segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

GRATUIDADE JUDICÍÁRIA NÃO GARANTE ISENÇÃO DE DEPÓSITO RECURSAL

Gratuidade judiciária depende de depósito recursal

 
Apesar de ter recebido o benefício da gratuidade judiciária, uma empresa de marketing perdeu o direito a recorrer de uma condenação em um processo trabalhista por não ter feito o depósito recursal exigido pela Lei. A decisão foi tomada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) e confirmada pela 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, com fundamento na Súmula 128 da corte.
O artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição da República assegura a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A partir do momento em que a parte tem reconhecida sua condição de pobreza, o Estado garante a isenção do pagamento de todas as despesas processuais.
Entretanto, o depósito recursal não constitui despesa processual. "Ainda que se reconheça ao empregador o benefício da gratuidade judiciária, daí não segue a sua liberação da obrigação de efetuar o depósito recursal", julgou o ministro Lelio Bentes Corrêa, relator do processo no TST. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST. 
AIRR-1317-94.2012.5.10.0103 
 
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O STJ MUDA SEU POSICIONAMENTO QUANTO A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA EM INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Mudança de postura

STJ relativiza coisa julgada em investigação de paternidade

 
A ação para investigação e reconhecimento de paternidade que é concluída sem análise de DNA pode ser revista, mesmo nos casos em que é reconhecida a coisa julgada. Com base neste entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu Recurso Especial e retratou julgamento que reconheceu a coisa julgada em uma investigação concluída sem o exame. Foi aplicado ao caso o entendimento do Supremo Tribunal Federal que em 2011, durante o julgamento do Recurso Extraordinário 363.889, sob o instituto da repercussão geral, admitiu a relativização da coisa julgada nas ações em que não foi possível determinar a existência de vínculo genético.
A Ação de Investigação de Paternidade foi ajuizada em 1990, e a procedência foi baseada nas provas documentais e testemunhais. Em 2004, dois exames de DNA mostraram que não existia vínculo genético entre o suposto pai e o filho, levando o primeiro a apresentar Ação Negatória de Paternidade. A ação foi julgada procedente em primeira instância, com a sentença determinando o fim do pagamento de alimentos e a retificação do registro civil do filho. No entanto, houve Apelação, a sentença foi reformada e o entendimento dos desembargadores foi mantido pelo STJ, que rejeitou Recurso Especial por entender que “se está firmada a paternidade, com base nas provas então disponíveis, não é possível pretender a anulação do registro que daí decorre”.
Em 2011, porém, o STF determinou, ao julgar o RE 363.889, que “deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”. Isso levou o STJ a reexaminar o Recurso Especial, e o relator do caso, ministro Sidnei Beneti, votou a favor da retratação do julgamento anterior.
Segundo ele, o STF definiu que o fato de não ter sido feito exame de DNA por conta de omissão que não seja atribuída ao suposto pai já é motivo suficiente para a admissão da ação. De acordo com o ministro, isso vale tanto para ações investigatórias movidas pelo filho como no caso das ações negatórias movidas pelo pai. Beneti afirmou que a falta de DNA por omissão que não tenha sido causada pelo pai não encontra a situação abordada pela Súmula 301 do STJ, segundo a qual “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. O voto do relator foi acompanhado pela maioria dos integrantes da 3ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Fonte: Conjur

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

CONSUMIDOR INJUSTIÇADO, CONSUMIDOR EMOCIONADO? UMA ANÁLISE DAS EMOÇÕES EM EPISÓDIOS DE RECLAMAÇÃO

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão vol.11 no.1 Lisboa jan. 2012

 

Consumidor injustiçado, consumidor emocionado? Uma análise das emoções em episódios de reclamação
Ananda Nunesmaia* e Rita Pereira**
 
* Bacharel e Mestre em Administração (Univ. Federal da Paraíba – UFPB, Brasil). Membro do grupo de pesquisas Marketing, Consumo e Sociedade (CNPq), Professora do Departamento de Administração da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Faculdade Salesiana do Nordeste, Brasil. E-mail: anandalia@gmail.com
** Bacharel e Mestre em Administração (Univ. Federal da Paraíba – UFPB, Brasil). Doutorada em Administração (Marketing) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Coordenadora do grupo de pesquisas Marketing, Consumo e Sociedade (CNPq), Professora Adjunta do Departamento de Administração e do Programa de Pós-Graduação em Administração e do Mestrado Profissional em Gestão de Organizações Aprendentes na Universidade Federal da Paraíba, Brasil. E-mai: rita.pereira@pq.cnpq.br
 
RESUMO
Estudos contemporâneos sobre reclamações têm oferecido evidências que o conceito de justiça é base fundamental para entender o processo de reclamação e seus resultados, sob o ponto de vista do consumidor. Aliado ao conceito de justiça, surge a preocupação com as emoções dos reclamantes, que se relacionam com a satisfação do consumidor e suas intenções de comportamento. Apesar dessas evidências, as respostas emocionais em experiências de reclamação ainda têm recebido limitado interesse de pesquisa. Este artigo buscou analisar a relação entre justiça percebida, emoções e (in)satisfação em episódios de reclamações. Foi desenvolvido por meio de pesquisa com trezentos consumidores que passaram por situações negativas em episódios de reclamações. Os resultados indicam que, nestes episódios, as percepções de justiça distributiva, interpessoal e processual relacionam-se com as emoções e a satisfação do consumidor. Para os entrevistados, as empresas ainda não têm atitudes positivas no sentido de atender à reclamação plena e satisfatoriamente. As empresas ainda precisam melhorar a forma como gerenciam as reclamações de seus clientes e devem tomar uma série de atitudes proativas, visando satisfazer o consumidor acima de suas expectativas e preparando o caminho para resolver eventuais problemas antes que estes aconteçam, ter bons canais para atendimento e resolução das queixas, evitando a dupla insatisfação.
Palavras-chave: Justiça Percebida, Emoção, Satisfação, Reclamações
 
Wronged consumer, affected consumer? An analysis of emotions in episodes of complaint
ABSTRACT
Contemporary research on consumer complaints shows that the concept of justice is fundamental to understand the process of complaining and its outcomes from the consumer’s perspective. Along with the concept of justice, there is also an emergent concern about consumers’ emotions that relate to satisfaction and intentions. But emotional responses in complaint incidents have received limited attention in current research. This manuscript addresses the relation between perceived justice, emotions and (dis)satisfaction in complaint incidents by means of a survey with 300 consumers that had negative experiences in complaint incidents. Results suggest that in those incidents the perception of distributive, interpersonal and processual justice relates to a consumer’s emotions and satisfaction. According to the respondents, companies still lack positive attitudes in the sense of fully and satisfactorily addressing the complaints. Companies should improve how they manage a consumer’s complaints by means of efficient systems, thus also minimizing the occurrence of double dissatisfaction.
Key words: Perceived Justice, Emotions, Satisfaction, Complaints
 
¿Consumidor agraviado, consumidor emocionado? Un análisis de las emociones en episodios de reclamaciones
RESUMEN
Los estudios contemporáneos sobre las reclamaciones han aportado pruebas de que el concepto de justicia es la base para entender el proceso de la reclamación y sus resultados, desde el punto de vista del consumidor. Aliado con el concepto de justicia, surge la preocupación por las emociones de los querellantes, que se relacionan con la satisfacción del cliente y de las intenciones de comportamiento. A pesar de esta evidencia, las respuestas emocionales a las experiencias de reclamaciones han recibido un interés mínimo en el campo de la investigación. En este artículo se pretende analizar la relación entre justicia percibida, emociones, y (in)satisfacción en los episodios de las reclamaciones. Se desarrolla a través de la investigación con trescientos consumidores que han tenido situaciones negativas en los episodios de las reclamaciones. Los resultados indican que en estos episodios, la percepción de justicia distributiva, de procedimiento e interpersonales se relaciona con las emociones y la satisfacción del cliente. Para los entrevistados, las empresas todavía no tienen una actitud positiva en el sentido de atender a la queja plena y satisfactoriamente. Las empresas todavía tienen que mejorar la forma de gestionar las reclamaciones de sus clientes y deben tomar una serie de medidas preventivas con el fin de satisfacer al consumidor por encima de sus expectativas y allanando el camino para resolver cualquier problema antes de que sucedan, tener buenos canales para el servicio y resolución de quejas, evitando la doble insatisfacción.
Palabras-clave: Percepción de la Justicia, Emoción, Satisfacción, Reclamaciones
 
