quarta-feira, 25 de junho de 2014

Edição de enunciados pelo CNJ divide opiniões de advogados e magistrados


Edição de enunciados pelo CNJ divide opiniões de advogados e magistrados



A criação de enunciados pelo Conselho Nacional de Justiça para orientar juízes em julgamentos da área de saúde levantou novamente questionamentos a respeito dos limites do CNJ. Advogados e juízes se dividem: enquanto para alguns, o Conselho extrapolou suas funções, criando enunciados de matéria jurisdicional, outros acham que os enunciados podem auxiliar a tomada de decisão.

Para o advogado Alexandre de Moraes, o CNJ invadiu além da competência do Judiciário, a competência do Congresso Nacional, o que foi vedado pela Constituição. Como exemplos, ele cita os enunciados 16, 18 e 20. "No Enunciado 16 pretende indicar a prova necessária para comprovar o fato; no Enunciado 18, o CNJ legislou sobre o poder geral de cautela do Juiz; no Enunciado 20, pretende estabelecer com força normativa o que deve ou não ser responsabilidade do plano de saúde”, diz.

Para João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros a iniciativa do CNJ é louvável, porém deve servir apenas como informação ao juiz e não como orientação. "Se ele tem essa concepção de informação não se pode dizer que está invadindo nenhuma seara. Porém, se pretende ser uma orientação e o CNJ pretende que o juiz siga essa orientação, aí há uma invasão", explica.

João Ricardo lembra ainda que os enunciados geralmente são iniciativas decorrentes da reiteração de decisões judiciais. Por isso devem sair de dentro dos tribunais, e não de órgãos distintos, como o CNJ.

Quando os enunciados foram aprovados, no último mês de maio, a conselheira Deborah Ciocci, supervisora do Fórum da Saúde do CNJ, explicou que a ideia dos enunciados era que eles servissem de apoio aos magistrados na tomada de decisões em processos que envolvam esses temas. “Nosso objetivo é auxiliar a comunidade jurídica na interpretação de questões não pacificadas no âmbito doutrinário e jurisprudencial”, explicou a conselheira na ocasião.

Na visão do conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil Pedro Paulo Medeiros, o CNJ deve se limitar a sugerir melhorias para o Judiciário. "O CNJ tem função de uniformizar procedimentos não jurisdicionais, sugerir, melhorar a atuação do Judiciário brasileiro — e de fato tem feito isso de forma muito eficiente — mas não deve regular aquilo que não lhe é dado direito fazer: legislar em matéria jurisdicional".

Para ele, o Conselho passou do limite de atuação administrativa nos enunciados 9, 14, 16, 19. No entendimento de Medeiros, falta ao CNJ encontrar o ponto de equilíbrio entre sua necessária atuação e o distanciamento da área jurisdicional.

Antonio Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), lembra que o objetivo dos enunciados de saúde, assim como já ocorreram em outros temas, é orientar e tentar encontrar soluções harmonizadoras procedimentais para as demandas que sobrecarregam o judiciário. Mas que no caso o CNJ extrapolou em algumas questões.

"Em regra, as orientações e interpretações são procedimentais e administrativas, mas em alguns casos os enunciados ultrapassam e atingem questões jurisdicionais. Como os enunciados não tem caráter vinculante, não há obrigatoriedade do juiz acatar no caso de entender que a questão é jurisdicional e não administrativa", diz.

Auxílio a juízes
O advogado Otávio Forte, do Forte Advogados, explica que o CNJ, por determinação constitucional, tem como competências o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, sem exercício de função jurisdicional. "Entretanto, nada o impede de promover eventos científicos de natureza jurídica e extrair destes eventos, como a Jornada de Direito da Saúde, enunciados a título de conclusões. Isso porque, tais enunciados não têm força de vincular a atuação jurisdicional", complementa.

O advogado Rogério Rocha, do escritório Péricles, Rocha, Mundim e Advogados Associados, considera que os enunciados irão auxiliar o juiz a decidir, conforme seu livre convencimento. Entretanto, em sua visão, há enunciados criados que irão burocratizar os processo judiciais.

"Os enunciados 12, 15 e 19 trazem a obrigação do médico de, por exemplo, oferecer relatório que indique e descreva de normas sanitárias até situação de registro na Anvisa. Tais enunciados claramente oferecerão dificuldade na relação médico paciente e, mais a frente, ao cidadão que precisará da justiça para ter seu direito constitucional à saúde garantido", exemplifica.

