quarta-feira, 16 de março de 2016

PL antiterrorismo é ameaça a movimentos sociais e manifestantes





Por Camila Marques e Mariana Rielli


Aprovado em definitivo pelo Congresso no dia 24 de fevereiro, o Projeto de Lei (PL) 2016/2015, conhecido como PL Antiterrorismo, aguarda sanção presidencial para entrar em vigor.

De autoria do Executivo, o texto foi aprovado em primeiro turno na Câmara com algumas modificações, e, posteriormente, sofreu novas alterações no Senado. De volta à Câmara, foi ratificado na versão originalmente aprovada pelos deputados.

Durante toda a tramitação do PL, organizações da sociedade civil e movimentos sociais mobilizaram-se contra sua aprovação, visto que muitos dos dispositivos propostos, sob pretexto de atender a pressões externas pela adoção de leis antiterror, possuem redação excessivamente ampla, ambígua e potencialmente criminalizadora do direito à livre manifestação e expressão.

Diante de todos esses elementos, e da importância do tema, cabe questionar: a aprovação conturbada dessa lei é uma iniciativa isolada? Se não, qual é o contexto que a envolve e quais são suas implicações e consequências?

O histórico de protestos sociais no Brasil é bastante amplo e de análise complexa. É possível, porém, esboçar padrões a partir de recortes específicos quanto à natureza das manifestações, sua amplitude e o período no qual têm ocorrido.

Em relação ao processo iniciado pelas ''Jornadas de Junho'' de 2013, por exemplo, há análises detalhadas que oferecem material para algumas conclusões sólidas. A violenta e desproporcional repressão do Estado verificada neste episódio, caracterizando inúmeras violações de direitos humanos, gerou desaprovação geral da população e da mídia. Ainda assim, não incorreram em uma reformulação das práticas do aparelho estatal, pelo contrário: em muitos aspectos, a repressão foi aprimorada, sobretudo por conta da ocorrência dos megaeventos esportivos dos anos seguintes (Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016).

A ação do Estado brasileiro para restringir manifestantes também alcançou novas frentes, como revela o conjunto de PLs cuja tramitação iniciou em 2013 e se intensificou com a proximidade da Copa do Mundo. Os PLs contemplavam desde a proibição do uso de máscaras em manifestações até a modificação do Código Penal para instituir qualificadoras e aumentos de penas para crimes comuns se cometidos em protestos. Houve ainda projetos semelhantes ao PL 2016/2015 que também tinham o objetivo de criminalizar o terrorismo.

À luz desses fatos, as discussões sobre a atual lei antiterrorismo ganham novos contornos.

Como primeira ressalva, cabe dizer que a versão final aprovada pela Câmara contém uma excludente que, em tese, afasta a abrangência da norma sobre manifestações políticas e movimentos sociais. Entretanto, o desenrolar de todo o processo, que culminou na aprovação do projeto, assim como o espírito que o permeia, sugere que a discussão sobre esse tema permanece relevante.

Ainda que de acordo com o texto da lei a manifestação política e social não possa ser alvo de criminalização sob pretexto de corresponder à prática terrorista, o potencial caráter intimidatório da lei permanece, uma vez que autoridades policiais e judiciais poderão fazer interpretações ampliadas, inclusive com a possibilidade de iniciar a persecução penal de manifestantes para, somente após todo o constrangimento causado, afastar o uso da tipificação de “terrorismo”.

Vale lembrar que não é novidade que leis claramente inaplicáveis a casos concretos tenham sido utilizadas contra manifestantes. Em outubro de 2013, dois manifestantes, Luana Bernardo Lopes e Humberto Caporalli, foram detidos em um protesto em São Paulo e indiciados por sabotagem com base na Lei de Segurança Nacional. A lei em questão, aprovada na época da Ditadura Militar, estabelece penas de até 10 anos de reclusão. Na mesma ocasião, os dois também foram enquadrados em várias outras acusações que foram comuns em outros casos de detenções ocorridos em protestos nos últimos anos.

Posteriormente, Luana e Humberto tiveram sua prisão relaxada, pois foi reconhecida a fragilidade e inconsistência das acusações, mas, a essa altura, o desgaste e o estigma social em torno de uma suposta conduta criminosa já haviam se dado. [1]

Para além do problema acerca da aplicação da lei em si, há no PL aprovado pelo Congresso diversos dispositivos preocupantes do ponto de vista da liberdade de expressão e manifestação.

Para começar, os ''atos de terrorismo'' elencados incluem a danificação de locais e objetos, caracterizando a noção de ''terrorismo contra coisa''. A depredação de bens públicos e privados — uma alegação corriqueira em casos nos quais se verifica a intimidação de manifestantes por meio de investigações criminais e processos judiciais — pode passar da caracterização usual de crime de dano à qualidade de ato terrorista, punível com reclusão de 12 a 30 anos.

De forma semelhante, o projeto aprovado determina que serão punidos com reclusão de quatro a oito anos, mais multa, aqueles que fizerem, ''publicamente, apologia de fato tipificado como crime nesta Lei ou de seu autor” (artigo 4). Se o meio utilizado para tal for a internet ou outro meio de comunicação social a pena é aumentada de um sexto a dois terços.

A ausência de elementos descritivos que deem suporte à definição de apologia, associada às penas altas instituídas, gera uma situação de ampla discricionariedade na aplicação do dispositivo, penalizando discursos de forma desproporcional. Já o aumento de pena motivado pelo uso da internet, além de demonstrativo da pouca afinidade do sistema jurídico com a dinâmica proporcionada pela comunicação em rede, demonstra uma tendência: a utilização de opiniões emitidas em redes sociais por manifestantes como elemento incriminatório em investigações.