Profissionais e pesquisadores de marketing, atualmente, demonstram especial interesse no comportamento do consumidor pós-compra (e.g., Smith e Bolton, 2002; Dos Santos, 2000; Tax, Brown e Chandrashkaran, 1998; Oliver, 1980), pois é neste momento que o consumidor satisfaz ou não suas necessidades. Por isso, temas como satisfação, gerenciamento de reclamações, emoções e percepção de justiça têm-se mostrado essenciais à compreensão do consumidor e sua consequente manutenção pelas empresas.
Estudos anteriores (e.g., Shoefer e Ennew, 2005) sugerem que, em episódios de reclamação, o processo cognitivo gerado a partir da percepção de justiça pode fazer surgir respostas emocionais que, por sua vez, podem impactar a satisfação. Apesar dessas evidências, as respostas emocionais em experiências de reclamação ainda têm recebido limitado interesse de pesquisa (Shoeffer; Ennew, 2005). A partir desse pressuposto, propõe-se preencher a supracitada lacuna através do estudo da justiça percebida, das emoções e da (in)satisfação em episódios de reclamação. O foco proposto para a execução do estudo está na justiça percebida em episódios de reclamação e em como ela afeta as emoções e a satisfação do consumidor.
 
Evidências sugerem que reações emocionais associadas às experiências de consumo podem ter um impacto significativo nas avaliações dos consumidores. As emoções são reconhecidas como sendo relevantes na compreensão dos consumidores através de diversas perspectivas diferentes, mas, surpreendentemente, elas ainda têm recebido pouca atenção em trabalhos relacionados a reclamações e sua recuperação.
O estudo dos antecedentes da satisfação se observa em episódios de reclamação, já que estes representam momentos críticos da verdade para as empresas em seus esforços para satisfazer e manter clientes (Smith; Bolton, 2002). Para Dos Santos (2001), no Brasil, apesar de algumas empresas estarem atentas às reclamações e estabelecerem mecanismos que as estimulem, o conhecimento acerca das suas consequências ainda é limitado.
Evidências sugerem que reações emocionais associadas às experiências de consumo podem ter um impacto significativo nas avaliações dos consumidores. As emoções são reconhecidas como sendo relevantes na compreensão dos consumidores através de diversas perspectivas diferentes, mas, surpreendentemente, elas ainda têm recebido pouca atenção em trabalhos relacionados a reclamações e sua recuperação (Schoefer; Ennew, 2005). Aliado a isso, as emoções geradas em resposta às percepções de justiça têm atraído o interesse de pesquisadores, sugerindo que experiências de injustiça provocam emoções específicas como raiva e culpa (Schoefer; Ennew, 2005).
Conforme Tax, Brown e Chandrashekaran (1998), apoiando-se no conceito de justiça, a reclamação é vista como um conflito entre o consumidor e a organização, onde os justos procedimentos de resolução, comunicação e comportamentos interpessoais, e resultados são vistos como os principais critérios de avaliação do consumidor. A partir daí, surge o conceito tridimensional de justiça, que inclui a justiça distributiva, processual e interpessoal, formando a percepção de justiça global do consumidor (Schoefer; Ennew, 2005). O conceito de justiça, portanto, envolve adequação de decisões e facilita a compreensão do processo de reclamação do início ao fim; daí o valor do estudo desse fenômeno (Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998).
Portanto, considerando que a forma como a reclamação é gerenciada influencia a percepção de justiça do consumidor (Dos Santos, 2001) e que as emoções e satisfação podem configurar como consequências desta, buscou-se investigar neste trabalho como a justiça percebida se relaciona com as emoções e a (in)satisfação do consumidor em episódios de reclamação.
Satisfação
Poucas coisas são tão fundamentais ao marketing quanto satisfazer aos desejos e necessidades do consumidor (Spreng; Mackenzie; Olshavsk, 1996). A satisfação é o resultado principal da atividade de marketing e serve para ligar os processos de compra e consumo com os fenômenos pós-compra, como mudança de atitude com relação ao produto e intenção de recompra da mercadoria (Churchill; Surprenant, 1982). Identificar o que satisfaz o cliente tem caráter estratégico e fornece conhecimentos essenciais para a construção e sedimentação das vantagens competitivas das empresas (Rossi; Slongo, 1998; Herrmann et al., 2007).
A satisfação influencia também as intenções comportamentais futuras (Dos Santos, 2000; 2001). As empresas podem tomar uma série de atitudes proativas, visando satisfazer o consumidor acima de suas expectativas, e preparando o caminho para resolvereventuais problemas antes que aconteçam, e ter bons canais para atendimento e resoluçãodas queixas, evitando a dupla insatisfação.
Havendo insatisfação, os consumidores podem engajar-se em diversas ações, tais como decidir não comprar o mesmo produto ou serviço, contar aos amigos sobre o problema, não fazer nada, iniciar ações judiciais ou reclamar à empresa (Hernandez; Fugate, 2004). Essas reclamações têm assumido importante papel entre pesquisadores e empresas.
Comportamento de reclamação
O comportamento de reclamação do consumidor tem recebido atenção dos pesquisadores desde a década de 1970 (Otto et al., 2005). No Brasil, o interesse pela insatisfação do consumidor e seu comportamento de reclamação deu-se, principalmente, após a aprovação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no início dos anos 1990. Esse código reconhece os direitos básicos do consumidor, criando normas específicas para a responsabilidade civil das empresas, dispondo sobre a publicidade, estabelecendo mecanismos para o controle das condições gerais dos contratos e instituindo instrumentos para autodefesa dos consumidores (Dos Santos, 2001).
No que se refere à prática empresarial, nota-se que algumas empresas começam a dar sinal de interesse na compreensão do comportamento pós-insatisfação, através da adoção de sistemas que maximizem as oportunidades de queixas e solicitações do cliente. Nesse sentido, a implantação do CDC aliada à abertura da economia para o exterior incentivaram o surgimento dos serviços de atendimento ao consumidor, os conhecidos DACs ou SACs.
A seguir, serão examinados os aspectos mais importantes da percepção de justiça dos consumidores e da natureza de suas respostas emocionais, tendo em vista que estudos contemporâneos sobre reclamações propiciam substanciais evidências da adequação dos conceitos de justiça, equidade e emoções como base para entender o processo de reclamação e seus resultados (Kau; Loh, 2006; Shoefer; Ennew, 2005; Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Lapidus; Pinkerton, 1995).
Percepção de justiça
A literatura corrente propõe que o conceito de justiça pode ser avaliado através de três dimensões:
• justiça processual refere-se às políticas e critérios usados pelos tomadores de decisão para resolver disputas e alocar benefícios;
• justiça interpessoal relativa à qualidade do tratamento interpessoal que indivíduos recebem durante o processo;
• e justiça distributiva refere-se aos resultados do processo (Schoefer; Ennew, 2005; Dos Santos, 2001; Colquitt et al., 2001; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Cox, 2001).
O estudo da justiça associado ao estudo dos episódios de reclamação é relevante haja vista que o processo de gerenciamento de reclamação se inicia com uma reclamação do cliente, que, tipicamente, gera interações - entre o reclamante e os representantes da empresa - e resultados (Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998). Neste contexto, aspectos vinculados ao tratamento interpessoal, aos procedimentos adotados pela empresa e aos benefícios obtidos após o processo irão formar as avaliações do consumidor sobre a justiça do episódio. Assim, os reclamantes utilizariam as três dimensões de justiça – interpessoal, processual e distributiva – na avaliação dos esforços de recuperação das empresas (Smith; Bolton, 2005; Dos Santos, 2001).
Emoções
As emoções devem ser vistas como o resultado de um evento específico, comportamento, situação ou pensamento. Todavia, não é o evento, comportamento, situação ou pensamento em si que cria a emoção, mas a maneira como o indivíduo os avalia. Assim, o mesmo tipo de circunstância pode provocar diversas reações emocionais em diferentes indivíduos (Schoefer; Ennew, 2005).
Smith e Bolton (2002) desenvolveram um dos mais notáveis estudos sobre emoções e reclamações, que explorou os efeitos das emoções nas avaliações dos consumidores diante de recuperação de serviços. Os resultados obtidos sugerem que os consumidores que respondem a falhas com emoções fortes e negativas tendem a ser menos satisfeitos com a recuperação da falha do que aqueles que responderam com pouca ou nenhuma emoção. Tais achados sugerem que satisfação com a recuperação de falhas é vista como o resultado da interação de elementos cognitivos (julgamentos e avaliações) e afetivos (sentimentos e emoções). Por isso, as emoções são evocadas como uma consequência das falhas (Smith; Bolton, 2002).
Schoefer e Ennew (2005) concluíram que diferentes graus de justiça percebida na recuperação de falhas impactam o estado emocional dos consumidores. Os achados sugeriram que a apreciação cognitiva da justiça percebida pode fazer surgir respostas emocionais, que, por sua vez, podem impactar na satisfação com o gerenciamento de reclamações. Foi demonstrado, também, que baixos níveis de justiça percebida geram altos níveis de emoções negativas, como raiva; por outro lado, altos níveis de justiça percebida aumentam a propensão a emoções positivas, como felicidade e alegria (Shoefer; Ennew, 2005).
Modelo conceitual e hipóteses
O modelo teórico utilizado como base para se investigar as relações entre percepção de justiça, emoções e satisfação em episódios de reclamações (ver Figura 1) foi desenvolvido a partir de pesquisas sobre justiça no gerenciamento de conflitos entre consumidores e empresas (e.g., Dos Santos e Fernandes, 2007; Schoefer e Ennew, 2005; Huang e Lin, 2005; Tax, Brown e Chandrashekaran, 1998; Tax, 1993) e estudos sobre emoções (e.g., White e Yu, 2005; Espinoza, 2004; Smith e Bolton, 2002; Izard, 1977).
 