Para Rocha, a edição de enunciados para orientar a resolução direcionada de determinadas questões, nem sempre é o melhor caminho. "Cabe ao CNJ e aos demais partícipes do sistema de justiça pensar em meios que facilitem o acesso do cidadão ao judiciário para que a garantia constitucional de ter acesso à justiça ou mesmo a saúde, seja efetivamente entregue ao cidadão", diz.

Rogério Scarabel, do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, também considera que o CNJ não extrapolou suas funções, uma vez que os enunciados não terem caráter vinculativo. Além disso, acredita que o Conselho agiu bem em algumas orientações.

"Se observarmos os enunciados 21, 23, 27, 28 e 36, todos trazem em seu corpo a indicação para que seja observado, quando dos pedidos judiciais, o Rol de Procedimentos e eventos à Saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Tal como apresentado nos enunciados mencionados faz parecer que os procedimentos não incluídos no rol da ANS não são de cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde, o que, no nosso entendimento, é um equivoco", afirma.

Ana Paula Oriola de Raeffray, do Raeffray Brugioni Advogados elogiou os enunciados criados. Para a advogada, as conclusões da Jornada de Direito de Saúde demonstram que o Poder Judiciário está começando a entender que a saúde suplementar não é substituto do Sistema Único de Saúde (SUS), pois a assistência à saúde para todos é dever do Estado e não das operadoras de saúde, as quais cumpre observar e cumprir o contrato de saúde suplementar.

"Na área da saúde suplementar foram aprovados enunciados importantes, por meio dos quais se pode perceber que está havendo alteração paulatina na visão do Poder Judiciário acerca do fato de que o contrato privado de saúde deve ser respeitado", afirma.

Clique aqui para ler os enunciados


Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2014, 10:03h

Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva


Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva

Por José Rogério Cruz e Tucci


Retorno ao tema atinente aos malefícios experimentados pelos jurisdicionados que são vítimas da famigerada jurisprudência defensiva. É certo que determinados óbices à admissão dos recursos aos tribunais superiores são fruto de construção engenhosa, que guardam certa coerência hermenêutica com as regras processuais em vigor.

Todavia, há, em significativo número, outras barreiras que mais se identificam à “perversidade pretoriana”, as quais não têm qualquer razão plausível para subsistirem no âmbito de um ordenamento jurídico civilizado, comprometido com a efetividade da tutela jurisdicional.

Dentre estas, descortina-se inconsistente a que aplica, por analogia, a Súmula 284/STF, para não conhecer recurso extraordinário ou especial, na hipótese de o recorrente deixar de apontar, de forma explícita, o permissivo constitucional em que lastreada a impugnação (v., p. ex. a recente decisão no Ag. em REsp. n. 390.160-SP: “... Correta a decisão agravada, porquanto, verifica-se que, quando da interposição do recurso especial, não foi indicado o permissivo constitucional que embasa o recurso, de modo a esbarrar, por analogia, no óbice constante da Súmula 284/STF”).

Ressalte-se que esta orientação, como ocorre na generalidade das vezes nas quais vem aplicada a denominada jurisprudência defensiva, evidencia que o direito material do recorrente não tem a menor relevância para o tribunal.

Entendo, com o devido respeito, que tal posicionamento representa inarredável denegação de jurisdição. Realmente, no que toca ao STJ — o autodenominado “Tribunal da Cidadania” —, a despeito de alguma flexibilização observada nos últimos tempos, continua ele se valendo de questiúnculas e estratagemas, no afã de afastar o julgamento do mérito do recurso, em detrimento de sua missão constitucional em prol da unidade da aplicação do direito federal.

E, ainda pior, é que na situação acima aludida, além de afastar-se da própria jurisprudência dominante no tribunal, delineia-se equivocada a incidência da Súmula 284/STF.

Com efeito, entre muitos outros (v. g.: EDecl no REsp n. 974.304-PR e AgRg no REsp n. 845.134-SP), importante julgamento da Corte Especial, nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 72.075-RS, decidiu, de forma clara e precisa: “... Ainda que o recorrente não tenha mencionado expressamente que a pretensão recursal estava fundada na alínea ‘a’, restou inequivocamente demonstrado que a irresignação ventilada visava a atacar contrariedade a dispositivo de lei federal porventura existente no acórdão recorrido...”.