É o caso, por exemplo, do inquérito dos 23 manifestantes indiciados no Rio de Janeiro na época da Copa do Mundo, que se utilizou da tática de ''ronda virtual'' no Facebook, analisando conversas abertas, comentários em páginas de grupos e movimentos sociais. Na ocasião, até mesmo “curtidas” foram consideradas como fortes indícios de supostas práticas criminosas ou de ordem a outros manifestantes para prática de crimes. [2]

Essa breve análise sugere que a tramitação do PL 2015/2016 não representa uma iniciativa isolada, supostamente justificável por pressões externas sobre o Brasil, mas se insere em um contexto de ações estatais de endurecimento no tratamento dos protestos sociais no país.

Tal cenário se verifica também na sofisticação do aparelho repressivo, que desde 2013 muniu-se de novas técnicas e instrumentos; na intensificação da criminalização de manifestantes via processos judiciais; e, por fim, na proliferação de projetos de lei que incrementam as leis criminais, muitas vezes de forma desnecessária e desproporcional, sob pretexto de punir supostos excessos em manifestações. A utilização dessa via, associada a todo o contexto repressivo descrito, não cumpre o papel de resguardar direitos e garantias fundamentais, mas, pelo contrário, prejudica sua efetivação, ao criar um cenário inibidor da liberdade de expressão de manifestantes e dos movimentos sociais, em geral. Importante lembrar que todas as condutas descritas no novo projeto já estão contempladas em outras leis criminais.

Diante destes apontamentos, e tendo em vista o cenário brevemente descrito, o projeto aprovado e todo o processo que o acompanhou devem ser considerados em sua gravidade e no risco que impõem a atores engajados politicamente e àqueles que se manifestam nas ruas. Discussões mais profundas e próximas da sociedade devem ser organizadas para debater o combate ao terrorismo, com o fim de evitar que a democracia e os direitos fundamentais sejam prejudicados por qualquer ação descuidada nessa área. O veto presidencial, nesse momento, é uma necessidade.

[1]http://oglobo.globo.com/brasil/estudante-presa-em-protesto-faz-desabafo-no-facebook-10325771

[2]http://www.cartacapital.com.br/revista/812/procura-se-bakunin-9772.html


Camila Marques é advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19.

Mariana Rielli é estudante de Direito e integrante da organização Artigo 19.

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2016, 7h22

Prevista no novo CPC, audiência de saneamento é quase sempre proveitosa




Por José Rogério Cruz e Tucci




Inspirando-se na moderna doutrina que já adotara entre os princípios éticos que informam à ciência processual o denominado “dever de cooperação recíproca em prol da efetividade”, o artigo 6º do novo CPC objetiva desarmar todos os participantes do processo, infundindo em cada qual um comportamento pautado pela boa-fé, para se atingir uma profícua comunidade de trabalho. E isso desde aspectos mais corriqueiros, como a simples consulta pelo juiz aos advogados da conveniência da designação de audiência numa determinada data, até questões mais complexas, como a expressa previsão de cooperação dos demandantes ao ensejo do saneamento do processo (artigo 357, parágrafo 3º, CPC). Trata-se aí de cooperação em sentido formal.

O novo estatuto processual, neste particular, estabeleceu verdadeira transformação das relações entre o juiz e os litigantes, determinante do abandono definitivo de velhos hábitos forenses de desprezo pela recíproca atuação dos juízes e dos patronos das partes, para abrir espaço a uma estreita colaboração, cujo resultado, qualquer que seja ele, sempre será mais profícuo.

Uma das mais emblemáticas inovações no novo CPC concerne à reconfiguração da função atribuída ao juiz, que determina uma direção ativa do processo, possibilitando-lhe traçar uma rota segura que mais se adapte às exigências da causa.

Em obra que marcou época, discorrendo sobre a independência e o sentido de responsabilidade do juiz, Calamandrei asseverava que os advogados sempre devem enaltecer os magistrados “que ousam romper a regra monástica do seu silêncio para transformarem a audiência, de inútil solilóquio de um retórico diante de uma assembleia de assistentes sonolentos, num diálogo entre interlocutores vivos que procuram, por meio da discussão, compreender-se e convencer-se”. Na verdade — conclui Calamandrei —, “para que as instituições judiciárias atendam às exigências de uma sociedade de homens livres, que seja banido o seu tradicional traço secreto, permitindo que também no processo permeie entre juízes e advogados este sentido de confiança, de solidariedade e de humanidade, que é em todos os campos o espírito vivificador da democracia” (Processo e Democrazia, Padova, Cedam, 1954, p. 90).

Verifica-se, destarte, que o CPC ampliou o sentido do artigo 339 do velho diploma, agora repetido no artigo 378: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”. Afirma-se que, nessa hipótese, a lei prevê a cooperação em sentido material, uma vez que faz recair sobre as partes e terceiros o dever de prestarem a sua recíproca colaboração para a descoberta da verdade.

É de ter-se presente que, além de situações de natureza técnica, que impõem a cooperação, valores de deontologia forense, sobrelevados pelos operadores do Direito — juízes, promotores e advogados —, também se inserem na esperada conduta participativa.

