quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

PRESCRIÇÃO DE PRTENSÃO INDENIZATÓRIA EM CONTRATO DE RESSEGURO É DE UM ANO

Prescrição de pretensão indenizatória em contrato de resseguro é de um ano
Em julgamento de recurso especial interposto pela empresa Rural Seguradora S/A, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que não reconheceu a natureza excepcional dos contratos firmados entre seguradora e resseguradora, razão pela qual prevaleceu o entendimento de que o prazo de prescrição para indenizações é de um ano.

O caso envolveu contrato firmado entre a Rural Seguradora e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), feito em 1998, que garantia a cobertura para danos a passageiros e tripulantes de aeronaves no valor de US$ 2 milhões.

Em 26 de fevereiro de 1999, um helicóptero segurado fez um pouso de emergência, em virtude de problemas mecânicos, e dois de seus ocupantes morreram ao ser atingidos pelas hélices do aparelho.

Em junho do mesmo ano, a Rural consultou o IRB sobre o reembolso do sinistro, mas foi informada de que a hipótese de falha mecânica não estava amparada pelo seguro contratado. Mesmo assim, a seguradora fez o pagamento da indenização aos beneficiários.
Pretensão prescrita
Em 2003, a Rural propôs ação de cobrança contra o IRB, mas o TJMG entendeu que a pretensão indenizatória já estaria prescrita.

Segundo o acórdão, “o contrato de resseguro nada mais é do que outro contrato de seguro firmado entre a seguradora e a resseguradora. Consequentemente, nas relações entre estas se aplica o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil de 1916 e repetido no inciso II do artigo 206 do atual Código Civil”.

No recurso ao STJ, a seguradora defendeu que a operação de resseguro não poderia ser equiparada à de seguro, tratando-se de relação negocial de natureza diversa, pessoal, constituída entre companhias de seguro.

Alegou ainda que, diante da falta de previsão legal específica quanto ao prazo prescricional da ação de cobrança promovida por seguradora contra resseguradora, deveria ser aplicado o prazo de 20 anos, previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916, vigente à época.
Acórdão mantido
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, não acolheu os argumentos da seguradora. Ele reconheceu que a definição da natureza do contrato de resseguro “ainda encontra discordância entre os estudiosos”, mas observou que a maior parte da doutrina sustenta que, de modo geral, o contrato está inserido no tipo securitário.

“O contrato de resseguro garante ao segurador o ressarcimento pelo seu prejuízo, passando o ressegurador a atuar como segurador do segurador. Daí a expressão habitual, o resseguro é o seguro do segurador”, explicou.

“Quanto à prescrição, a lei previu, para qualquer pretensão decorrente do contrato de seguro privado, o prazo de um ano (artigo 178, parágrafo 6º, do Código Civil de 1916 e artigo 206 do Código Civil de 2002). Nisso se inclui o seguro do segurador, isto é, o resseguro”, concluiu o ministro.
Fonte: STJ