Ora, diante de tal contexto, no qual sobressai inarredável divergência intra muros, a duplicidade de entendimento quanto a esta questão infunde manifesta insegurança jurídica. Na verdade, a harmonia dos precedentes judiciais, além de constituir precioso elemento de confiança no Poder Judiciário, tem enorme repercussão na sociedade, porque uma conduta uniforme de julgar confere estabilidade aos conceitos e às relações jurídicas. Não há conspiração maior contra a previsibilidade e a segurança do direito do que as repentinas e inusitadas alterações da jurisprudência!

A respeito deste crucial problema, o saudoso ministro Humberto Gomes de Barros asseverou, em conhecido pronunciamento, que: “O STJ foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós — os integrantes da Corte — não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la” (Corte Especial, Agr. Reg. nos Emb. Div. no REsp. 228.432-RS).

Ademais, não há se confundir, por óbvio, fundamento legal com fundamentação jurídica dos arrazoados forenses, inclusive, por certo, das razões recursais. Vale aqui transcrever o enunciado da Súmula 284/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

Desse modo, dúvida não há de que a ausência de indicação da alínea em que lastreado o recurso (fundamento legal) não se confunde com a falta de alusão ao dispositivo reputado contrariado.

Na primeira circunstância, mesmo perante o STJ, sem embargo da eventual clareza das razões recursais, incide o princípio iura novit curia, o qual não se aplica na ausência de indicação da norma federal tida como contrariada.

Nesta segunda hipótese, o STJ tem jurisprudência consolidada, como se infere, por exemplo, do julgamento proferido no Recurso Especial 475.043-MG, de relatoria do ministro Hamilton Carvalhido, no qual o respectivo acórdão invoca corretamente a Súmula 284/STF, textual: “Não se conhece de recurso especial pela alínea ‘a’ do permissivo constitucional quando o recorrente restringe-se em afirmar que o acórdão teria violado lei federal, sem indicar, especificamente, qual o artigo da lei federal tido como violado”.

Tal situação, no entanto, como fácil de perceber, não se identifica com a hipótese supra mencionada, na qual o referido enunciado sumulado não pode ser aplicado.

Suponha-se que, deixando de explicitar o permissivo legal, o recorrente de forma enfática deduz, nas razões recursais, a violação a determinado artigo de lei federal infraconstitucional. É evidente que, neste caso, não há interpretação analógica que autorize a incidência da Súmula 284.

Importa lembrar que no prenúncio de um novel diploma processual, no qual, durante toda a sua respectiva tramitação legislativa, procurou-se exterminar, de uma vez por todas, o formalismo exagerado e as decisões surpresa, visando, em última análise, a valorizar o acesso à ordem jurídica justa.

Como bem frisado por Márcio Carvalho Faria (O novo CPC vs. A jurisprudência defensiva, Revista de Processo, v. 210, p. 264), “de nada adianta um intrincado sistema de garantias processuais e uma variada gama de instrumentos processuais se o direito material, principal escopo da ciência processual, não puder ser alcançado”.

Não é, por certo, pela dizimação heterodoxa — e até desesperada — do número de recursos que será atendido o princípio fundamental da duração razoável do processo!






José Rogério Cruz e Tucci é advogado. Ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo. Diretor e Professor Titular da Faculdade de Direito da USP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2014, 08:00h

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Gustav Rdbruch e seu pensamento em "Cinco Minutos de Filosofia do Direito"


Gustav Radbruch e seu pensamento em “Cinco Minutos de Filosofia do Direito”


Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy


Em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o jurista alemão Gustav Radbruch (1878-1949) distribuiu uma circular para seus alunos de Direito na Universidade de Heildelberg[1]. O texto é emblemático, vale como alerta, deve ser recebido com o respeito devido a quem foi afastado da cátedra, ainda em 1933, por opor-se ao nazismo, ainda que, bem entendido, em seus escritos da década de 1920 possa se evidenciar uma adesão quase que ilimitada ao positivismo.

Cinco Minutos de Filosofia do Direito é fragmento que supõe retomada do jusnaturalismo, insumo conceitual que orientará algumas linhas jusfilosóficas da segunda metade do século XX, e que se desdobraram de alguma forma no neoconstitucionalismo, paradoxalmente também batizado de neopositivismo. Com o fim da guerra, Radbruch dirigiu a Faculdade de Direito em Heildelberg. Morreu sem a possibilidade de acompanhar o trabalho do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha.