Pela perspectiva cooperativa por parte do tribunal despontam os deveres de prevenção, de esclarecimento, de consulta e de auxílio às partes, que podem ser resumidos da seguinte forma: a) dever de prevenção: cabe ao juiz apontar as inconsistências das postulações das partes, para que possam ser aperfeiçoadas a tempo (por exemplo, emenda da petição inicial para especificar um pedido indeterminado; individualizar as parcelas de um montante que só é globalmente indicado); b) dever de esclarecimento: cabe ao juiz determinar às partes que prestem esclarecimentos quanto a alegações obscuras ou circunstâncias que demandem complementações; c) dever de consulta: cabe ao juiz colher previamente a manifestação das partes sobre questões de fato ou de direito que influenciarão o julgamento; e d) dever de auxílio: cabe ao juiz facilitar às partes a superação de eventuais dificuldades ou obstáculos que impeçam o exercício de direitos ou faculdades (por exemplo, o juiz deve proceder à remoção de empecilho à obtenção de um documento ou informação que seja indispensável para a prática de um determinado ato processual).

Já o dever de cooperação dos litigantes repousa no dever de se pautarem por probidade e boa-fé, de apresentarem os esclarecimentos determinados pelo juiz e de cumprirem as intimações para comparecimento em juízo. Esse dever não é apenas retórico. O artigo 334 do CPC, que disciplina a audiência de conciliação e de mediação, preceitua, no parágrafo 8º, que “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”, dependendo, é claro, se o aludido ato processual foi designado em processo que se desenvolve, respectivamente, perante a Justiça Federal ou a Justiça estadual.

O mais importante é que a colaboração, ditada pelo novel diploma processual, esteja a serviço da celeridade processual na direção do julgamento de mérito. Nesse sentido, por exemplo, dispondo sobre as cartas de comunicação processual, o artigo 261, parágrafo 3º, do CPC reza que: “A parte a quem interessar o cumprimento da diligência cooperará para que o prazo a que se refere o caput seja cumprido”. Procura-se, assim, evitar situações que proporcionem deliberada procrastinação do procedimento ou mesmo nulidade do processo.

Aos poucos a jurisprudência passa a reconhecer o dever de cooperação, como se extrai do seguinte julgado: “Nos termos do artigo 535 do CPC, os embargos de declaração constituem modalidade recursal destinada a suprir eventual omissão, obscuridade e/ou contradição que se faça presente na decisão contra a qual se insurge, de maneira que seu cabimento revela finalidade estritamente voltada para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que se quer seja cumprida com a efetiva cooperação das partes” (STJ, 1ª T., EDcl no AgRg no Agravo 1.300.872-CE, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, v. u., DJe de 3.2.2015).

Os profissionais do Direito sabem que há demandas bem mais intrincadas do que outras, que se diferenciam pelo grau de complexidade. Ninguém ousará discordar de que uma causa, na qual se pretende indenização por danos material e moral, provocados pelo extravio de bagagem, é mais simples do que uma ação declaratória de nulidade de um contrato, cumulada com pedidos de cancelamento de registro imobiliário e de ressarcimento por perdas e danos e lucros cessantes.

Daí, porque, nas questões mais singelas, o magistrado, em regra, prescinde de maior participação ativa das partes para proferir a decisão de saneamento e de organização do processo.

Todavia, verificando o juiz que, diante das circunstâncias de uma situação concreta mais complexa, sobretudo quando pairarem dúvidas e dificuldades de compreensão atinentes, precipuamente, à matéria de fato, mas, também, às questões de direito, que podem ser mais bem definidas com a cooperação das partes, deverá o juiz designar “audiência de saneamento”, para que as providências acima referidas sejam compartilhadas pelos protagonistas do processo (artigo 357, parágrafo 3º, CPC).

Tal determinação, como se percebe, encontra-se em absoluta sintonia com a previsão do aludido artigo 6º do CPC.

A experiência forense revela que a contribuição dos advogados na fixação dos pontos litigiosos, preparando o processo para a atividade instrutória, é quase sempre oportuna e profícua.

Convidar as partes a integrar ou esclarecer as suas respectivas alegações, como se extrai da redação do parágrafo 3º do artigo 357, implica inclusive a possibilidade de aditamento ou mesmo de alteração do pedido e/ou da causa de pedir, segundo dispõe o artigo 329, inciso II, do CPC, desde que consinta o réu, assegurando-se-lhe o contraditório.


José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2016, 8h00

Vale S.A. é responsável subsidiária pelos créditos dos trabalhadores das lanchonetes existentes nos trens da empresa



