O novo Código de Processo Civil, finalmente sancionado em 16 de março de 2015 — Lei 13.105 —, não descurou a moderna linha principiológica que advém do texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que, a todo o momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque, os fundamentos de um diploma processual devem se nortear, em primeiro lugar, nas diretrizes traçadas pela Constituição Federal.
Embora passível de críticas pontuais, o novoCodex encerra um modelo processual acentuadamente garantístico, governado pelos dogmas do due process of law.
No que se refere ao princípio do contraditório, é de assinalar-se que o objetivo precípuo da Comissão de Juristas que elaborou o respectivo Anteprojeto do CPC veio revelado na própria exposição de motivos, ao ser enfatizado, com todas as letras, que: “A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou às ‘avessas’. Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório [...]” (destaque meu).
Verifica-se, pois, que, em perfeita simetria com o princípio da publicidade e com o denominado princípio da cooperação entre os protagonistas do processo, a garantia do contraditório é expressamente contemplada no artigo 9º (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), e, ainda, de algum modo, referenciada nos seguintes artigos do CPC/2015: 10, 18, par. ún., 98, § 1º, VIII, 115, 135, 329, II, 371, capute § 2º, 372, 437, § 1º, 493, 503, § 1º, II, 511, 592, 853, 962, § 2º, 983, 1.023, § 2º, 1.036, § 2º. E isso bem demonstra a preocupação do legislador em resguardar, de forma pormenorizada, o contraditório, que é considerado cânone fundamental do processo.
Não podendo ser diferente, os nossos tribunais também exaltam a garantia do contraditório: v., p. ex.: “[...] A intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC. A dispensa do referido ato processual ocorre tão somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia a agravada, razão pela qual se conclui que a intimação para apresentar contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo aos recorrentes [...]” (STJ, 2ª Turma, AgRg. no REsp. 1.506.408-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, v. u., j. 19/03/2015, DJe 06/04/2015); “[...] A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que, havendo elementos para a identificação dos interessados e sendo certo o domicílio, a intimação para participação no procedimento demarcatório de terreno de marinha deverá ser realizada de forma pessoal. A desobediência ao correto procedimento administrativo de demarcação ocasiona a sua nulidade por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa [...]” (STJ, 2ª Turma, AgRg. no Agravo em REsp. 598.403-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, v. u., j. 16/12/2014, DJe 03/02/2015) ; “[...] Conquanto inexista previsão legal expressa quanto à necessidade da intimação do embargado para impugnar embargos declaratórios, a jurisprudência dos Tribunais Superiores pacificou-se no sentido de sua exigência, nos casos de resultado modificativo, sob pena de violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. Precedentes: REsp. 686752-PA, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 27/06/2005; EEDAGA. 314.971-ES, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, v. u., DJ 31/05/2004; REsp. 316.202-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, v. u., DJ 15/12/2003. É cediço na doutrina que: O princípio do contraditório é reflexo da legalidade democrática do processo e cumpre os postulados de todo e qualquer procedimento que o abandone. A técnica de reconstituição dos fatos através da fala de ambas as partes decorre da necessidade de o juiz prover, o quanto possível, aproximado da realidade. Trata-se de instituto inspirado no dever de colaboração entre as partes para com o juízo e na isonomia processual [...]” (STJ, 1ª Turma, REsp. 1.080.808-MG, Rel. Min. Luiz Fux, v. u., j. 12/05/2009, DJe 03/06/2009).
Apenas porá exemplificar, dentre as novidades de destaque do novo CPC, merece elogio a exigência de contraditório no âmbito do denominadoincidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 133). Dispõe, com efeito, o artigo 135, que: “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”. Este era mesmo um tema que reclamava tratamento legislativo. A existência de duas categorias bem nítidas de “terceiros” impõe diferente solução na aferição da respectiva responsabilidade patrimonial. A situação na qual o sócio continua na administração da pessoa jurídica executada não é análoga àquela em que o sócio há muito tempo retirou-se do quadro social. A surpresa da desconsideração da personalidade jurídica para este último, supostamente responsável, recomenda a amplitude da defesa, centrada na sua participação efetiva no mencionado incidente processual.
A despeito da clareza do enunciado do caput artigo 9º, supra transcrito, cabe aqui uma rápida observação. Excepciona-se, nos incisos I a III, deste artigo 9º, o prévio contraditório naquelas situações de urgência ou que possam ocasionar a frustração do direito do requerente. O disposto no inciso I é bem abrangente, incluindo inúmeras situações nominadas no próprio diploma processual, como o arresto (artigo 301) e a busca e apreensão (artigo 536, parágrafo 1º).
Seja como for, em todas estas hipóteses, o contraditório se descortina “postcipato”, como, e. g., a técnica do procedimento monitório (CPC/2015, artigo 701), em que o pronunciamento jurisdicional perseguido é proferidoinaudita altera parte, diferindo-se para um momento ulterior a possibilidade de manifestação do outro litigante.
Frise-se que tal particularidade, admitida também em caráter excepcional em outras legislações modernas, não fere o devido processo legal.
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2015, 8h00
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