O humanismo de Radbruch é também marcado por sua passagem pela Cruz Vermelha, onde atuou como voluntário. Sua ação política foi marcada por militância entre grupos socialistas, bem como por sua atuação como deputado e como ministro de Justiça durante a República de Weimar.

Para Radbruch, “ordens são ordens, é a lei do soldado[2]”. A afirmação, tomada isoladamente, justificaria a posição dos alemães julgados em Nuremberg, e de todos os que foram posteriormente processados, inclusive entre os próprios alemães e no que se refere às próprias consciências[3]. Além do que, continua, “a lei é a lei, diz o jurista”[4]. Explicando o tempo que a Alemanha acabava de viver, isto é, os anos do nacional-socialismo, afirmou que “ao passo que para o soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem[5]”. Concluiu esse primeiro minuto culpando o positivismo pelo pesadelo nazista, do ponto de vista jurídico:


“Esta concepção de lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”[6] .

No segundo minuto Radbruch criticou outro dogma da filosofia nacional-socialista do direito, para a qual o direito deveria se identificar com uma imaginária utilidade popular. E assim:


“Pretendeu-se completar, ou antes, substituir este princípio por est’outro: direito é tudo aquilo que for útil ao povo. Isto quer dizer: arbítrio, violação de tratados, ilegalidade serão direito desde que sejam vantajosos para o povo. Ou melhor, praticamente: aquilo que os detentores do poder do Estado julgarem conveniente para o bem comum, o capricho do déspota, a pena decretada sem lei ou sentença anterior, o assassínio ilegal de doentes, serão direito. E pode até significar ainda: o bem particular dos governantes passará por bem comum de todos. Desta maneira, a identificação do direito com um suposto ou invocado bem da comunidade, transforma um “Estado-de-Direito” num “Estado-contra-o-Direito”. Não, não deve dizer-se: tudo o que for útil ao povo é direito; mas, ao invés: só o que for direito será útil e proveitoso para o povo”[7].

A obsessão dos teóricos do nacional-socialismo com a tese de que o Führer revelava em suas ações a vontade do povo, o que inclusive fixava um princípio interpretativo do direito (Führerprinzip), marcou um populismo chauvinista que subverteu a ordem jurídica e os comprometimentos dessa com os ideais de justiça e de respeito à pessoa humana. Radbruch aproximou direito e justiça na reflexão que tomava o terceiro minuto, passo no qual repudia todas as leis que carreguem alguma injustiça:


“Direito quer dizer o mesmo que vontade e desejo de justiça. Justiça, porém, significa: julgar sem consideração de pessoas; medir a todos pelo mesmo metro. Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao mesmo tempo que ato idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contra correligionários, isso é a negação do direito e da Justiça. Quanto as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando arbitrariamente concedem ou negam a certos homens os direitos naturais da pessoa humana, então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes deverá obediência, e os juristas deverão ser os primeiros a recusar-lhes o caráter de jurídicas”[8].

No quarto minuto Gustav Radbruch explicita que o bem comum também é finalidade do direito, ainda que, por força de circunstâncias que fogem ao controle daqueles que tem comprometimento com a justiça, não se consiga retirar a juridicidade de normas injustas:


“Certamente, ao lado da justiça o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança de direito; ou se, por virtude da sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados”[9].

No quinto minuto, último dessa rápida reflexão, Gustav Radbruch invoca um direito supralegal, protestando por princípios fundamentais que orientam o direito e que transcenderiam o direito positivo, retomando um jusnaturalismo que também nominou de jusracionalismo:


“Há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direto natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em graves dúvidas. Contudo o esforço de séculos conseguiu extrair deles um núcleo seguro e fixo, que reuniu nas chamadas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático cepticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas. Na linguagem da fé religiosa estes mesmos pensamentos acham - se expressos em duas passagens do Novo Testamento. Está escrito numa delas (S. Paulo, Aos romanos, 3,1): “deveis obediência à autoridade que exerce sobre vós o poder”. Mas, numa outra (Atos dos Apost., 5, 29) está escrito também: “deveis mais obediência a Deus do que aos homens”. E não é isto aí, note-se, a expressão dum simples desejo, mas um autêntico princípio jurídico em vigor. Poderia tentar-se resolver o conflito entre estas duas passagens, é certo, por meio de uma terceira, também do Evangelho, que nos diz: “dai a Deus o que é de Deus e a César que é de César”. Tal solução é, porém, impossível. Esta última sentença deixa-nos igualmente na dúvida sobre as fronteiras que separam os dois poderes. Mais: ela deixa afinal a decisão à voz de Deus, àquelas voz que só nos fala à consciência em face de cada caso concreto”[10].