Figura 1
Composição de cada constructo do modelo
 
A idéia central deste modelo é que as percepções de justiça vividas em episódios de reclamação relacionar-se-ão com as emoções e a satisfação do consumidor. De forma mais específica, o modelo indica que as percepções de justiça distributiva, interpessoal e processual afetarão as emoções do consumidor e sua satisfação. Destaque-se que não analisamos neste artigo o papel das emoções como mediadoras do impacto das percepções de justiça na satisfação final, mas tão só o papel da justiça nas emoções e na satisfação do consumidor.
A satisfação do consumidor com um episódio de reclamação é resultado da avaliação sobre os aspectos envolvendo o resultado final, o processo que levou a tal resultado e a maneira como o consumidor foi tratado e comunicado durante o episódio, i.e., quão justos foram estes aspectos (e.g., Moraes, 2008; Dos Santos, 2001, 2000; Tax, 1993; Tax, Brown e Chandrashekaran, 1998). Contudo, começou-se a perceber que, nesses episódios, os consumidores experimentam também emoções após a percepção de justiça (e.g., Schoefer e Ennew, 2005; Smith e Bolton, 2002).
Desta forma, baseando-se na extensa literatura sobre justiça, emoções e satisfação é proposto que a percepção independente de cada dimensão de justiça – distributiva, processual e interpessoal – se relaciona com a satisfação e com as emoções dos consumidores.
Assim, as hipóteses geradas a partir do modelo proposto, bem como os autores utilizados para seu embasamento são:
H1: a percepção de justiça interpessoal em episódios de reclamação se relaciona com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005);
H2: a percepção de justiça interpessoal em episódios de reclamação se relaciona com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001);
H3: a percepção de justiça processual em episódios de reclamação se relaciona com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005).
H4: a percepção de justiça processual em episódios de reclamação se relaciona com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001);
H5: a percepção de justiça distributiva em episódios de reclamação se relaciona com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005).
H6: a percepção de justiça distributiva em episódios de reclamação se relaciona com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001).
Método
Esta pesquisa se caracteriza como descritiva de corte transversal, utilizando um instrumento de coleta de dados que possibilitou a obtenção de uma «fotografia» das variáveis estudadas em um momento específico no tempo, com o uso de uma amostra representativa da população. Esta escolha ocorreu em razão do objetivo de estabelecer associações entre variáveis comportamentais em situações reais de consumo. A seguir, discute-se a população e a amostra do estudo e os procedimentos de coleta e análise dos dados.
População e amostra
A população foi constituída por todos os consumidores que não tiveram seus problemas resolvidos pela empresa reclamada. A amostra foi selecionada a partir da população atendida no Juizado Especial e no PROCON (Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor) da cidade de João Pessoa – Paraíba, Brasil.
O fator que influenciou a escolha desses locais para aplicação dos questionários foi a preocupação em pesquisar indivíduos que estivessem vivendo a reclamação e a emoção específica deste momento ou a tivessem vivido recentemente. A amostra pode ser, assim, caracterizada como conveniência por julgamento (Malhotra, 2001). Ainda que possam utilizar atributos de avaliação diferentes de outros grupos de reclamantes, consumidores que não tiveram seus problemas resolvidos pela empresa em primeira instância e buscaram juizados e órgãos de defesa para solucionar seus problemas, foram considerados apropriados para este estudo pela intensidade das respostas emocionais e pelo caráter recente do fato gerador da reclamação e da emoção sentida.
A amostra foi composta de 300 respondentes. Esse número provém das sugestões de que é relevante que o número de respondentes seja 5 a 10 vezes superior ao número de parâmetros a ser estimado no cálculo de algumas técnicas de análise multivariada (Hair et al., 2005). Apesar de a relação mínima sugerida de casos por variável não ter sido alcançada perfeitamente (4,47), considerou-se o número de casos satisfatório, tendo-se em vista que na mensuração dos tipos de justiça havia duas questões para cada aspecto avaliado (por exemplo, para acessibilidade, na justiça processual, foram feitas as seguintes perguntas com significados muito parecidos: «foi difícil descobrir para quem reclamar dentro da empresa?» e o «acesso à empresa para fazer a reclamação foi fácil?»).
Procedimentos de coleta de dados
Foram utilizadas questões objetivas utilizando escalas de concordância do tipo Likert de cinco pontos, de «1-discordo totalmente» a «5-concordo totalmente».
O instrumento compunha-se das seguintes escalas:
• a Escala de Izard (1977), chamada Differential Emotions Scale – DES II, é utilizada largamente em pesquisas com objetivos semelhantes e foi validada no Brasil por Larán (2003). Ela foi utilizada em sua forma completa de modo a obter um resultado mais confiável, ou seja, para cada uma das emoções fundamentais existem três emoções que a compõem (Interesse: atento, concentrado, alerta; Alegria: encantado, feliz, alegre; Raiva: enfurecido, bravo, irado; Desgosto: sentimento de desprazer, desgostoso, sentimento de aversão; Desprezo: desprezível, arrogante, desdenhoso; Angústia: desanimado, triste, desencorajado; Medo: assustado, amedrontado, receoso; Vergonha: embaraçado, envergonhado, tímido; Culpa: arrependido, culpado, censurável; Surpresa positiva: surpreso (de forma positiva), pasmo (de forma positiva), atônito (de forma positiva); Surpresa negativa: surpreso (de forma negativa), pasmo (de forma negativa), atônito (de forma negativa). O que totalizou um número de trinta e três itens pesquisados (Larán, 2003; Izard, 1977).
• a Escala de Justiça Percebida, desenvolvida por Tax (1993) e validada no Brasil por Dos Santos (2001), propõe elementos caracterizadores para cada dimensão de justiça e, a partir desses elementos, perguntas que identificam a percepção do consumidor relativa a cada dimensão de justiça. Esses elementos são: justiça interpessoal (honestidade, cortesia, explicação, esforço, empatia); justiça processual (controle de decisão, controle de processo, acessibilidade, flexibilidade, velocidade de resposta); e justiça distributiva (equidade, igualdade, necessidade). Para cada uma das dimensões de justiça, além dos elementos supracitados, havia uma questão sobre a percepção geral que o entrevistado tinha a respeito desta. Alguns itens da escala foram operacionalizados em mais de uma afirmação para se garantir maior coerência das respostas e estão expostos na Tabela 1. Este estudo considerou três dimensões distintas e não um constructo global de justiça conforme a visão de Tax et al. (1998) e Dos Santos (2001).
 