Ele trabalhava como vendedor no vagão-restaurante dos trens da Vale S.A, que é a concessionária dos serviços de transporte ferroviário de passageiros no trajeto entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Entretanto, não era empregado da Vale, mas da empresa contratada por ela para explorar os serviços de restaurante e lanchonete nesses trens, para atender às necessidades dos viajantes. Em sua ação, pretendia, entre outras coisas, a responsabilização da Vale pelas obrigações trabalhistas descumpridas pela empregadora. O caso foi julgado pelo juiz Geraldo Hélio Leal, na 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, que deu razão ao trabalhador e condenou a Vale, de forma subsidiária, ao pagamento das parcelas trabalhistas devidas a ele pela empregadora, a condenada principal.
A Vale alegou que não celebrou contrato de terceirização de serviços com a empregadora do reclamante, mas apenas de locação de vagão-lanchonete de suas composições, o que, a seu ver, bastaria para mostrar que a relação entre as empresas era apenas de cunho comercial, não abrangendo as esferas trabalhistas. Mas, de acordo com o julgador, nos termos da Súmula 331, IV, do TST, como tomadora da mão de obra, a Vale deve responder subsidiariamente pelos créditos trabalhistas do reclamante. Isso porque, ao deixar de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais e legais por parte da empregadora, a Vale contribuiu com culpa para o descumprimento das parcelas trabalhistas devidas ao reclamante. Além disso, segundo o magistrado, a própria inadimplência da empregadora autoriza concluir pela inexistência dessa fiscalização.
"A responsabilidade subsidiária imposta à Vale, no caso, tem amparo nas teorias da culpa in elegendo, traduzida na má escolha da empresa prestadora de serviços, e da culpa in vigilando, consistente na ausência de fiscalização no cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora", registrou o juiz sentenciante.
Ele esclareceu ainda que os serviços realizados pelo reclamante nos trens são indispensáveis à consecução dos objetivos da Vale, já que ela tem a necessidade de manter lanchonetes e restaurantes funcionando durante as viagens, com o fim de atender à demanda dos usuários do transporte ferroviário. "Preferindo terceirizá-los, a Vale deve arcar com as consequências da má escolha, sobretudo quando configurado o descumprimento de direitos trabalhistas, de caráter alimentar, pela empresa contratada", arrematou o juiz.
RecursoNo recurso da VALE S.A., não acolhido pela 10ª Turma do TRT-MG, a desembargadora relatora, Rosemary De Oliveira Pires, acrescentou que as empresas que exploram a atividade de transporte ferroviário são obrigadas a manter serviços de lanches ou refeições destinados aos usuários, estando sujeitas à aplicação de penalidade caso não cumpram a referida obrigação, conforme artigos 39 e 58 do Decreto 1.832/1996, que aprova o Regulamento de Transportes Ferroviários.
Nessa linha de raciocínio, a Turma entendeu que, ao terceirizar esse tipo de serviços (ainda que sob a forma de locação do espaço), a Vale atraiu, necessariamente, a aplicação da Súmula 331 do TST, especialmente de seu inciso IV, o que autoriza a responsabilização subsidiária da empresa no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas do reclamante pela empregadora.
( 0000853-95.2014.5.03.0135 RO )

Fonte: TRT3

segunda-feira, 14 de março de 2016

"OAB quer massificar a aplicação dos Direitos Humanos no Brasil"





Por Giselle Souza


Violações aos direitos da infância e juventude, das mulheres ou da terceira idade, assim como em diversos outros conflitos, costumam ser julgados pelos tribunais brasileiros com base na legislação específica — no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Idoso. Mas a Ordem dos Advogados do Brasil quer estimular o Poder Judiciário a fazer também um uso maior de outro importante arcabouço jurídico na hora de solucionar esses litígios: as leis que integram o conjunto dos direitos humanos.

Para isso, a OAB preparou o Manual dos Direitos Humanos, para incentivar os advogados a apontarem, nas causas que patrocinam, como uma questão aparentemente individual tem repercussão na sociedade justamente por tratar de um direito humano. Marcelo Chalréo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro e um dos idealizadores do projeto, explica que o objetivo é “massificar” esse ramo do Direito no Brasil.

“Muitas vezes, o advogado se depara com uma questão criminal, ou que tem relação com gênero e a sexualidade, e não sabe inserir isso nesta plataforma dos direitos humanos. Não porque ele não quer, mas porque, às vezes, desconhece essa possibilidade, assim como os instrumentos normativos que podem ser levados para o Judiciário”, explica.

Segundo Chalréo, os direitos humanos são como um “enorme guarda-chuva de proteção dos direitos da cidadania”. Contudo, esse conjunto normativo passou a ser mal compreendido e encarado como "coisa para bandidos". Em uma ação individual, explica, é possível apontar lesões a direitos humanos, que devem ser indicadas desde a primeira instância. "Não basta o Supremo Tribunal Federal dizer que as pessoas têm direito à relação homoafetiva. É preciso que isso seja praticado junto à primeira instância do Poder Judiciário”, destaca.

Com relação ao Poder Judiciário, aliás, o advogado afirma que a atuação tem deixado a desejar. “O Judiciário avança, mas também comete um monte de retrocessos. Por exemplo: avançamos na discussão do direito homoafetivo no Brasil. Mas as punições que a Justiça aplica, talvez até mesmo por desconhecimento da implicação disso com a questão mais geral dos Direitos Humanos e do efeito social, quando existem em casos de agressões homoafetivas, são irrisórias. Como o Judiciário se porta diante desses casos? Geralmente, de uma maneira preconceituosa e muito distante da realidade”, critica.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que lançar um manual de direitos humanos para os advogados?
Marcelo Chalreo — O currículo das faculdades de Direito não têm disciplinas referentes a Direitos Humanos. O Roberto Caldas [advogado brasileiro], que tomou posse [no último dia 15/2] na presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, diz que sequer o Direito Internacional Público é estudado nas nossas faculdades de Direito. O Direito Internacional Público é, digamos, a linha mestra que guia a intervenção dos países, os acordos, os protocolos, as convenções, inclusive referentes a questões de Direitos Humanos.

Quando existe alguma coisa sobre Direitos Humanos nas grades curriculares, é absolutamente lateral, periférico. Isso já revela o pouco interesse da ciência jurídica no Brasil por essa categoria, por esse grande guarda-chuva que são os Direitos Humanos. No entanto, volta e meia esse é um assunto que está na mídia, na imprensa, na sociedade.