COLOCAM ATÉ FANTASIA DE MULHER PARA MATAR A FILOSOFIA

Colocam até fantasia de mulher para matar a filosofia

 
Do Resumão para Professores ao Psy “Gangnam Style”Tenho sido um ácido crítico da cultura prêt-à-porter, prêt-à-penser e prêt-à-parler disseminada pelas publicações tipo “literatura facilitada, simplificada, resumida, resumões” e pelo modo como é ministrado o direito nas faculdades e nos cursos de preparação para concursos em geral. Exemplo disso é o artigo que escrevi com Alexandre Morais da Rosa (clique aqui para ler) falando de um novo lançamento: O Resumão para Professores, autêntico “seus-problemas-acabaram-se” (sic), para lembrar um bordão das “Organizações Tabajara”, criação do grupo Casseta & Planeta.
Vem a pergunta: Depois desse Resumão não faltava mais nada? Ledo engano. É só cavarmos um pouquinho... É de chorar quando se faz um passar d’olhos na internet sobre os vídeos que tratam de “aulas e revisões para concursos públicos”. É vulgata do senso comum. Para quem quiser ver, é só acessar, porque tem de tudo, com títulos como: preparação para a OAB com as Poderosas (é isso mesmo!), prescrição penal em ritmo daquele ridículo coreano chamado Psy “Gangnam Style” (argh!), Forró dos crimes contra a honra, funk do ECA, Sertanejo do Erro na Execução, Roberto Carlos e a lei no tempo, pagode do “Garantidor”, coisa das mais patéticas que já vi.
É incrível a “profundidade” das lições passadas nessa neo-vídeo-jusliteratura. Alcança os calcanhares de uma formiga anã. Não há comparativo. Puro trash. Pode-se ver o zíper do monstro, como no filme O Ataque dos Tomates Assassinos. O diretor fez o filme a sério... mas não soube esconder o zíper do monstro. Assim é essa pseudo literatura vídeo-jurídica. É a trashlização jurídica.
Depois que você vê esses vídeos — se ainda não os viu — pergunte-se se você não está com vergonha alheia. Vamos todos para Estocolmo. Com esse modelo de ensinar direito, Pindorama ganha o Nobel! Ah, ganha!
E veio a performance... de salto alto, short e blusa vermelhaA disseminação de uma vulgata-tipo-senso-comum tem atualmente na internet o seu locus privilegiado. Se o que relatei há pouco sobre o que rola nas redes já espanta, confesso que me surpreendi com a contundência de um vídeo de um conhecido professor de curso de preparação para a OAB e concursos, em que ele se põe roupa de mulher, com saia (ou short) e camiseta vermelha (tipo As Poderosas?), equilibrando-se — reconheço, competentemente — sobre um par de longas botas de alto salto alto. Registro: cada um faz o que lhe der na telha. Mas cada atitude — se pública — tem efeitos colaterais. Ah, tem!
Sigo. Pois o professor — que, também reconheço, por vezes faz coisas engraçadas — conseguiu, em poucos minutos, cometer um epistemicídio de John Rawls, Aristóteles e de dois paradigmas filosóficos. E aí está o busílis: isso-não-tem-graça-alguma. Ou seja, não estou aqui preocupado com a performance artística do professor. Mas uma coisa está ligada à outra, indubitavelmente. Explico: A aula era (para ser) de Filosofia do Direito. Então vamos lá.
John Rawls: que não é o forte (preto) e nem o mentoliptusSegundo as lições do professor, John Rawls seria esse sujeito (sic) da equidade. Nem vou falar dos trocadilhos sobre Rawls... As anedotas são do professor e não minhas.
Ora, caros leitores do Senso Incomum, Rawls tem a sua ideia da Justiça como Justice as Fairness. Primeiro, é preciso dizer que Rawls não faz Filosofia do Direito nem Teoria do Direito, e, sim, filosofia política. Mas, enfim, vamos lá. O que importa é que a explicação sobre Rawls desenvolvida pelo professor performático não resiste a poucos segundos de Filosofia (lato sensu e política). Vamos ver isso? Então: Ao dizer que Rawls desenvolveu a ideia de Justiça como equidade, o professor sentencia de pronto que a aplicação da equidade é um princípio superpoderoso (sic) que preenche determinadas questões em que a lei não tem capacidade de solucionar. Para exemplificar, traz à baila um caso de estupro de vulnerável em que um juiz afastou a ilicitude diante do fato da menor de 14 anos já estar casada com um maior de 18 anos. Assim, conclui que a lei escrita “que estabeleceu o estupro de vulnerável não conseguiu ver esta situação em específico e o juiz precisou fazer uma reformulação. Mais do que interpretação, o juiz usou um superpoder que modificou o formato da lei. Aí nós temos a equidade, a justiça, portanto, como forma de equidade”. Bingo! Simples assim. Tudo (aparentemente) faz sentido. Todavia, flagrantemente esqueceu de fazer as leituras de A Theory of Justice, 1971, e do Political Liberalism, 1993, para falar apenas destes.
Ocorre que a esquizofrenia jurídica assumiu proporções tais que a explicação levada a cabo em nada tem a ver com a proposta de Rawls, e isto sem falar nos equívocos jurídicos como: seria a equidade um princípio? O que é um princípio superpoderoso (sic)? Interpretar significa aplicar a lei e utilizar-se da equidade seria modificá-la? Neste caso em específico — e parto apenas das informações dadas no vídeo — o juiz aplicou mesmo este superpoder chamado de equidade ou utilizou-se de uma fundamentação legal existente no arcabouço jurídico? Ou foi simplesmente um ativista, decidindo ao seu bel prazer (como é comum acontecer)?
Não obstante os problemas de Direito presentes na argumentação do professor, aqui denuncio apenas que a explicação não representa a construção rawlsiana. John Rawls, com a publicação em 1971 da obra Uma Teoria da Justiça, reintroduziu a questão normativa no seio da filosofia moral e política e tornou-se um dos filósofos mais importantes do século XX. Tendo como um dos pontos de partida uma crítica ao utilitarismo anglo-saxão, o filósofo apresenta como contraponto uma concepção denominada de Justice as Fairness.   
Não vou explicitar aqui o que significa o utilitarismo e o que se pode considerar como moralmente correto e a busca da maior felicidade, etc. Farei isso em uma coluna específica, que poderá ser utilizada nas aulas dos cursos de preparação para que os alunos possam entender Rawls. Agora que apenas dizer que Rawls parte de uma situação hipotética denominada de posição original. Nesta, as partes em situação equitativa e imparcial devem decidir quais os princípios de justiça devem reger a sociedade. Todavia, esta decisão será “sob o véu da ignorância” (que não o véu de ignorância de certos professores), sem conhecer suas situações na sociedade real. Assim, diante da possibilidade de estarem na situação mais desfavorável, ambos têm o desejo de que esta seja a menos má possível. Como resultado, o filósofo apresenta os dois princípios de Justiça que acredita possibilitar o consenso na posição original.
Primeiro princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais abrangente de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo princípio: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
Estes princípios de Justiça representam a concepção da Justiça como Equidade (na verdade, prefiro que se traduza como “Justiça como Equanimidade” em face da palavra fairness) e partem da suposição de que estes, escolhidos na posição original, encontram também respaldo nas convicções morais encontradas em contextos liberais e democráticos, manifestando assim um senso de Justiça.
Acredito que isto seja suficiente para demonstrar que a Justice as Fairness de Rawls não é a equidade como mecanismo de interpretação ou integração da lei como foi ensinado.  Não me canso de dizer que o direito é um fenômeno complexo, e o que falar da filosofia... Aonde chegaremos neste processo de trashlização do ensino jurídico?  Já vivemos o paradoxo: estuda-se para errar, pois, assim haverá o acerto. Estudar seriamente está se tornando a cada dia um erro.[1] Vamos, pois, parar com essas gambiarras protofilosóficas.
E o que o professor fez com o velho Aristóteles?Sobre Aristóteles o professor nos diz — partindo de uma anedota (confesso, engraçada) sobre uma pergunta feita por um parente sobre Justiça do Trabalho — três formas distintas de Justiça que estariam presentes na sua obra. A primeira é a Justiça Comutativa, que afirma que os iguais devem ser tratados de forma igual. A Justiça Distributiva, por sua vez, estipula tratamento desigual na medida das desigualdades, de forma a evitar uma desigualdade ainda maior, como seria o caso das relações de consumo e trabalhistas. A terceira forma seria a Justiça Penal, chamada de vindicativa. Estou, aqui, até sofisticando o que disse o professor.
Ora, Aristóteles dedica a íntegra do livro V da Ética Nicomaqueia ao tratamento do problema da Justiça, classificando-a da seguinte forma: a Justiça pode ser de dois modos, universal e particular. Esta última, que é a que nos interessa neste momento, divide-se entre justiça distributiva (geométrica) e justiça corretiva (aritmética).
