quinta-feira, 30 de abril de 2015

Concurso mistura Savigny com Geny: joga pedra na teoria do Direito!



Por Lenio Luiz Streck


Quem acompanha minhas colunas e meus livros sabe da minha preocupação com o uso indiscriminado de teorias e posturas no Direito. Sabe também de minha crítica à falta de rigor no trato da teoria do Direito, mormente naquilo que venho denominando de mixagens teóricas. Em Verdade e Consenso, nas primeiras 30 páginas explicito as diversas recepções teóricas equivocadas feitas pela dogmática jurídica de Pindorama. De forma assistemática, foram sendo importadas e produzindo, por aqui, estragos dos mais variados, como a transformação dos princípios em valores (importação indevida da jurisprudência dos valores — Wertungsjurisprudenz alemã), o ativismo norte-americano transplantado sem critérios e a vulgata feita da e a partir da teoria da argumentação jurídica alexiana, fazendo com que a ponderação fosse transformada em uma espécie de “pedra filosofal da interpretação”, atuando como uma espécie de Katchanga Real ou a concha do livro The Lord of Flies (O Senhor das Moscas).

Pois parece que o réu não se ajuda muito. E aqui o problema que quero abordar tem um valor simbólico, uma vez que o problema vem de dentro da Universidade (no caso, a Universidade Federal de Pelotas-RS). Com efeito, leio que concurso público para professor efetivo (Proc. 23110.010096/2014-86 Direito Público, Hermenêutica Jurídica e Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) 01 vaga — Doutorado em Direito), o programa exigia: 1.A hermenêutica jurídica — definição, razão de ser, finalidade e importância. 2.Os métodos da interpretação jurídica (gramatical, exegético, histórico-evolutivo, sistemático, teleológico, a livre pesquisa científica); A interpretação no positivismo de Herbert Hart; A interpretação no realismo jurídico; A interpretação na teoria de direito como integridade de Ronald Dworkin; Interpretação e teoria da argumentação; A interpretação e os princípios jurídicos; Direito constitucional econômico e Princípios explícitos e implícitos da ordem econômica; Garantias e privilégios do crédito tributário e administração tributária. Ilícitos e sanções tributárias; Princípios tributários e limites ao poder de tributar.

No conjunto, caberia registrar a falta de organicidade do edital, porque junta teoria do direito, direito constitucional econômico, tributário (indo, inclusive, no específico: garantias e privilégios do crédito tributário, além dos limites ao poder de tributar...). Mas não quero discutir essa estranha mistura de temas e os inúmeros gaps. Interessa-me perguntar: o que a banca examinadora quereria dizer com “os métodos da interpretação jurídica – gramatical, exegético, histórico-evolutivo, livre investigação científica...?” Uma perfeita mistura de Savigny com Geny? O que eles têm em comum além dos nomes terminarem em “y”? Trata-se de uma visão rasa acerca do que seja hermenêutica e interpretação do direito, mormente se o Edital exige o título de doutor, o que não é pouca coisa, convenhamos. Ou seja, já que é dinheiro público — tão escasso na República — que está em jogo, gostaria que o Edital fosse mais sofisticado e menos contraditório. Ora, sabemos — pelo menos a partir de teorias mais sofisticadas e contemporâneas e não do século XIX — que essa visão “classificatória” sobre métodos é ultrapassada. É um matusalém epistêmico. De há muito que se sabe que, sob a aparência de uma reflexão científica, criaram-se fórmulas interpretativas que permitiriam: a) veicular uma representação imaginária sobre o papel do Direito na sociedade; b) ocultar as relações entre as decisões jurisprudenciais e a problemática dominante; c) apresentar como verdades derivadas dos fatos, ou das normas, as diretrizes éticas que condicionam o pensamento jurídico; d) legitimar a neutralidade dos juristas e conferir-lhes um estatuto de cientistas. De há muito Warat desmi(s)tificou isso. Tais métodos e tantos outros que podem ser inventados são, na prática, quase sempre aplicados como argumentos retóricos para justificação da decisão.

