Edição de enunciados pelo CNJ divide opiniões de advogados e magistrados
A criação de enunciados pelo Conselho Nacional de Justiça para orientar juízes em julgamentos da área de saúde levantou novamente questionamentos a respeito dos limites do CNJ. Advogados e juízes se dividem: enquanto para alguns, o Conselho extrapolou suas funções, criando enunciados de matéria jurisdicional, outros acham que os enunciados podem auxiliar a tomada de decisão.
Para o advogado Alexandre de Moraes, o CNJ invadiu além da competência do Judiciário, a competência do Congresso Nacional, o que foi vedado pela Constituição. Como exemplos, ele cita os enunciados 16, 18 e 20. "No Enunciado 16 pretende indicar a prova necessária para comprovar o fato; no Enunciado 18, o CNJ legislou sobre o poder geral de cautela do Juiz; no Enunciado 20, pretende estabelecer com força normativa o que deve ou não ser responsabilidade do plano de saúde”, diz.
Para João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros a iniciativa do CNJ é louvável, porém deve servir apenas como informação ao juiz e não como orientação. "Se ele tem essa concepção de informação não se pode dizer que está invadindo nenhuma seara. Porém, se pretende ser uma orientação e o CNJ pretende que o juiz siga essa orientação, aí há uma invasão", explica.
João Ricardo lembra ainda que os enunciados geralmente são iniciativas decorrentes da reiteração de decisões judiciais. Por isso devem sair de dentro dos tribunais, e não de órgãos distintos, como o CNJ.
Quando os enunciados foram aprovados, no último mês de maio, a conselheira Deborah Ciocci, supervisora do Fórum da Saúde do CNJ, explicou que a ideia dos enunciados era que eles servissem de apoio aos magistrados na tomada de decisões em processos que envolvam esses temas. “Nosso objetivo é auxiliar a comunidade jurídica na interpretação de questões não pacificadas no âmbito doutrinário e jurisprudencial”, explicou a conselheira na ocasião.
Na visão do conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil Pedro Paulo Medeiros, o CNJ deve se limitar a sugerir melhorias para o Judiciário. "O CNJ tem função de uniformizar procedimentos não jurisdicionais, sugerir, melhorar a atuação do Judiciário brasileiro — e de fato tem feito isso de forma muito eficiente — mas não deve regular aquilo que não lhe é dado direito fazer: legislar em matéria jurisdicional".
Para ele, o Conselho passou do limite de atuação administrativa nos enunciados 9, 14, 16, 19. No entendimento de Medeiros, falta ao CNJ encontrar o ponto de equilíbrio entre sua necessária atuação e o distanciamento da área jurisdicional.
Antonio Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), lembra que o objetivo dos enunciados de saúde, assim como já ocorreram em outros temas, é orientar e tentar encontrar soluções harmonizadoras procedimentais para as demandas que sobrecarregam o judiciário. Mas que no caso o CNJ extrapolou em algumas questões.
"Em regra, as orientações e interpretações são procedimentais e administrativas, mas em alguns casos os enunciados ultrapassam e atingem questões jurisdicionais. Como os enunciados não tem caráter vinculante, não há obrigatoriedade do juiz acatar no caso de entender que a questão é jurisdicional e não administrativa", diz.
Auxílio a juízes
O advogado Otávio Forte, do Forte Advogados, explica que o CNJ, por determinação constitucional, tem como competências o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, sem exercício de função jurisdicional. "Entretanto, nada o impede de promover eventos científicos de natureza jurídica e extrair destes eventos, como a Jornada de Direito da Saúde, enunciados a título de conclusões. Isso porque, tais enunciados não têm força de vincular a atuação jurisdicional", complementa.
O advogado Rogério Rocha, do escritório Péricles, Rocha, Mundim e Advogados Associados, considera que os enunciados irão auxiliar o juiz a decidir, conforme seu livre convencimento. Entretanto, em sua visão, há enunciados criados que irão burocratizar os processo judiciais.
"Os enunciados 12, 15 e 19 trazem a obrigação do médico de, por exemplo, oferecer relatório que indique e descreva de normas sanitárias até situação de registro na Anvisa. Tais enunciados claramente oferecerão dificuldade na relação médico paciente e, mais a frente, ao cidadão que precisará da justiça para ter seu direito constitucional à saúde garantido", exemplifica.
Para Rocha, a edição de enunciados para orientar a resolução direcionada de determinadas questões, nem sempre é o melhor caminho. "Cabe ao CNJ e aos demais partícipes do sistema de justiça pensar em meios que facilitem o acesso do cidadão ao judiciário para que a garantia constitucional de ter acesso à justiça ou mesmo a saúde, seja efetivamente entregue ao cidadão", diz.
Rogério Scarabel, do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, também considera que o CNJ não extrapolou suas funções, uma vez que os enunciados não terem caráter vinculativo. Além disso, acredita que o Conselho agiu bem em algumas orientações.
"Se observarmos os enunciados 21, 23, 27, 28 e 36, todos trazem em seu corpo a indicação para que seja observado, quando dos pedidos judiciais, o Rol de Procedimentos e eventos à Saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Tal como apresentado nos enunciados mencionados faz parecer que os procedimentos não incluídos no rol da ANS não são de cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde, o que, no nosso entendimento, é um equivoco", afirma.
Ana Paula Oriola de Raeffray, do Raeffray Brugioni Advogados elogiou os enunciados criados. Para a advogada, as conclusões da Jornada de Direito de Saúde demonstram que o Poder Judiciário está começando a entender que a saúde suplementar não é substituto do Sistema Único de Saúde (SUS), pois a assistência à saúde para todos é dever do Estado e não das operadoras de saúde, as quais cumpre observar e cumprir o contrato de saúde suplementar.
"Na área da saúde suplementar foram aprovados enunciados importantes, por meio dos quais se pode perceber que está havendo alteração paulatina na visão do Poder Judiciário acerca do fato de que o contrato privado de saúde deve ser respeitado", afirma.
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Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.