quinta-feira, 8 de maio de 2014

STF julga improcedente ADI contra dispositivos da Lei Geral da Copa

STF julga improcedente ADI contra dispositivos da Lei Geral da Copa

Por dez votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI 4976, na qual a Procuradoria Geral da República questiona dispositivos da Lei Geral da Copa (Lei 12.663/2012). Os pontos questionados foram os que responsabilizam a União por prejuízos causados por terceiros e por fenômenos da natureza; que concederam prêmio em dinheiro e auxílio mensal aos jogadores das seleções brasileiras campeãs das Copas de 58, 62 e 70; e que isentam a Fifa e suas subsidiárias do pagamento de custas e outras despesas judiciais.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela improcedência da ADI, seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, ficando parcialmente vencido o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF.
Responsabilidade
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, apontou as vantagens econômicas (materiais) e imateriais de o Brasil sediar eventos esportivos como a Copa do Mundo, entre elas melhora da imagem do país, o aumento das exportações, o incremento ao turismo, a melhora da qualidade dos produtos e serviços, a incorporação de novas tecnologias e maior conforto aos cidadãos.
Para o ministro, o artigo 23 da Lei Geral da Copa não ofende o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que, a seu ver, não esgota a matéria relacionada à responsabilidade civil da Administração Pública. Tanto que o artigo 21, inciso XXIII, alínea “d”, da Constituição prevê a responsabilização da União por danos nucleares, independentemente da existência de culpa. O ministro destacou que, para alguns doutrinadores, seria aplicável no caso de danos nucleares a teoria do risco integral, na qual se exclui a demonstração do nexo causal entre o dano e a ação do Estado.
O mesmo se dá, segundo ele, na legislação infraconstitucional, por exemplo, na Lei 10.744/2003, que atribui à União responsabilidade no caso de atentados terroristas e atos de guerra. Dessa forma, entendeu que o compromisso de sediar a Copa foi assumido “livre e soberanamente” pelo Brasil à época de sua candidatura, e entre as garantias prestadas pelo país “figura a responsabilidade por eventuais danos decorrentes do evento”.
Prêmio
O relator afastou a alegação da PGR de que não há justificativa nem previsão orçamentária para pagamento do prêmio e auxílio a jogadores campeões do mundo de 58, 62 e 70. Segundo ele, há 25 leis posteriores à promulgação da Constituição de 1988 prevendo o pagamento de pensões, sem questionamento da previsão orçamentária, aos descendentes de Tiradentes, aos sertanistas Cláudio e Orlando Villas-Boas, ao médium Chico Xavier e aos chamados “soldados da borracha”, entre outros. Em tais casos, o Congresso levou em conta, além do caráter assistencial, também o alcance da atividade dessas pessoas e o atendimento de demandas sociais geradas por fatos “excepcionais, imprevisíveis e não reeditáveis”, que não exigem contraprestação.
Custas processuais
O relator também declarou constitucional o artigo 53, que trata da isenção de custas e despesas judiciais para a FIFA. Segundo o ministro, o STF e a doutrina admitem a concessão de isenção tributária com objetivos determinados. No caso, conforme observou, a isenção prevista pela Lei Geral da Copa não se destina a beneficiário individual, mas trata-se de uma política de Estado soberano para garantir a realização de eventos de interesse de toda a sociedade.
Demais votos
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou integralmente o voto do relator. “Trata-se de uma lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo chefe do Poder Executivo”, afirmou. “Não acho, por mais crítica que seja a visão que um juiz possa ter desta decisão política, que o Supremo possa, deva ou queira ser juiz de decisões de conveniência e oportunidade tomadas pelos agentes públicos eleitos”.
Para o ministro Teori Zavascki, a lei atendeu às condições de constitucionalidade, como a inclusão da previsão das fontes de custeio, com receitas oriundas do Tesouro Nacional.
“À luz do preceitos constitucionais, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade nos dispositivos da Lei Geral da Copa apontados nessa ação”, disse a ministra Rosa Weber. Ela explicou que, em seu voto, não exerce qualquer juízo valorativo, de conveniência ou de oportunidade. “Não entendo que seja este o juízo que se busca perante essa Corte”, concluiu.
O ministro Luiz Fux entendeu não haver razão para invalidar os dispositivos da lei que dispõem sobre o pagamento de pensões para ex-jogadores. Destacou ainda que a regra da responsabilidade civil prevista na norma representa apenas uma garantia mínima para o cidadão de que quaisquer danos sofridos durante o evento serão devidamente reparados.
O ministro Dias Toffoli observou não ver inconstitucionalidade na lei e lembrou que muitos dos ex-jogadores se encontram em situação de penúria, o que justificaria a concessão da pensão.
A ministra Cármen Lúcia considerou que não houve extrapolação da norma de responsabilidade objetiva, como alegado pela PGR. Segundo a ministra, a lei não afirma a responsabilidade plena, mas sim a assunção, pelo Estado, dos efeitos da responsabilidade, que será apurada em cada caso.
Para o ministro Gilmar Mendes, "houve uma clara delimitação das pensões, que foram colocadas dentro de patamares adequados”. Ele ressaltou que não parece ter havido qualquer exagero, uma vez que se busca assegurar o mínimo existencial, e considerou “justo e compreensível” o debate político em torno da Copa, “colocado a partir das manifestações de junho no sentido de que devemos buscar serviços públicos de qualidade”. Segundo o ministro Gilmar Mendes, um evento dessa magnitude movimenta a economia e produz efeitos imediatos em vários setores, como o turismo, e se reflete no aumento da arrecadação – que, por sua vez, “contribui certamente para a melhoria dos serviços”.
De acordo como ministro Marco Aurélio, a segurança pública é dever do Estado. Caso ocorra um incidente ligado à segurança, “evidentemente a FIFA não será responsável pelo ressarcimento dos prejuízos”. Quanto ao prêmio a ex-jogadores, ressaltou que “veio um pouco tarde”, considerado o reconhecimento das Copas de 58, 62 e 70. Para ele, não há o problema do custeio e “é impróprio invocar-se o artigo 195, parágrafo 5º, da Constituição”, tendo em vista que as despesas não correrão às custas da Previdência, mas sim do Tesouro Nacional. Assim, acompanhou o voto do relator, ressaltando sua preocupação em preservar a soberania do Brasil.
O ministro Celso de Mello registrou a importância da iniciativa processual da Procuradoria Geral da República ao questionar dispositivos da Lei Geral da Copa, mas afirmou que, a partir do juízo de validade constitucional, a pretensão não merecia prosperar. Para o decano do STF, o voto do relator esgotou todos os aspectos questionados, demonstrando que a Lei Geral da Copa é compatível com o que dispõe o artigo 217 da Constituição de 1988, “a primeira a dedicar um capítulo às práticas desportivas formais e não formais”.
Divergência
O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, julgou parcialmente procedente a ação, divergindo do relator apenas em relação ao artigo 53 da Lei Geral da Copa. O dispositivo concede à Fifa e às suas subsidiárias no Brasil, representantes legais, consultores e empregados isenção no adiantamento de custas, emolumentos, caução, honorários periciais e outras despesas devidas ao Poder Judiciário, salvo se comprovada má-fé. Para o ministro, a concessão da isenção à Fifa (uma entidade privada) viola tanto o principio da isonomia quanto o que exige motivação idônea para qualquer tipo de exoneração fiscal. Segundo ele, a desoneração estabelecida no artigo 53 é apenas a “ponta do iceberg”, se comparada a outros benefícios que não estão em debate nesta ADI.
Leia a íntegra do voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski.
Fonte: STF

