terça-feira, 26 de maio de 2015

TST determina sobrestamento de recursos extraordinários sobre responsabilidade de entes públicos por verbas de tomadoras de serviço


O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, em sessão realizada na segunda-feira (4), decidiu sobrestar todos os recursos extraordinários que tratam da responsabilidade subsidiária da administração pública por verbas devidas por tomadoras de serviço, matéria incluída na sistemática da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (Tema 246 da tabela de repercussão geral). A medida leva em conta decisões que vêm sendo proferidas pelo STF, em reclamações constitucionais, contra acórdãos do TST, inclusive do Órgão Especial, que determinaram o prosseguimento dos casos em que teria supostamente havido a comprovação de culpa da administração pública na contratação e na fiscalização dos contratos.

O recurso extraordinário adotado pelo STF como paradigma, e cuja decisão servirá de base para todas as demais sobre a responsabilidade da administração pública, ainda não foi julgado, situação que implica, segundo o STF, o sobrestamento de todos os recursos que envolvem a matéria do Tema 246

Fonte: TST

Juiz não pode proferir sentença parcial de mérito e seguir com o processo



A sentença parcial de mérito é incompatível com o direito processual civil brasileiro atualmente em vigor. Dessa forma, é vedado ao juiz proferir, no curso do processo, tantas sentenças de mérito quantos forem os pedidos apresentados. Esse entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial.

Segundo o relator, ministro Villas Bôas Cueva, isso não impede que sejam proferidas decisões interlocutórias que contenham matérias de mérito. Contudo, “por não encerrarem o processo ou a fase processual, não podem ingressar na procedência ou improcedência dos pedidos formulados na inicial”, afirmou.

Ele esclareceu que o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) disciplinou o tema de forma diferente, permitindo o julgamento antecipado parcial do mérito quando um ou mais pedidos formulados na inicial ou parcela deles forem incontroversos ou estiverem em condições de imediato julgamento. Contudo, a nova legislação entrará em vigor apenas em março de 2016 e não poderá ser aplicada de forma retroativa.

Indenização securitária

Um militar que contratou seguro de vida em grupo ajuizou ação de cobrança contra a seguradora para receber indenização. Ele foi excluído do serviço ativo do Exército após adquirir hérnia de disco na região lombar.

O magistrado de primeiro grau condenou a seguradora a pagar o valor correspondente à invalidez funcional (metade da cobertura de invalidez permanente por acidente). Apesar disso, como havia dúvida quanto à incapacidade permanente ter sido provocada por acidente, o que daria direito ao dobro do valor, determinou o prosseguimento do processo para a produção de perícia médica. 

A sentença parcial de mérito foi desconstituída pelo tribunal de segunda instância ao fundamento de que não deu fim à fase do procedimento em primeira instância.

Conceito de sentença

No STJ, o militar sustentou que a Lei 11.232/05 modificou o conceito de sentença para permitir a sentença parcial de mérito. Para ele, não haveria obrigatoriedade de prolação de sentença final e única por processo, que englobasse todos os pedidos.

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que a reforma processual provocada pela Lei 11.232 teve por objetivo dar mais efetividade à prestação jurisdicional. Segundo ele, o processo passou a ser um só, com a fase cognitiva e a de execução (cumprimento de sentença). “A sentença não mais ‘põe fim’ ao processo, mas apenas a uma de suas fases”, comentou.

Pelo atual conceito, disse o ministro, sentença é o pronunciamento do juiz de primeiro grau que contém uma das matérias previstas nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil e que extingue uma fase processual ou o próprio processo.

De acordo com o relator, a legislação apenas acrescentou um parâmetro para a identificação da decisão como sentença, já que não foi abandonado o critério da finalidade do ato. “Permaneceu, assim, a teoria da unidade estrutural da sentença, a obstar a ocorrência de pluralidade de sentenças em uma mesma fase processual”, concluiu.Leia o voto do relator.
Fonte: STJ

Seção uniformiza entendimento sobre sucessão em regime de comunhão parcial de bens




O cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, concorre com os descendentes na sucessão do falecido apenas quanto aos bens particulares que este houver deixado, se existirem. Esse é o entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso que discutiu a interpretação da parte final do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil (CC) de 2002.

A decisão confirma o Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), e pacifica o entendimento entre a Terceira e a Quarta Turma, que julgam matéria dessa natureza.

O enunciado afirma que “o artigo 1.829, I, do CC/02 só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) serem partilhados exclusivamente entre os descendentes".

Segundo o ministro Raul Araújo, que ficou responsável por lavrar o acórdão, o CC/02 modificou a ordem de vocação hereditária, incluindo o cônjuge como herdeiro necessário, passando a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido.

Embora haja essa prerrogativa, a melhor interpretação da parte final desse artigo, segundo o ministro, no que tange ao regime de comunhão parcial de bens, não pode resultar em situação de descompasso com a que teria o mesmo cônjuge sobrevivente na ausência de bens particulares do falecido.

Controvérsia

O artigo 1.829, I, do Código Civil dispõe que a sucessão legítima defere-se em uma ordem na qual os descendentes concorrem com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único), ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

A questão que gerou divergência entre os ministros foi a interpretação da parte final desse artigo, na identificação dos bens em relação aos quais o cônjuge sobrevivente, na qualidade de herdeiro necessário, concorrerá com os descendentes, quando adotado o regime de comunhão parcial de bens.

A controvérsia era saber se a concorrência incidiria sobre todo o conjunto dos bens deixados pelo falecido, chamado de herança; apenas sobre aqueles adquiridos onerosamente na constância do casamento, excluída a meação do cônjuge sobrevivente, a exemplo do que ocorre na sucessão do companheiro (artigo 1.790); ou apenas sobre os bens adquiridos antes do casamento, os quais a lei chama de particulares.