Venho insistindo que não é necessário ir muito fundo na discussão dos métodos. Parece que a teoria do direito em terrae brasilis não consegue avançar, em determinados casos, para além do século XIX. O que Savigny (falo nele, porque é nele que a dogmática jurídica aposta quando trata desse tipo de “metodologia” — e parece que o Edital do concurso também; de que outros métodos estaria falando?) tem a ver com isso? Sobre os métodos de interpretação é importante registrar alguns pontos na perspectiva de retirar o debate do lugar comum e tentar lançar um pouco mais de luz nessa discussão. Por exemplo, o "x" da questão para a escola histórica não estava na interpretação do direito legislado, mas, sim, na afirmação de um direito que fosse concebido radicalmente como produto da história e que não buscasse aparar a sua autoridade em alguma realidade transcendente. Só aí já temos um problema. Por outro lado, esse direito que encontra sua autoridade na história — ou no "espírito do povo" — não pode ser encarado como simples produto de um legislador racional. Por exemplo — embora o Edital não especifique essa problemática — é equivocado pensar que a Escola Histórica era um positivismo do tipo exegético, assim como é errado pensar que Savigny era um legalista (entendendo por legalista o tipo de experiência que se tem no ambiente francês). Mas isso tem um custo: quando se fala em “seus métodos” (dele, Savigny), assume-se um ônus argumentativo, por assim dizer...

Por isso, muito cuidado quando se fala em método gramatical e, ao mesmo tempo, no exegético (o Edital faz isso). Mais ainda: muito cuidado, porque tudo isso se passou no contexto de um direito que tinha como objeto de estudo algo maior que um simples código estatuído por um parlamento. Era da história que se falava. Quanto ao método teleológico, mais cuidado ainda, porque aí já estamos tratando de algo que vai além, como no caso da formulação do segundo Ihering, aquele que abandona a sistematicidade da escola histórica para ir em direção à finalidade do Direito.

O que o Edital quereria dizer com os métodos gramatical e exegético? Estaria falando de semântica? De sintática? Ora, essa questão (da semântica, assim como a sintática) é bem discutida, mais tarde, no neopositivismo lógico, no plano da semiótica, quando a sintaxe e a semântica eram a condição para um enunciado ser científico (a pragmática ficava de fora). Pois bem. Sintaxe é análise dos signos com os signos. Isso é método gramatical. Semântica é para além disso. Aliás, para ser bem claro, Kelsen foi um positivista semântico (interessante que o Edital fala apenas no positivismo de Hart, esquecendo, totalmente, por exemplo, do jurista mais polêmico do século XX, Hans Kelsen — e, assim, o Edital põe tudo por terra). A propósito, para não esquecer, já que o Edital reproduz, quase totalmente, os “famosos métodos” propostos por Savigny: tais métodos são arrasados pelo pai do pós-positivismo, Friedrich Müller, que nem de longe aparece no certame.

Sem esquecer, é claro, que Savigny não foi um jurista com preocupações democráticas. Sua teoria está inserida num período em que a produção do direito era uma tarefa exclusiva de professores oriundos da aristocracia. O Estado alemão ainda não existia e, portanto, as preocupações metodológicas, dos juristas aristocratas — como era Savigny —, concentravam-se exclusivamente no campo do direito privado. Por isso, tudo o que nós acumulamos em termos de normatividade constitucional, fundamental para a construção do Estado Democrático de Direito, nunca se apresentou como um problema para eles. Nesse sentido, o Edital da UFPEL deixou de lado as discussões mais atuais a respeito do Direito Público, realizadas por juristas que já se encontram inseridos num contexto democrático — e existem muitos —, para retornar aos velhos métodos de quem nunca se interessou pela lei, como nós a conhecemos. E não esqueçamos que o século XIX se caracterizou por três formas diferentes de positivismo (na França, sim, tratava-se de lei; Alemanha, com a jurisprudência dos conceitos [conceitos e não leis] e a jurisprudência analítica na Inglaterra [direito feito por juízes]).