Em sentido estrito, a justiça distributiva aristotélica refere-se à distribuição de bens que podem ser alocados em partes iguais ou desiguais entre os membros da comunidade, como cargos, riquezas e outros bens divisíveis. Dentro deste conceito, a igualdade envolveria outros quatro princípios: 1) que o justo é um termo médio e igual, relativo a algo e a outras pessoas; 2) que existem termos extremos dentre os quais está a igualdade; 3) que, como igual, implica na existência de duas partes iguais e; 4) significa que para um grupo pessoas pode ser entendido como justo. De toda forma, Aristóteles reconhece a validade de outros critérios nesta divisão geométrica dos bens em questão, como o critério das oligarquias (a riqueza) ou das aristocracias (a virtude), onde o termo médio se deslocaria em direção a uma das pontas.
A Justiça Corretiva recebe mais duas divisões, relativas aos tipos de transações privadas possíveis, como as voluntárias (contratos, depósitos, aluguéis e empréstimos) e as involuntárias (roubo e furto). 
Nas relações voluntárias entre particulares, como entre um pedreiro e um sapateiro, não cabe a simples metáfora da mediedade, da divisão pura, pois não se fala de uma troca entre bens de igual valor. É nesse sentido que Aristóteles fala de correção: para qualquer relação entre desiguais é preciso estabelecer um terceiro parâmetro, que no caso das trocas comerciais seria a demanda. Não ocorreria a simples troca de uma casa por um par de sapatos, por exemplo, mas seria estabelecido um valor de troca correspondendo a quantos pares de sapato valeria uma casa.
Sobre as transações involuntárias, diferentemente da Justiça Distributiva, não importa o status das partes, valendo apenas a pura e simples retribuição, a ser realizada pelo juiz. No exemplo de Aristóteles, não importa se foi o homem bom que roubou o homem mau ou vice-versa: cabe ao juiz apenas fazer o máximo para retificar o status quo ante. Isso tudo só para começar. E o professor tentou “facilitar” tudo isso com pequenas “tiradas” engraçadas...
A diferença entre objetivo e subjetivoEm outro momento da "aula", o professor menciona a diferença entre direito objetivo e subjetivo, valendo-se de um truque que facilitaria o aprendizado. Segundo o professor, direito objetivo é aquele que pode ser provado, e subjetivo é o que pode ser sentido, e não provado. Acontece que, filosoficamente, esta argumentação não se sustenta. No campo da metafísica, há realistas, como N. Hartmann, que sustentam que a existência objetiva de algumas entidades, como os valores que se projetam sobre os entes do mundo, é fundamentada pela experiência subjetiva (sentimental) de um espírito pessoal. Do outro lado, o fundador da filosofia moderna da subjetividade, Descartes, propunha que mesmo o subjetivo (interior) pode ser provado (e este, na verdade, seria o mais fácil de ser provado). Mesmo se falando em ética podemos falar em realismo, cujos defensores, como Aristóteles, afirmam que proposições sobre matéria moral correspondem a entidades no mundo e que podemos provar que estas proposições são verdadeiras ou falsas.
O professor diz que o direito subjetivo não pode ser provado. Ora, se for assim, fechemos os tribunais e fóruns ao redor do país, já que os causídicos que forem à Justiça não podem mais dispor "de todos meios de prova admitidos em Direito" para, afinal, provar que têm algum direito (subjetivo). Só se, é claro, sentença vier de sentire. Bem, deixemos prá lá.
Um hermeneuticídio culturalDesculpem-me, mas eu não poderia deixar de falar sobre esse(s) vídeo(s). Sei que o uso de paródias e truques performáticos são de uso comum no mundo dos cursos de preparação para concursos. Falar sobe isso não representa implicância minha. Fico apenas pensando: no que transformamos este país e o ensino jurídico... Quem pagará a conta desse hermeneuticídio cultural?
Há coisas escritas por aí tão néscias que a relação poderia ser invertida: quem escreveu poderia ser o comprador-consumidor e quem comprou poderia ser o que escreveu (em breve farei uma coluna sobre isto que se chama “comunicação tautológica”; já está em preparo). E multiplicam-se feito coelhos.
Alguém objetaria: mas, do modo como esses autores (Rawls, Aristóteles, Hart, Gadamer, Dworkin, etc) são complexos (em parte pude demonstrar isso acima), parece impossível colocar “isso” em concursos... Pode ser. Talvez tenha sido um erro introduzir “isso” nos concursos e prova da OAB. São opções que uma área do conhecimento como o Direito pode fazer, isto é, fazer a opção pela mera instrumentalização, abrindo mão da reflexão.
De todo modo, achar que as questões complexas devem ficar fora do Direito é como imaginar uma aula de Medicina em que o professor diz: esse negócio de operação cardíaca é muito simples: abre-se o peito do cara e fuça-se no meio daquelas artérias e...bingo, porque de algum modo a “coisa se resolverá”... O que aconteceria a esse docente do campo da medicina? E o que aconteceria ao professor de medicina que publicasse um livro chamado “operação cardíaca facilitada”? Ou um “Resumão da operação de cérebro”, feito especialmente para... os catedráticos de medicina? E então? Quem vai encarar?
Numa palavra: indignemo-nos! Mas, ainda há tempo?Aqui, cabe a pergunta: vale a pena “conquistar” um mercado desse modo? A qual custo? Os proprietários dos cursos de preparação estão dispostos a pagar esse preço? Não existe uma função social nisso tudo? Perdemos totalmente a capacidade crítica? Não temos mais um mínimo de auto estima na área jurídica? Perdemos a autocrítica? Por que caímos nesse ridículo? Transformamos o Direito é uma área patética. Daqui a pouco teremos vergonha de nos dizermos “professores de Direito” ou “advogados”. Sempre aparecerá alguém para dizer: ah, vocês são daqueles que fazem “aquilo” na TV e na internet para “treinar” os bacharéis em direito...
Tomei o máximo de cuidado para escrever esta coluna, para torná-la a mais objetiva possível. Não é intenção fulanizá-la. Trata-se de uma “questão de imaginário”. Ou seja, o problema não reside no professor protagonista do vídeo ou dos demais que fazem vídeos com paródias de funk etc. Isso é (apenas) varejo. Minha preocupação é com o atacado. A coluna deve ser lida com esse espírito.
Por isso, vou me permitir repetir o que já disse alhures: vivemos em uma espécie de estado-de-natureza-epistêmico. Há uma ausência de superego. Tudo é Id. Farra total. É o mal-estar da juscivilização de Pindorama. Minha pergunta: podemos cair mais fundo no abismo dos sentidos?
Talvez possamos começar de novo. Levar o Direito a sério. Estudar. Parar com esses artifícios (percebem como estou sendo magnânimo?) nas aulas, nos palcos, na TV e nos livros. Chega de bizarrices. Leiamos para além de resumos e resumões. Direito é complexo. Fosse fácil, seria periguete ou superfantástico.
Por favor, professores de todo o país: levemo-nos a sério. As outras áreas estão rindo de nós. Fôssemos médicos e ainda não teríamos inventado a penicilina. Enfim: essas coisas todas das quais falei fazem de um simbólico de um imaginário erodido, dúctil, fofinho, anêmico... Um senso comum de segunda mão.
Uma indagação de extrema relevância (mas de extrema relevância, mesmo): será que os alunos-clientes dos cursos de preparação (ou até de faculdades) são tão imbecis ou coisa do gênero que só conseguem “pegar” a matéria mediante artifícios do tipo “paródias de músicas” e performances tipo as do(s) vídeo(s) que estão por aí? Isso não é subestimar os alunos? Sendo mais claro na minha pergunta: isso não seria, em vez de querer demonstrar avanços, confessar o total fracasso, a ponto de ter que apelar a essas pífias artificialidades? Cartas para a coluna!
Para encerrar: necessitamos de um serious turning rightVolto. E para dizer que devemos começar já um serious turning right! Ou uma schwere Wende Recht! Enfim: um giro sério do e no Direito. Buscar um Direito sem os atributos (ruins) do passado (falo aqui em homenagem ao maior romance do século XX, Der Mann ohne Eigenschaften – O Homem sem Atributos, de Robert Musil). Enfim, uma viragem em direção à reflexão e à seriedade!
Quem acha que podemos fazer mais e melhor[2] replique esta coluna (não é fácil fazer “girar” nas redes uma coluna como esta — fácil, mesmo, é girar porcarias, como a do vídeo do Balão Mágico e agora de uma moça que pretensamente teria escrito um livro sobre os episódios eróticos dela como concurseira em Brasília... É incrível como coisa ruim ou notícia ruim se espalham nas redes!).
Se você decidir replicar, diga que está replicando o texto porque quer um serious turning right. E não, simplesmente, porque meu texto é crítico. Na verdade, estou indignado. Por isso, incito a comunidade jurídica (e não jurídica): indignai-vos! Paro por aqui. Nem vou dizer que devem(os) estocar comida. Pra quê?