Bens particulares

O relator original do recurso no STJ, ministro Sidnei Beneti (hoje aposentado), apresentou a tese que saiu vencedora na Segunda Seção. Ele entendeu que a concorrência somente se dá em relação a bens particulares, ou seja, em relação àqueles que já integravam o patrimônio exclusivo do cônjuge ao tempo do casamento.

A ministra Nancy Andrighi divergiu desse entendimento. Para ela, o cônjuge sobrevivente, a par de seu direito à meação, concorreria na herança apenas quanto aos bens comuns, havendo ou não bens particulares, que deveriam ser partilhados unicamente entre os descendentes.

No caso analisado, o autor da ação iniciou relacionamento de união estável em 1981. Em 1988, casou sob o regime de comunhão parcial de bens, quando a mulher já era proprietária de um terreno. Ao longo de 12 anos após o casamento, foi construído no terreno um prédio residencial, com recursos do autor, no montante de R$ 78,6 mil. A mulher faleceu em 2008, e o viúvo ajuizou ação para ser reconhecido como proprietário do imóvel, total ou parcialmente.

Os filhos da falecida sustentaram que o imóvel não se comunicava com o cônjuge, pois se trata de bem adquirido anteriormente ao casamento. O Tribunal de Justiça de São Paulo concordou com a tese defendida pelos filhos, mas a Segunda Seção do STJ deu provimento ao recurso do viúvo, que tem mais de 80 anos, reconhecendo o seu direito à meação e à participação como herdeiro necessário dos bens particulares.
Fonte: STJ

Novo ministro Reynaldo Fonseca defende diálogo para desafogar a Justiça e pacificar o país




“É chegada a hora de pensar na consolidação dos meios alternativos para a solução dos conflitos na fase pré-processual”, diz o desembargador federal Reynaldo Soares da Fonseca, que às 17h desta terça-feira (26) tomará posse como ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo ele, a substituição da vontade das partes pela decisão do juiz estatal não será capaz de resolver os conflitos expressos nos quase 100 milhões de processos judiciais em tramitação no país, e mesmo a conciliação patrocinada pelo Judiciário, embora apresente bons resultados, não basta para assegurar a pacificação nacional.

“Nosso desafio mais recente é a efetiva implementação da conciliação pré-processual, com o apoio inicial do próprio estado-juiz, pois este é o passo mais significativo para a desjudicialização dos conflitos. O diálogo deve existir na própria sociedade civil, nas suas organizações e instituições”, acrescenta o magistrado.

Nomeado pela presidente Dilma Rousseff no último dia 4, Reynaldo Fonseca vai ocupar no STJ vaga destinada a membros dos Tribunais Regionais Federais, aberta com a aposentadoria do ministro Arnaldo Esteves Lima. A solenidade de posse, no Pleno do tribunal, reunirá representantes dos três poderes da República e personalidades da comunidade jurídica e da sociedade civil.

Melhor solução

O novo ministro é um entusiasta da conciliação e da mediação, que considera importantes instrumentos de solução de conflitos. Para ele, a opção pela conciliação não objetiva apenas desafogar o Judiciário, mas “encontrar a melhor solução para os conflitos apresentados à Justiça, procurando sempre utilizar uma ferramenta eficaz para a implementação da pacificação social”.

“Como é sabido”, analisa o novo ministro, “o exercício da jurisdição resolve a disputa, o litígio, mas não elimina o conflito subjetivo entre as partes. Na maioria das vezes, incrementa mais ainda a disputa interpessoal, pois não acaba com a animosidade, as mágoas e os ressentimentos. Há sempre vencedor e vencido, nos termos da lei aplicada pelo estado.”

Fonseca considera “grave” a existência de quase 100 milhões de processos no Brasil – segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – e diz que isso impõe a necessidade de uma reflexão sobre “por que a sociedade brasileira não consegue dialogar”.

O “mais chocante” nas estatísticas, para ele, é saber que poucas partes estão por trás desses números: em 95% dos processos estão envolvidos o Poder Executivo, em todos os seus níveis, os bancos e as empresas de telefonia, ficando apenas 5 milhões para outros litigantes.

O novo ministro defende uma mudança de paradigma, pois os números demonstram que os mecanismos de conciliação e mediação são uma necessidade para a pacificação social. “Por isso defendo a obrigatoriedade da tentativa de conciliação no processo cível e até no processo penal, nos casos de crimes de menor potencial lesivo, pequenos ilícitos e contravenções”, afirma.

Modelo fraterno

Para Reynaldo Fonseca, a lógica do “olho por olho, dente por dente” é incapaz de realizar a Justiça na área criminal. A pena, segundo ele, deve ter o necessário caráter retributivo (a ideia de um castigo imposto ao criminoso), “mas com a complementação da reconstrução e do próprio perdão, que não é sinal de fraqueza, esquecimento nem indiferença”. Este, sustenta o magistrado, “é o novo modelo fraterno da Justiça penal”, no qual se cumpre a lei de forma retributiva, “mas sua superação é a restauração”.

“A justiça restaurativa não ignora as exigências de reparação da ordem violada. Até acentua essas exigências na perspectiva dos direitos da vítima e, especialmente, da vida comunitária, restaurando, por fim, os laços fraternos mesmo com o criminoso”, diz o ministro.

E acrescenta: “A pena humanizada não é, em rigor, violência a dominar quem é punido. A execução da pena não pode inviabilizar a possibilidade de conciliação e de reconciliação. O princípio da fraternidade é viável no direito penal e é semente de transformação social.”