Portanto, lamentavelmente o Edital da UFPEL dá um passo atrás na teoria do direito (sem falar no inusitado afunilamento temático no restante dos itens, a partir de uma inusitada seleção de matérias, que vão de seca à meca). Direto ao ponto: o Edital não tem a mínima consistência (formal e substancial). Contemporaneamente se sabe que esse tipo de “metodologia” requerida no Edital é absolutamente irrelevante para o deslinde de uma aplicação do direito. Tais métodos, neste caso, podem ser considerados álibis retóricos para suprir a falta de integridade e coerência na fundamentação da decisão. Isso para dizer o menos.

Para não deixar passar: se o Edital (também) é para prática jurídica e assistência jurídica, por que não se exige processo civil, penal e direito de família? Ou as pessoas que procuram a assistência judiciária estão envolvidas com problemas tributários, crimes do colarinho branco? Pelo visto a Universidade deixou de lado temas centrais para a avaliação daqueles que pretendem atuar na disciplina de prática jurídica. Por exemplo: um professor-doutor sabe tudo de processo civil, o que é ótimo para o escritório de prática judiciária, mas não sabe nada de direito tributário... Bingo. Está fora do certame! Há, pois, uma organização confusa, com relação ao programa do Edital, pelo menos para quem examina isso de forma exógena. Qual a razão para esse tipo de escolha de temas? Querem percorrer um longo caminho — algo parecido com a extensão de Gênesis ao Apocalipse — numa única área? É importante destacar que quando se pede tudo não se pede nada.

Mas o que importa aqui nem é o “edital em si”. O que é importante é o simbólico, porque demonstra o nível do que estamos estudando nas Universidades. Por isso é que o império do solipsismo se formou nas práticas judiciárias, em que o “mais sofisticado” que os professores ensinam nas salas de aula da graduação (para não falar da pós) é dizer que “regras é no tudo ou nada”, “princípios é na ponderação”, Kelsen e seu positivismo exegético e coisas desse nível. Por isso ninguém se surpreende mais com a inversão do ônus da prova no crime, com a “invenção dos princípios feitos no atacado” (coloquialidade, simplicidade, rotatividade, afetividade, etc), com decisões que intervém em municípios e com embargos declaratórios rejeitados com expressões do tipo “nada há a esclarecer”, professores ensinando ECA cantando funk... Nada mais surpreende ninguém. Quem quer fazer doutrina mais aprofundada é visto de soslaio. Não escreva muito nas petições, é o conselho! Não complique! Ninguém lerá! Pois é. Fossemos médicos e não teríamos descoberto a penicilina.

Numa palavra: Já que o Edital misturou Savigny com Geny, salvemos a teoria do direito das pedras que nela são jogadas cotidianamente.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2015, 8h00

STJ tem a última palavra sobre cabimento de recurso, julga ministra




Os pressupostos de admissibilidade de recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça não é tema para recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Foi o que afirmou a vice-presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, ao indeferir a interposição de um recurso ao Supremo pelo Condomínio Shopping Center Ibirapuera, para contestar um acórdão da 1ª Turma do STJ, lavrado pelo ministro Benedito Gonçalves.

Segundo Laurita, os critérios para a admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais que não sejam o próprio Supremo constituem matéria infraconstitucional — portanto, sem possibilidade de atender ao requisito da repercussão geral e sem nenhuma chance de ser discutida em recurso extraordinário.

A decisão se deu em uma ação do condomínio contra a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). A turma entendeu que a Justiça paulista havia decidido a questão com base na interpretação de dois decretos estaduais e não de leis federais. Como o papel do STJ é uniformizar a interpretação das leis federais, o colegiado concluiu que não tinha competência para julgar o litígio.

No recurso extraordinário que pretendia interpor, o condomínio alega que o decreto não é norma autônoma, mas ato da administração que apenas regulamenta disposições legais. E que a decisão da 1ª Turma teria contrariado a Constituição, pois uma das competências do STJ é julgar conflitos entre lei federal e ato de governo local. Segundo o condomínio, caberia à corte, na função de uniformizar a aplicação das leis federais, analisar conflitos entre essas leis e os atos administrativos que as regulamentam.