Esse pequeno excerto de Radbruch, e que pode ser lido em cinco minutos, é permanente convite para uma compreensão humana do Direito, no sentido de que seu reconhecimento dependa prioritariamente do sentido absoluto de justiça que possa qualificar.

Nesse sentido, a guinada de Radbruch para o jusnaturalismo, para alguns uma correção de rota, e para outros a continuidade de uma linha conceitual que se aperfeiçoava e qualificava[11], é sintoma muito nítido de que a apologia ao jusnaturalismo é recorrente em instantes que sucedem a ditaduras, o que poderia identificar no neoconstitucionalismo um roteiro histórico parecido, a exemplo de sua ressonância em países como Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e, principalmente, no Brasil.
[1] Há versão desse excerto em Radbruch, Gustav, Filosofia do Direito, Coimbra: Antonio Amado, 1979, pp. 415-418. Tradução de L. Cabral de Moncada.
[2] Radbruch, Gustav, cit., p. 415.
[3] Conferir, no caso, Kempowski, Walter, Haben sie dabon gewusst?, Hamburg: Albrecht Knaus Verlag, 1979.
[4] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[5] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[6] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[7] Radbruch, Gustav, cit., p. 416.
[8] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[9] Radbruch, Gustav, cit., p. 416.
[10] Radbruch, Gustav, cit., loc. cit.
[11] Esse tema é objeto de ensaio de Vigo, Rodolfo Luís, La injusticia extrema no es derecho (de Radbruch a Alexy), Buenos Aires: La Ley- Universidad de Buenos Aires, Faculdad de Derecho, 2006.


Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2014, 08:00h

Duração de processo entra na contagem de tempo de serviço especial



A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais considerou o tempo de tramitação de um processo de aposentadoria especial na contagem do tempo de serviço do trabalhador. No caso, um auxiliar de fábrica não tinha direito a aposentadoria especial na data em que deu entrada no pedido de aposentadoria no INSS, porém, no curso da ação ele passou a complementar o tempo que faltava para a concessão do benefício. O juiz de primeira instância não havia reconhecido o pedido, considerando apenas a data da entrada do pedido.

A sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria especial considerou que mesmo que o autor tenha trabalhado em condições especiais no período de 2 de maio de 1987 a 10 de abril de 2012, o tempo até a data do requerimento administrativo da aposentadoria, no dia 12 de dezembro de 2010, era de apenas 23 anos, 7 meses e 14 dias, inferior, portanto, aos 25 anos exigidos para o benefício.

Recurso
Foi efetuado então um recurso na 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federias da Seção Judiciária do Estado de Goiás, que deu provimento. O juiz federal José Godinho Filho salientou que antes da sentença, contando o tempo de curso do processo, o trabalhador já tinha direito à aposentadoria especial.

“Merece reparo a sentença no que toca ao improvimento do pedido ao fundamento de não preencher o autor o tempo exigido para aposentadoria na data do requerimento administrativo, em 12 de dezembro de 2010. É que, embora de fato o tempo fosse insuficiente na Data de Entrada do Requerimento, no curso do processo, conforme se vê do PPP [Perfil Profissiográfico Previdenciário] acostado em 18 de abril de 2012, portanto, anteriormente à sentença, o autor implementou o tempo necessário, qual seja, 25 anos de atividade especial”, apontou.

O advogado previdenciarista Hallan Rocha, responsável pela ação, afirma que a decisão representa um grande avanço ao Direito Previdenciário, pois reconhece o tempo trabalhado e implementado após o requerimento administrativo para garantir o benefício. Em sua defesa, Hallan ainda destacou que o trabalhador esteve exposto a fatores de risco, tais como ruído, calor e soda cáustica.