Maioridade

Reynaldo Fonseca acredita que, antes da discussão sobre a redução da maioridade penal, o Brasil deve efetivar as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“Na verdade, a partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. Por isso, não devemos confundir impunidade com inimputabilidade”, opina.

O ministro vai compor a Terceira Seção, colegiado que analisa questões de direito penal. Sobre sua atuação no tribunal, diz que procurará manter “os olhos voltados para o cumprimento efetivo e eficaz da norma penal, para que a sociedade sinta o compromisso do estado-juiz contra a impunidade”, e ao mesmo tempo se esforçará para “cumprir, igualmente, os princípios e as garantias constitucionais, tão caros aos seres humanos”.

Perfil

O novo ministro é proveniente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), sediado em Brasília. Natural de São Luís, Fonseca iniciou sua vida profissional como servidor do Poder Judiciário. Entre 1982 e 1986, passou pelo Tribunal de Justiça do Maranhão e pela Justiça Federal.Em 1992, ingressou na magistratura como juiz de direito substituto no Distrito Federal. Logo em seguida, aprovado em concurso em 1993, tornou-se juiz federal substituto da 4ª Vara da Seção Judiciária do DF. Tomou posse no TRF1 em 2009.
Fonte: STJ

segunda-feira, 25 de maio de 2015

"Quem protege o trabalhador são as leis trabalhistas, não o Judiciário"








Há quem diga que a Justiça do Trabalho protege o trabalhador. No entanto, para o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Lorival Ferreira dos Santos, isso é um equívoco. Em sua opinião, os juízes apenas cumprem o seu dever de aplicar a lei que, esta sim, por opção dos legisladores, protege os trabalhadores.

Natural de Clementina (SP), Lorival dos Santos começou a trabalhar cedo, aos 12 anos, para ajudar a família. “O mote era: é melhor trabalhar do que estar na rua”, conta. Hoje, depois de 29 anos dedicados à Justiça do Trabalho, ele enxerga que a afirmativa deveria ser outra: “É melhor estudar, é melhor brincar”. Uma criança sadia e que estudou, garante o presidente do TRT-15, não será o criminoso de amanhã.

Com a missão de comandar o segundo maior TRT do país, com sede em Campinas e abrangência de 95% do estado de São Paulo, Lorival dos Santos aponta que um dos maiores desafios é respeitar a duração razoável do processo com uma estrutura deficiente: faltam servidores e magistrados. Em seus cálculos, o tribunal precisaria de pelo menos mais onze desembargadores para acompanhar o ritmo da demanda.

Para diminuir o número de processos que chegam à Justiça, o presidente sugere dois caminhos: incentivar as soluções extrajudiciais e mudar a sistemática dos recursos. “Aquele que recorrer e perder tem que pagar um pouco a mais”, defende. Assim, acabariam os recursos que servem para retardar a execução.

Lorival Ferreira dos Santos tomou posse como presidente do TRT-15 em dezembro de 2014. Para esta entrevista, ele recebeu a revista Consultor Jurídico no tribunal.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais têm sido os principais desafios do senhor nesse início de gestão?
Lorival Ferreira dos Santos — O desafio não é pequeno. O nosso tribunal é o segundo maior do país. Procuramos julgar dentro do que diz a Constituição, respeitando a duração razoável de um processo. Para isso, contamos com servidores abnegados e com juízes comprometidos. Mas temos problemas históricos na corte, como os déficits de servidores e magistrados.

ConJur — Seria possível determinar um prazo para essa duração razoável do processo?
Lorival Ferreira dos Santos — Não, porque isso depende do processo. Em varas mais pesadas, com mais de 1,5 mil processos, a audiência de cognição pode demorar um pouco mais, mas na maioria das varas, acontece dentro de 30 dias. Muitas vezes, temos o resultado do processo entre 60 a 90 dias, no primeiro grau. E, no segundo grau, no máximo em 120 dias tem uma solução do conflito. Por óbvio que existe uma outra fase, aquela mais dificultosa, que é dar a efetividade ao processo, efetuando o pagamento ao trabalhador.

ConJur — A fase de execução.
Lorival Ferreira dos Santos — Isso. Muitas vezes executamos a dívida e o devedor não tem bens. Hoje, existe uma série de ferramentas que nós utilizamos, como o Bacenjud e outros, que facilitam a execução, mas quando o devedor não tem meios, o processo fica estagnado.

ConJur — O relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, mostra que a execução é o principal desafio da Justiça do Trabalho. Como resolver isso?
Lorival Ferreira dos Santos — Sou de uma época da Justiça do Trabalho em que citávamos, o empresário pedia as guias, recolhia e pagava. Eu não sei se é a situação econômica que gera muitas dificuldades. O empresário hoje tem mais medo da fiscalização e das multas do que da Justiça. Por isso sempre dizemos que é melhor conciliar do que, de repente, ter uma sentença nas mãos, sem a certeza da execução do pagamento. Na conciliação já há uma predisposição de conciliar e pagar.

ConJur — Quais são as dificuldades para suprir o déficit de magistrados e servidores?
Lorival Ferreira dos Santos — O primeiro desafio é a aprovação do projeto. Por exemplo, mandamos um projeto para o Conselho Superior da Justiça do Trabalho de [criação de] 66 varas do Trabalho. Foram aprovadas 33, cada uma com um juiz titular e um substituto. No Conselho Nacional de Justiça, conseguimos uma modificação para ter mais 33 substitutos, e o processo voltou para o Tribunal Superior do Trabalho para ser avaliado. Quanto aos servidores, conseguimos a aprovação de 973 cargos. Esse projeto está no Congresso Nacional, que, agora, depende de inclusão de verba na Lei Orçamentária Anual. Com isso, conseguiremos praticamente resolver o nosso déficit de mil servidores. Nós estamos produzindo muito, com poucos servidores. Os gabinetes deveriam ter 16 servidores. Hoje, há, em média, dez.