[1] Poderia brincar com “assinale as alternativas...”. Não vi o restante da aula (meus amigos me mandaram apenas uma parte). Imagino quantos outros filósofos foram simplificados e/ou maltratados naquele dia. Fico pensando: maldita hora em que resolveram colocar filosofia do direito nos concursos e no exame de Ordem. Deu nisso. Um autêntico filosoficídio, crime para o qual não deveria ter sursis, substituição de pena ou qualquer benefício, já que é hediondo stricto sensu.
Poderíamos usar a situação hermenêutica (no sentido gadameriano da expressão) em que se colocou o professor para fazermos um treinamento sobre questões objetivas, algo como “assinale a(s) alternativa(s) correta(s): a) Você olha o vídeo e tem a nítida impressão de que o mundo vai acabar e que está no meio do filme Melancholia, de Lars von Trier; b) você olha o vídeo e solta aquela expressão usada pela esposa que se depara com o piercing que o gordinho do marido colocou no umbigo na propaganda da Ipiranga – “ai, meu Deus” (ver aqui); c) tem-se a nítida impressão que foi fundado um novo paradigma: o da nesciontologia; d) esse vídeo supera fácil o “clássico” exemplo de F. Capez, que, para mostrar o que era erro de tipo, falava de um sujeito que se veste de cervo, vai para a mata e leva um tiro de um caçador, que vê apenas a galhada; mas, para saber, há que apelar à ponderação. O gabarito? Alguém arrisca?
[2] Uma observação: tenho a absoluta convicção e certeza que os próprios professores de cursinhos – e aqui vai o meu carinho e respeito a essas pessoas lutadoras, das quais nem todos se rendem à ideologia do (fácil) performatismo – querem, de fato, melhorar o que fazem. No fundo, tudo está a indicar que nem os próprios “performáticos” se sentem muito à vontade fazendo o que fazem. Algo me diz que ficam constrangidos... Por isso, convido a todos para um turning point. Serei parceiro!
 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