Recurso 0027240-86.2011.4.01.3500




Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2014, 08:49h

sábado, 21 de junho de 2014

Lei que considera trabalho com motocicleta atividade perigosa é aplicada


Lei que considera trabalho com motocicleta atividade perigosa é publicada



Foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (20/6) a Lei 12.997, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho e determina que as pessoas que usam a moto para trabalhar com o transporte de passageiros e mercadorias recebam adicional de 30% sobre o salário.


Ao sancionar a lei, no dia 18 de junho, a presidente Dilma Rousseff disse que a medida é necessária e um direito desses trabalhadores. Ela acredita que a lei não irá gerar desemprego. “Eu duvido que o patrão, que precisa ter um número significativo de motoboys, possa deixar de contratar. A lei abrange todo o Brasil e caso não seja cumprida, criará uma ilegalidade no exercício da atividade para o qual o motoboy é contratado, ”, disse.

Para o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), autor do projeto de lei no Senado, a expectativa é que os profissionais invistam o incremento salarial em equipamentos de segurança. Ele apontou que os motociclistas estão entre as principais vítimas dos acidentes de trânsito no país e citou o exemplo da cidade de São Paulo, onde dois motociclistas morrem diariamente e outros dez têm de usar cadeira de rodas em razão dos acidentes.

De acordo com o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas de São Paulo (Sindimoto-SP), a categoria tem cerca de dois milhões de trabalhadores em todo o país. Com informações da Agência Brasil.

Veja a íntegra da lei:


LEI Nº 12.997, DE 18 DE JUNHO DE 2014
Acrescenta § 4º ao art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, para considerar perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
...
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º:

"Art. 193.

...........................................................................................................................................................................................

§ 4º São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta." (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 18 de junho de 2014; 193º da Independência e 126º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Manoel Dias com Mafalda



Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2014, 17:16h

Teoria do Direito deve contemplar principais discussões contemporâneas


Teoria do Direito deve contemplar principais discussões contemporâneas






No mês passado, foi publicada pela editora Revista dos Tribunais, a segunda edição do livro, Introdução à Teoria e à Filosofia do Direito que escrevi em parceria com Georges Abboud e Henrique Garbellini Carnio. A obra conta, ainda, com o prefácio de Nelson Nery Júnior e o posfácio de Lenio Streck.





O livro foi pensado a partir de um diagnóstico claro com relação ao estado das disciplinas de formação nos quadros do curso de Direito. Em especial, a Filosofia e a Teoria do Direito. Há um certo descompasso entre aquilo que é objeto de debate na contemporaneidade e aquilo que compõe as ementas institucionalizadas nos diversos cursos de Direito deste país. Há fatos que servem de amostra para isso. A perplexidade expressada em alguns comentários à coluna de Lenio Streck dessa última quinta-feira (19/6) serve como um bom exemplo. Ora, apesar de tudo o que se discute e se discutiu sobre o problema da decisão judicial desde o início do século XX, somos ainda bombardeados por acepções que separaram ser de dever ser, prescrição de descrição etc., em afirmações do tipo: “isso — a decisão variar de acordo com a alimentação ou a problemas familiares — é assim mesmo”. Ou ainda, “o juiz não é uma máquina”; “o juiz é gente como a gente”... Minha perplexidade é: porque precisamos de pesquisas para dizer algo que, pelo menos desde a discussão em torno do problema das lacunas, do realismo jurídico e do movimento do direito livre, já sabemos no âmbito da Teoria do Direito?


A resposta começa, certamente, por tentativas de reconstruir o discurso em torno da Teoria do Direito e pontuar aquilo que são as principais discussões que nos envolvem em nossos dias atuais.


É a isso que a obra citada se propõem. Trata-se, na verdade, de um livro preparado com o objetivo de introduzir aos problemas fundamentais do conhecimento jurídico os estudantes e pesquisadores do Direito. O livro pretende-se como uma espécie de “guia de leitura” que objetiva posicionar corretamente tanto o calouro que ensaia os primeiros passos no universo da juridicidade, quanto o profissional que se lança nos tortuosos caminhos da pós-graduação, no interior do discurso teórico-filosófico articulado contemporaneamente no campo do direito.


Cuida-se de uma introdução ao Direito que não foi pensada como um inventário de matérias acumuladas historicamente pelo conhecimento jurídico em torno dos temas que classicamente compõem os interesses da Teoria Geral do Direito e da filosofia jurídica, como justiça, hermenêutica, metodologia, teoria da norma, fontes, moral e interpretação.


