – E como está a questão dos precatórios?
Elival da Silva Ramos – O Supremo julgou pela inconstitucionalidade, por um voto, da emenda 62. Mas percebeu que o resultado do julgamento talvez fosse pior do que o que havia antes. O sinal maior disso é que eles deram um prazo enorme para cumprir, que não é comum. Eles julgaram em 2013, depois foram fazer a modulação em 2015 e deram cinco anos. Mas quando o Supremo dá um prazo desses, não imaginava que a partir de 2014 viesse a crise econômica, de não crescimento. A crise gerou a impossibilidade de cumprir até para 2020 e eles sabem disso. Aproveitaram os embargos que estavam pendentes para reabrir a discussão do prazo. Então, embora esteja, por enquanto, valendo cinco anos, é pouco provável que vá ficar os cinco anos.
Para cumprir como parte do Judiciário vê hoje o problema das políticas públicas, vamos constatar que o Brasil é um país inconstitucional, porque não tem PIB para fazer valer 100% da Constituição. Então, os nossos precatórios são parte desse dilema.

ConJur– Os procuradores que têm hoje são suficientes ou pode ser que abra concurso público?
Elival da Silva Ramos – Tem que abrir concurso, mas é porque nós temos vagas no quadro hoje. Dos 1.030, nós temos mais de 130 vagas. Então nós temos cerca de 900 efetivamente em exercício. Eu tenho um pedido de autorização para concurso pendente que está aguardando melhorar a situação financeira, mas o estado precisa, em curto prazo, de mais procuradores.

Claudia Moraes é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2016, 8h50

Trabalhadora que sofria revista pessoal para ir ao banheiro será indenizada




Uma distribuidora logística atuante no ramo farmacêutico, hospitalar e supermercadista foi condenada a pagar R$10 mil a uma ex-empregada submetida a revista pessoal toda vez que precisava ir ao banheiro. Para o juiz Marcelo Moura Ferreira, titular da Vara do Trabalho de Ribeirão das Neves, o controle rigoroso no uso do banheiro exercido pelo empregador, a pretexto de proteção do seu patrimônio, extrapolava em muito os limites do razoável.

A trabalhadora alegou que todos os empregados só poderiam utilizar o banheiro, que ficava trancado a chave, após uma revista pessoal, exercida pelos seguranças da empresa. Ao examinar as provas, o magistrado constatou que isso realmente ocorria.

Nesse sentido, uma testemunha esclareceu que, para ir ao banheiro, o empregado tinha que, primeiro, se dirigir ao líder e pegar um crachá. Depois, avisar ao segurança que, com a chave na mão, seguia para abri-lo. Antes de entrar no sanitário, o trabalhador era revistado com detector de metais. O segurança ficava do lado de fora do banheiro aguardando e, quando o empregado saía, novamente era realizada a revista com detector de metais. Segundo a testemunha, em qualquer situação, ainda que de necessidade fisiológica extrema do empregado, era necessário passar pelo procedimento.

"Comprovado o dano à esfera íntima da obreira, que tem o direito de não ser ofendida em sua dignidade, merecendo ser compensada monetariamente por quantia suficiente para amenizar o seu sofrimento físico e psíquico, assim como para impor aos ofensores uma sanção hábil a adequar sua conduta, de modo a evitar a recidiva infracional", destacou o julgador na sentença.

Com base nos parâmetros da razoabilidade, da extensão do dano, da capacidade econômica das partes e da vedação do enriquecimento ilícito, a empresa foi condenada ao pagamento de R$ 10 mil. Não houve recurso ao TRT de Minas.
PJe: Processo nº 0010048-65.2016.5.03.0093. Sentença em: 14/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...