ConJur — Quais são os projetos para a sua gestão?
Lorival Ferreira dos Santos — Estamos fazendo uma gestão de processos e de pessoas, o que inclui um aperfeiçoamento da qualificação profissional dos servidores por meio de nossa Escola Judicial. Outro objetivo é atacar na área dos precatórios, dando continuidade ao trabalho feito pelo ex-presidente Flavio Cooper. Ele fez uma audiência com os devedores, que são entes públicos, e isso tem facilitado o pagamento dos precatórios. Outro aspecto que queremos dar ênfase é com relação à conciliação. A Justiça do Trabalho tem vocação conciliatória. Devemos lançar um novo olhar para a conciliação e quebrar o paradigma da cultura da sentença que existe no país. Para isso criamos recentemente dois Centros Integrados de Conciliação, CICs, um no primeiro grau de jurisdição, que funciona no Fórum Trabalhista de Campinas e outro, atuando no segundo grau. Queremos criar mais sete centros como este, um em cada circunscrição do TRT no estado de São Paulo.

ConJur — Como funciona esse centro?
Lorival Ferreira dos Santos — Precisamos ir além das tentativas de conciliação nas audiências normais. A principal atribuição desse centro é propor a mediação e a conciliação em qualquer fase processual. Para isso, conta com estrutura composta por magistrados e servidores, atuando em mesas redondas. O projeto almeja também solucionar por acordo ações em que são parte grandes grupos empresariais com unidades instaladas na 15ª Região, sob coordenação da Vice-Presidência Judicial da Corte.

ConJur — Qual é a maior dificuldade da Justiça do Trabalho?
Lorival Ferreira dos Santos — As maiores dificuldades não são os temas, dos mais variados. O juiz do Trabalho está preparado para isso. O problema maior nosso é o número de ações. Há um volume elevado causado pela quantidade de recursos. Se existisse uma forma alternativa de solução de conflitos, esse número talvez fosse menor. Uma forma alternativa para solucionar os conflitos de menor complexidade.

ConJur — Que forma seria essa?
Lorival Ferreira dos Santos — Extrajudicial. É preciso aperfeiçoar o projeto das comissões de conciliação prévia, que foi desvirtuado. Hoje o instituto das comissões de conciliação prévia funciona como se fosse um órgão de homologação. Vai ao Ministério do Trabalho, ao sindicato e homologa. Além disso, é preciso mudar a sistemática dos recursos. Aquele que quer recorrer, pode recorrer, mas se perder tem que pagar um pouquinho mais porque, muitas vezes, o cidadão litiga para ganhar tempo e isso não é razoável. Há, no Congresso, um projeto nesse sentido. Algo que também precisamos é aumentar o número de fiscais do trabalho. Se tivesse um número suficiente para uma atuação mais eficaz, não teríamos esse grande número de reclamações trabalhistas.

ConJur — Alguns ministros do Tribunal Superior do Trabalho assinaram um manifesto contra o projeto de lei sobre terceirização. É papel do ministro, ou do juiz, se manifestar contra um projeto de lei?
Lorival Ferreira dos Santos — O TST fez muito bem em apontar os caminhos. Quem entende bem dessa matéria são os magistrados que lidam com ela quase que diariamente. O magistrado não é um extraterrestre. Ele vive na sociedade, tem responsabilidade social e deve apontar caminhos. Sabemos que a terceirização não tem volta, mas precisamos e vamos cuidar para que ela não seja prejudicial ao trabalhador.

ConJur — Como assim?
Lorival Ferreira dos Santos — Não é razoável que aquele que prestou serviços fique sem receber. No serviço público, por exemplo, às vezes a empresa que vence um contrato tem um capital pequeno e desaparece. Os trabalhadores não vão receber? Parece razoável que a lei permita a inclusão da empresa beneficiária da prestação de serviço no polo passivo, mesmo que seja pública. Nesse ponto o Congresso Nacional já deveria ter atuado faz tempo, mas ele não coloca o dedo na ferida.

ConJur — Com isso, as discussões são levadas ao Judiciário.
Lorival Ferreira dos Santos — À míngua de uma legislação específica, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 256 e a aperfeiçoou para a 331.

ConJur — Há um receio a respeito da decisão que o Supremo Tribunal Federal pode dar no ARE 713.211, ação na qual a corte discute os limites da terceirização?
Lorival Ferreira dos Santos — O STF saberá bem resolver isso, haverá bom senso. O Supremo tem utilizado bons recursos como as audiências públicas para debater questões complicadas. Além disso, há ministros que passaram pela Justiça do Trabalho como Marco Aurélio e Rosa Weber. Há uma expectativa positiva apesar da pressão do empresariado.

ConJur — Que a análise o senhor faz do processo eletrônico?
Lorival Ferreira dos Santos — Em um primeiro momento, ficamos temerosos com a novidade, no entanto hoje, aqui no TRT-15, entendemos que é benéfico, pois reduz o tempo morto do processo. O advogado, com uma boa ferramenta, consegue ingressar com a petição a qualquer momento, não há aquele acúmulo de pessoas que tínhamos no balcão. Esse é o ganho para o jurisdicionado: celeridade, otimização do serviço, sem contar ainda a preservação do meio ambiente. Quantas árvores deixaram de ser cortadas? Contamos com a parceria da Ordem dos Advogados do Brasil em nosso comitê que trata do PJe-JT.