Não optamos, portanto, pela facilidade oriunda de uma exposição linear e cronologicamente simplificada de tais temas, pois entendemos que uma tal abordagem não se mostra apta a depreender toda a complexidade do fenômeno jurídico. Mais importante do que ter contato perfunctório sobre os mais diversos aspectos do pensamento jurídico é conseguir colocar-se em condições de diálogo com este pensamento.


Nessa medida, Martin Heidegger[1] afirmava que: “introduzir à filosofia significa pôr o filosofar em curso”, isto é, o fundamental para se aprender a filosofia é filosofar, daí sua metáfora de que não seria possível aprender a nadar por meio de manual de natação, mas tão somente nadando.[2] De modo similar, nosso intuito é justamente estabelecer a aproximação do pensamento jurídico que possibilite aos leitores um manejo adequado das principais polêmicas que povoam a contemporaneidade jurídica.


Ou seja, não se pode aprender Direito simplesmente observando-o do lado de fora. Mais precisamente, não se compreende o Direito a partir de mero receituário com diversos conceitos abstratos e superficiais. Conscientes de que no conhecimento jurídico não existem posicionamentos teóricos unânimes e incontroversos, optamos por encará-lo a partir de sua complexidade e de sua predisposição para a polêmica. Tal qual já afirmou Dworkin, a controvérsia é o coração do argumento jurídico. Daí que a melhor forma de se trabalhar seus conceitos é a partir dos problemas que a própria operacionalidade do Direito propicia.


Isso significa projetar o horizonte adequado para abrir os contextos significativos em que os problemas do conceito e definição do direito; da fundamentação e da validade jurídica e de como são decididas as questões jurídicas. Tais pontos não podem ser pensados fora da dimensão filosófica que os abarca e que apresenta como questão principal a relação entre saber teórico e saber prático e suas consequências para o conhecimento jurídico.


Assim, optamos por estruturar a obra a partir do eixo fundamental de três perguntas: O que é o Direito? O que fundamenta o Direito? Como são decididas as questões jurídicas? Cada uma dessas perguntas é respondida no desenrolar de dez capítulos.


De todo modo, fato é que, para muitos juristas, o jurídico está para o direito assim como a “cavalice”[3] está para o cavalo. De nosso ponto de vista, contudo, o Direito é complexo, dinâmico, histórico e conflituoso, o que impede a formulação de qualquer estratégia essencialista para definição de um único conceito que defina toda a gama de possibilidades que se projetam a partir do jurídico. Sendo assim, uma, ainda que simples e breve, introdução ao Direito, para cumprir seu desiderato, de forma teoricamente honesta, não pode ser esquematizada, simplificada, condensada, entabulada, plastificada etc.[4]


Aliás, como já afirmado, vivemos hoje um momento de apreensão com relação às assim chamadas disciplinas de formação do curso de Direito. Um breve euforia inicial em face do reconhecimento oficial da dignidade de tais disciplinas em concursos para carreiras jurídicas — cujo marco foi a Resolução 75/2009 do CNJ — foi substituído por um sentimento de receio na medida em que o modo como os examinadores de tais concursos lidam com tais conteúdos é altamente questionável.


Os famosos cursinhos preparatórios — que se alastraram no universo jurídico como uma erva daninha, dando a impressão de que o encerramento da faculdade de direito seria uma espécie de segundo turno do ensino médio — passaram a incorporar em sua grade de matérias as disciplinas humanísticas. Evidentemente que o rescaldo desse fenômeno foi a tentativa de manipular tais conteúdos a partir dos esquemas, quadro mentais, resumos e outras tantas metodologias despistadoras que já eram empregadas para a análise das disciplinas técnicas ou dogmáticas.


Todavia, as disciplinas de formação estão inseridas no projeto daquela que, talvez, seja a mais imponente das utopias: o humanismo e seu ideal de formação do ser humano. Será que todo esse nobre propósito cabe nas caixas conceituais que, tradicionalmente, nos foram impostas para lidar com o conhecimento jurídico? Por certo que a resposta é negativa.