Tabela 1
Médias e desvio padrão das variáveis de justiça interpessoal, processual e distributiva e satisfação
 
• A satisfação foi analisada tanto em termos de performance quanto de desconfirmação de expectativas e os seus três itens foram adaptados a partir dos trabalhos de Oliver (1980), Dos Santos (2001) e Tax (1993).
O questionário foi de autopreenchimento e aplicado durante o mês de dezembro de 2008 nos períodos da manhã e tarde no PROCON municipal e no IV Juizado Especial Cível.
Procedimentos de análise dos dados
Foi feita uma análise de regressão múltipla, no software SPSS 15.0, com o intuito de investigar a influência das percepções de justiça nas emoções e na satisfação. Esta técnica multivariada é indicada para avaliar as relações associativas entre variáveis independentes e uma dependente (Malhotra, 2001). As variáveis independentes nesta análise foram as percepções de justiça (interpessoal, processual e distributiva), e as dependentes foram as emoções (raiva, desgosto, desprezo, angústia, medo, vergonha culpa, interesse, alegria e surpresa) e a satisfação. As análises estatísticas serão discutidas com maior profundidade na análise dos resultados.
Análise e discussão dos resultados
Inicialmente, são apresentadas as tabelas com dados descritivos das variáveis analisadas de justiça interpessoal, processual e distributiva e satisfação (Tabela 1) e emoções (Tabela 2).
 
Tabela 2
Médias e desvio padrão das variáveis de emoções
 
As relações entre as percepções de justiça, as emoções e a satisfação foram investigadas mediante análise de regressão múltipla. A regressão múltipla é indicada para avaliar as relações associativas entre variáveis independentes e uma dependente (Malhotra, 2001). As variáveis independentes na presente análise foram: justiça processual, justiça interpessoal e justiça distributiva. As variáveis dependentes foram a satisfação e as emoções (interesse, alegria, raiva, desgosto, desprezo, angústia, medo, vergonha, culpa, surpresa positiva e surpresa negativa). Este teste buscou verificar a ordem de importância de cada uma das variáveis dentro de seu respetivo bloco através do valor do coeficiente Beta (ß).
Assim, o ß de cada variável indica a sua ordem de importância dentro do bloco, ou seja, a ordem de importância das variáveis na percepção dos respondentes é dada pela ordem dos valores do ß para cada uma das variáveis analisadas. O valor positivo de ß indica que a variável dependente aumenta quando a independente aumenta, e o valor negativo indica a relação contrária. O valor do explica o percentual em que as variáveis presentes naquele bloco foram capazes de explicar a respectiva emoção. Este valor varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a variável dependente pode ser explicada pelas variáveis independentes.
Na Tabela 3 apresentam-se os resultados obtidos com a análise de regressão tendo as justiças como variáveis independentes e as emoções como dependentes (itens sombreados referem-se às emoções que se relacionam com as percepções de justiça e às respetivas justiças que se relacionam com essa emoção; itens em negrito correspondem às emoções e justiças que não se relacionam).
 
Tabela 3
Análise de regressão: justiças emoções
 
Das variáveis da escala de emoções, «surpresa negativa» e «raiva» foram as que apresentaram os maiores índices para o , 15,8% e 15,4% de explicação, respectivamente.
O valor ß demonstra o percentual de contribuição da variável independente que explica a variação da variável dependente. Vê-se que, em alguns casos, esse índice possui sinal negativo; isso mostra que, quanto maior a percepção de determinada justiça, menor a emoção vivida. Dessa forma, percebe-se, por exemplo, que, quanto maior a percepção de justiça processual (ß = - 0,198) e interpessoal (ß = - 0,173), menor a raiva sentida pelo reclamante; que quanto maior a percepção de justiça distributiva (ß = - 0, 205) menor o desgosto do reclamante. No sentido oposto, pode-se citar que quanto maior a percepção de justiça interpessoal (ß = 0, 236), maior é a surpresa positiva. Esses achados confirmam o senso comum de que quanto mais alta a percepção de justiça, maiores serão a satisfação e as emoções positivas geradas. Na Tabela 4 podem ser vistas todas essas relações.
 
Tabela 4
Relações entre percepções de justiça e emoções determinadas através dos valores de Beta
 
Através do «valor p» é possível identificar se há relação das justiças com cada emoção. Caso o «valor p» seja menor que 0,05 é sinal de que a relação da respetiva justiça com a emoção é significativa, e caso seja superior a 0,05 não é significativa, dizendo-se então que não se relaciona. Percebe-se que, com exceção do «medo», «vergonha» e «culpa», todas as demais emoções e a satisfação se relacionam com pelo menos uma percepção de justiça.
A justiça processual relaciona-se com a satisfação e três emoções (raiva, desprezo, surpresa negativa), confirmando as hipóteses H3 e H4; a justiça interpessoal relaciona-se com a satisfação e também três emoções (alegria, raiva, surpresa positiva), confirmando as hipóteses H1 e H2; e, por fim, a justiça distributiva relaciona-se com a satisfação e cinco emoções (interesse, desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa negativa), confirmando as hipóteses H5 e H6; como pode-se ver na Figura 2.
 
Figura 2
Presença/ausência de relação das percepções de justiça e emoções
 
A Tabela 5 traz os resultados obtidos com a análise de regressão tendo as justiças como variáveis independentes e a satisfação como dependente.
 
Tabela 5
Análise de regressão: justiças satisfação
 
Analisando os valores de nota-se que a satisfação é bem explicada pelas percepções de justiça, tendo-se em vista que esse índice indica que 38% da variação de satisfação é explicada pelas variáveis independentes (justiça processual, interpessoal e distributiva), sendo a justiça distributiva aquela com maior poder de explicação (ß =0,435). Ou seja, para a amostra, a satisfação é, significativamente, formada pelas percepções de justiça.
Observando o valor de ß, vê-se que, quanto maior a percepção de justiça distributiva (ß = 0, 435), maior a satisfação do reclamante. Através do «valor p» identifica-se a relação das justiças com a satisfação, sendo esta significativa para as três justiças (p< 0,05). Nota-se assim que a satisfação relaciona-se com três percepções de justiça, sendo a justiça distributiva a que demonstrou maior índice de relação, demonstrando assim que o resultado obtido com a reclamação é um fator chave para a satisfação do reclamante. Com a análise destes resultados cumprem-se os objetivos do estudo e confirmam-se as hipóteses previstas.
Considerações finais
Enquanto a maior parte dos estudos sobre reclamação investiga intenções comportamentais – intenções de recompra e de comunicação boca em boca, por exemplo (Dos Santos, 2001) –, este estudo focou a análise das emoções e da satisfação como variáveis dependentes das percepções de justiça em episódios de reclamação. Diferencia-se também de outros estudos com enfoque semelhante (e.g., Schoefer e Ennew, 2005; Smith e Bolton, 2002) por investigar a percepção de indivíduos que realmente viveram um episódio negativo de reclamação e por considerar reclamações a empresas de vários setores econômicos.
Os resultados corroboraram a ideia de que a maneira como as reclamações são resolvidas tem importante papel na formação da satisfação (e.g., Dos Santos, 2001; Tax, Brown e Chandrashkaran, 1998) e das emoções dos consumidores (e.g. Smith e Bolton, 2002; Schoefer e Ennew, 2005). Como era esperado, em se tratando de uma situação potencialmente conflituosa, as emoções negativas foram as mais vivenciadas pelos respondentes. No entanto, um resultado que chama atenção diz respeito ao fato de que a surpresa negativa foi uma das emoções experienciadas com maior intensidade pelos entrevistados, demonstrando que o consumidor não está totalmente descrente com a empresa no momento da reclamação e espera dela uma resposta positiva nestes momentos, surpreendendo-se quando não a obtém.
Embora pesquisadores venham destacando as emoções como importante campo de estudo no marketing (e.g., Espinoza, 2004), e não obstante o interesse em estudá-las em episódios de reclamação venha, também, aumentando (e.g., Smith e Bolton, 2002; Schoefer e Ennew, 2005), poucos trabalhos foram encontrados investigando a influência das percepções de justiça nas emoções nesses episódios. Nesse sentido, o que se buscou como diferencial neste estudo foi a investigação da influência de percepção de cada justiça (interpessoal, processual e distributiva) em cada uma das emoções da escala de Izard (1977). Foi constatado que, com exceção das emoções «medo», «vergonha» e «culpa», todas as demais emoções sofrem influência de pelo menos uma percepção de justiça.
Dentre as percepções de justiça, a que apresentou o maior número de relações com as emoções foi a justiça distributiva, demonstrando que são os resultados obtidos que realmente determinam os sentimentos do consumidor. Sobre a satisfação, constatou-se uma relação com as três percepções de justiça, sendo também a justiça distributiva a que exerce maior impacto, ficando claro que nas reclamações são os resultados que efetivamente satisfazem os consumidores.
 