A partir da constatação de que a formação da advocacia é muito precária na área dos Direitos Humanos, achamos que a Ordem dos Advogados do Brasil poderia, de alguma forma, tentar ajudar a advocacia nacional na compreensão do que é o sistema nacional e internacional de Direitos Humanos.

ConJur — Como o material deve impactar a vida do advogado?
Marcelo Chalréo — Muitas vezes, o advogado se depara com uma questão criminal, ou que tem relação com gênero e a sexualidade, e não sabe inserir isso nesta plataforma dos Direitos Humanos. Não porque ele não quer, mas porque, às vezes, desconhece essa possibilidade, assim como os instrumentos normativos que podem ser levados para o Judiciário. É importante levar ao conhecimento do Judiciário que aquela agressão é também uma violação de um Direito Humano. Isso precisa ser compreendido de uma forma mais extensa — o que, infelizmente, não ocorre. Temos a expressão direitos humanos publicada de forma recorrente na imprensa. Por outro lado, temos uma compreensão distorcida do que são direitos humanos. É muito comum você ouvir que é coisa para bandido, quando não é. Na verdade, são um enorme guarda-chuva de proteção aos direitos da cidadania. E quanto mais a cidadania for protegida, melhor para a advocacia.

ConJur — O manual dá instruções sobre como ir à Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Marcelo Chalréo — Mais que isso. Mostra como é possível capitular, por exemplo, uma questão que tem a ver com gênero, sexualidade ou raça, também sob o paradigma dos direitos humanos, fazendo alguns links. Por exemplo, temos, na Constituição da República, o rol de direitos humanos e sociais. No artigo 5º e 7º, estão as questões referentes ao Direito Social, Trabalhista e Previdenciário. Enfim, é importante que o advogado faça a ligação entre aquela questão que, aparentemente, tem só a ver com o Direito de Família, Criminal ou da Criança e Adolescente, com estes princípios dos Direitos Humanos, que estão estabelecidos na Constituição da República. Isso não só é nossa obrigação enquanto cidadãos, advogados e militantes dos direitos humanos. É uma forma de chamar a atenção do Estado para que seja mais criterioso na hora de fixar uma punição pra quem transgride princípios ou normas de direitos humanos. Essa é uma forma de trabalhar a desconstrução dessa imagem negativa que os direitos humanos têm. As pessoas reclamam de coisas como transporte, saúde, e educação, sem saber que elas dizem respeito aos direitos sociais, aos direitos humanos.

ConJur — Como o advogado pode defender os Direitos Humanos em ações individuais?
Marcelo Chalréo — Em uma situação de estupro de vulnerável, por exemplo, é preciso apontar que aquilo é uma violação de direitos humanos, assim como à integridade física e à saúde daquela criança. É preciso "linkar" essas coisas desde a primeira instância até a Corte Constitucional brasileira. Não basta o Supremo Tribunal Federal dizer que as pessoas têm direito à relação homoafetiva. É preciso que isso seja praticado junto à primeira instância do Poder Judiciário. Quando ocorre uma violação a um direito homoafetivo, isso tem que ser levado ao juiz de primeiro grau como uma denúncia de violação a um direito humano.

ConJur — Por que isso é importante?
Marcelo Chalréo — Porque não se trata apenas de uma mera ou simples ofensa a um direito individual. É, também, uma ofensa a um direito humano. E uma ofensa a um direito de natureza humana ofende toda a coletividade. O combate ao feminicídio, por exemplo. Em alguns países, como a Argentina, o Uruguai e o México, onde há campanhas avançadas e estatutos de proteção diferenciados que enquadram o homicídio de uma mulher nesse quadro dos direitos humanos, o Estado é chamado a ter um cuidado melhor com relação a essa situação. Então, podemos e devemos fazer uma junção dessas regras, das normas infraconstitucionais com as constitucionais e internacionais de proteção.

Não precisa ir à Corte Internacional para denunciar uma ofensa a um princípio de Direitos Humanos. O Brasil é signatário de um conjunto de tratados, que foram ratificados e têm vigência no território nacional. É possível também apontar a ofensa a essas convenções como uma ofensa a uma lei da qual o Brasil é signatário e que conta com um patamar de juridicidade imediatamente abaixo da Constituição. Então, o objetivo desse manual é começar, também, a construir, na advocacia cotidiana, a interpretação e aplicação conjunta dessas regras infraconstitucionais com as constitucionais e também com as de Direito Internacional. E assim, de certa forma, contribuir para, na medida do possível, dar uma massificada nos Direitos Humanos. Massificada no sentido de que é preciso fazer com que a nossa sociedade conheça melhor o que são os Direitos Humanos e como ela pode usá-los como instrumentos para reivindicar, cobrar. A função do advogado não é só a litigiosa. É também a orientadora e a preventiva. Então, se um advogado orienta uma associação de bairro ou movimento social a se portar diante de uma determinada situação, ele estará contribuindo para a disseminação dos direitos humanos. E a advocacia se fortalecerá, pois à medida em que se expande o patamar civilizatório de uma sociedade, aumentando o conhecimento dessa sociedade em relação aos seus direitos, isso volta de maneira positiva para a advocacia.