Direito mastigado e literatura facilitada: agora vai!

Direito mastigado e literatura facilitada: agora vai!

 
Caricatura Lenio Streck [Spacca]Campeonato de várzeaFiquei sabendo que no “campeonato mundial do raciocínio”, o Brasil ficou fora das oitavas de final, perdendo, ao que parece, para importantes nações como Honduras e Burkina Faso. Consta que ficamos no 38º lugar entre 44 países. Antes já sabíamos que parcela considerável dos universitários é analfabeta funcional. Penso que isso é assim porque vivemos tempos de estandardização. Tudo é prêt-à-porter (e prêt à penser e prêt-à-parler). O simbólico disso é o twitter. Hoje as pessoas não leem. Tuitam. Limitaram tudo a 140 caracteres. Tudo deve ser resumido. A TV “explica” o mundo colando o “relé”, ou seja, para explicar a enchente, o repórter fica com água pelo pescoço. Resultado: o que ficou resumido foi o cérebro da malta. Assim, forjou-se um novo “paradigma” (ironia minha): a nesciontologia, onde impera a “nesciedade”, que quer dizer estultice, mediocridade, etc (Cervantes fustigava os néscios). Nesse “paradigma neciontológico”, estuda-se o “ser do néscio”. E os fundamentos da nescio-cracia, cujo regime político deverá substituir a nossa frágil demo-cracia.
Pois se alguém achava que estávamos mal, acabaram-se os problemas: no ar, um novo produto — a facilitação na literatura. “Simplificações Tabajara”, a nova onda. Peguemos Shakespeare e o simplifiquemos. E vamos “orelhar” Machado de Assis. E assim por diante. A vida imita a arte. Ou a arte imita o direito? Os juristas chegaram antes. Mas foram alcançados pela gente da literatura. Bem feito. Só espero que isso não chegue na física e na química. Se chegar na medicina vou estocar comida ... Na psicologia já chegou, porque já vi Gestalt em resumos.
Para quem ainda não sabe: Os jornais noticiam (ler aqui) que a escritora Patricia Secco encontrou um novo nicho para vender seu peixe, a exemplo do que ocorre nos cursinhos na área jurídica (e nas faculdades). Vejam a genialidade da moça: "Entendo por que os jovens não gostam de Machado de Assis". E ela “explica”: "— Os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso." Bingo! Hip, hip, hurra! Diz mais a matéria da Folha de S.Paulo: “—Ela simplifica mesmo: Patrícia lançará em junho uma versão de ‘O Alienista’, obra de Machado lançada em 1882, em que as frases estão mais diretas e palavras são trocadas por sinônimos mais comuns (um "sagacidade" virou "esperteza", por exemplo"). "A ideia não é mudar o que ele disse, só tornar mais fácil." Ah, bom. E o projeto dela não para por aí. Vem mais coisa por aí.
Estamos perdidos. “A equipe que ‘descomplica’ o texto é formada ‘por um monte de gente’, diz a autora, entre eles a própria e dois jornalistas amigos”. Aleluia. Achei que ela estava sozinha nessa nova empresa facilitadora. Vê-se, assim, que Patricia não receberá o Prêmio (Ig)Nobel sozinha. Estará acompanhada em Estocolmo! Já imagino a cerimônia da entrega: E por ter inventado a literatura facilitada-simplificada, o (Ig)Nobel vai para Pindorama! Quero estar lá para ver. Vou pedir passagens aéreas e estadia via Lei Rouanet. Aliás, como fez Patrícia para publicar 600 mil exemplares, segundo consta na imprensa. Tinha que ter dinheiro da Viúva nisso. Todos nós pagamos os pato. Viva a Viúva. O Brasil anda a passos de cágado.
Incrível como perdemos os fundamentos e os sentidos. É essa praga da pós-modernidade que-ninguém-sabe-o-que-é. Pulamos da modernidade e caímos em um vazio recheado de simplificações, twitters, sertanejos-universitários e universitários sertanejos. Jeca Tatu venceu. Viva nosso imaginário jeca!
Já aqui vai uma sugestão para a autora e seus amigos (com isso, o Nobel é certo!). A peça Julio Cesar, de Shakespeare, pode ter substituída, já no início, por frases curtinhas e bem explicativas. Por exemplo, eis o texto original:
“De uma feita, numa tarde enublada e tempestuosa, em que o Tibre agitado se batia dentro das próprias margens, perguntou-me César: “Cássio, ousarias atirar-te, junto comigo, na corrente infensa e nadar até ali?” Mal acabara de falar-me, vestido como estava, joguei-me na água e a me seguir chamei-o, o que ele fez de fato. A correnteza roncava; nós lutávamos contra ela com membros indefesos, apartando-a e à sua fúria opondo o ousado peito. Mas antes de alcançarmos nossa meta, César gritou: “Socorro, Cássio! Afogo-me!” Então, tal como Enéias, nosso grande progenitor, que carregam aos ombros o velho Anquises e o salvara às chamas que Tróia devastavam: da corrente do Tibre, assim, tirei o exausto César. Num deus, agora, está mudado esse homem, sendo Cássio uma mísera criatura que precisa curvar-se, quando César com enfado lhe faz um gesto vago. Na Espanha apanhou febre; e, quando o acesso lhe vinha, notei bem como tremia. Sim, esse deus tremia; seus covardes lábios ficaram pálidos, e os mesmos olhos que ao mundo todo inspiram medo o brilho a perder vieram. Muitas vezes o ouvi gemer. Sim, essa mesma língua que os romanos deixava estupefactos, levando-os a guardar os seus discursos, ah! gritava tal qual donzela doente: “Água, Titínio! Dá-me um pouco de água!” Muito me espanta, ó deuses! ver que um homem de uma constituição assim tão fraca tenha passado à frente neste mundo majestoso e, sozinho, obtido a palma”.