Em síntese, verificou-se que a justiça processual relaciona-se com a satisfação e três emoções (raiva, desprezo, surpresa negativa), a justiça interpessoal relaciona-se também com a satisfação e três emoções (alegria, raiva, surpresa positiva) e, por fim, a justiça distributiva se relaciona com a satisfação e cinco emoções (interesse, desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa negativa).
Em síntese, verificou-se que a justiça processual relaciona-se com a satisfação e três emoções (raiva, desprezo, surpresa negativa), a justiça interpessoal relaciona-se também com a satisfação e três emoções (alegria, raiva, surpresa positiva) e, por fim, a justiça distributiva se relaciona com a satisfação e cinco emoções (interesse, desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa negativa).
Sob a perspectiva gerencial, este estudo pode contribuir para uma melhor compreensão de como os consumidores percebem a justiça em processos de reclamação e quais são suas reações emocionais, oferecendo aos profissionais responsáveis pelo gerenciamento de reclamações a oportunidade de construir estratégias no sentido de satisfazê-los plenamente e desenvolver e manter relacionamentos longos e duradouros com seus clientes.
Profissionais de marketing devem perceber que sem a reclamação do consumidor é muito difícil realizar um serviço de recuperação. Consumidores que optam por reclamar estão oferecendo às empresas a oportunidade de demonstrarem sua confiabilidade e as resoluções adotadas por estas acabam guiando atitudes e comportamento do consumidor.
É importante que as organizações estimulem e facilitem o comportamento de reclamação. O cliente insatisfeito que opta por não reclamar pode representar algo desastroso para a empresa, pois atrás do silêncio pode haver profunda desconfiança e alta propensão ao boca em boca negativo (Kau; Loh, 2006). Isso implica que investimentos no gerenciamento de reclamações são necessários e podem melhorar as avaliações da empresa por parte dos clientes e construir relacionamentos mais duradouros, além de que as reclamações dos clientes, frequentemente levadas ao PROCON e aos Tribunais, implicam custos elevados, tanto para a área de marketing, quanto para a área jurídica das empresas. A maneira como as empresas gerenciam as reclamações dos consumidores torna-se, por isso, fator crítico para a satisfação destes.
As empresas devem tomar uma série de atitudes proativas, visandosatisfazer o consumidor acima de suas expectativas, e preparando o caminho para resolvereventuais problemas antes que aconteçam, e ter bons canais para atendimento e resoluçãodas queixas, evitando a dupla insatisfação. Se os gerentes forem capazes de desenvolver um melhor entendimento das causas das emoções e da (in)satisfação dos consumidores durante a reclamação, então estarão aptos a implementar e gerenciar o processo de recuperação de falhas de modo a estimular emoções positivas no consumidor e sua consequente satisfação.
É importante que as empresas detetem quem está interagindo com os reclamantes, pois estabelecer o gerenciamento de reclamações como um importante papel a ser desenvolvido pelos funcionários que têm contato direto com os clientes é fundamental para garantir um tratamento justo à reclamação. O treinamento desses funcionários nesse sentido é imprescindível (Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998). Pode-se dizer que a nova consciência de cidadania do consumidor, que passou a exigir mais os seus direitos, exerceu uma função transformadora, levando as empresas a reverem seus conceitos e práticas de atendimento ao público.
 
Referências bibliográficas
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O QUE É LIVRE CONVICÇÃO DOS INDÍCIOS E PRESUNÇÕES?

O que é a livre convicção dos indícios e presunções?

 
 