ConJur — Na ditadura militar, a visão dos direitos humanos era bem diferente. Por que o senhor acha que hoje esse conjunto de normas passou a ser visto como algo para “defender bandidos”?
Marcelo Chalréo — São coisas um pouco diferentes. Passamos por um momento de supressão de direitos, onde o estado de exceção, que ainda vige para as comunidades e populações periféricas, era praticado pelo nosso próprio Estado. As pessoas não tinham liberdade de se manifestar e se expressar, não havia Habeas Corpus, que só foi estabelecido a partir das pressões feitas na gestão do Raymundo Faoro como presidente do Conselho Federal, junto ao general Geisel. Foi uma redução dos patamares mínimos de cidadania, que nos habituados a conviver a partir de 1946, com a reconstitucionalização do Brasil após a ditadura varguista, do Estado Novo. E isso foi ainda mais rebaixado a partir de 1968, sobretudo com o AI-5. Então, havia a necessidade das pessoas, na medida em que os governos ditatoriais iam se deteriorando, de se expressar, reivindicar, postular. E elas encontravam essa barreira no estado de exceção. Daí a expressão direitos humanos ter sido muito vinculada, também, aos direitos políticos de participação, manifestação, ao voto. Para além da própria questão da anistia, que dizia respeito ao perdão e à reintegração à vida civil brasileira de milhares de pessoas que tinham sido afastadas por atos de exceção. E partir daí, nós retomamos a rotina que tínhamos.

Como eu disse, há falta de conhecimento do que são os Direitos Humanos. O Brasil só ratificou o Pacto de San José da Costa Rica no final dos anos 1990 e foi um dos últimos países da América a ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 1992. Isso já em plena democracia, depois da Constituição de 1988. Tudo bem que nós não tivéssemos feito isso durante a ditadura militar, que acabou formalmente em 1985, mas por que não fizemos isso em 1986, 1987, 1988? Não temos nem 25 anos de ratificação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos entre nós. Isso é um profundo atraso. E isso explica muito do que acontece hoje, até mesmo do desconhecimento do que são os direitos humanos.

ConJur — Como o senhor avalia a atuação da OAB com relação à defesa dos direitos humanos?
Marcelo Chalréo — Acho que avançou bastante no que diz respeito ao compromisso com essa pauta. Basta dizer que a Comissão de Direitos Humanos é uma das poucas comissões estatutárias. A OAB tem poucas comissões previstas na sua lei de regência.

ConJur — Mas previsão e atuação são coisas diferentes...
Marcelo Chalréo — O fato de ter isso no estatuto legal de uma corporação é um grande avanço. Temos as comissões OAB Mulher, de Prerrogativas da Advocacia e de Direitos Humanos como algumas das poucas comissões estatutárias. Por serem estatutárias, a Ordem está obrigada a impor à advocacia a execução das tarefas pertinentes [a elas]. Acho que a OAB tem avançado bastante, tanto no plano do Rio de Janeiro como nacional. Obviamente que, como toda e qualquer entidade que sofre as idas e vindas da nossa sociedade, às vezes um pouco mais progressista, às vezes mais atrasada, a Ordem também sofre esse tipo de consequência. Mas há uma coisa muito importante: a entidade tem reafirmado, durante todo esse período, o seu absoluto compromisso com a defesa da Constituição da República e com os princípios da lei justa. Nesta seara, a Ordem está afirmando o seu compromisso com os direitos humanos. A Constituição brasileira é uma das mais avançadas do mundo. Se conseguimos ou não alcançar esses direitos, é outra coisa. E não conseguimos, tanto que estamos aqui falando sobre isso. Mas o fato da Ordem ter esse compromisso sinaliza para a sociedade brasileira que essa entidade tem um compromisso indelével com a pauta. O lançamento desse manual, esclarecedor e instrumentalizador, me parece um sinal desse compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil com direitos humanos. Os advogados devem ter a atenção para o fato de que um país com uma pauta civilizatória horizontal, que atinge todas as camadas sociais, se reflete positivamente na advocacia. A advocacia não vive do retrocesso social, político ou econômico. Quanto mais democrática é uma nação, mais o advogado tem participação nesse mercado cidadão.

ConJur — Quem procura a Comissão de Direitos Humanos e por quê?
Marcelo Chalréo — Temos muitas demandas. O guarda-chuva dos direitos humanos é praticamente infindável. Então, temos pessoas que nos procuram por questões ligadas a homoafetividade, sexualidade, cárcere, raça, credo, crianças e adolescentes, saúde educação. As vezes tem gente que bate aqui atrás de uma cadeira de rodas ou de um medicamento especial.

ConJur — Como essas pessoas são atendidas?
Marcelo Chalréo — Quando não podemos atender diretamente, encaminhamos para a Defensoria Pública, Ministério Público. Ninguém que bate aqui sai sem uma resposta. Ainda que essa resposta seja uma orientação para procurar outro órgão. Temos um trabalho e nesse aspecto os funcionários e os advogados são sensacionais. O trabalho dos advogados, aliás, é voluntário. É comum os colegas pagarem [para trabalhar], usando o próprio telefone etc. Mas o fato é que são tantos os assuntos que não há como classificar. Recentemente houve o episódio dos grafiteiros [torturados por policiais no Saara, mercado popular que fica no centro do Rio de Janeiro]. Isso saiu a imprensa. Mas o que não dá mídia é nossa atuação em relação ao Jardim Gramacho [bairro na Baixada Fluminense que tem um lixão], para que seja feita um saneamento básico decente na região.

ConJur — A entidade move ações populares?
Marcelo Chalréo — Não entramos com ação popular. Mas todas as ações de representação são feitas pela Ordem. A gente presta assistência judiciária para pessoas em situações de extrema vulnerabilidade, muitas vezes vítimas de ações brutais, como nos casos de assassinatos pelas forças de segurança. Também entramos como amicus curiae em determinadas ações.