Lindo, não? Mas muito complicado. Solução tabajara: uma nova versão de Júlio Cesar simplificado, na qual poderíamos ler: Cassio era um intrigueiro (=fuxiqueiro). Odiava Cesar. Para mostrar como Cesar era um sujeito bundão, contou para Brutus que Cesar não sabia nadar e um dia quase morreu de sede. Resumindo a fala de Cassio: Cesar se achava um Deus, mas era um incompetente e medroso. Nem nadar sabia. Ah: o Enéias do texto não é o “meu nome é Eneas”. Final: Brutus acreditou nisso e acabou com Cesar.
Eis a sugestão (grátis) que dou para o volume sobre Shakespeare! Abaixo, a capa do livro e a contracapa:
Ah: outra dica — O maior romance semiológico de Eco, O Nome da Rosa, pode ser facilitado, transformando o personagem (ockeano) Guilherme de Baskerville em Sherlock Holmes e o Adso de Melk em “meu caro Watson”. Pronto. Para que ficar discutindo nominalismo, poder, segredo, medievo, secularização etc, se podemos resumir tudo a um romancezinho policial? Bingo de novo! E uma versão simplificada de A Revolução dos Bichos (bichinhos que aprendem a falar) poderia facilmente se tornar roteiro de um filme da Disney. A Metamorfose de Kafka seria um livro sobre uma pessoa que vira uma barata. Ponto final. Ainda: A Megera Domada pode ser uma versão “simplificada” de 50 Tons de Cinza. E eu vou para o meu Bunker Facilitado. Lerei de novo Der Mann ohne Eigenschaften (O Homem Sem Atributos), de Robert Musil (o maior romance do século XX), antes que essa gente faça uma facilitação dizendo que o personagem Ulrich era um desclassificado (porque não tinha qualidades... se me entendem a ironia ou o sarcasmo)... Afinal, quem troca “sagacidade” por “esperteza” porque acha que a choldra não saberá o sentido, por certo achará que “sem qualidades” quererá dizer “incompetente”!!! Bingoooo!
É que tal Bobók, considerado por muitos uma das mais importantes menipeias de toda a literatura universal. Seria fácil “simplifica-lo”, pois não? Para que afinal perder tempo com temas que, incluídos no conto, retratam boa parte da complexa obra de Dostoiévski, se é possível dizer que o livro diz respeito apenas às excentricidades de um bando de almas penadas que, num cemitério, decidem narrar desavergonhadamente suas perversões praticadas em vida... Almas penadas safadinhas e desbocadas.
E Bentinho, coitado ... Logo os simplificadores de Dom Casmurro estarão rotulando o pobre rapaz de cornudo, sem pestanejar! E colocarão no twitter: # Perdeu, Bentinho corno!
Pronto. Por que ler o original se podemos ler um “facilitado” com sinônimos? A Sinfonia Inacabada de Schubert por certo merecerá um lançamento por parte do grupo dos (neo)facilitadores. E ainda dirão que esse Schubert — por certo, um preguiçoso — poderia ter acabado a sinfonia com trinta minutos menos, além do relevante fato de que poderia ter poupado divisas para o Imperador, dispensando um tocador do Oboé, três violinistas, etc.
O Brasil é terrível. Há tempos atrás, o programa Fantástico da Globo quis ensinar filosofia nos domingos à noite. Queria, é claro, facilitar. Genial, não? No primeiro programa a repórter-filósofa entrou em uma caverna em Tubarão (SC), e de lá buscou explicar...o Mito da Caverna. Entenderam? Caverna-que-é-igual-a-uma...caverna! Bingo. O Nobel e o Ignobel são nossos. Na sequência, para explicar Heráclito, ela subiu em um caminhão, para falar do... movimento. Céus. O que mais inventarão?
Tudo para facilitar a vida dos néscios. Dos néscios, pelos néscios e para os néscios (DOPELOPÁ). A nesciocracia venceu. Até na literatura. Estamos liquidados. Há um livro que pode nos ajudar a entender isso e que li nesses feriados: Psiche e techne – O homem na idade da técnica, de Umberto Galimberto, um “pacote” de 917 páginas (não havia uma versão facilitada e tive que pegar o original). Lendo-o, vislumbra-se a era da técnica, da alienação, do Google, da cultura de massa (que, no caso, não é um carboidrato!). Mais: como jurista, dá para ver a técnica dominando o homem do direito. Ele já não maneja a técnica; é ela que o maneja. O processo eletrônico é um bom exemplo disso. O jurista virou “suco”, exprimido entre techne e psique.