Para a ministra Laurita Vaz, o acórdão do STJ firmou-se no não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade necessários para a análise do mérito do recurso especial do condomínio. A ministra lembrou que o STF já decidiu que “a questão alusiva ao cabimento de recursos da competência de outros tribunais se restringe ao âmbito infraconstitucional” — por isso, não havendo implicação constitucional, não pode haver repercussão geral.

De acordo com a ministra, é “inafastável” a conclusão de que os fundamentos do acórdão da 1ª Turma do STJ não são passíveis de revisão pelo STF “em face da ausência de repercussão geral sobre a matéria, independentemente dos argumentos aventados pela parte”.

Com base no artigo 543-A, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, que estabelece que o Supremo não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão discutida não tiver repercussão geral, a ministra indeferiu liminarmente o processamento do recurso. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2015, 18h15

Pleno reafirma jurisprudência sobre concessão de equiparação salarial em cadeia


O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu decisão que concedeu a um empregado da Brasilcenter Comunicações Ltda. equiparação salarial com colegas que, por sua vez, haviam obtido o mesmo direito por via judicial – a chamada equiparação salarial em cadeia. No julgamento do primeiro processo afetado ao Pleno nos termos da Lei 13.015/2014, o Tribunal reafirmou entendimento de que, nos casos de equiparação salarial em cadeia, não é necessário que o trabalhador que pede o direito tenha diferença de tempo de serviço inferior a dois anos em relação ao colega apontado na primeira reclamação trabalhista que deu origem à cadeia equiparatória.

Equiparação em cadeia

O artigo 461 da CLT estabelece três requisitos para a concessão de equiparação salarial: identidade de função, trabalho produzido com a mesma produtividade e perfeição técnica e diferença de tempo de serviço na mesma função inferior a dois anos em relação ao paradigma. O motivo da exigência é permitir que as empresas paguem salários maiores a profissionais com mais experiência.

No caso da equiparação em cadeia, porém, depois que a Justiça reconhece o primeiro caso, os pedidos subsequentes passam a ser feitos em relação ao chamado "paradigma imediato" – ou seja, o colega mais próximo que, por sua vez, apontou como paradigma outro colega cujo salário foi equiparado com base em decisão judicial anterior.

No TST, a matéria é tratada na Súmula 6, editada originalmente em 1969 e atualizada diversas vezes desde então. Na última alteração, em 2012, o verbete ganhou o item VI, para explicitar que, estando presentes os pressupostos da CLT, é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma imediato. As exceções são as situações de vantagem pessoal, de tese jurídica superada pela jurisprudência ou, no caso da equiparação em cadeia, se o empregador comprovar a existência de fatos impeditivos do direito em relação ao chamado "paradigma remoto" – o trabalhador apontado como paradigma na primeira decisão que deu origem à cadeia.

Desde então, o Tribunal vem, majoritariamente, entendendo que a exigência da diferença inferior a dois anos se aplica apenas em relação ao paradigma imediato, mas não ao remoto.

O caso

No caso julgado, uma representante de telemarketing da Brasilcenter que prestava serviços para a Claro S. A. pediu equiparação salarial com quatro colegas que exerciam a mesma função e obtiveram a equiparação com outros representantes em ações anteriores. Desde a primeira instância, as empresas contestaram o pedido afirmando que os requisitos do artigo 461 da CLT deveriam ser observados em relação a todos os integrantes da cadeia equiparatória, e não apenas aos quatro paradigmas imediatos apontados por ela.

O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora (MG) julgou o pedido procedente com base na Súmula 6. A condenação, mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), foi reformada pela Sétima Turma do TST em 2012 com fundamento na mesma súmula. Para a Turma, a equiparação seria incabível porque as empresas teriam comprovado, no caso, diferença de tempo na função superior a dois anos entre a representante e os paradigmas remotos, o que enquadraria o caso na exceção da parte final do item VI da Súmula 6.