ConJur — Esse guarda-chuva enorme dos direitos humanos não atrapalha um pouco a atuação?
Marcelo Chalréo — Atrapalha a minha cabeça [risos]. Às vezes, tenho que passar, em um mesmo dia, quinhentos assuntos.

ConJur — Mas a OAB tem comissões sobre temas específicos.
Marcelo Chalréo — A segmentação é importante, pois permite ter um conhecimento mais aprofundado do assunto, mas, por outro lado, acho que o problema não é resolvido se não houver articulação. Os problemas também estão relacionados. Na comissão [de Direitos Humanos], mantemos um relacionamento muito estreito com as demais comissões temáticas, como a OAB Mulher, da Igualdade Racial, das Pessoas Portadoras de Deficiência e assim por diante.

ConJur — O senhor acha que os direitos humanos ganharam mais espaço depois dos protestos de junho de 2013?
Marcelo Chalréo — Não, infelizmente. Os protestos não resultaram em organização, em formação ou construção de uma massa crítica e organizada, capaz de fazer avançar o movimento social e popular. O Brasil é um país profundamente carente no que diz respeito aos direitos básicos da sua gente. Isso diz respeito aos direitos ao saneamento básico, à saúde, à educação, à terra. O direito à terra, aí, não é só a reforma agrária, mas também a reforma urbana. São grandes dívidas que o Estado brasileiro tem com a sua gente. Tem a questão de gênero, racial e assim por diante. Essas pautas ainda são pessimamente tratadas no Brasil. Nós temos um país onde 100 milhões de pessoas não têm direito a esgotamento sanitário e a coleta de lixo. Isso é quase metade da população brasileira. Inclusão social, ao contrário do que muitos dizem, se faz com a entrega de direitos. Essa coisa de que inclusão social se faz pelo consumo, porque você pode ter um crediário para pagar em 72 meses um carro 1.0, é conversa pra boi dormir. E a prova disso está aí: na crise, na recessão, no desemprego. Isso tudo é efêmero, mas quando o povo é dotado de direitos sociais fundamentais, começa haver a inclusão social. E é essa inclusão social que faz com que avancemos no patamar dos Direitos Humanos.

ConJur — Na sua avaliação, qual é a parcela de responsabilidade do Poder Judiciário na efetivação dos direitos humanos?
Marcelo Chalréo — A parcela de irresponsabilidade do Poder Judiciário é gigantesca. Não se pode desconsiderar que o Poder Judiciário brasileiro, como em qualquer país do mundo, faz parte de uma superestrutura de Estado, assim como o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Não podemos pensar os poderes de maneira isolada. O Judiciário avança? Avança, mas também comete um monte de retrocessos. Por exemplo: avançamos na discussão do direito homoafetivo no Brasil. Mas as punições que a Justiça aplica, talvez até mesmo por desconhecimento da implicação disso com a questão mais geral dos Direitos Humanos e do efeito social, quando existem em casos de agressões homoafetivas, são irrisórias. Como o Judiciário se porta diante desses casos? Geralmente, de uma maneira preconceituosa e muito distante da realidade.

ConJur — A resposta é insatisfatória?
Marcelo Chalréo — A resposta é muito lenta e insatisfatória na maior parte das vezes. Há associação de magistrados que já foi ao Supremo contra a resolução do Conselho Nacional de Justiça que estabeleceu a obrigatoriedade da audiência de custódia. Não são incomuns as notícias de que alguém foi sentenciado a uma pena menor do que o período que ele passou encarcerado. O Judiciário vive hoje, lamentavelmente, em busca de penduricalhos, auxílio moradia, auxílio educação, auxílio transporte, auxílio paletó. Será que esse Judiciário não vê qual é a média de rendimento da população brasileira? Como que se coloca o Judiciário quando você tem tribunais superiores chancelando esse tipo de conduta? Andamos pelos tribunais brasileiros, são obras faraônicas, gigantescas. Esse Judiciário não está comprometido com a pauta cidadã e civilizatória.

ConJur — Mas iniciativas como as audiências de custódia não sinalizam uma mudança?
Marcelo Chalréo — Espero que mudem para melhor. Não sou um pessimista, busco ser realista. Desejo que melhore, mas tem sido difícil. Ao mesmo tempo que você tem um conselho que chancela as audiências de custódia, e o fez a partir de provocações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, deve-se assinalar esse aspecto positivo, temos o mesmo órgão chancelando essas sem-vergonhices de remuneração.


Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2016, 7h24

TST reconhece gravação como prova para comprovar ganho




A gravação de diálogo por parte de um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento dos demais, é legal e não se equipara a interceptação telefônica. Com esse argumento, a gravação feita por um piloto para comprovar o pagamento de salário "por fora" de R$ 1,8 mil foi considerada lícita pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao contrário do que alegava a empregadora, que pretendia se eximir de condenação ao pagamento dos reflexos dessa parcela às verbas devidas ao trabalhador. A Turma decidiu por unanimidade não conhecer do recurso da empresa, mantendo decisão condenatória do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

Para comprovar as alegações de que recebia um salário maior do que o declarado no contracheque, o piloto decidiu gravar uma conversa com um dos engenheiros aeronáuticos da empresa. Feita a gravação, apresentou-a como prova na reclamação trabalhista movida contra empresa. Além da gravação, indicou ainda uma testemunha para confirmar o alegado.