ConJur — O PJe-JT já está instalado em todo o TRT-15?
Lorival Ferreira dos Santos — Já implantamos 100%. Primeiro no tribunal e depois nas varas, gradativamente, de maneira que somente os processos antigos continuam físicos. É uma ferramenta na qual nós buscamos, diuturnamente, o aperfeiçoamento. Isso é necessário porque, com essa facilitação de acesso, está aumentando o número de ações em decorrência do processo judicial eletrônico. Constatamos isso em um levantamento interno que fizemos.

ConJur — Isso é bom ou ruim?
Lorival Ferreira dos Santos — Eu não diria se é bom ou se é ruim, porque o magistrado que prestou concurso, está aqui para prestar o serviço ao jurisdicionado. Porém, se houver alguma distorção, alguém ficar sobrecarregado, precisamos corrigir.

ConJur — Qual é avaliação que o doutor faz da CLT? Ela precisa ser reformada?
Lorival Ferreira dos Santos — Aqueles que criaram a CLT — Getúlio Vargas e os seus ministros — tiveram uma sensibilidade para perceber e elaborar uma norma em que houvesse uma proteção jurídica em favor do trabalhador, para compensar o poder econômico. Porque, senão, o que seria do trabalhador para litigar contra uma grande devedora? A CLT é uma bela senhora que está muito atualizada porque, ao contrário do que muitos dizem, ela vem sendo aperfeiçoada. Há questões, como os acidentes, a previdência, que estão na CLT e hoje são atuais. É lógico que há pontos que ainda necessitam de aperfeiçoamento e adequação, mas a CLT em si, não.

ConJur — Não precisaria de uma grande reforma?
Lorival Ferreira dos Santos — Não, absolutamente. Tem alguns artigos emblemáticos ali que são a verdadeira espinha dorsal do contrato de trabalho. O artigo 9º, por exemplo: são nulos de pleno direito os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos da CLT. Puxa vida, olha que coisa maravilhosa! Porque se estiver desempregado, a família passando fome e alguém oferece um emprego, o trabalhador assina qualquer coisa. Depois não pode buscar uma reparação quando já não há mais aquela suposta coação econômica? Lógico que pode. A alteração no curso do contrato, onde não há garantia de emprego — e nem poderia dizer que vai ter uma estabilidade porque também não queremos engessar a vida dos empresários —, o trabalhador fica muito vulnerável. As alterações ocorridas no curso do contrato são feitas de forma unilateral e se trouxer prejuízo econômico financeiro, não pode buscar reparação? Pode, a CLT protege isso. Então temos vários artigos que eu costumo dizer que são a verdadeira linha dorsal do contrato de trabalho.

ConJur — A CLT e a Justiça do Trabalho, elas não protegem demais o trabalhador?
Lorival Ferreira dos Santos — Isto é um equívoco. A Justiça do Trabalho não protege ninguém, porque, quando o magistrado presta o concurso, nós juramos a Constituição e as leis da República. E assim é feito, julgamos de acordo com a CLT, esta sim, protecionista. E não é só ela, o Código de Defesa do Consumidor não é protecionista? As leis de previdência não são protecionistas? O Estatuto do Idoso não é protecionista? Do trabalho infantil não é protecionista? Então nós temos um arcabouço de proteções que o legislador chega e fala: “olha, aqui essa, aqui aquela, aqui aquela”. E assim foi com a CLT.

ConJur — Recentemente houve um debate acerca da portaria do Ministério do Trabalho que cria a chamada lista suja do trabalho escravo. O ministério poderia ter criado essa lista por meio de uma portaria? O senhor é favorável a essa divulgação?
Lorival Ferreira dos Santos — Não entro no mérito da criação da portaria, porque isso está sub judice. O que eu penso é o seguinte: se existe uma decisão, transitada em julgado, por que não se pode divulgar isso? Não há por que. É perfeitamente possível essa divulgação. A questão é se isso pode ser criado por portaria. Porque se formos esperar uma lei, jamais virá uma lei para fazer isso.

ConJur — Cabe arbitragem na Justiça do Trabalho?
Lorival Ferreira dos Santos — Cabe no âmbito do dissídio coletivo. A Constituição da República é muito taxativa, estando prevista a arbitragem no artigo 114. No âmbito do dissídio individual, não.

ConJur — Há projetos de lei no Congresso propondo a arbitragem em casos individuais também.
Lorival Ferreira dos Santos — No nosso entender, não cabe a arbitragem no âmbito trabalhista do dissídio individual, haja vista que não é preservada a autonomia da vontade do cidadão, essa autonomia da vontade estaria viciada. A arbitragem é feita de acordo com uma eleição, as partes elegem um árbitro. Dá para imaginar o trabalhador à mercê de uma grande empresa que tem centenas de empregados elegendo um árbitro juntamente com o dono da empresa? Como é que seria essa eleição do árbitro?

ConJur — E nos casos de cargos de relevância, como gerência, diretoria?
Lorival Ferreira dos Santos — Nesses casos acredito que não há vício porque a autonomia da vontade está preservada. Um grande diretor de uma multinacional ou de uma grande empresa nacional, ele pode, perfeitamente, estar em um impasse. Não dar entrada na Justiça do Trabalho e eleger um árbitro. Tudo bem. Mas, no âmbito geral, dos trabalhadores, não.

ConJur — O trabalho infantil é um tema que chega muito no TRT-15?
Lorival Ferreira dos Santos — O trabalho infantil é uma situação interessante. Eu, por exemplo, comecei a trabalhar aos 12 anos, mas recebi o apoio, o carinho do meu pai, da minha mãe, educação, acompanhamento. É lógico que queria brincar, mas, em uma família grande, trabalhar era uma necessidade e eu não senti nessa época. Apesar disso, acredito que a criança deve estudar e ter uma atividade lúdica. Por isso temos uma campanha aqui no tribunal contra o trabalho infantil.