Pleno

O caso foi afeto ao Pleno pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), mediante a aplicação do disposto no artigo 896 com a redação dada pela Lei 13.015/2014, que prevê a possibilidade de afetação de matéria relevante para o Tribunal Pleno para a fixação de tese sobre questão de direito controvertida. A discussão no Pleno, portanto, se deu em torno da necessidade ou não da diferença inferior a dois anos entre o trabalhador que pleiteia equiparação e o paradigma remoto.

O entendimento que prevaleceu, por 23 votos, foi o do relator, no sentido de que o requisito só se justifica em relação aos paradigmas imediatos indicados na reclamação trabalhista e com os quais o autor da reclamação conviveu. "Caso contrário, nenhuma outra equiparação salarial em cadeia será bem sucedida, já que isso leva, automaticamente, à imunização absoluta do empregador em relação a qualquer reclamação futura dos demais elos da cadeia equiparatória", assinala o ministro José Roberto Freire Pimenta.

O ministro observa que, caso prevalecesse a exigência do prazo inferior a dois anos em relação ao primeiro paradigma, o empregador estará em tese autorizado, "de forma eterna, automática e absoluta", a praticar, no futuro, outras lesões contra o princípio constitucional da isonomia salarial, pois poderá contratar um terceiro empregado (e outros em seguida, que comporão os elos seguintes da cadeia) sem levar em conta o novo valor do salário decorrente da primeira ação trabalhista.

Ficaram vencidos, quanto à fundamentação, os ministros João Oreste Dalazen, Ives Gandra Martins Filho e Fernando Eizo Ono.

Efeito vinculante

O ministro José Roberto Freire Pimenta destacou, no acórdão, que a decisão e seu fundamento jurídico devem produzir "os efeitos extraprocessuais e vinculantes naturais ao sistema de precedentes recém-introduzido no ordenamento jurídico nacional". Ele explicou que a afetação de um processo ao Pleno pela SDI-1 para a fixação de tese, como no caso, corresponde ao chamado incidente de assunção de competência previsto no artigo 947 do novo Código de Processo Civil, sancionado em março deste ano e que entrará em vigor em março de 2016.

Segundo esse dispositivo, o incidente ocorre quando o julgamento "envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos", e a decisão proferida "vinculará todos os juízes e órgãos fracionários". "A finalidade desse incidente de assunção de competência é, como se sabe, consagrar um precedente cujo fundamento jurídico deverá ser observado por todos os demais juízes e órgãos fracionários da Justiça do Trabalho em casos idênticos", explica o ministro José Roberto Freire Pimenta.

Súmula 6

A conclusão majoritária do Pleno foi a de que este entendimento já está, hoje, virtualmente contido e consagrado no item VI da Súmula 6. Mas, diante da controvérsia, decidiu-se pela conveniência de se encaminhar à Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos do TST proposta para elaboração de novo texto que torne expresso tal entendimento.

(Carmem Feijó)

Processo: E-ED-RR-160100-88.2009.5.03.0038

Fonte: TST 

Não é obrigatório recolhimento de custas nos embargos à ação monitória



Por terem natureza jurídica de defesa, não é obrigatório o recolhimento de custas iniciais nos embargos moratórios. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu recurso de uma empresa de planos odontológicos.

A empresa recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que rejeitou os embargos moratórios devido ao não pagamento das custas iniciais.

Para a recorrente, a decisão violou o artigo 1.102-C, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, já que os embargos à moratória não têm natureza de ação e, por isso, seria dispensável o recolhimento das custas processuais.

Precedentes

Ao determinar o processamento dos embargos, o relator, ministro João Otávio de Noronha, destacou que o STJ tem entendimento firmado sobre o assunto no sentido de que a natureza dos embargos à moratória é de defesa ou contestação. Assim, não é necessário o pagamento das custas iniciais.