Heidegger alertava: O que inquieta, de fato, não é que o mundo se transforme num completo domínio da técnica. Muito mais preocupante é que o homem não está preparado para essa radical mudança do mundo.
Trata-se da soma da era da técnica com a cultura de massa, em que ocorre a desarticulação entre público e privado, entre social e individual, operada pela racionalidade técnica, que modifica também o conceito tradicional de massa, introduzindo uma variante que é a sua atomização e desarticulação em singularidades individuais, que, modeladas por produtos de massa, consumos de massa, informações de massa, tornam obsoleto o conceito de massa como concentração de muitos e atual o conceito de massificação como qualidade de milhões de indivíduos, cada um dos quais produz, consome e recebe as mesmas coisas de todos, mas de modo solitário (Galimberti).
No direito, eis o caldo de cultura onde pode ser encontrado o atual homo juridicus, o homo concurseirus, homo senso comunis, enfim, essa nova espécie de jurista FaSimpleResum (o jurista que quer facilidades, simplificações e resumos — estou resumindo para facilitar!!!). Para ele, o Direito é uma mera técnica. Uma mera racionalidade formal-instrumental, como se fosse uma ferramenta comum, uma enxada ou um machado. Às vezes até uma régua (“princípio” da proporcionalidade?”). Por isso, o direito sempre pode ser manipulado de qualquer modo. Não exige grandes elucubrações. O processo vira também instrumento. E a interpretação se faz via retórica, em que essa se autonomiza.
Numa palavra final.
Parafraseando Nietzsche, no Nascimento da Tragédia, digo: como se poderá constranger esse senso comum e essa fragmentação a abandonarem os seus segredos, a não ser se opondo vitoriosamente a ele? Mas como fazer isso?
Parece que ficamos em um meio fio: entre a ruptura e a alienação (acomodação). Opor-se vitoriosamente é sempre uma tarefa perigosa. Entregar-se ao conforto e à simplificação é sempre sedutor. A palavra alienação vem do latim alienus, que quer dizer “o outro”. Por isso o inferno sempre é o outro ou sempre são os outros. É possível derrotar tabus? Quais os totens a serem derrubados?
Mas para isso há que se tomar consciência do problema. E estar atento aos efeitos que a história tem sobre nós. Como diz o autor de Techne e Psiche, a memória desvela aquela abertura para o sentido da qual está excluído o animal, que, sem memória, não tem consciência de si nem do mundo que o circunda.
O homo simplificatus, alienado de sua condição, não-sabe-que-não-sabe. Não se dá conta que-pode-se-dar-conta. Mergulhado no senso comum, fica refém de um mundo pré-dado. E que, por ser pré-dado, é-lhe predador!
Outro livro que li nos feriados foi O livro dos Prazeres Proibidos, de Frederico Andahazy. É um romanceamento picante sobre a história da “invenção” do livro. Guttenberg é o personagem, é claro. Trabalhando com seu pai, que cunhava moedas para o Rei, vê com admiração os calígrafos reproduzindo a bíblia e outros textos. Diz, então, Guttenberg:
-“Estes homens devem ser verdadeiros sábios. Afinal, tanto copiam e com tal perfeição...”.
“-Talvez” – disse-lhe seu pai, esboçando um sorriso, e complementou: “- Se soubessem ler. Os melhores copistas são aqueles que não sabem ler”.
De fato: os melhores copistas são aqueles que não sabem ler! Bingo outra vez!
Post scriptum 1: para quem acha que isso que acabei de escrever não é necessário, vai uma frase de outro filósofo que curto (quem m’o apresentou foi o filósofo Alfredo Culleton), sobre a diferença entre sábios e néscios. Chama-se Avicena. Ele dizia:
Um sábio sabe a diferença entre as coisas necessárias e as desnecessárias. O néscio não sabe disso. Solução: bata-se nele (no néscio) com um chicote até que ele grite: “basta, basta: isso não é necessário”. Pronto. Agora ele aprendeu a diferença entre o necessário e não necessário.
Saludos para todos os que sabem a diferença entre o que é necessário e o que não é necessário! Sem necessitarmos colocar sinônimos... E sem substituir sagacidade por esperteza. Caso contrário, Chapolin Colorado dirá: não contavam com minha sagacidade...!
Vou aproveitar para iniciar um movimento similar no direito, que seria mais ou menos assim:
Comunidade Jurídica de terrae brasilis: impeça que o direito continue a ser “facilitado”, “simplificado”, “mastigado” e “resumidinho”.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2014