A 36ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte decidiu pelo deferimento das verbas, após analisar que o depoimento da testemunha indicada pelo piloto confirmava o teor da gravação. O TRT-3 manteve a condenação, por entender que a gravação, mesmo que tivesse sido feita sem o conhecimento do preposto, não seria ilegal. O tribunal observou que, nas partes da gravação que interessavam ao caso, o piloto atuava como interlocutor, razão pela qual não se poderia equipará-la a interceptação telefônica.

O recurso de revista da empresa ao TST teve a relatoria do ministro Mauricio Godinho Delgado. Ao votar pelo não conhecimento, ele observou que a empresa não apontou jurisprudência específica em sentido contrário à conclusão do TRT-3, nem interpretação divergente de normas regulamentadoras ou violação direta de dispositivo de lei federal ou da Constituição Federal, conforme determina o artigo 896 da CLT.

Acrescentou ainda que, no seu entendimento, não há ilicitude na gravação unilateral de um diálogo entre pessoas, mesmo pela via telefônica ou congênere, desde que esta tenha sido realizada por um dos interlocutores — ainda que sem o conhecimento da outra parte.

O relator considerou que tal meio de prova não se confunde com a interceptação telefônica nem fere o sigilo telefônico, ambos regulados no artigo 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. Diante disso, considerou legal a utilização em juízo, pelo piloto, da gravação que comprovou o salário ganho extraoficialmente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

RR-20100-06.2007.5.03.0136

Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2013, 7h57

Prêmio mensal pago "por fora" a vendedora deve ser considerado salário




Uma loja de roupas que paga regularmente “prêmios de forma esporádica” para seus vendedores está na verdade concedendo comissão por fora do salário e deve arcar com as responsabilidades disso. Com esse entendimento a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região sentenciou uma loja de Brasília a pagar reflexos trabalhistas (férias, 13º, FGTS) das comissões pagas durante contrato de trabalho.

A turma entendeu que os recibos apresentados não refletiam o verdadeiro valor da remuneração recebida pelo trabalhador e reconheceu a existência de pagamentos que não constavam dos recibos salariais.

O primeiro grau havia reconhecido a existência do pagamento de comissões por fora com base nos extratos bancários juntados aos autos, com média mensal de R$ 1.038. Em recurso ao tribunal, a empresa alegou que não pagava comissões, mas apenas prêmios de forma esporádica, dependendo do alcance das metas.

O vendedor também recorreu da decisão alegando que recebia comissões em valores muito superiores ao deferido pelo juízo de origem que, somados às horas extras habituais, somariam R$ 7 mil mensais.

Os recursos foram analisados pelo juiz convocado Israel Adourian, que adotou os mesmos fundamentos da sentença de primeiro grau, no sentido de que os extratos bancários constantes dos autos, sob as rubricas “crédito de salário” e “pagamento a fornecedores”, realizadas por outras empresas do mesmo grupo familiar, demonstram que o trabalhador recebeu o pagamento de comissões “por fora” ao longo do contrato de trabalho.

Segundo o relator, os fatos comprovam que a média salarial do vendedor era superior ao salário fixo mensal, devendo, portanto, esses valores serem integrados ao salário bem como os reflexos das comissões em descanso semanal remunerado, 13º salário, férias mais um terço e no FGTS mais 40%.

O magistrado concluiu que não ficou comprovada a tese da empresa de que os pagamentos eram esporádicos, nem a alegação do trabalhador, de que sua remuneração seria em média R$ 7 mil, valor que nem se aproxima da média apurada pelo juiz de primeiro grau.

Dessa forma, a 4ª Turma negou recurso da empresa e do trabalhador e manteve a decisão da 1ª VT de Anápolis, que reconheceu a existência de pagamento de salário “por fora” e condenou a empresa à integração dos valores apurados aos salários com o pagamento dos reflexos devidos. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-18.

Processo RO-0010667-75.2014.5.18.0051.


Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2016, 8h32

Ministério Público não consegue caracterizar dano moral coletivo por deficiências em frota de ônibus






Acompanhando o voto do relator, ministro Humberto Martins, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou agravo regimental movido pelo Ministério Público Federal em recurso referente a pedido de dano moral coletivo pela precariedade dos ônibus de uma empresa de transporte púbico.

A ação civil pública movida pelo MP apontou diversas irregularidades nos ônibus da frota de uma empresa de transporte público do município de Petrópolis, como problemas mecânicos frequentes e má conservação dos veículos, e requereu a configuração do dano moral coletivo.

O pedido foi negado pelo tribunal fluminense após ser constatado que as deficiências foram sanadas e que os ônibus em circulação com prazo superior ao permitido pela legislação foram substituídos.

Falta de provas

Para o TJRJ, não ficou evidente que as deficiências apontadas geraram prejuízo à harmonia social daqueles que utilizam os veículos para locomoção. O Ministério Público Federal recorreu, sustentando que não houve a devida valoração da precariedade no serviço de transporte coletivo.

Segundo o relator, o pedido de condenação por dano moral coletivo é cabível quando o dano ultrapassa os limites do tolerável e atinge, efetivamente, valores coletivos, o que não foi constatado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Para Humberto Martins, modificar tal entendimento exigiria o reexame de provas, procedimento vedado pela Súmula 7 do STJ. “Não restaram provados os fatos alegados na reclamação feita através da denúncia anônima, quais sejam: as precárias condições estruturais dos veículos, de limpeza e a ocorrência de problemas mecânicos frequentes", concluiu o relator em seu voto.

MC

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 809543

Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...