Os precedentes que deram origem à Súmula 292 também corroboram esse entendimento, pois adotam a mesma tese. Em um desses precedentes (REsp 222.937), a Segunda Seção concluiu que os embargos na ação monitória não têm natureza jurídica de ação, mas se identificam com a contestação. Leia o voto do relator.
Fonte: STJ 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Unilever indenizará menor que ficou surda ao tratar intoxicação alimentar



A Unilever Brasil terá de indenizar uma adolescente e os pais dela por ter fornecido papinha contaminada que a garota consumiu em 1999, quando tinha um ano e quatro meses de idade. Na época, a menina ficou surda ao ser medicada contra uma infecção intestinal grave e progressiva ocasionada pelo produto. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que condenou a empresa em R$ 400 mil.

Segundo a decisão, a filha do casal foi alimentada com creme de arroz fabricado pela Unilever e contaminado com insetos vivos, larvas e fragmentos de insetos mortos. A perícia constatou mais tarde que a contaminação atingira várias unidades do produto.

Ao ser detectada infecção intestinal, cuja causa ainda era desconhecida, o pediatra restringiu diversos alimentos e concentrou a nutrição da menor no creme de arroz, de modo que houve ingestão continuada do produto e consequente piora do quadro clínico. Ela enfrentou desnutrição e desidratação e chegou à iminência de morte.

O processo contra a Unilever tramitava na Justiça quando foi relatado fato novo. Como a medicação utilizada não controlava a doença, foi necessário o uso de antibiótico agressivo que estagnou a infecção, mas sujeitou a menina à perda da audição — reação adversa mais grave indicada na bula do medicamento.

Em primeira instância, a Unilever e o mercado no qual o creme de arroz havia sido adquirido foram condenados, solidariamente, a indenizar em R$ 1,5 milhão por danos morais: R$ 300 mil pela intoxicação alimentar, R$ 600 mil pela perda auditiva e R$ 300 mil a cada um dos pais.

Devido à redução da capacidade laboral e a eventuais dificuldades de inserção futura no mercado de trabalho, a juíza determinou — em decisão que foi considerada ultra petita — o pagamento de pensão à garota, no período de 18 a 60 anos de idade, no valor de R$ 1.100,00 mensais. Determinou ainda o reembolso das despesas com o tratamento já feito e os futuros.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina alterou a condenação para retirar a responsabilidade solidária do mercado e para tornar vitalícia a pensão mensal. A Unilever recorreu ao STJ.

Quanto à pensão, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso, afirmou que a redução da capacidade de trabalho e as dificuldades de inserção no mercado foram utilizadas na petição inicial da ação como argumento para requerer apenas danos morais. Assim, os julgadores não deveriam ter considerado a pensão implícita no pedido de ressarcimento de danos materiais.

Os valores da indenização por danos morais foram revistos, uma vez que, segundo Noronha, estavam “fora dos parâmetros usualmente adotados pelo STJ”. O colegiado fixou a reparação em R$ 400 mil, sendo R$ 200 mil pela infecção intestinal, R$ 100 mil pela surdez e R$ 50 mil para cada um dos pais, além de correção monetária e juros moratórios. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Leia aqui a decisão.

Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2015, 13h02

Supremacia da garantia do contraditório no Novo Código de Processo Civil





O novo Código de Processo Civil, finalmente sancionado em 16 de março de 2015 — Lei 13.105 —, não descurou a moderna linha principiológica que advém do texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que, a todo o momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque, os fundamentos de um diploma processual devem se nortear, em primeiro lugar, nas diretrizes traçadas pela Constituição Federal.

Embora passível de críticas pontuais, o novoCodex encerra um modelo processual acentuadamente garantístico, governado pelos dogmas do due process of law.

No que se refere ao princípio do contraditório, é de assinalar-se que o objetivo precípuo da Comissão de Juristas que elaborou o respectivo Anteprojeto do CPC veio revelado na própria exposição de motivos, ao ser enfatizado, com todas as letras, que: “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou às ‘avessas’. Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório [...]” (destaque meu).