ConJur — A experiência que teve em sua vida seria considerada trabalho infantil?
Lorival Ferreira dos Santos — Seria, porque eu comecei a trabalhar aos 12. Mas naquele tempo o mote era: é melhor trabalhar do que estar na rua. No meu entendimento, é melhor estudar, é melhor brincar. A criança sadia, bem nutrida, que estudou, terá oportunidades e não será o criminoso de amanhã. Nós tivemos um caso emblemático de trabalho infantil aqui na 15ª Região.

ConJur — O senhor pode nos contar?
Lorival Ferreira dos Santos — Um garoto, o Gedeão, com cerca de dez anos de idade, trabalhava pregando caixas que serviam para o transporte de hortifrutigranjeiros. Certo dia, um prego escapou e perfurou um dos olhos dele. Então ele procurou a Justiça do Trabalho. Os pais dele tentaram obter a carteira de trabalho para ele, mas foi negada porque não tinha mais de 16 anos. A Constituição diz que o trabalho é permitido para quem tem mais de 16, salvo na condição de aprendiz, que é a partir de 14 anos. Mas a Constituição diz isso para proteger o menor e não para ser contra ele. Os pais da criança buscaram a Justiça do Trabalho e uma colega nossa, brilhante, concedeu uma liminar para que fosse expedida a carteira. Foi expedida e houve uma ação na Justiça do Trabalho, com a participação do Ministério Público. Depois de algum tempo foi fechado um acordo em que envolveu até imóveis e pagamentos. Encerrado o caso, nunca mais vi o Gedeão. Até hoje fico curioso para conhecê-lo depois de adulto. Diziam que ele queria ser advogado ou juiz. Foi um caso emblemático que chamou toda a atenção da Justiça do Trabalho. Hoje, nós estamos implantando na 15ª Região os chamados JEIAs: Juizados Especiais da Infância e Adolescência, que têm como uma de suas funções fazer esse controle da autorização para o trabalho. Esses juizados também buscam um envolvimento com a comunidade, viabilizando locais onde possam receber essas crianças para estudar e atuar como aprendizes. Serão implantados ao todo dez JEIAs em nossa jurisdição, com um juiz em cada um deles que tenha esse viés social. Não basta apenas proibir o trabalho infantil. Vamos conversar com os pais e fazer o encaminhamento para escolas de aprendizagem.

ConJur — A liberdade sindical deveria ser plena no Brasil ou esse modelo de sindicato único vigente atende às necessidades?
Lorival Ferreira dos Santos — Isso é uma incógnita, porque tem a unicidade sindical no Brasil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) prega a pluralidade sindical. Depois de alguns anos de experiência, chego à conclusão que é melhor a pluralidade sindical, com sindicatos mais combativos e representativos. Mas isso depende de uma reforma na Constituição porque o artigo 8º aborda claramente da unicidade. A maioria dos sindicatos é boa — às vezes ficamos orgulhosos em uma sessão de julgamento de dissídio coletivo quando comparece um dirigente bem preparado, que não fica apenas na dependência do advogado. Mas há também muitos sindicatos de carimbo, que não representam nada, apenas arrecadam.

ConJur — Por que a Justiça do Trabalho impede o trabalhador de negociar os direitos chamados indisponíveis, como o horário de almoço?
Lorival Ferreira dos Santos — Existem aqueles direitos que envolvem a própria higidez do corpo humano. Vamos imaginar que alguém queira negociar a jornada de 12 horas ou de 14 horas por dia. “Não, eu estou novo, eu consigo”. Por quanto tempo ele vai conseguir fazer isso? Eu vejo aqui processos em que o cortador de cana, às vezes, trabalha por dez horas ou mais. Quanto tempo ele vai conseguir fazer isso? O ganho por produtividade o estimula a trabalhar mais, fazendo um intervalo para refeição de vinte minutos. Cinco anos, seis anos, depois de dez anos ele é mandado embora porque a produção cai. A Constituição da República traz um princípio fabuloso, artigo 1º, o princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, o Tribunal Superior do Trabalho editou uma súmula que não permite a flexibilização, para proteger o ser humano.

ConJur — Qual é o reflexo das crises econômicas na Justiça do Trabalho?
Lorival Ferreira dos Santos — Lamentavelmente, há uma cultura do empresário que, quando há uma crise econômica, a primeira iniciativa é demitir. Com isso, aumenta o número de dissídios coletivos. Ao julgar um caso da Embraer, que demitiu quatro mil trabalhadores de uma só vez em 2009, o TRT entendeu que a empresa não poderia simplesmente fazer uma demissão coletiva sem justa causa, como no âmbito individual. Isso porque a empresa tem responsabilidade social. Nós construímos um entendimento de que é necessário negociar com o sindicato da categoria profissional, buscando alternativas. Essa decisão foi levada ao TST, que manteve a jurisprudência.


Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2015, 8h23


A função das cortes supremas e o Novo CPC




A Corte Suprema destinada à correção das decisões dos tribunais é fruto da ideia primitiva de que a interpretação tem como resultado a declaração da norma contida na lei. Calamandrei, ao escrever sobre a Corte de Cassação nas primeiras décadas do século passado, anunciou que a Corte deveria buscar o exato sentido da lei, que seria encontrado quando, diante da reiteração de julgados, houvesse “jurisprudência uniforme”. Mediante a jurisprudência uniforme a Corte poderia revelar a norma contida no texto legal, que, então, constituiria o critério para a correção das decisões dos tribunais inferiores. Ou seja, a função de correção é vinculada à possibilidade de declaração do exato sentido da lei por meio da jurisprudência. Como a Corte tinha a função de, mediante a correção, garantir a uniformidade da aplicação da lei, pretendia-se tutelar a unidade do direito objetivo, mito atrás do qual se esconderam instâncias autoritárias dos mais variados tipos.