CDC só se aplica a empresa de web com sede no Brasil

CDC só se aplica a empresa de web com sede no Brasil

 
O Código de Defesa do Consumidor não poderá ser aplicado nos casos que envolvem sites estrangeiros que não pertencerem a uma empresa com filial no Brasil nem marketing direcionado ao mercado brasileiro. Nessas situações, o Marco Civil da Internet, aprovado e transformado na Lei 12.965, de 23 abril de 2014, não poderá ser invocado, mas a lei estrangeira, nos termos do artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB).
O entendimento é parte de estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal que interpreta o Marco Civil da Internet, um conjunto de direitos, deveres e responsabilidades para o uso da internet no Brasil.
De acordo com o documento divulgado em abril e assinado pelo consultor legislativo da Casa, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, "não é qualquer norma brasileira que atingirá os provedores estrangeiros sem filial no Brasil, mas apenas as normas que tratam de coleta, guarda, armazenamento ou tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações, pois, pelo que se constata do caput do artigo 11 e do seu parágrafo 3º, o interesse do legislador foi apenas de submeter essas operações à legislação nacional".
Apesar de o CDC não ser acionado, a LINDB servirá, pois a legislação brasileira tem de ser respeitada por qualquer empresa estrangeira que, mesmo não tendo filial no Brasil, oferte serviço ao público brasileiro, segundo artigo 11, parágafo 2º.
Neutralidade da rede
A comercialização de pacotes de dados com acesso gratuito a determinadas aplicações, como o Facebook, fere o princípio da neutralidade de rede, de acordo com o estudo. Oliveira afirma que ao estimular o acesso a determinada aplicação, o provedor privilegia o conteúdo de uma aplicação em detrimento de outro, redirecionando ou estimulando o internauta. “Ora, por que o provedor de aplicação só dará privilégio a uma determinada aplicação (como o facebook) em detrimento de outra (como o orkut)? Isso não é admitido”!, defendeu.
Oliveira explica que o acesso livre a certos aplicativos "viola até mesmo a natureza plural e livre da internet, que, por sua incrível capacidade de difusão de informações, transforma, do dia para noite, em herois e em celebridades vários anônimos de pouca renda que postaram seus talentos em alguma rede social ou em outra aplicação".
Segundo ele, a oferta gratuita de acesso à determinada aplicação é uma estratégia de marketing que abre espaço para a manipulação do acesso dos internautas a determinadas sites, podendo vir a comprometer a "natureza plural da internet". O estudo avalia que a neutralidade da rede admitirá exceções em situações estritas como serviços de emergência.
Nesse sentido, Oliveira defende que os provedores não estabeleçam valores para os pacotes de acesso à internet de acordo com o conteúdo dos sites visitados pelos internautas. "Não se poderia, por exemplo, estabelecer que o preço do pacote seja de R$ 29,90 para ter acesso apenas ao Facebook; de R$ 39,90 para acessar também o Twitter; ou de R$ 69,00 para acessar qualquer site."
A aplicação da neutralidade de rede conta no artigo 9º do marco, que trata sobre o tráfico de dados: "O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação".
Clique aqui para ler o estuo na íntegra.
 
Priscila Trindade é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 7 de maio de 2014

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Prequestionamento exigido em recurso especial não pode impedir conhecimento de HC por supressão de instância

Prequestionamento exigido em recurso especial não pode impedir conhecimento de HC por supressão de instância

 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não pode exigir, como condição para conhecimento de habeas corpus contra acórdão de apelação, que a matéria tratada no pedido tenha sido previamente discutida na instância anterior, se a ilegalidade que se pretende corrigir resultou da própria realização do julgamento em segundo grau. Para o ministro Rogerio Schietti Cruz (foto), essa exigência – a título de prequestionamento ou para evitar supressão de instância – implicaria “negar a própria essência” do habeas corpus.