É FALSO DISCURSO DOS BANCOS NO DEBATE SOBRE PLANOS ECONÔMICOS

É falso discurso dos bancos no debate sobre planos econômicos

 
Será na próxima semana, enfim, o julgamento dos planos econômicos pelo STF. A questão jurídica é – e sempre foi – singelíssima. Os bancos aplicaram retroativamente índices novos e menores às cadernetas de poupança. Há mais de 20 anos todo o Judiciário brasileiro vem decidindo sempre no mesmo sentido, reconhecendo ilegal prejuízo aos poupadores. A aplicação dos índices menores estava em evidente conflito com a garantia constitucional da intangibilidade do ato jurídico perfeito, como está em muitas decisões do STF. É esta premissa jurídica, grosso modo, que o Supremo terá de decidir se confirma ou não no julgamento da próxima semana.
Derrotados na argumentação jurídica, os bancos reinventaram o debate a partir de uma racionalidade exclusivamente econômica. Apresentaram ao STF uma ADPF que simplesmente não aborda a controvérsia judicial em torno dos expurgos inflacionários, tal qual tratada no ambiente da consolidada jurisprudência. Na ADPF o argumento é essencialmente econômico: há risco sistêmico em eventual decisão favorável aos poupadores e, sustenta-se, não teria havido vantagem econômica alguma para os bancos com a aplicação retroativa dos novos índices.
Recentemente os bancos contaram com uma boa ajuda do ex-ministro Maílson da Nóbrega para referendar o discurso econômico que está no cerne da ADPF. Mas o que certamente não estava na conta dos bancos era o categórico desmentido, também recente, do Credit Suisse.
Em artigo na revista Veja, há duas semanas, Maílson da Nóbrega sustentou, repetindo a ADPF, que, se a decisão for favorável aos poupadores, os bancos perderiam R$ 150 bilhões. Com isso, segue o ex-ministro em discurso alarmista, “haveria contração de crédito, com redução drástica da atividade econômica e do emprego” e, consequentemente, “um desastre econômico e social de graves dimensões”. Sem se referir expressamente ao artigo do ex-ministro, mas de igual forma avaliando a dimensão do impacto econômico do julgamento, o Credit Suisse apresentou estudo em sentido contrário, indicando que a repercussão seria muito menor (Economic plans: In reality more smoke than fire – versão apenas em inglês).
Com todo o respeito, mas também com todas as palavras, é falso o discurso alarmista de Maílson da Nóbrega. Grosseiramente falso, como já havia demonstrado o IDEC, a Procuradoria-Geral da República e agora o Credit Suisse. O número terrorista é concebido a partir de premissas irreais.
O Credit Suisse, em exaustivo estudo, desconstruiu os números apresentados pelo ex-ministro. De forma objetiva, o estudo diz que o valor apresentado por Nóbrega simplesmente does not make sense. Realmente não faz sentido ou há mais fumaça do que fogo nos tais números. O impacto potencial do julgamento é inferior a dez por cento do número terrorista vocalizado por Nóbrega, concluiu o Credit Suisse. E a conta seria paga parceladamente, em anos de tramitação judicial dos milhares de processos. Acrescente-se que o estudo do Credit Suisse sequer considerou recentes vitórias que os Bancos obtiveram no STJ. O número real é ainda menor, não há dúvida.
Lucros extrasNo mesmo artigo veiculado na Veja, Nóbrega repete outro falso argumento econômico da ADPF: os bancos não teriam tido nenhuma vantagem com a aplicação retroativa dos índices menores, pois os valores captados na caderneta de poupança estavam integralmente comprometidos com os empréstimos imobiliários (SFH), em idênticas taxas.
O ex-ministro deveria ter conferido o estudo apresentado pelo ex-economista chefe da própria Febraban, Roberto Troster, demonstrando exatamente o contrário. Os bancos faturaram R$ 450 bilhões com a aplicação retroativa dos índices menores, confirmou depois a Procuradoria-Geral da República. Isso porque, diferentemente do que escreveu o ex-ministro, havia um descasamento entre valores da poupança e os empréstimos ao SFH. Esse descasamento autorizou que os bancos emprestassem boa parte do valor captado na poupança a taxas maiores (fora do SFH), gerando o faturamento extra de R$ 450 bilhões apontado pela procuradoria. Esse argumento nunca foi desmentido pelos Bancos; eloquente silêncio que parece não ter sido suficiente para inibir Maílson da Nóbrega em insistir na estória da ausência de vantagem.
Sim, os bancos ganharam muito. Os poupadores perderam. É o que vem reconhecendo o judiciário (STF, inclusive) há mais de 20 anos. Mas por que, afinal, divergem sobre números o ex-ministro Maílson da Nóbrega e os economistas do Credit Suisse? “Se todos os economistas fossem postos lado a lado, nunca chegariam a uma conclusão”, brincava Bernard Shaw. Mas parece que aqui a assimetria de conclusões, infelizmente,não é aleatória. Tem uma explicação mais racional.
Nóbrega é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada. Foi essa a consultoria que os bancos contrataram para dar o principal parecer que ampara a ADPF no Supremo. Muito do que disse o ex-ministro na Veja já estava mencionado no parecer da Tendências contratado pelos bancos (o documento está disponível no site da Febraban). O Código de Conduta da Editora Abril prevê que devem ser evitadas “situações, ações e atitudes que possam caracterizar ou sugerir conflito entre os nossos interesses pessoais e o nosso desempenho profissional”. Colunista da revista, pelo menos Nóbrega deveria ter consignado o compromisso profissional com a Febraban no tema abordado na coluna. Trata-se de inquestionável direito do leitor-consumidor da revista.
Mas e o Credit Suisse, por que não confirmou Maílson de Nóbrega? A razão é simples. O Credit Suisse, administrador de fundos de investimentos que possuem, em carteira, ações de bancos, se obriga, por dever de ofício, a revelar o verdadeiro impacto econômico do julgamento. E a mensagem que o Credit Suisse passou aos investidores foi clara: o impacto do julgamento, seja qual for o resultado, não deve interferir na boa perspectiva da cotação das ações dos bancos na Bolsa de Valores.O estudo, aliás, recomenda explicitamente a compra de ações de bancos, mesmo considerando provável a vitória da tese dos poupadores. E o mercado, é certo, seria implacável com eventual erro de avaliação do Credit Suisse.
Em 2013, o ex-ministro Maílson na Nóbrega recebeu o prêmio de economista do ano do Conselho Federal de Economia. Merece, não há dúvida. Mas não seria excessivo dizer que o artigo que publicou– por razões técnicas e, sobretudo, éticas – não é uma boa contribuição à merecida reputação até aqui conquistada.
 
Luiz Fernando Pereira é doutor e mestre em Direito pela UFPR. É o advogado que sustentou no Supremo a defesa dos poupadores na ADPF 165.
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Empresa Individual de Responsabilidade Limitada como Prestadora de Serviços de Natureza Intelectual, Artística ou Científica: Breves Considerações



Por
Wagner Silva Barroso de Oliveira
(Artigo publicado pela Editora Magister)

RESUMO: A Eireli é ideal para aqueles que desejam prestar serviços na qualidade de pessoa jurídica - sobretudo aqueles de natureza intelectual, artística ou científica, conforme preceitua o art. 966 do Código Civil. Este trabalho visa tecer considerações, ainda que breves, sobre a aproximação da natureza jurídica do novel instituto da Eireli com os típicos patrimônios de afetação, com a diferença, dentre outras, da atribuição de personalidade jurídica. Isso, que representa uma evolução em relação à limitação patrimonial tal qual concebida para as estruturas societárias contratuais típicas antes do advento da Lei nº 12.441, alia-se à janela de oportunidades que se abre para legitimar soluções de mercado acerca da contratação de pessoas jurídicas detentoras de talentos intelectuais, artísticos ou científicos.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli). Prestação de Serviços de Natureza Intelectual, Artística ou Científica.

