segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

RELAÇÕES PESSOAIS DERRUBAM O MITO DA IMPARCIALIDADE JUDICIAL


Relações pessoais derrubam mito da imparcialidade judicial

 
O que não está nos autos não está no mundo é uma dessas ficções teóricas que o universo jurídico aprendeu a reproduzir. Fatores pessoais e atos extraprocessuais sempre orientaram a decisão do juiz, influenciando a administração dos conflitos e a distribuição da Justiça, analisa Bárbara Gomes Lupetti Baptista em Paradoxos e Ambiguidades da Imparcialidade Judicial, um livro sob medida para profissionais do Direito, sobretudo para aqueles que atuam no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A autora passou vários meses percorrendo corredores e gabinetes do tribunal em busca de respostas que a ajudassem a compreender melhor o processo e os dilemas da decisão judicial. Ao terminar a pesquisa, mesmo em um ambiente que não lhe era estranho, ela confessa que foi afetada pelos resultados e pelas "malhas de relações pessoais" que levam ao que classifica como "aplicação particularizada da lei".
Não é um livro de denúncias ou juízos de valores, esclarece a autora. Bárbara Lupetti deixa claro que não teve a intenção de demonstrar a "impropriedade de condutas", tampouco dizer se os magistrados e demais operadores do Direito entrevistados por ela  — 80 no total — estão certos ou errados, se agiram correta ou incorretamente, de forma lícita ou ilícita. "Essa pretensão, que o direito normalmente esboça, não tem lugar nesse trabalho", afirma. O único objetivo, segundo ela, foi tentar extrair uma compreensão didática de como funciona, na vida real, um segmento do sistema judiciário, explicitando quais são as lógicas do seu funcionamento, o que está implícito em seus rituais e o que pensam e como se autoapresentam aqueles que atuam no fórum. "Tudo isso através de uma lupa: a da imparcialidade", reforça.
No livro e na pesquisa que serviu de base para uma bem sucedida tese de doutorado em Direito na Universidade Gama Filho, Bárbara Lupetti ressalta que já conhecia o jargão que diz que "o bom advogado conhece a lei, mas o melhor conhece o juiz", e que, portanto, jamais se convenceu sobre a existência de "uma imparcialidade pura e de uma absoluta cisão entre o juiz e seus valores pessoais". Diz, ainda, que desde o tempo de estagiária era possível perceber que a justiça se distribuía de uma forma não uniforme e que o que tornava os processos diferentes uns dos outros, muitas vezes, eram fatores pessoais e ideológicos que influenciavam os juízes e os funcionários das varas. "Logo, pensar em categorias como imparcialidade, impessoalidade, neutralidade, equidistância era relevante para compreender o sistema judiciário de um modo mais amplo", justifica.
No trabalho, relata que uma das primeiras ambiguidades percebidas por ela foi que, se de um lado os interlocutores manifestavam, de forma recorrente, a inexistência da tão falada imparcialidade judicial, de outro representavam-na como uma categoria estruturante do sistema, sem a qual o judiciário ruiria. "É a alma da Justiça, mas, ao mesmo tempo intangível", reproduz um dos comentários gravados por ela. "É mito, quimera, fábula, utopia, mas apesar de não existir, é preciso sustentar a sua crença", reforça um outro entrevistado.
Decorrência dessa ambiguidade, ela constatou que, embora não acreditem em sua existência, é a suposta imparcialidade o principal valor refletido nas entrevistas, com praticamente todos os magistrados valorizando-a a tal ponto de reconhecer que ser tachado de "parcial" é provavelmente a mais grave mácula à imagem de um juiz. "De todas as pechas a que está sujeito o juiz, a de parcial, é, sem favor algum, a mais nefanda que lhe pode sobrevir", reproduz em outro trecho de entrevista feita por ela.