As considerações do ministro foram feitas na Sexta Turma do STJ, em julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que confirmou a condenação de um réu por crime tributário.

Na publicação da pauta da sessão do TRF1, não constou o nome do réu nem o de seu advogado, o que levou a Sexta Turma a anular o julgamento. Mas a votação foi apertada: dois a dois. Diante do empate, prevaleceu a decisão favorável ao réu.

Supressão de instância

Ainda no TRF1, a defesa chegou a entrar com recurso especial para anular o julgamento, mas ele não foi admitido porque as alegadas nulidades não haviam sido debatidas naquela instância e não foram apresentados embargos de declaração para levar o tribunal a se manifestar sobre elas.

No habeas corpus submetido ao STJ, a defesa insistiu na anulação do julgamento. A posição vencida na Sexta Turma considerou que o pedido, em relação à nulidade, não deveria ser conhecido, pois essa questão não chegou a ser discutida pelo TRF1, e a defesa não apresentou embargos de declaração.

Para os ministros que ficaram vencidos, o conhecimento – agora pela via do habeas corpus – da mesma controvérsia tratada no recurso especial, não admitido por falta de prequestionamento, configuraria supressão de instância, o que é rejeitado pela jurisprudência do STJ.

Essência do HC

No entanto, segundo o ministro Rogerio Schietti, não se deve confundir o requisito do prequestionamento, “imprescindível para o conhecimento do recurso especial”, com a supressão de instância, muitas vezes apontada pelo STJ como razão para não conhecimento de habeas corpus, especialmente depois que a jurisprudência passou a rejeitar o HC substitutivo de recurso ordinário.

O ministro – cujo voto foi o condutor da decisão – afirmou que a nova posição do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) não impede a concessão de ofício do HC, quando verificada ilegalidade flagrante. Nesses casos – disse –, “sobrepor o óbice formal do prequestionamento, mediante o argumento de supressão de instância, à declaração de flagrante constrangimento ilegal” significaria contrariar “a própria essência desta ação constitucional”.

Em relação ao caso analisado, Schietti afirmou que o TRF1 abordou as questões levantadas na apelação, mas “por óbvio” não discutiu a nulidade configurada pelo erro na publicação da pauta, pois isso não poderia mesmo ter constado do recurso da defesa.

O prequestionamento, segundo ele, não pode ser exigido no caso, uma vez que a ilegalidade se configurou não a partir dos debates do TRF1, mas com a realização do próprio julgamento “sem a observância das regras que homenageiam os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade dos atos processuais”.

Sem saída

Schietti admitiu a existência de julgados do STJ e do STF que não conheceram de habeas corpus ao fundamento de supressão de instância. Em um desses precedentes, o HC não foi conhecido porque alegava nulidade de julgamento em tribunal do júri, questão não suscitada na apelação.

Tais habeas corpus, porém, diziam respeito a ato coator praticado em primeira instância, e nem a apelação, nem o habeas corpus originário em segundo grau abordaram as supostas nulidades, só apontadas nas instâncias superiores.

Para Rogerio Schietti, a exigência de prequestionamento, a título de prestigiar as instâncias ordinárias, num caso como o dos autos, deixaria a defesa sem saída. “Como exigir a impetração na origem se a autoridade coatora é o próprio tribunal?”, indagou. Segundo ele, a situação não deixava alternativa à defesa senão entrar com o HC diretamente no STJ.

Sigilo

O ministro fez ainda duras críticas à decretação de sigilo judicial em processos sobre crimes tributários, “atitude infeliz e injustificadamente comum nesses feitos”. A falta de publicação dos nomes do réu e do advogado na pauta de julgamentos, por causa do sigilo, foi exatamente a causa da nulidade, pois privou a defesa, por exemplo, de fazer sustentação oral.

Na opinião de Schietti, o sigilo nas ações penais tributárias “deve alcançar os documentos acerca dos dados fiscais ou bancários dos acusados, nada além disso”. Ao contrário do segredo previsto para processos que envolvem menores ou que tratam de crimes sexuais (para preservação da vítima), a ocultação do nome dos réus em casos de crime tributário é “desprovida de amparo legal”, afirmou o ministro.

Com a concessão do habeas corpus de ofício, a Sexta Turma anulou o julgamento da apelação e determinou nova publicação da pauta.