Porém, a ideia de que o juiz pode declarar a norma contida na lei transformou-se em caricatura. A fórmula geral das decisões interpretativas justificadas depende de valoração. Diante da evolução da teoria do direito e do impacto do constitucionalismo, admite-se que o Judiciário tem a função de colaborar com o Legislativo para a frutificação do direito. O Judiciário não só tem a tarefa de concretizar as cláusulas gerais e de controlar a legitimidade da lei perante a Constituição, mas a de atribuir sentido ao direito e desenvolvê-lo de acordo com as necessidades emergentes da evolução da sociedade.

A função da Corte Suprema, portanto, é a de definir o sentido do direito. Quer isso dizer que as Cortes de civil law não devem continuar a ser vistas como Cortes de correção. Ao decidir, o STJ agrega conteúdo à ordem jurídica vinculante, que deixa, assim, de constituir sinônimo de ordem legislada. Por consequência, a “decisão” da Corte passa a orientar a vida em sociedade e a regular os casos futuros. Se a Corte reconstrói o produto do legislativo para atribuir sentido ao direito, a igualdade, a liberdade e a segurança jurídica apenas não serão violadas se o precedente instituído for respeitado pelos juízes e tribunais inferiores. De modo que a obrigação de respeito é tão somente consequência da função contemporânea da Corte[1].

Mas não há como pensar em decisão com eficácia obrigatória sem ter claro que a jurisprudência uniforme, assim como as “máximas” da Corte de Cassação italiana e as súmulas do direito brasileiro, não estão preocupadas com as razões que determinam o resultado da interpretação. O sentido do direito está nas razões que determinam o resultado, ou seja, na ratio decidendi. Só as razões que a Corte utiliza para justificar a solução da questão de direito numa específica moldura fática dão ao juiz do novo caso condições de saber se o entendimento da Corte Suprema deve regulá-lo. Porém, ratio decidendi só existe em precedentes. Esse o simples motivo para se ter que falar em precedentes obrigatórios e abandonar as ideias de súmula e jurisprudência uniforme, comprometidas com uma perspectiva teórica completamente superada.

Na verdade, toda essa confusão pode ser eliminada mediante a distinção entre precedente e decisão do recurso. Note-se, em primeiro lugar, que as decisões das Cortes de correção simplesmente não se importam com os fundamentos, mas apenas com a conclusão do julgamento. Numa Corte de correção pouco importa se um recurso é provido a partir de fundamentos não compartilhados pela maioria do colegiado. Sucede que, quando nenhum dos fundamentos é sustentado pela maioria do colegiado, simplesmente não há ratio decidendi ou precedente. Há, nesse caso, decisão plural, ou seja, decisão majoritária embasada em fundamentos minoritários. Ora, se o direito está no fundamento e esse é compartilhado pela minoria do colegiado, o fundamento não pode orientar os casos futuros e, portanto, não há precedente.

Quer isso dizer que, numa Corte Suprema, os fundamentos objeto da discussão devem ser delimitados no início do julgamento não só para que todos os juízes efetivamente dialoguem, mas também para que discussões impertinentes, ditas obiter dicta, não ocorram. Se o desempenho da função da Corte depende da proclamação do fundamento, é preciso que todos os membros do colegiado discutam os fundamentos e que seja proclamado não apenas o resultado do julgamento, mas também a ratio decidendi e os eventuais fundamentos concorrente e dissidente.

No direito brasileiro certamente não é preciso pensar, como chega a se cogitar no direito estadunidense, em decidir os fundamentos em separado. Só há razão para decidir os fundamentos em separado quando não se admite à Corte exercer a função mais modesta de resolver o recurso sem elaborar o precedente. Contudo, as Cortes Supremas, no direito brasileiro, embora tenham a função de desenvolver o direito mediante a instituição derationes decidendi e, assim, de precedentes, podem resolver o recurso sem elaborar precedente. Portanto, obviamente não há problema em que o recurso seja provido embora nenhum dos fundamentos seja amparado pela maioria, mas há que se ter bem claro que, nesses casos, não há precedente[2].

Por um motivo lógico, mais cedo ou mais tarde a metodologia de deliberação e a fundamentação das decisões das Cortes Supremas terá que passar a obedecer a um outro padrão. Se os fundamentos devem ser efetivamente discutidos, sendo prova disso a possibilidade de intervenção de amici curiae, não há racionalidade em trazer votos escritos à sessão de julgamento. O relator deve propor um projeto de julgamento e convidar à discussão e não proferir uma decisão prematuramente justificada, que só pode convidar à adesão. Na verdade, não há qualquer racionalidade em decidir antes de deliberar nem, muito menos, em justificar por escrito antes de decidir. É muito importante perceber a distinção entre decisão colegiada e ajuntamento de decisões individuais dos membros do colegiado. A decisão colegiada depende de efetiva deliberação e é construída mediante a participação de todos os membros do colegiado, ao lado dos advogados e dosamici curiae. Quer dizer que a fundamentação escrita, ou melhor, a justificativa, só tem sentido depois de proclamado o resultado. Não há mais razão para justificar entendimentos pessoais. A justificativa deve ser dos fundamentos, ou seja, da ratio decidendi e dos eventuais fundamentos concorrente e dissidente. Nesses casos, há que se nomear redatores das justificativas de cada um dos fundamentos.