Verifica-se, pois, que, em perfeita simetria com o princípio da publicidade e com o denominado princípio da cooperação entre os protagonistas do processo, a garantia do contraditório é expressamente contemplada no artigo 9º (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), e, ainda, de algum modo, referenciada nos seguintes artigos do CPC/2015: 10, 18, par. ún., 98, § 1º, VIII, 115, 135, 329, II, 371, capute § 2º, 372, 437, § 1º, 493, 503, § 1º, II, 511, 592, 853, 962, § 2º, 983, 1.023, § 2º, 1.036, § 2º. E isso bem demonstra a preocupação do legislador em resguardar, de forma pormenorizada, o contraditório, que é considerado cânone fundamental do processo. 

Não podendo ser diferente, os nossos tribunais também exaltam a garantia do contraditório: v., p. ex.: “[...] A intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC. A dispensa do referido ato processual ocorre tão somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia a agravada, razão pela qual se conclui que a intimação para apresentar contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo aos recorrentes [...]” (STJ, 2ª Turma, AgRg. no REsp. 1.506.408-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, v. u., j. 19/03/2015, DJe 06/04/2015); “[...] A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que, havendo elementos para a identificação dos interessados e sendo certo o domicílio, a intimação para participação no procedimento demarcatório de terreno de marinha deverá ser realizada de forma pessoal. A desobediência ao correto procedimento administrativo de demarcação ocasiona a sua nulidade por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa [...]” (STJ, 2ª Turma, AgRg. no Agravo em REsp. 598.403-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, v. u., j. 16/12/2014, DJe 03/02/2015) ; “[...] Conquanto inexista previsão legal expressa quanto à necessidade da intimação do embargado para impugnar embargos declaratórios, a jurisprudência dos Tribunais Superiores pacificou-se no sentido de sua exigência, nos casos de resultado modificativo, sob pena de violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. Precedentes: REsp. 686752-PA, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 27/06/2005; EEDAGA. 314.971-ES, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v. u., DJ 31/05/2004; REsp. 316.202-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, v. u., DJ 15/12/2003. É cediço na doutrina que: O princípio do contraditório é reflexo da legalidade democrática do processo e cumpre os postulados de todo e qualquer procedimento que o abandone. A técnica de reconstituição dos fatos através da fala de ambas as partes decorre da necessidade de o juiz prover, o quanto possível, aproximado da realidade. Trata-se de instituto inspirado no dever de colaboração entre as partes para com o juízo e na isonomia processual [...]” (STJ, 1ª Turma, REsp. 1.080.808-MG, Rel. Min. Luiz Fux, v. u., j. 12/05/2009, DJe 03/06/2009).

Apenas porá exemplificar, dentre as novidades de destaque do novo CPC, merece elogio a exigência de contraditório no âmbito do denominadoincidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 133). Dispõe, com efeito, o artigo 135, que: “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”. Este era mesmo um tema que reclamava tratamento legislativo. A existência de duas categorias bem nítidas de “terceiros” impõe diferente solução na aferição da respectiva responsabilidade patrimonial. A situação na qual o sócio continua na administração da pessoa jurídica executada não é análoga àquela em que o sócio há muito tempo retirou-se do quadro social. A surpresa da desconsideração da personalidade jurídica para este último, supostamente responsável, recomenda a amplitude da defesa, centrada na sua participação efetiva no mencionado incidente processual.

A despeito da clareza do enunciado do caput artigo 9º, supra transcrito, cabe aqui uma rápida observação. Excepciona-se, nos incisos I a III, deste artigo 9º, o prévio contraditório naquelas situações de urgência ou que possam ocasionar a frustração do direito do requerente. O disposto no inciso I é bem abrangente, incluindo inúmeras situações nominadas no próprio diploma processual, como o arresto (artigo 301) e a busca e apreensão (artigo 536, parágrafo 1º).

Seja como for, em todas estas hipóteses, o contraditório se descortina “postcipato”, como, e. g., a técnica do procedimento monitório (CPC/2015, artigo 701), em que o pronunciamento jurisdicional perseguido é proferidoinaudita altera parte, diferindo-se para um momento ulterior a possibilidade de manifestação do outro litigante.