Esta notícia se refere ao processo: HC 212457
Fonte: STJ

Encerrada reunião da Comissão de Veneza em Ouro Preto (MG)

Encerrada reunião da Comissão de Veneza em Ouro Preto (MG)
Foi encerrada a reunião da Subcomissão para América Latina da Comissão de Veneza, organizada em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) na cidade de Ouro Preto (MG). A reunião promoveu exposições e debates que duraram dois dias, envolvendo mais de 40 participantes entre autoridades, juízes e especialistas em direito de quatro continentes.
O tema da reunião foi a proteção de direitos econômicos e sociais em tempos de crise econômica, tendo em foco o papel da Justiça em tempos de transformações políticas e materiais. O resultado dos debates foi sintetizado em um documento batizado “Carta de Ouro Preto”, que será encaminhado para os órgãos judiciais dos países participantes e para os poderes Executivo e Legislativo federais, no Brasil.
Encerramento
Presidindo a sessão de encerramento, a ministra Cármen Lúcia, do STF, destacou a importância da atuação dos magistrados em um período como o atual, e realçou a utilidade dos debates realizados para a promoção da Justiça. Segundo a ministra, a atuação do Judiciário ganha relevo em um momento de grandes transformações, como as que passamos hoje, a fim de que o cidadão possa confiar em suas instituições.
De acordo com a ministra, as ideias apresentadas durante a reunião devem se transformar em ações efetivas pelos magistrados, em benefício de cada homem e de cada mulher em cada um dos países. “Tenham certeza que nós vamos transformar o que foi explanado em atos, votos e decisões, que possam de alguma forma contribuir para o aperfeiçoamento da democracia, para que a Justiça não seja apenas uma ideia, mas uma prática”, afirmou.
O presidente da Comissão de Veneza, Gianni Buquicchio, encerrou os trabalhos da subcomissão abordando o papel primordial dos juízes em tempos de crise, uma vez que são os magistrados os garantidores dos direitos das pessoas, e são eles que zelam para que as reformas promovidas pelo poder público não atentem contra direitos fundamentais. “Tendo em vista a conquista da igualdade e dos direitos fundamentais, a crise coloca em evidência os mais vulneráveis. A proteção das crianças, das mulheres, dos doentes e a luta pela discriminação fazem parte dos desafios dos juízes”, diz Buquichhio.
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça do Brasil, também abordou, em seu pronunciamento, o papel do Poder Judiciário no momento histórico que se inicia agora. Segundo ele, o Judiciário será chamado a dirimir não só conflitos individuais e coletivos, como no passado, mas também conflitos ligados a políticas do Estado. Será, por isso, o guardião central da afirmação democrática. “Mais que nunca o Judiciário terá que utilizar sua visão para perceber aquilo que é a conquista das relações sociais em mutação. É inevitável que os novos tempos afetem estruturas de Estado, mas é evitável que se perca o que se conquistou em termos de garantias individuais e sociais”, afirma Cardozo.
 
Fonte: STF

terça-feira, 6 de maio de 2014

Presidente do STF abre evento em Ouro Preto (MG)

Presidente do STF abre encontro da Comissão de Veneza em Ouro Preto (MG)
 

Na manhã desta segunda-feira (5), ao realizar a abertura da reunião da Subcomissão para a América Latina da Comissão de Veneza, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, salientou a importância do diálogo sobre o papel do Poder Judiciário na eficácia e efetividade dos direitos econômicos e sociais nos sistemas constitucionais dos países integrantes da Comissão de Veneza. Ele também destacou que, durante o encontro, será fomentada a criação de um órgão permanente e independente para a América Latina, “uma instituição-irmã da Comissão de Veneza”.
Segundo ele, a cooperação entre as jurisdições constitucionais sobre a atividade judicante tem grande significado para o fortalecimento da democracia na América Latina. “A proximidade linguística e os traços culturais semelhantes tornam esse diálogo mais fraterno e enriquecido com a troca de experiências com países de outras regiões do mundo”, afirmou.
Nos últimos anos, conforme o presidente do Supremo, “crises econômicas e as consequentes medidas de austeridade impostas à sociedade têm assolado os mais diversos países”. “Nesses tempos de desequilíbrio financeiro, o orçamento do Estado sofre cortes e reduções que, nas mais das vezes, acaba por afetar o cumprimento de direitos sociais e econômicos”, ressaltou, acrescentando que a ausência de recursos suficientes para a efetividade dos direitos econômicos e sociais por parte do Estado “acaba por desaguar no Poder Judiciário, a quem cabe dirimir os conflitos resultantes”.
De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, as alegações de incapacidade financeira do Estado, a razoabilidade da pretensão posta em juízo, e a destinação de recursos públicos a determinadas políticas públicas são assuntos recorrentes e exigem o enfrentamento teórico e prático nos casos concretos postos em juízo. Ele avaliou que os debates a serem realizados durante o encontro terão muito valor para a reflexão sobre esse tema amplo e de grande relevância para o estado democrático de direito, “onde a eficácia dos direitos constitucionais e a independência do Poder Judiciário são fundamentais para o enfrentamento de interesses contrapostos”.
Palestra
Ainda pela manhã, o presidente do Supremo Tribunal Federal realizou uma apresentação sobre os direitos sociais na Constituição brasileira, dentro do bloco que discutiu o tema da definição constitucional de direitos sociais e econômicos. Segundo ele, a Constituição Federal de 1988, que completou em outubro deste ano o seu jubileu de prata, foi marco da restauração da ordem democrática no Brasil após o regime militar e consagrou os direitos sociais em vários dispositivos.
Em seu artigo 6º, afirma o ministro, a Constituição prescreve como direitos sociais educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância, bem como a assistência aos desamparados. Há também proteção a diversas garantias aos trabalhadores urbanos e rurais, tais como o salário mínimo e direito a aposentadoria, seguro desemprego e proibição de critérios de admissão por sexo, idade, cor ou estado civil.
“No entanto, a eficácia e a efetividade desses direitos sociais garantidos na Constituição são muitas vezes contrapostas pela escassez de recursos orçamentários dos órgãos estatais responsáveis por sua implementação, especialmente em tempos de crise, de austeridade fiscal e monetária e de medidas governamentais visando à redução de gastos públicos”, ressaltou. Consequentemente, conforme o ministro Joaquim Barbosa, em diversas ocasiões o Poder Judiciário acaba por ser levado a dirimir controvérsias sobre a concretização de direitos sociais previstos na Constituição em razão da omissão dos órgãos estatais competentes para assegurar esses direitos.
De acordo com ele, “o exercício da jurisdição constitucional na efetivação dos direitos sociais constitucionalmente garantidos têm sido de grande relevância no sistema jurídico brasileiro”. O ministro destacou que o Supremo tem entendido ser possível, ainda que em caráter excepcional, que o Poder Judiciário determine que políticas públicas, definidas pela própria Constituição, sejam implementadas pelos órgãos estatais omissos a fim de dar eficácia a esses direitos.
“É assim que, em diversas decisões e acórdãos, o Supremo reconheceu que diante da omissão inconstitucional do Poder Executivo e do Poder Legislativo não há que se falar em ofensa ao princípio da separação de poderes, pela atuação do Poder Judiciário, em razão da supremacia da Constituição”, destacou. Para o presidente do Supremo, a concretização dos direitos sociais previstos na Constituição é um processo contínuo, não sendo possível exaurir o tema nessa breve intervenção.
Ele ressaltou ser importante lembrar que o poder emana do povo e é a este que o Estado deve responder, “imbuído dos mais elevados valores emanados da nossa institucionalidade com a proteção ao mínimo essencial dos direitos básicos de maneira adequada a uma existência digna”. “Todos nós aguardamos e esperamos ansiosamente – não apenas da parte dos Poderes Executivo e Legislativo, mas também de todos os membros do Poder Judiciário brasileiro, quando devidamente solicitados a dirimir problemas – que tenham em seu bojo tão vasta questão social que, por seu turno, é tão delicada em nosso país”, finalizou. 
EC/EH
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Fonte: STF