Já que o TSE vai rediscutir a Resolução nº 23.396/2013...Pois é. Na medida em que parece que o TSE terá que rediscutir a proibição de o Ministério Público e a Polícia investigarem de ofício crimes eleitorais, a comunidade jurídica poderia pressionar o Parlamento para alterar a redação do artigo 23 da LC 64/90 (que estabelece casos de inelegibilidade etc.).[1] Afinal, em tempos de discussão de doações eleitorais e do modo como vai se investigar, parece que viria a calhar a introdução de pressupostos democráticos nessa legislação.  
Explico. Segundo o artigo 23 da LC 64, “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Não encontrei na literatura jurídica especializada — e peço desculpas se estiver fazendo injustiças — comentário apontando para a incompatibilidade da disposição (ou parte dela) com a Constituição Federal (na verdade, como verão no final desta coluna, encontrei algo mais grave, como a defesa da ponderação...). O que impressiona, de todo modo, é que o Parlamento tenha aprovado esse ditame legal.
Aqui entra minha chatice epistêmica e minha (in)vocação constitucional (não esqueçamos: sou anterior à Constituição — portanto, passei pelo processo de recepção e filtragem hermenêutico-constitucional), ou seja, minha mania de querer compatibilizar as leis com a Constituição... Explico: na democracia, pressupõe-se que decisões judiciais sejam prolatadas a partir de provas provadas e que as-decisões-não-sejam-produto-de-impressão-ou-opinião-pessoal-do-julgador.
Para ser mais claro: de que adianta colocarmos na lei os anseios da sociedade em relação a determinado contexto se, ao fim e ao cabo, deixamos que os Tribunais apreciem livremente os “fatos”? Deixa ver se entendi bem: o Poder Judiciário (Eleitoral) possui o poder de apreciar livremente fatos públicos e notórios, além dos indícios e presunções e provas ainda que não alegadas pelas partes... Como assim “presunções”? Posso presumir alguma coisa, mas daí a existir provas, a distância é quilométrica. E, por favor, não venha alguém invocar Malatesta, aquele que mal-atesta...  
O vício hermenêuticoO que está por trás desse vício hermenêutico para o qual nem mesmo o Poder Legislativo se atentou? Na verdade, o Parlamento, ao aprovar esse dispositivo, deu um tiro no pé, porque retira a apreciação das irregularidades (lato sensu) ocorridas nos pleitos eleitorais a partir de critérios objetivos e entrega-os à livre apreciação de outro poder. E não se diga que tudo isso é para preservar o interesse público de lisura eleitoral, bastando, para tanto, lembrar da meia dúzia de votos comprados no caso do processo envolvendo o casal Capeberibe (Amapá) para constatarmos que a “a coisa não é bem assim”. O problema é esse: quanto mais apostamos na subjetividade (por exemplo, em presunções), mais aumenta o grau de insegurança. E de injustiças.
Comparando o referido artigo 23 com o artigo 131 do CPC[2] (que é de 1973, portanto, plena ditadura militar), é possível constatar que esse (artigo 131) é mais democrático (embora igualmente problemático) do que o dispositivo aprovado na democracia. Pelo menos esse dispositivo exige fundamentação, que não baseada em presunções (para ficar só nisso).
O Brasil é pródigo nesse tipo de “delegação”. Na verdade, o que se pode esperar de um sistema jurídico ou da dogmática jurídica que aceita pacífica e passivamente uma Lei como nome de chocolate suíço (Lindt), a tal LINDB — com pretensão de ser a “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”?
O conjunto da “obra”Vejamos: mesmo com a vigência de um novo Código Civil desde 2003, continuamos com o fantasma da velha Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, não obstante ter recebido uma nova denominação. Assim, com a edição da Lei 12.376, em 2010, passou a ter o título de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Um dos pilares da Lei é o artigo 4º, que, ao lado do artigo 126 do CPC, funciona como uma espécie de fechamento autopoiético do sistema jurídico, verbis: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Em linha similar, tem-se o artigo 3º do CPP, também da década de 40 do século passado, segundo o qual a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito. Já o artigo 335 do CPC, fruto do regime militar, acentua que em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (sic) e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. Chega a ser patético isso, pois não?
Tais dispositivos — que são tudo “farinha-do-mesmo-saco-antihermenêutico” — a par de sua inequívoca inspiração positivista (permitindo discricionariedades e decisionismos) e sua frontal incompatibilidade com uma leitura hermenêutica do sistema jurídico, mostram-se tecnicamente inconstitucionais (não recepcionados). Com efeito, com relação à LINDB, é preciso ter claro que, na era dos princípios e do Constitucionalismo Contemporâneo, tudo está a indicar que não é mais possível falar em “omissão da lei” que pode ser “preenchida” a partir da analogia (sic), costumes (quais e de quem, cara pálida?) e os princípios gerais do direito. Isso apenas demonstra um atraso epistemológico da teoria do direito. Idade da pedra (lascada).
Ou seja, da LIIC à LINDB, nelas nada de novo se reconhece que nos permita entender normas como sendo o conjunto de regras e princípios.  Pela leitura da LINDB ainda temos na regra a pedra fundamental do sistema jurídico, ao ponto de precisarmos inserir o princípio na regra, como se a regra autorizasse ou validasse o princípio. O problema vai além. Ainda não conseguimos superar a velha teoria das normas (o que denuncio constantemente), confundindo os princípios constitucionais (elementares do constitucionalismo contemporâneo) com os princípios gerais do direito.
Assim, quando defino na lei que no caso de omissão o nosso juiz decide de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, estou enfatizando tal confusão, já que a lei me autoriza e direciona o uso de princípios (gerais do direito) na solução de controvérsias.  Quem ainda usa princípios gerais do direito está no tempo do Almanaque Renascim ou das Seleções Reader’s Digest.
Portanto, a força simbólica de(sses) dispositivos (artigos 23 da LC 64, 4º da LICC, 126 e 335, do CPC e 3º do CPP) enfraquece sobremodo o valor da doutrina na construção do conhecimento jurídico, com o consequente fortalecimento do papel do aplicador da lei. Ponto para o protagonismo judicial. Depois nos queixamos que a doutrina não mais doutrina...
Cada vez mais, os juristas ficam à mercê de decisões tribunalícias, como a dar razão ou a repristinar as velhas teses do realismo jurídico, pelas quais o direito se realiza na decisão, forma acabada de um positivismo que, buscando superar o formalismo‑exegético, abriu, historicamente, o caminho para discricionariedades e decisionismos.
Numa palavra: o que é isto, julgar por presunções?Some-se tudo isso e temos o caldo de cultura no qual nasceu o malsinado artigo 23 da Lei 64. Um autêntico tiro-no-pé que o Parlamento se deu. Depois o Parlamento se queixa quando um prefeito ou deputado perde o mandato a partir de um julgamento cujo fundamento é o artigo 23. Afinal, o juiz ou o tribunal pode ter “sentido” o que ocorreu por ocasião da campanha eleitoral, a partir daquilo que se pode presumir... Mas, pergunto: se o voto é a manifestação sagrada do eleitor, para anular a vontade desse eleitor (ou de milhares ou milhões) não deveria a lei exigir, em vez de indícios e presunções, robustas provas? O que vale mais: um monte de votos ou os indícios (ou presunções) captados por um julgador? Essa pergunta quem deve responder é o Parlamento. O problema é que o réu não se ajuda muito...
No futebol, costuma-se dizer, pelo menos até a garfada que levou a Lusa a perder quatro pontos, que o que vale é taça no armário e faixa no peito. Nas eleições, o que deve (mais) é o voto na urna. Claro que essa vontade não pode estar conspurcada por corrupção ou outras atividades ilícitas. Isso é óbvio.
Mas parece-me que o que a lei deveria exigir é uma robusta prova de que a vontade do eleitor foi conspurcada e não que o-judiciário-formará-sua-convicção-pela-livre- apreciação-dos-fatos-públicos-e-notórios, dos-indícios-e-presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.
Ora, o que é um fato público e notório? Qual é a definição disso? Será aquilo que o Tribunal vier a dar? O que são indícios? Como se os mede? Como se os afere? Existe um “indiciômetro”, aparelho para medir indícios? Há um “notoriômetro” para medir o grau de notoriedade de um fato? E uma presunção? Há um “presunçômetro”?[3] Não é o suprassumo do subjetivismo?
Aliás, se presumir já é um produto da subjetividade, o que dizer do poder de livremente (portanto, subjetivamente) dar valor a essa presunção? Os neopositivistas lógicos fizeram uma revolução no século XX em face da excessiva vagueza e ambiguidade da linguagem... Se vissem a redação do artigo 23 em tela, cometeriam um suicídio epistêmico.
Na verdade, além de inconstitucional, o dispositivo é contraditório e paradoxal. Para preservar o interesse público e a lisura, devemos exigir que qualquer anulação de eleição (ou algo do gênero) deve estar calcada em provas firmes. Robustas. Consistentes. E que esses fatos (e indícios e presunções) não possam ser apreciados livremente. Na democracia — e tenho insistido nisso — não há espaço para livre convencimento e tampouco (ou muito menos) livre apreciação da prova.
Moral da história: Só um parlamento fraco — ou ignorante (no sentido de não saber do que está tratando) — aprova coisas contra si mesmo (e contra a democracia). Um parlamento preocupado com a democracia começaria amanhã mesmo (ou ainda hoje) um trabalho de filtragem nas leis existentes, a começar pelos dispositivos que acima elenquei (incluída a Lei com nome de chocolate, que envergonha a teoria do direito e que só serve para deleitar professores de cursinhos e bancas de concursos públicos que adoram fazer pegadinhas invocando a tal LINDB).
Se o parlamento, que tem a função de fazer as leis não fizer isso, alguém espera que o Judiciário abra mão da prerrogativa e do poder da livre apreciação dos fatos, indícios e presunções? Sempre prefiro, apesar dos pesares, apostar na lei. Apostar na lei feita pelo Parlamento. Mas, como disse, o réu precisa urgentemente se ajudar... Por exemplo, se levássemos o Direito a sério, de verdade, o próprio Judiciário declararia inconstitucional esse artigo 23. Ou faria uma interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung), dizendo que esse dispositivo só é constitucional se entendido como... bem, a conclusão está dita acima!
Numa palavra final: o que é isto — ponderar no direito eleitoral?Não bastasse tudo isso que se tem em termos de legislação, descubro que a doutrina não se ajuda muito. Em um livro sobre direito eleitoral (de Jose Armando Ponte Dias Jr, intitulado Elegibilidade e Moralidade), descobri que o juízo de prognose acerca da moralidade no tocante ao exercício do mandato deve ser feita por ponderação (sic) que coteje de maneira proporcional as restrições recíprocas entre moralidade e elegibilidade (sic). Diz o autor que isso será feito racionalmente... Ora, todos conhecemos a racionalidade ínsita à ponderação. E como...! Com ela, diz-se qualquer-coisa-sobre-qualquer-coisa. Aliás, se substituirmos a palavra “ponderação” pelo vocábulo Kanglingon, nada muda. Trata-se do skeptron, da fala de Homero... Ou a concha, do livro The Lord of Flies. Ou o jogo da Katchanga (Real).
Mais ainda, na sequência, o citado autor fala em densificação do direito à moralidade para saber como o juiz atribuirá valor ao componente linguístico da palavra moralidade... Ora, essa “coisa” da ponderação já foi longe demais, pois não? Falar em ponderação é quase um ato de improbidade epistêmica (sugiro a leitura da tese de doutorado de Fausto de Moraes, defendida na Unisinos, sob minha orientação, que desmonta, com números, o ab-uso da ponderação em terrae brasilis). Quer dizer que o juiz faz uma ponderação entre moralidade e elegibilidade? E é de sua subjetividade que exsurgirá a resposta? E como ele — o julgador — construirá a regra adstrita (que todos os ponderadores de terrae brasilis teimam em esquecer)? E que história é essa de densificar o componente linguístico da palavra “moralidade”? Que positivismo semântico é esse em tempos de democracia? Quer dizer que o resultado de uma eleição estará dependente
a) do juízo sobre presunções e indícios (artigo 23 da LC 64);
b) do livre convencimento (idem);
c) da ponderação do juiz (defendida por parte da doutrina) e
d) de um dicionário de linguística (idem)?
O que quero dizer é que a democracia não se coaduna com esse grau de subjetivismo, subjetividades e/ou com epítetos “tipo-ponderação” ou qualquer coisa similar. Eis o dilema: de um lado, o parlamento dá um tiro no pé; de outro, a doutrina diz “todo o poder aos juízes para ponderar”. E, de outro, o Poder Judiciário eleitoral que acredita nesse (di)lema.
E o voto? Onde fica? Depois nos queixamos. 
 