"SER ADVOGADO NÃO É MAIS UMA BOA ESCOLHA PARA OS JOVENS"

Profissão do passado

"Ser advogado não é mais uma boa escolha para os jovens"

 
Pelo menos em Portugal, os jovens deveriam considerar outras opções antes de se aventurar na advocacia. São anos de estudo e dedicação para entrar em um mercado de trabalho saturado, sem espaço para mais ninguém. O conselho parte de alguém que respira a advocacia portuguesa, tendo passado seis anos dedicado a presidir a Ordem dos Advogados do país. António Marinho e Pinto é um dos mais ferrenhos desestimuladores para quem pretende cursar uma faculdade de Direito.
“Os jovens se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico no final de 2013, pouco antes de deixar a presidência da entidade. Para ele, Portugal já tem advogado demais e, sem costas quentes ou uma mente brilhante, é muito difícil um recém-formado ter sucesso na advocacia.
Durante os seis anos em que esteve à frente da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto batalhou por uma melhora no ensino jurídico em Portugal. Ele acredita que a proliferação das faculdades particulares levou à democratização do ensino, mas derrubou a qualidade e não resolveu o problema do desemprego. “O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego”, diz.
Ele considera que a formação universitária não prepara ninguém para atuar como advogado, juiz ou promotor. Os cursos de formação profissional oferecidos pelo Estado, para as carreiras públicas, e pela Ordem são fundamentais. É por isso que defende com unhas e dentes os exames de Ordem que existem no país — são dois: um após seis meses de estágio obrigatório e outro ao final dos dois anos de qualificação.
Em uma entrevista de uma hora, o advogado criticou o que chamou de processo de desjudicialização em Portugal, com o aumento dos tribunais arbitrais e a restrição de acesso à Justiça. Hoje, alguns casos cíveis só podem ir para o Judiciário se passarem por uma tentativa de mediação antes. Já nos tribunais superiores, há um filtro para novos recursos. Se o juízo de segunda instância confirmou a decisão de primeira, não há mais apelo ao Superior Tribunal de Justiça. O caso está encerrado. O resultado disso é uma Justiça mais rápida, mas, para o ex-presidente, menos justa. “Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população.”
Ele também não poupou críticas à arbitragem, o que chamou de uma Justiça clandestina, feita longe dos olhos da população. “Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal.”
António Marinho e Pinto assumiu a presidência da Ordem dos Advogados de Portugal em 2008 e ficou no cargo até o final de 2013. Foram seis anos, dois mandatos. Durante esse tempo, comprou briga com o governo por conta da assistência judiciária. Acusou o Judiciário de empurrar para a advocacia os bacharéis despreparados. Bradou contra a adoção de crianças por casais gays, o que chamou de desrespeito aos pequenos. E sobrou até para o Brasil quando, em tom de ironia, afirmou que o que os brasileiros mais exportam para Portugal são prostitutas. O que ele quer fazer agora, depois de deixar a entidade? “Dormir por dois ou três meses”, diz, aos risos.
Leia a entrevista:
ConJur – Como está o ensino jurídico em Portugal?António Marinho e Pinto – Mal, muito mal. O ensino de Direito se mercantilizou completamente no país. Houve uma proliferação enorme de universidades de Direito que não cuidam em preparar bem os estudantes. Essas escolas estão mais preocupadas com os lucros econômicos do que com a qualidade do ensino. Os estudantes não são tratados como alunos, mas sim como clientes. Praticamente ninguém reprova nas universidades porque, se reprovarem um aluno, vão perder um cliente, já que ele vai procurar outra faculdade que não o reprove. Isso levou a uma diminuição grande da qualificação dos licenciados em Direito, que acabam não conseguindo emprego e correm atrás da Ordem dos Advogados como a única alternativa. Mas nós aqui temos uma posição muito clara quanto à formação profissional que ministramos. Quem fez uma boa licenciatura nunca reprovará nos nossos exames. Já quem não fez nunca passará nas nossas provas, que exigem conhecimentos teóricos e científicos, sem os quais não é possível demonstrar uma boa formação para o exercício da advocacia. 
ConJur – Quantos exames hoje um bacharel em Direito precisa fazer na Ordem até ter a carteira definitiva e poder atuar como advogado?António Marinho e Pinto – São dois exames. Um logo depois do estágio inicial de seis meses e um depois de mais um ano e meio, para obter a carteira profissional. Nós chegamos a criar um exame para selecionar os recém-formados para o estágio obrigatório, mas o Tribunal Constitucional disse que isso limitava a liberdade de escolha e anulou a norma do regulamento interno da Ordem
ConJur – E o que o senhor achou dessa decisão do tribunal?António Marinho e Pinto – Foi errada, porque prejudica os estagiários. Como eu disse antes, se um estagiário tem uma boa licenciatura em Direito, ele fará com tranquilidade a sua formação profissional na Ordem e será inevitavelmente aprovado. Mas se não tem sólidos conhecimentos jurídicos para exercer uma profissão forense, pode fazer o estágio da Ordem por dez anos e nunca vai tirar a carteira profissional. É por isso que nós queríamos fazer a seleção antes de começar o estágio. Assim, aqueles que não estivessem bem preparados poderiam procurar outro rumo para a sua vida. No momento em que a Ordem dos Advogados entrega a carteira profissional para um advogado, está autorizando, em nome do Estado português, que ele exerça a profissão. Além disso, está dizendo para a sociedade portuguesa que pode confiar nesse advogado, que está preparado para defender seus direitos. E nós só podemos oferecer essa garantia pública quando o advogado está, de fato, preparado. A advocacia é uma profissão de interesse público que é exercida com grande liberdade, com clemência e, por isso, tem que ser exercida com grande responsabilidade, com respeito por princípios de valores de natureza épica e deontológica.
ConJur – Como é a formação profissional oferecida pela Ordem?António Marinho e Pinto – Inicialmente, o bacharel faz um período de estágio de seis meses, com uma formação mais teórica em três áreas fundamentais. A primeira é deontologia profissional. Depois vem Direito Constitucional e Direitos Humanos, que são super importantes. Sem isso, tem licenciado em Direito que acaba entrando na profissão sem saber apresentar um recurso ao Tribunal Constitucional ou ajuizar uma queixa na Corte Europeia de Direitos Humanos, que, muitas vezes, constitui a última instância dos cidadãos para que seja feita Justiça. Depois, vem a área de práticas profissionais, com os aspectos práticos do processo civil e penal. Uma vez concluído esse estágio, o bacharel faz um exame e, se passar, vai para o passo seguinte, quando já pode praticar atos próprios dos advogados, mas ainda sob tutela da entidade. A segunda fase do estágio dura um ano e meio e é voltada para a prática da advocacia. Nesse período, o bacharel acompanha atos do escritório que for seu patrono. Concluída essa fase, faz a última prova, chamada de Exame de Avaliação e Agregação, e, se for aprovado, aí sim pode atuar como advogado independente.
ConJur – Qual é o índice de reprovação nesses exames?António Marinho e Pinto – No primeiro exame, normalmente, temos 75% de reprovação. Esse número é alto justamente porque a Ordem foi impedida de fazer uma seleção para acesso ao estágio inicial, como o Estado português faz, por exemplo, para entrar na magistratura. Concorrem 2 mil licenciados para a magistratura e só 100 são aprovados. Outro fator que influencia no alto índice de reprovação é a redução de cinco para quatro anos do estudo de Direito nas universidades. Tem faculdade que forma um bacharel em apenas três anos.
ConJur – Essa mudança foi provocada pelo chamado Processo de Bolonha, que padronizou o ensino universitário na Europa, não é isso?António Marinho e Pinto – Exatamente. E, com a postura atual do governo português, está sendo criada uma disparidade muito grande entre os advogados e os magistrados. O Estado só admite para a magistratura quem tem uma formação acadêmica de cinco anos. Quer dizer, ou fez uma licenciatura de cinco anos ou estudou apenas os quatro atuais e fez um mestrado em seguida. O mesmo Estado obriga a Ordem a receber pessoas com uma licenciatura de apenas três anos, feita em uma universidade privada sem qualquer credibilidade.
ConJur – Essa disparidade na formação entre advogados e magistrados afeta o serviço oferecido ao jurisdicionado?António Marinho e Pinto – Ainda não dá para saber porque a mudança é recente. Só agora vão entrar no mercado os primeiros advogados com formação acadêmica inferior à dos magistrados. Estou preocupado com isso porque os advogados precisam ter uma formação igual ou superior aos magistrados. Um advogado, para impugnar uma decisão, tem que estar tão ou mais bem preparado que o juiz. O que o governo português tem feito é degradar intencionalmente a qualidade, o prestígio e a própria dignidade da advocacia portuguesa unicamente por questões políticas e estatísticas. Isso porque, a partir do momento em que um jovem recém-formado se inscreve na Ordem, ele deixa de figurar nas estatísticas de desemprego. Por questões meramente estatísticas, o Estado massificou o ensino do Direito e está massificando a própria advocacia, inconsciente ou indiferente à degradação que isso provoca na profissão e, consequentemente, na própria administração da Justiça. Quem perde é o Estado de Direito porque, num país em que a profissão de advogado é degradada, os prejudicados são os cidadãos.
ConJur – Quantos novos advogados são registrados na Ordem por ano?António Marinho e Pinto – Não tenho os números exatos. Saem das universidades de Direito entre 3 mil e 4 mil estudantes e, desses, entre 1,5 mil e 2 mil se inscrevem para o estágio na Ordem.
ConJur – O mercado de trabalho tem capacidade para absorver todos esses profissionais?António Marinho e Pinto – Não, de maneira alguma. Isso é terrível. Os jovens advogados se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo. Tem muito advogado que vive às custas dos pais por anos até arrumar um emprego mal remunerado. Não há necessidades sociais para tanto advogados.
ConJur – Então ser advogado não é uma boa escolha?António Marinho e Pinto – Eu tenho dito isso sempre. Ser advogado não é mais uma boa escolha. É óbvio que é diferente para o jovem que tem um familiar advogado, dono de um escritório. O mesmo vale para quem tem fortuna pessoal suficiente para ficar oito anos sem rendimentos. A maioria, que não está em nenhuma dessas duas situações, muito dificilmente vai conseguir ser advogado. A não ser que seja um gênio, um estagiário brilhante. Senão, vai passar anos como assalariado ou voluntário, sendo explorado por escritórios que pagam um salário muito inferior ao merecido.