Com efeito, como nos lembra Peter Sloterdijk[5], em seu polêmico Regras para o Parque Humano, o humanismo está ligado à intenção de se formar uma grande comunidade de leitores; de seres humanos que deixam o estado da pura barbárie e se civilizam por meio da leitura de textos que transmitem, através de elos inscritos no passado, a tradição cultural que nos conforma. O autor nos lembra que, desde os dias de Cícero, aquilo que se chamahumanitas faz parte, no sentido mais amplo e no mais estrito, das consequências da alfabetização e se aperfeiçoa com o exercício da leitura. Ou seja, da possibilidade que se abre a partir da comunicação realizada à distância pela escrita.


O sempre aberto diálogo entre leitor e escritor é um convite à toda dimensão de complexidade que a vida engloba. Através desse diálogo somos chamados a refletir sobre angustias, frustrações, sucessos e problemas morais. A ideia é que a leitura nos torna mais humanos e nos distancia de nossa herança animal.


Não é a toa que grandes distopias como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley[6]; 1984, de Georg Orwell[7]; e Fahrenheit 451, de Ray Badbury[8]criavam um tipo de sociedade em que os livros — e consequentemente a escrita e a leitura — estavam banidos das atividades sociais e os seus indivíduos, justamente por isso, acabavam moldados por um coletivo acrítico e, portanto, aculturado. Não deixa de ser igualmente sintomático nesse sentido que, no livro de Huxley, por exemplo, é o Selvagem — alguém que está situado fora da ordem pré-estabelecida — quem descobre Shakespeare, lê suas obras e, a partir de então, começa a questionar as estruturas do establishment. Há um diálogo, extremamente marcante nesse sentido, no qual Mustafá Mond — o grande Dirigente daquela sociedade distópica de Huxley — afirma que a leitura de livros como os de Shakespeare era uma atividade proibida. O Selvagem, então, questiona o todo poderoso a respeito da proibição, ao que responde o dirigente: “porque é velho; — eis a principal razão. Aqui não temos aplicações para coisas velhas”.


As disciplinas, chamadas de formação humanística, são exatamente recheadas de “coisas velhas”. São elas que nos ligam ao passado. E é esse diálogo literário com o passado que nos constitui culturalmente.


Na verdade, não é apenas o ódio ao “velho” e o culto acrítico ao “novo” que marca o estilo dessas distopias. No livro de Ray Badbury, por exemplo, logo no início da narrativa, o Bombeiro Montag — lembrando que, na sociedade criada por Badbury, os bombeiros não combatiam incêndios. As casas eram “à prova de fogo”. Sua função era queimar os livros que, eventualmente, ainda existissem nas casas das pessoas — faz a seguinte consideração: “Os livros são o caminho da melancolia”. Eles seriam, enfim, um convite à transcendência, ao desvario, à errância, ao desvio em relação ao destino bovino de uma humanidade conformada. Nessas sociedades distópicas, a ausência da leitura homogeiniza a todos.


Por certo que a simplificação, os quadro sinóticos, os quadros mentais, as rimas, as aulas travestidas, não queimam livros. Pelo menos não na sua literalidade. Todavia, produzem um certo tipo de atividade de pastoreio, de arrebanhamento que, paradoxalmente, é contraditória com qualquer princípio humanístico que guarnece a estrutura dessas disciplinas de formação.


Enfim, essa nossa introdução passa bem longe dessas pretensões. Ela trata o leitor com o respeito que ele merece e o convida para participar de um diálogo que nós não iniciamos e também não encerraremos. Todos somos apenas parte dessa comunidade intergeracional de leitores.


[1] Martin Heidegger. Introdução à filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2008.


[2] Martin Heidegger. Los problemas fundamentales de la fenomenologia.Madrid: Editorial Trotta, 2000.


[3] Cavalice é a essência de todo cavalo. James Joyce. Ulisses. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 227.


[4] Sobre a “estandardização” do ensino jurídico, cf. Lenio Luiz Streck. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010, passim.


[5] Cf. Peter Sloterdijk. Regras Para o Parque Humano. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.


[6] Cf. Aldous Huxley. Admirável Mundo Novo. Rio de Janeiro: Globo, 2009.


[7] Cf. George Orwell. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.


[8] Cf. Ray Badbury. Fahrenheit 451. Rio de Janeiro: Globo, 2009.






Rafael Tomaz de Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito Público pela Unisinos e professor do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).





Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2014, 08:00h

SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


Segue abaixo arquivo em PDF das Súmulas do STF:

Súmulas do Supremo Tribunal Federal em PDF

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

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