[1] Há um conjunto de pesquisas sobre o assunto sendo feitas no MINTER mantido pela Unisinos com a FACID, de Teresina, Piauí (minha segunda terra), em especial pelos mestrandos Alexandre Nogueira, Margarete Coelho e Georgia Ferreira Martins Nunes.
[2] CPC, Art. 131: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.
[3] Se existisse um presunçômetro, com certeza haveria vários modelos. Para candidatos do andar de cima, presunçômetros digitais; para um candidato patuleu, um presunçômetro fabricado no Paraguai.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
 
Revista Consultor Jurídico, 13 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

STJ decide que IPCA é índice de correção em condenação contra a Fazenda

Mudança de jurisprudência

IPCA é o índice de correção em condenação contra a Fazenda

 
Julgamento no Supremo Tribunal Federal de ação em que se discute a constitucionalidade de lei não justifica o sobrestamento dos recursos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. Assim entendeu a 2ª Turma do STJ ao negar pedido da Fazenda do São Paulo para que revisse sua condenação em ação de 2008, que discutiu a incidência do prêmio de incentivo sobre 13º salário e férias de servidores estaduais da saúde. 
Estava em discussão o índice de atualização monetária a ser utilizado nas condenações impostas à Fazenda Pública. Os juros de mora foram fixados em 0,5% ao mês, de acordo com o artigo 1º-F da Lei 9.494/97. O IPCA foi o índice de correção aplicado. 
A Fazenda paulista pretendia que o STJ aplicasse a alteração da norma feita pelo artigo 5º da Lei 11.960/2009, ou que suspendesse a ação até o Supremo Tribunal Federal concluir a análise de constitucionalidade dessa alteração legal. 
Mudança de jurisprudência
Em decisão monocrática, o ministro Humberto Martins reconheceu que a Corte Especial do STJ firmou a tese de que em todas as condenações da Fazenda Pública, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494, alterado pelo artigo 5º da Lei 11.960. 
Posteriormente, em julgamento de recurso repetitivo concluído em outubro de 2011, a Corte Especial do STJ consolidou tal entendimento ao declarar que o artigo 1º-F da Lei 9.494 é norma de caráter eminentemente processual, devendo ser aplicado sem distinção a todas as demandas judiciais em trâmite. Entretanto, em 14 de março de 2013, o plenário do STF, no julgamento da ADI 4.357, declarou a inconstitucionalidade parcial por arrastamento do artigo 5º da Lei 11.960. 
A decisão do STF alterou a jurisprudência do STJ. Em 26 de junho de 2013, a Primeira Seção decidiu em recurso repetitivo, por unanimidade de votos, que, nas condenações impostas à Fazenda Pública de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, segundo artigo 1º-F da Lei 9.494, com redação da Lei 11.960. “Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei 11.960, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”. 
Julgamento no STF 
Diante da decisão individual do ministro Humberto Martins, de rejeitar a análise de seu recurso especial, a Fazenda paulista apresentou agravo regimental, para levar o caso ao órgão colegiado. A 2ª Turma confirmou a decisão do relator e negou o agravo. 
A jurisprudência do STJ estabelece que, para fins de aplicação do artigo 543-C do Código de Processo Civil — que disciplina o rito dos recursos repetitivos —, não é necessário que o recurso especial representativo de matéria repetitiva tenha transitado em julgado.
Por fim, os ministros consideraram que a correção monetária e os juros de mora, como consequências legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício, bastando que a matéria tenha sido debatida na corte de origem. Por isso, não ocorre reforma para pior. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
AREsp 18.272
 
Revista Consultor Jurídico, 11 de fevereiro de 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

DECISÃO JUDICIAL COMO CAUSA DE PROLIFERAÇÃO DE RECURSOS

descaso judicial como causa de proliferação dos recursos
 
Há, com certeza, um equivocado consenso entre os leigos de que a interposição de recurso constitui estratégia que conspira contra a duração razoável do processo. Realmente, dúvida não há de que um processo longo transforma-se, em última análise, em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos dos mais privilegiados em detrimento do direito dos litigantes desafortunados! Todavia, sob a ótica da técnica processual, é evidente que a interposição do recurso previsto na lei não tem o condão, por si só, de tisnar a efetividade do processo. Se, por uma vertente, o advogado, que aspirou ser essencial à administração da justiça, ao lado do juiz, é destinatário do dever de zelar pela celeridade processual, é certo que, por outra, tem ele inarredável compromisso profissional com o seu cliente, nos quadrantes da garantia constitucional da ampla defesa.
A esse respeito, duas observações se impõem: a) havendo uma centelha de chance, na aferição objetiva e prudente feita pelo advogado, o recurso deve ser interposto; e b) a conduta abusiva, com deliberada intenção de retardar a marcha do processo, a par de ser coibida pelo Código de Ética e de trazer notório desprestígio à atuação pessoal do advogado, deve ser reprimida pelo órgão jurisdicional.
Ressalte-se, ademais, que, antes de ser o recurso a causa que propicia a lentidão, na verdade, são as “etapas mortas” — entre outras, o tempo de espera do julgamento do recurso — que determinam a intempestividade da prestação jurisdicional. Partindo-se de dados empíricos, resulta inequívoca a existência de um flagrante descompasso entre a legislação codificada e a realidade do serviço judiciário. Não é concebível — apenas para dar dois exemplos corriqueiros — que, em pleno século XXI, o tribunal ad quem, após quase dois ou três anos de angustiante expectativa dos interessados, não conheça de um recurso de apelação, porque a competência é da outra seção; ou, ainda, depois de todo esse tempo, dê provimento ao recurso para anular a sentença, pela preterição de um litisconsorte necessário. Mas não é só.
A qualidade das decisões tem deixado muito a desejar. À míngua de dados estatísticos, a experiência tem demonstrado que há uma significativa margem de recursos providos: Agravos, Apelações e Recursos Especial e Extraordinário. Nesse particular, conta muito a falta de humildade do juiz, que, na maioria das vezes, mesmo diante de um notório equívoco, deixa de reconsiderar a decisão errada, determinando a interposição de Agravo ou — o que é pior — de Apelação. Em outras oportunidades, o desprezo, pelo magistrado, à letra do texto legal ou aos precedentes consolidados, também culmina com um recurso, que, provido, acarreta o inconveniente de retornar tudo à estaca zero.
Apenas para dar um singelíssimo exemplo, dentre tantos outros análogos, causa enorme perplexidade o número de recursos providos na sessão de julgamento de 12 de dezembro de 2013 da prestigiosa 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo: a Apelação n. 0000166-89.2010.8.26.0581 foi provida pelos experientes e conceituados desembargadores Jayme Queiroz Lopes, relator, Pedro Baccarat e Arantes Theodoro, com fundamento na falta de atenção a regra expressa do CPC, uma vez que, segundo constou do voto condutor, “a inércia do autor autoriza a extinção do processo com base no inc. III do art. 267, que trata do abandono da causa por mais de 30 dias. E, nesta hipótese, exige-se, além da intimação dos patronos, também a intimação pessoal da parte para suprir a falta em 48 horas, em observância ao disposto no parágrafo 1º do art. 267, o que aqui não ocorreu, razão pela qual fica reformada a sentença, devendo o feito ter regular prosseguimento...”.
Este imperdoável descuido por magistrado de primeiro grau deu ensejo ao provimento, pela mesma turma julgadora, de mais dois recursos por idêntico fundamento. Ainda a guisa de exemplo, na mesma sessão de julgamento, a referida 36ª Câmara de Direito Privado proveu também mais três Agravos de Instrumento, de relatoria do ilustre desembargador Jayme Queiroz Lopes, com fundamento em error in procedendo: AI 2009587-61.2013.8.26.0000 (Apelação julgada deserta, quando o tema da gratuidade poderia ser novamente invocado), AI 2031780-70.2013.8.26.0000 (equivocado indeferimento de inclusão no polo passivo de sucessor inter vivos) e AI 2034017-77.2013.8.26.0000 (não aplicação de multa, em flagrante ofensa ao art. 461 do CPC).
Aduza-se, outrossim, que, no primeiro semestre de 2011, o CNJ, com o intuito de otimizar a gestão e o planejamento da administração da Justiça, publicou um importante diagnóstico dos 100 maiores protagonistas nos tribunais brasileiros. Colhe-se desse valioso documento que o INSS é o maior demandante, fazendo-se presente em 22,3% das ações do rol daqueles litigantes. Seguem-no a Caixa Econômica Federal (8,5%) e a Fazenda Nacional (7,4%). Verifica-se que 95% do total de demandas dessa listagem provêm do setor público, entidades financeiras e prestadoras de serviço de telefonia. Como acima observado, em muitas situações, a interposição de recursos manejados por estes mesmos litigantes aos tribunais superiores constitui um comportamento malicioso — verdadeira chicana —, para extrair da inexorável demora da prestação jurisdicional todas as vantagens e benefícios daquela decorrentes.
São potencialmente estas causas e não propriamente os recursos que retardam a tramitação do processo!
É necessário, portanto, coibir o abuso processual e jamais preconizar, de forma arbitrária, a mutilação do sistema recursal visando a tornar a justiça mais rápida!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