ConJur – O senhor falou da mercantilização do ensino jurídico em Portugal. Quando começou esse processo?António Marinho e Pinto – Há uns 30 anos, com a abertura de universidade privadas de Direito, voltadas sobretudo para o lucro e enriquecimento dos seus proprietários. Essas universidades começaram a concorrer com as públicas e começou a acontecer o contrário da teoria do capitalismo. Com o aumento da concorrência, a qualidade piorou. Os alunos começaram a ser tratados como clientes, não mais como estudantes. Aí veio o Processo de Bolonha, que é uma gigantesca fraude aos estudantes. Quer dizer, hoje, se lança o jovem mais cedo no mercado de trabalho, mas ele fica sem emprego porque não está preparado. O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego.
ConJur – É possível reverter esse quadro?António Marinho e Pinto – A Ordem tem exigido mais qualidade e mais critérios para permitir o acesso à advocacia, mas é difícil porque, de um lado, o governo quer mais é massificar as profissões. De outro, os jovens deixam se iludir pensando que, por ter um diploma, terão acesso ao mercado de trabalho. E não é assim. Hoje ninguém recruta nenhum jovem licenciado sem antes comprovar os conhecimentos efetivos. A maioria dos jovens licenciados em Direito hoje em Portugal não está preparada para exercer uma profissão forense com as responsabilidades que a advocacia tem.
ConJur – Tem muito advogado estrangeiro registrado para atuar em Portugal?António Marinho e Pinto – Não. A maior parte dos estrangeiros é formada por brasileiros por causa do acordo de reciprocidade com a Ordem dos Advogados do Brasil. Qualquer advogado brasileiro que esteja inscrito regularmente na OAB pode inscrever-se em Portugal e vice-versa. Temos muitos advogados brasileiros que se inscrevem em Portugal, mas a maioria não fica aqui. Aproveita o registro e vai advogar em outros países da União Europeia, como Espanha, Itália, França e até na Albânia já existem advogados brasileiros com inscrição em Portugal.
ConJur – Quantos advogados brasileiros hoje estão inscritos em Portugal?António Marinho e Pinto – Não sei exatamente. São algumas centenas.
ConJur – Como o senhor avalia a formação de um advogado brasileiro em relação à formação dos portugueses?António Marinho e Pinto – Eu acho a formação profissional do advogado português mais rigorosa. No Brasil, só muito recentemente a OAB introduziu o chamado Exame da Ordem [a prova foi criada em 1994 pela Lei 8.906/1994, chamada de Estatuto da Advocacia]. Até então, qualquer licenciado podia exercer a advocacia. Mas eu vejo que a OAB está fazendo um grande esforço para introduzir critérios rigorosos de qualidade para melhorar a formação dos advogados.
ConJur – A formação universitária não basta para exercer a advocacia?António Marinho e Pinto – Não. A formatura em Direito por qualquer universidade é uma formação científica, acadêmica e não prepara ninguém para exercer a advocacia, para ser juiz ou promotor. As faculdades dão uma formação teórica jurídica básica. Quem forma juiz é o Estado, com os cursos profissionais, e não a universidade.
ConJur – A Europa toda tem passado por anos difíceis por conta da crise econômica. Em Portugal, de que maneira a crise está afetando a advocacia?António Marinho e Pinto – Tenho ouvido queixas de advogados com dificuldade para receber honorários, porque seus clientes estão cheios de dívidas.
ConJur – Mas tem escritório fechando as portas por causa da crise?António Marinho e Pinto – Não, muito pouco. Há apenas alguns advogados que estão em processo de solvência porque não conseguiram solver as suas dívidas. Mas hoje é mais difícil exercer a advocacia do que era há cinco anos. Há menos recursos nos tribunais porque o Estado tem incentivado uma política de desjudicialização, fazendo com que a Justiça deixe de ser feita por juízes, procuradores e advogados para ser feita por instituições privadas voltadas para o lucro, que é o que são os tribunais arbitrais, centro de mediação laboral, julgados de paz, entre outros. As custas judiciais, em alguns casos são usurárias. Tudo isso tem feito com que as pessoas evitem ir aos tribunais e contratar advogados.
ConJur – O senhor não considera positiva essa procura por arbitragem, mediação e formas de resolver conflitos sem precisar sobrecarregar os tribunais?António Marinho e Pinto – Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal. A ideia de Justiça que eu sustento é a ideia matricial das advocacias ocidentais que é da Justiça pública, como entidade soberana do Estado. A passagem da civilização e da história da humanidade se faz justamente no momento em que o Estado assume o monopólio da administração da Justiça. É óbvio que, nos processos cujo objeto é disponível, as partes podem fazer todo tipo de acordos e escolher onde querem resolver o litígio, seja em escritório de advogado, em restaurantes ou em tribunais arbitrais. Agora, quando o objeto não é disponível, só o Estado pode resolver o conflito. Em Portugal, o governo está tornando a arbitragem obrigatória, mesmo sendo muito mais cara que a Justiça pública. O que se está fazendo aqui e em muitos lugares do mundo é subverter os alicerces e os próprios paradigmas da Justiça pública soberana que figurou na Europa nos últimos milênios, desde a Grécia antiga até hoje. 
ConJur – O senhor falou que o governo português está tornando a arbitragem obrigatória. Em que áreas?António Marinho e Pinto – Há em Portugal diversas leis que obrigam as partes a irem para a arbitragem. O próprio Código de Processo Civil português já instituiu a arbitragem obrigatória, mas não posso te dizer agora em quais casos. Teria que encontrar um exemplo. A arbitragem tem ainda outro aspecto negativo, quando se resolve litígios entre entidades públicas e entidades privadas. Normalmente, isso favorece a corrupção. O indivíduo compra um político, os dois inventam um litígio e vão para um tribunal arbitral com julgadores escolhidos por eles mesmo para resolver o conflito. Isso é perigoso para o Estado de Direito e para a própria sociedade democrática. Posso dizer que o Estado Português nunca ganhou uma causa nos tribunais arbitrais.
ConJur – Nunca?António Marinho e Pinto – Nunca! Além do mais, a Justiça arbitral é clandestina. Ninguém pode assistir aos julgamentos e as sentenças não são divulgadas. Ela é feita às escondidas da sociedade. Ora, uma das qualidades fundamentais da Justiça é sua publicidade. Uma decisão judicial não vale apenas para as partes. Vale para toda a sociedade como elemento desestimulador de práticas ilícitas. É um ensinamento. E tudo isso desaparece na Justiça arbitral.
ConJur – O governo de Portugal vai fechar 20 tribunais de primeira instância para reduzir os gastos com a Justiça. Qual a opinião do senhor sobre isso?António Marinho e Pinto – Isso é fruto dessa degradação da Justiça. O Estado quer fechar tribunais que estão abertos há mais de 100 anos! A mensagem que isso passa para a população é: façam justiça com as próprias mãos. Ou, então, andem centenas de quilômetros até outro tribunal. Tem havido um aumento da criminalidade relacionada com assuntos de Justiça. Isso é um retrocesso civil perigoso. Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população. Não pode ser assim. A Justiça precisa ser garantida para todos porque é um elemento fundamental associado ao desenvolvimento harmonioso da sociedade.
ConJur – Como está a velocidade da Justiça em Portugal? O tempo de espera por julgamento é longo?António Marinho e Pinto – É, mas agora tem diminuído. O Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, está resolvendo processos em dois ou três meses, mas isso porque tem metade do trabalho que tinha há cinco anos. Hoje, com as reformas, quase ninguém mais pode recorrer ao STJ.
ConJur – Como assim?António Marinho e Pinto – Ora, se o tribunal de segunda instância confirmar uma decisão de primeira instância, não cabe mais recurso para o STJ. Só pode recorrer ao STJ se a segunda instância reformar a decisão da primeira. E isso é uma aberração. Eu já relacionei vários casos em que a decisão de primeira instância era mantida pela segunda e, quando chegava no STJ, era modificada. Essa mudança é apenas uma manobra de propaganda e estatística para poder dizer que o tribunal está agindo mais rápido. Pudera! Não houve um aumento da produtividade, mas sim uma restrição do acesso ao tribunal. A decisão sai mais rápido porque as pessoas estão proibidas de recorrer ao STJ. Sem falar no valor das custas, que também é um impeditivo. Hoje, custa mais de 2 mil euros (mais de R$ 6,5 mil) para ajuizar um recurso no Tribunal Constitucional.
ConJur – E quem não pode pagar?António Marinho e Pinto – Se for indigente e receber menos de um salário mínimo, tem direito à Justiça gratuita. Já se for da classe média e receber 700 euros (cerca de R$ 2,3 mil), não tem direito à assistência judiciária. Como essa pessoa vai pagar as custas judiciais e os honorários do advogado?
ConJur – Em Portugal, não existe uma Defensoria Pública, não é? A assistência judiciária é feita por advogados nomeados pela Ordem e pagos pelo governo. O esquema funciona? Recentemente, o Ministério da Justiça e a advocacia entraram em atrito e o pagamento dos dativos foi suspenso. O que aconteceu?António Marinho e Pinto – O Ministério da Justiça lançou uma campanha de descrédito público contra os advogados dizendo que um terço deles cometia fraudes. Uma inominável mentira! O Ministério da Justiça fez uma queixa à Procuradoria-Geral da República contra 1,5 mil advogados e, no final, o Ministério Público só acusou seis ou sete advogados. E esses ainda vão ser absolvidos pelo tribunal porque não há nenhum crime. Foi uma campanha de descrédito para poder destruir esse sistema e construir outro privado.
ConJur – Criar uma Defensoria Pública em Portugal não resolveria o problema?António Marinho e Pinto – Eu sou contra. O Estado que oferece o juiz não pode oferecer também o advogado. Este tem que ser da confiança do cidadão. Tem que representar a janela que se abre da Justiça para a cidadania. É por essa janela que entra o ar para a sociedade. Um advogado por definição não pode ter patrões, não pode estar inserido em uma hierarquia e ter horário de trabalho. O único compromisso do advogado tem que ser com o cidadão. A advocacia não pode ser funcionalizada. 
ConJur – Então qual que seria o modelo ideal de assistência judiciária?António Marinho e Pinto – O modelo que temos defendido é aquele em que o próprio cidadão escolhe o advogado da sua confiança entre aqueles inscritos para prestar apoio judiciário. O ideal depende de uma maior remuneração dos profissionais. O Estado deveria transferir para a Ordem a verba destinada ao pagamento desses advogados, para que a entidade pudesse pagar os defensores. Hoje, o governo demora meses e até anos para pagar um advogado que presta assistência judiciária. O Estado não valoriza a Justiça, sobretudo aquela que é prestada aos pobres como elemento essencial do próprio Estado de Direito.
 