Frise-se que tal particularidade, admitida também em caráter excepcional em outras legislações modernas, não fere o devido processo legal.


José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.



Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2015, 8h00

Havendo duplo registro da marca, domínio na internet é de quem chegou primeiro



Quando duas empresas têm direito à utilização de um termo, com os devidos registros no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o seu uso no domínio de página da internet é garantido àquela que primeiro satisfez as exigências de registro do domínio virtual. Trata-se da aplicação do princípio first come, first served, conforme explicou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Bellizze, relator de um recurso sobre o assunto julgado na Terceira Turma.

No caso, uma empresa de São Paulo ajuizou ação para impedir que outra empresa, de Santa Catarina, continuasse a utilizar uma expressão. Apesar de ser detentora da marca no INPI, a empresa paulista tomou conhecimento de que a outra empresa, no mesmo ramo comercial, utilizava a expressão para nominar sua página na internet.

A empresa catarinense afirmou no processo que utiliza a expressão desde sua constituição, em 1996, com registro na junta comercial. Disse ter depositado pedido de registro de marca no INPI, porém não na mesma classe da empresa paulista. A empresa paulista, apesar de mais recente (constituída em 2001), foi a primeira a depositar o requerimento para utilização da marca. A empresa catarinense sustenta que deve ser mantido seu domínio na internet porque também é detentora de marca depositada, embora em data posterior.

Em primeiro e segundo graus, a ação da firma paulista foi julgada improcedente. No recurso ao STJ, ela afirmou que, “diante do contexto global e da utilização do mercado eletrônico por meio da internet, a teoria da distância não poderia mais ser aplicada”. Disse ter ajuizado a ação principalmente por não poder usar sua marca como domínio na rede mundial de computadores.

No julgamento do recurso, o ministro Bellizze ressaltou a importância crescente da proteção aos elementos imateriais da empresa – o nome empresarial, o nome de fantasia, a marca e mesmo a embalagem (trade dress), que segundo ele constituem importantes elementos de atração do consumidor e de identificação dos produtos e de seus fabricantes.

Regramento diverso

De acordo com Bellizze, o atual sistema de proteção desse patrimônio imaterial ainda não tem regramento unificado, e cada instituto, quando regulado, recebe tratamento diverso, seja quanto à forma de obtenção ou quanto ao alcance da proteção.

No caso do nome empresarial (que identifica a pessoa jurídica), o registro tem proteção em âmbito territorial – e compete às juntas comerciais –, mas pode ser ampliado para âmbito nacional (artigo 1.166, parágrafo único, do Código Civil de 2002), desde que arquivado pedido em cada uma das juntas comerciais do país.

Já a marca é um sinal distintivo, e seu registro perante o INPI dá ao titular o direito de usá-la com exclusividade. O título do estabelecimento empresarial, por sua vez, designa o local do empreendimento. No entanto, o ministro Bellizze observou que a Lei de Propriedade Industrial (LPI) e a Lei de Registros Empresariais não abrangem essa proteção. No caso julgado, a expressão discutida é o título do estabelecimento catarinense.

O ministro esclareceu que, diante do vácuo legislativo, protege-se a utilização do título do estabelecimento a partir da regra geral do artigo 186 do CC/02 e da aplicação dos preceitos penais repressivos da concorrência desleal da LPI, em especial a conduta parasitária.

Anterioridade

Marco Aurélio Bellizze constatou que ambas as partes têm direito legítimo à utilização do termo. O relator destacou que, como não há indícios de má-fé no uso do nome de domínio e como não se trata de marca notória, deve prevalecer o princípio first come, first served, segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências de registro.O relator advertiu, contudo, que a análise de eventual conflito não pode ser feita exclusivamente com base no critério da anterioridade, mas deve levar em consideração o princípio da territorialidade (ligada ao âmbito geográfico) e da especificidade (ligada ao tipo de produto ou serviço).
Fonte: STJ

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