Isso nos leva ao problema do excesso do CPC na regulação do modo de ser das Cortes Supremas. É absolutamente lamentável retirar dos tribunais ordinários e atribuir às Cortes Supremas a análise da admissibilidade de todo e qualquer recurso especial e recurso extraordinário (art. 1.030, parágrafo único), esquecendo-se que essa sobrecarga de trabalho é incompatível com a função dessas Cortes. Curiosamente, o novo CPC chega a definir quando o STF deve reconhecer repercussão geral (art. 1.035). Ora, a legislação processual deve passar longe do significado de repercussão geral, uma vez que cabe apenas e unicamente ao STF dizer quando ela está presente, nos termos da norma constitucional respectiva.

O CPC também afirma (art. 927), sem qualquer constrangimento, as espécies de “pronunciamentos” que devem ser observados pelos juízes e tribunais, misturando decisão, coisa julgada e precedente. Ora, não cabe à lei dizer quais são as decisões das Cortes Supremas que têm eficácia obrigatória. Note-se que a lei não só não precisa dizer, como não pode ter a pretensão de delimitá-las. As Cortes Supremas definem o sentido da lei federal e da Constituição, agregando sentido à ordem jurídica, e apenas por isso os seus precedentes devem ser obrigatoriamente respeitados pelos juízes e tribunais. Toca às raias do absurdo elencar entre os pronunciamentos com força obrigatória as decisões proferidas em recursos repetitivos, esquecendo-se das demais decisões, inclusive das tomadas em repercussão geral no STF. Isso apenas teria lógica se a função das Cortes Supremas estivesse limitada a otimizar o trabalho do Poder Judiciário. Ora, a função das Cortes Supremas, mais do que evitar decisões diferentes para casos que se repetem em massa, dirige-se a casos que abrem oportunidade para a orientação da sociedade mediante a instituição de precedentes.

No STJ é inevitável uma modalidade de “repercussão geral”. A menos que se deseje impedir a Corte de exercer o seu papel de Corte Suprema, ou seja, de Corte que medita e delibera adequadamente sobre casos importantes para definir o sentido do direito e desenvolvê-lo de acordo com as necessidades sociais. Há que se decidir, de uma vez por todas, se é preciso oferecer mais um recurso para todos ou se é melhor ter uma Corte com condições de colaborar para o desenvolvimento do direito. Hoje, a resistência a algo similar à repercussão geral no STJ só pode ser resultado de ignorância ou de interesses egoísticos de setores que desejam manipular as decisões dos juízes e tribunais ordinários à custa da indeterminação do direito numa Corte que, por não poder se comportar como Suprema, vê-se obrigada a atuar como um grande tribunal de apelação[3].

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).



[1] Luiz Guilherme Marinoni, O STJ enquanto Corte de Precedentes, 2a. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.


[2] Em livro que deverá ser publicado nos próximos dias pela Ed. Revista dos Tribunais, abordei a distinção entre ratio decidendi e decisão plural e as consequências dela decorrentes: Luiz Guilherme Marinoni, O Julgamento nas Cortes Supremas – Precedente e Decisão do Recurso Diante do Novo CPC, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015.


[3] Luiz Guilherme Marinoni, A Ética dos Precedentes, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.



Luiz Guilherme Marinoni é professor titular da Faculdade de Direito da UFPR e advogado em Curitiba e em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 25 de maio de 2015, 8h00

Alteração de teor de voto no TJ-BA coloca processo eletrônico em xeque




A descoberta de que o teor de um voto no Tribunal de Justiça da Bahia teria sido alterado ou pelo menos invadido por alguém do tribunal fez soar um alarme na semana passada. O processo judicial eletrônico não tem a segurança que se imaginava. Para especialistas, o fato demonstra a falta de preparo dos tribunais para lidar com o processo eletrônico e a necessidade de se dedicar a segurança da informação. 

O caso aconteceu na sexta-feira (22/5), durante uma sessão plenária do TJ-BA. Segundo o portal Bahia Notícias, a desembargadora Rosita Falcão disse que uma servidora de outro gabinete mudou o seu voto em um processo. Ela pediu ao presidente do tribunal a abertura de sindicância para verificar a segurança do Sistema de Automação da Justiça (E-SAJ). A Corregedoria Geral de Justiça da Bahia informou que vai apurar a denúncia.

Rosita disse ao portal que procurou o chefe de tecnologia e informática do tribunal, mas este não soube explicar, segundo ela, como teria sido provocada a invasão do sistema. Os assessores da desembargadora disseram que já houve outros casos no TJ-BA de invasão do mesmo tipo relatada por ela.

Para o advogado Carlos Yury Araújo de Morais, o fato é exemplo da falta de preparo dos tribunais para lidar com a questão do processo eletrônico. Para ele, o processo eletrônico está longe de ser seguro para os membros do Judiciário, para os advogados e para os jurisdicionados. “É necessário repensar as balizas do processo eletrônico, desde a criptografia utilizada, sistemas de redundância, armazenamento e segurança dos dados”, disse.

Na opinião do advogado Omar Kaminski, políticas de segurança com base nas normas ISO 27001, padrão internacional de gestão de segurança da informação, precisam ser implementadas, adotadas e cumpridas efetivamente, não apenas para cumprir as metas do Conselho Nacional de Justiça. “Lida-se com informações sensíveis e em muitos casos confidenciais, e há necessidade de mais investimentos nessa seara, em equipamentos, software e em treinamento de pessoal. O assunto segurança da informação precisa ser visto com melhores olhos e com mais seriedade pelos tribunais.”, disse.

*Notícia alterada às 9h10 do dia 25/5 para acréscimos. 



Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2015, 11h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...