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2014

A PROCURAÇÃO "AD JUDICIA" NÃO SE SUBORDINA A PRAZO DE EFICÁCIA

A procuração ad judicia não se subordina a prazo de eficácia

 
Dentre as reformas que foram efetivadas, o longo do tempo, no CPC, revela-se de indubitável relevância o precioso parágrafo 4º do art. 515, cuja redação foi introduzida pela Lei 11.276, de 7 de fevereiro de 2006: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.
Com esta regra, o legislador pretendeu, uma vez identificada a existência de algum vício processual sanável, que o tribunal possa determinar providência saneadora, sem que seja necessário o retorno dos autos ao primeiro grau ou, ainda, sem anular o processo, ou mesmo — o que é absolutamente prejudicial — não conhecer do recurso.
Observa-se, outrossim, que no transcrito parágrafo 4º do art. 515 encontra-se consagrada a ideia de que, em grau recursal, deve-se abrir oportunidade à correção de qualquer defeito processual. Como bem ponderam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de direito processual civil, v. 3, 8ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2010, p. 134): “Não obstante o dispositivo contenha a expressão ‘poderá determinar’, cumpre que se confira sentido cogente à regra para se entender que o tribunal ‘determinará’ a prática ou renovação do ato...”.
Defendendo também a oportuna inclusão da norma processual em apreço, dentre outros, Rogerio Licastro Torres de Mello (Art. 515, parágrafo 4º, do CPC e a correção das nulidades sanáveis no âmbito dos recursos) e, ainda uma vez, Carneiro da Cunha (Sanação de defeitos processuais no âmbito recursal - o parágrafo 4º do art. 515, do CPC, Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, obra coletiva, São Paulo, Ed. RT, 2008, p. 764), chamam atenção para o espírito de flexibilização do mencionado dispositivo contra imotivados rigores formais verificados na instância recursal, visto que, como é curial, os recursos, de um modo geral, têm experimentado inúmeras e sucessivas restrições formais em sua tramitação, até mesmo como uma equivocada tentativa de contenção do volume de impugnações que são dirigidas aos tribunais!
A possibilidade da regularização da representação processual, hipótese típica de nulidade relativa, pode ser efetivada em grau recursal, porquanto se encontra superado o argumento de que tal poderia ocorrer apenas perante o primeiro grau por força da regra do art. 13 do CPC. O supra aludido parágrafo 4º do art. 515 autoriza o tribunal a deferir prazo para ser sanado tal vício.
Ressalte-se que o nosso sistema processual vigente reveste-se de um conjunto de normas que tendem a garantir aos jurisdicionados tutela jurisdicional efetiva, vencendo eventuais barreiras decorrentes, na maioria das vezes, de incidentes processuais, que são passíveis de correção.
No âmbito do mandato judicial, a proteger o direito material dos litigantes, a morte do advogado não acarreta qualquer prejuízo ao mandante. Realmente, seja em primeiro grau, seja durante o procedimento recursal, tal ocorrência, a teor dos arts. 13 e 265, I, do CPC, implica, ope legis, a suspensão do processo.
Igualmente, a revogação dos poderes outorgados ao causídico impõe à parte o dever de constituir novo profissional para continuar o patrocínio da causa (art. 44 do CPC).
Na mesma diretriz legislativa, deixando também de sofrer qualquer prejuízo, o litigante terá o ônus de outorgar poderes a outro advogado, quando, nos termos do art. 45 do CPC, verificar-se a renúncia ao mandato. Aduza-se que, mesmo denunciando o contrato de mandato, o advogado ainda fica obrigado a praticar atos em prol de seu constituinte!
Assim sendo, embora inexista previsão legal, a expiração do prazo de vigência do contrato de mandato judicial não pode acarretar prejuízo ao mandante, até porque se trata, à toda evidência, de defeito sanável.
Não havendo manifestação de vontade contrária de qualquer dos contratantes, incide o disposto no art. 662 e em seu parágrafo único, do CC, com a seguinte redação: “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato”.
Esta derradeira conclusão, extraída do próprio ordenamento jurídico, tem sido prestigiada, de modo consistente, pela doutrina contemporânea e pela jurisprudência do STJ.
Realmente, acórdão da 3ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 812.209-SC, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, assentou que:
“A circunstância de, no curso do processo, a procuração haver atingido seu termo final não implica a revogação do mandato que credencia o advogado. Entende-se que a procuração ad judicia é outorgada para que o advogado represente o constituinte, até o desfecho do processo”.
Seguindo o mesmo posicionamento, a 4ª Turma, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial 912.524-GO, de relatoria do ministro Hélio Quaglia Barbosa, consignou na ementa do respectivo acórdão:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535. NÃO CARACTERIZAÇÃO. APELAÇÃO INTERPOSTA NA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. DEFEITO SANÁVEL. RECURSO PROVIDO. 1. ‘Nas instâncias ordinárias, verificada a irregularidade na representação das partes, deve ser aplicado o disposto no artigo 13 do CPC. Embargos recebidos’ (EREsp 191.806/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Corte Especial, DJ 06.09.1999). 2. Recurso especial conhecido, em parte, e na extensão, provido para anular o acórdão proferido, somente quanto ao não conhecimento da apelação formulada pelo recorrente, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que seja propiciada ao réu a regularização de sua representação processual, julgando-se o seu apelo em seguida".
Em época mais recente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por meio de ato decisório monocrático, proveu o Recurso Especial 870.991-SC, no qual restou patenteado, em consonância com a jurisprudência consolidada no STJ, que a falta de procuração do subscritor do recurso nas instâncias ordinárias é vício sanável que pode ser suprido mediante determinação do juiz ou do relator, para que seja regularizada a representação processual do advogado nos moldes do art. 13 do CPC.
Reportando-se ao precedente, acima colacionado, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, a 3ª Turma, uma vez mais, enfrentou idêntica questão, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.348.536-MS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual ficou decidido que:
“É entendimento consolidado nesta Corte e sumulado no verbete 115/STJ que ‘na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos’, aplicável, segundo a jurisprudência do STJ tanto nos casos de revogação expressa do mandato outorgado, quanto naqueles em que a parte constitui novo procurador nos autos, sem ressalva da procuração anterior (revogação tácita). Ocorre que não é isso que se sucede na hipótese dos autos, porquanto in casu não houve constituição de novo procurador e nem revogação expressa do instrumento de mandato outorgado aos advogados subscritores do recurso especial, mas mera expiração do prazo de validade da procuração outorgada, razão pela qual o entendimento a ser adotado é o da continuidade da outorga efetuada, sob pena de se imputar as partes o prolongamento do processo além do termo final do mandato, o que não pode ser a elas atribuível. Cumpre ressaltar que, conquanto haja alguns julgados desta Corte no sentido de que o recurso interposto por advogado com procuração expirada equipara-se ao recurso interposto por advogado sem procuração nos autos (Súmula 115/STJ), ouso dissentir destes pelos motivos acima expostos, amparada em precedente de relatoria do i. Min. Humberto Gomes de Barros (REsp 812.209/SC, 3ª Turma, DJ de 18/11/2006), do qual participei do julgamento e proferi voto no sentido de acompanhar o relator. Nesse sentido, veja-se ainda o seguinte precedente: REsp 870.991/SC, decisão monocrática da lavra do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 11/02/2011” (destaque meu).
Constata-se, pois, que a procuração ad judicia com prazo de eficácia expirado não pode acarretar qualquer prejuízo ao outorgante!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CÂMARA INSERE GRANDE RETROCESSO EM PROJETO DO CPC

Câmara insere grande retrocesso em projeto do CPC

 
Tenho acompanhado com muito interesse todas as discussões que são realizadas a respeito do projeto de novo Código de Processo Civil. Atuei, diretamente, da elaboração do anteprojeto que serviu de base aos debates que se seguiram, no Senado e na Câmara dos Deputados. Nessas casas legislativas outras comissões foram formadas e alterações foram realizadas. Minha participação, nesse novo contexto, limita-se a enviar sugestões e críticas ao projeto — algumas delas publicadas em textos desta coluna. Posso dizer que os princípios que nortearam os trabalhos da comissão que elaborou o anteprojeto continuam presentes, em grande medida, na versão ora analisada na Câmara.
Aliás, é inegável que muitos aperfeiçoamentos foram feitos no projeto, nas idas e vindas do processo legislativo. Por exemplo, segundo o artigo 847 do anteprojeto, “os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Na versão aprovada pelo Senado, o texto ganhou um inexplicável “em princípio”: “Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Fica-se, à luz desse texto, com a impressão de que os tribunais podem, se for o caso, deixar de lado a ideia de que a jurisprudência deve ser íntegra, o que é um evidente absurdo. Na Câmara dos Deputados esse disparate foi corrigido. A regra aprovada nessa Casa dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Há, evidentemente, vários pontos em que inexiste acordo, sequer entre os estudiosos do processo civil. Enquanto participei da comissão que fez o anteprojeto, fiz várias sugestões que foram rejeitadas, e votei contra muitas outras que foram aprovadas. Mas isso faz parte do jogo democrático. Ter participado um pouco da história do novo Código não me impede de criticá-lo e de continuar a enviar minhas sugestões — como, de resto, qualquer cidadão pode fazê-lo.
É nesse contexto que surge, como grande retrocesso, o destaque recentemente aprovado pela Câmara, que restringe a realização de atos executivos sobre dinheiro, quando se tratar de efetivação de liminar que antecipa efeitos da tutela. Diz o destaque aprovado: “A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros”.
Tal como aprovada, a vedação ao bloqueio e à penhora de dinheiro e ativos financeiros é amplíssima, impedindo, por exemplo, a prática de atos executivos liminarmente, em ações de improbidade administrativa. Mas há consequências ainda mais graves. Exemplo: e se, para realizar concretamente um direito fundamental ameaçado de lesão, a única medida executiva adequada for o bloqueio de ativos financeiros? A maioria dos deputados, que aprovou o referido destaque, parece não ter se preocupado com isso. Parece, de todo modo, difícil compatibilizar o texto aprovado com a regra prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
A movimentação no sentido de se inserirem textos que impedissem a prática de atos executivos já vinha sendo noticiada pela imprensa — que sugeria, inclusive, que a inclusão de tal restrição no texto do projeto serviria ao interesse pessoal de alguns deputados (cf. reportagem do Jornal Valor Econômico, disponível aqui). É curioso que isso não tenha sido questionado, na Câmara, durante a discussão sobre o destaque acima referido.
O projeto de novo CPC, ora em discussão, é resultado da soma de esforços de uma grande quantidade de estudiosos, professores, magistrados, advogados, representantes do Ministério Público, enfim, de tantos quantos se interessam pelo aprimoramento da legislação processual e trabalharam para que se construísse um projeto de novo CPC moderno e alinhado às garantias constitucionais. É, enfim, um projeto de seu tempo, que vem sendo construído democraticamente, que foi e tem sido objeto de amplo debate entre senadores e deputados.
É preciso cuidado, contudo. Se é certo que o projeto de novo CPC representa um grande avanço para o processo civil brasileiro, devemos nos manifestar, reiteradamente, para que o Congresso Nacional não insira, nele, textos despropositados. Pode-se dizer que, embora o projeto de novo CPC não o seja, a Câmara dos Deputados conseguiu, com a aprovação da referida restrição à prática de atos executivos sobre dinheiro, nele inserir um grande retrocesso.
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2014

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