REFORMA PROCESSUAL FALHA E JUSTIÇA DA ITÁLIA FICA MAIS LENTA

Direito na Europa

Reforma processual falha e Justiça da Itália fica mais lenta

 
Começo de ano nada animador na Justiça da Itália. De um lado, os advogados protestando contra nova proposta de reforma do processo civil. De outro, números divulgados pelo Conselho Nacional Forense mostra que a Justiça está cada vez mais lenta. Segundo o balanço, nos últimos oito anos, foram feitas 17 mudanças no processo civil para torná-lo mais rápido. Nada adiantou. O tempo de tramitação subiu de cinco anos e meio para sete e meio. Atualmente, há 9 milhões de processos — cíveis e criminais — em tramitação em todo o Judiciário italiano.
Crime sem provas
Continua o imbróglio sobre o julgamento do presidente do Quênia, Uhuru Muigai Kenyatta, no Tribunal Penal Internacional. A corte vai se reunir na quarta-feira da próxima semana (5/2) para decidir o que fazer. O julgamento deveria ter começado em novembro, mas acabou adiado para fevereiro. Em dezembro, a Promotoria pediu um novo adiamento alegando não estar preparada para provar que Kenyatta comandou assaltos e estupros em massa depois das eleições de 2007. É que a acusação perdeu duas testemunhas fundamentais. Uma delas desistiu de depor e a outra confessou ter mentido para os promotores, então teve de ser descartada.
Água fria
A imprensa italiana até que se animou com a possibilidade de seu inimigo número um voltar oficialmente à cena política do país. Afinal, Silvio Berlusconi no poder é sempre sinal de escândalos e manchetes. Mas ainda não foi dessa vez. Na semana passada, jornais italianos divulgaram que a Corte Europeia de Direitos Humanos havia aceitado um recurso que impediria que a Lei da Ficha Limpa no país retroagisse para crimes cometidos antes de entrar em vigor. Assim, Berlusconi estaria livre e poderia recuperar seu cargo no Senado. Em nota à imprensa, a corte explicou que não foi nada disso. Os juízes apenas aceitaram julgar a retroatividade da norma, mas ainda não há sequer uma data prevista para o julgamento.
Direito de todos
O crime de fazer sexo com uma pessoa do mesmo sexo vai definitivamente abandonar o continente europeu. O único lugar onde relações homossexuais ainda são punidas é a República Turca do Chipre do Norte, região dentro do Chipre que se separou do resto do país, mas só teve sua autonomia reconhecida pela Turquia. Lá, o Parlamento aprovou a descriminalização do sexo gay nesta segunda-feira (27/1). Em alguns dias, a mudança deve ser sancionada pelo presidente e passa a valer.
Família planejada
O Tribunal Constitucional da Itália deve voltar a julgar as regras rígidas para a reprodução assistida no país, segundo notícia do jornal Corriere della Sera. Dessa vez, o ponto a ser discutido é a triagem de embriões, que é proibida na Itália. Por conta disso, casais com doenças genéticas não podem selecionar um embrião saudável, mas como o aborto é permitido, podem depois abortar um feto doente ou mal formado. A triagem de embriões já foi reconhecida como direito dos pais pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Voo barato
Se as previsões se confirmarem, o Tribunal de Justiça da União Europeia deve garantir a vida das companhias aéreas de baixo custo no continente. Essas empresas oferecem passagens aéreas por preços baixos, mas cobram por qualquer serviço extra, como despachar mala ou mesmo tomar uma água durante o voo. Na Espanha, uma legislação proibiu as companhias de cobrarem uma taxa por mala despachada. Na semana passada, um dos advogados-gerais do TJ da União Europeia disse que essa lei viola as regras do bloco econômico, já que cabe à companhia decidir se embute o valor do serviço no preço da passagem ou se cobra separadamente. O tribunal costuma seguir os pareceres dos seus advogados. Clique aqui para ler.
Ex-gays
Ônibus não é lugar para anunciar terapia para curar o homossexualismo. A Corte de Apelação da Inglaterra reconheceu, nesta segunda-feira (27/1), que a liberdade de expressão não é carta branca para transmitir mensagens ofensivas em transporte público. No ano passado, uma ONG anglicana pretendia usar os ônibus de Londres para fazer propaganda de um tratamento que ela dizia ser capaz de tornar um homossexual em heterossexual. Clique aqui para ler mais e aqui para ler a decisão em inglês.
Fora das grades
A França ganhou, na semana passada, mais um transeunte. O mais antigo prisioneiro do país foi posto em liberdade condicional na sexta-feira (24/1). Philippe El Shennawy estava preso há 38 anos por assalto a mão armada a um banco. Na época do crime — que ele nega —, Shennawy tinha pouco mais de 20 anos. Hoje, já é um homem de quase 60. Ele terá de usar uma tornozeleira eletrônica por dois anos e, se descumprir as regras da condicional, volta para atrás das grades.
Ritos religiosos
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa se reúne nesta terça-feira (28/1) para discutir a circuncisão de meninos. Em outubro do ano passado, o Conselho aprovou uma resolução rogando o fim da mutilação sexual de meninas e pedindo aos países que estabeleçam condições médicas e sanitárias mínimas para a circuncisão de garotos. Desde então, Israel tem acusado os europeus de discriminação religiosa ao colocar as duas práticas — circuncisão e mutilação de meninas — no mesmo pacote.
 
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...