Consumidora que encontrou corpo estranho em pão será indenizada

A empresa de panificação Bimbo do Brasil foi condenada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais a consumidora que encontrou um corpo estranho, que parecia um fio de cabelo, num pão de forma Grão Light Firenze.
 
A consumidora não chegou a ingerir o corpo estranho, mas a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, citando precedentes do STJ, entendeu que houve dano psíquico, em grande parte causado pela sensação de ojeriza que “se protrai no tempo, causando incômodo por longo período, vindo à tona sempre que se alimenta, em especial do produto que originou o problema, interferindo profundamente no cotidiano da pessoa”.
 
O episódio aconteceu em 2009. Segundo informações do processo, o material apresentado pela consumidora foi submetido a exame, no qual se constatou a presença de corpo estranho – um fio de espessura capilar – firmemente incrustado no pão.
 
Risco
 
Em primeira instância, a Bimbo do Brasil foi condenada a pagar R$ 3,12 apenas por danos materiais – o mesmo valor pago pelo produto no supermercado. A cliente recorreu, mas a segunda instância manteve a decisão do juízo de primeiro grau, afirmando que a reparação do dano moral “exige que ele seja mais grave, a ponto de interferir mais intensamente na esfera psicológica do indivíduo”.
 
A ministra Nancy Andrighi esclareceu que o reconhecimento do dano moral como sendo indenizável vem da Constituição Federal de 1988, que prioriza o ser humano e a dignidade da pessoa. Citando doutrina, a ministra explicou que os danos morais não se restringem “à dor, tristeza e sofrimento, estendendo sua tutela a todos os bens personalíssimos”.
 
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 8º, diz que os produtos não acarretarão riscos ao consumidor – isto é, não trata apenas de danos. Em seu voto, a relatora afirmou que o fornecedor tem o dever legal de evitar que a saúde ou a segurança do consumidor sejam expostas, e o CDC contempla a potencialidade do dano, “buscando prevenir sua ocorrência efetiva”.
 
Defeituoso
 
Segundo a ministra, quando o produto não corresponde à expectativa do consumidor quanto à utilização ou fruição, afetando sua prestabilidade, há vício de qualidade. Mas quando, além de não condizer com a expectativa do consumidor, o produto cria riscos ao próprio cliente e a terceiros, trazendo insegurança, pode-se dizer que ele é defeituoso.
 
A ministra explicou que há defeito no produto quando ele oferece risco não esperado segundo o senso comum e sua própria finalidade. Assim, não se trata de mero vício.
 
“O corpo estranho incrustado na fatia de pão de forma expôs a consumidora a risco, na medida em que, na hipotética deglutição do tal fio de espessura capilar, não seria pequena a probabilidade de ocorrência de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. A consumidora foi, portanto, exposta a risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto”, afirmou a relatora.
 
Esta notícia se refere ao processo: REsp 1328916

Fonte:STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...