Advogada militante na área cível, Bárbara Lupetti diz que o material recolhido por ela mostra, efetivamente, como a prova dos autos é vista de forma pessoal dependendo do juiz que a analise. "Os fatos são percebidos de forma pessoal e casuística", afirma. "Trata-se de um sistema que impõe sua vontade segundo as distintas subjetividades de seus membros e que refuta e reage fortemente a mecanismos de padronização e explicitação pública de sua ética e de suas práticas", conclui, chamando a atenção para a inexistência de mecanismos que neutralizem "a influência das subjetividades do juiz na administração dos conflitos e na condução dos processos".
No livro, ela destaca um depoimento emocionado que ouviu de uma juíza que frequentemente se vê "sem saída" no exercício da função. "Julgamos por intuição, por vontade, segundo o que achamos certo ou justo. Mas na maioria das vezes existe também um sistema legal contraditório, paradoxal, que nos manda ser imparciais, mas que também nos manda fazer assistencialismo, produzir provas no lugar da parte pobre, proteger o coitadinho, dar acesso à Justiça a todos, tratar desigualmente os desiguais, dar ampla defesa irrestrita. Cumprir a lei e fazer justiça. Ora, não somos contraditórios porque nossa cabeça é confusa. Somos contraditórios porque aplicamos leis contraditórias num sistema que é contraditório. E nos culpam por isso".
Os advogados mais experientes, afirma, percebem tais contradições e ambiguidades e adotam certas estratégias na tentativa de afastar determinados juízes das causas, quando convém aos interesses do processo e de seus clientes. Uma dessas estratégias é a "suspeição provocada", na tentativa de também controlar o exercício da jurisdição dos magistrados. Não é por outro motivo, segundo ela, que as arguições de impedimento e de suspeição, em vez de serem recepcionadas como um direito da parte a ter um julgamento imparcial e justo, frequentemente são recebidas pelos magistrados como expedientes manipulados com fins escusos por advogados, o que também motiva a sua pouca receptividade e acolhimento nos tribunais.
A autora explica que a metodologia de pesquisa utilizada por ela incorpora "uma interlocução entre direito e a antropologia". Além das entrevistas com juízes, desembargadores, advogados e membros do Ministério Público, ela presenciou várias audiências e julgamentos de recursos nas câmaras cíveis do tribunal, analisando, também, vários incidentes processuais de impedimento e de suspeição de magistrados. Protegidos pelo anonimato, os depoimentos colhidos revelam os bastidores de um dos maiores tribunais do país. "Se as coisas não são exatamente como parecem que são, explicitar a forma como se representam já é, pelo menos para mim, um bom começo", conclui a autora.
Serviço:Título: Paradoxos e Ambiguidades da Imparcialidade Judicial
Autora: Bárbara Gomes Lupetti Baptista
Editora: Sergio Antonio Fabris
Edição: 1ª Edição — 2013
Número de páginas: 572
Preço: R$ 83,30
 
Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2014

AS CONSEQUÊNCIAS DO JEITINHO BRASILEIRO NA ADOÇÃO ILEGAL DE CRIANÇAS

As consequências do jeitinho brasileiro na adoção ilegal de crianças
O número de crianças e jovens aptos para a adoção no Brasil é de 5,4 mil, segundo dados de outubro de 2013 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O cadastro foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em abril de 2008, para centralizar as informações dos Tribunais de Justiça do país sobre pretendentes e crianças disponíveis para encontrar uma nova família – e também para auxiliar os juízes na condução dos processos de adoção.

Apesar de seu esforço para acelerar esses procedimentos, a Justiça ainda não consegue evitar a prática de algumas famílias, que se utilizam do “jeitinho brasileiro” para adotar crianças. É a chamada adoção à brasileira.

A adoção à brasileira se caracteriza “pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança”, explicou a ministra Nancy Andrighi em um de seus julgados sobre o tema.

Da diferenciação à igualdade
A Constituição Federal de 1988 (CF) encerrou definitivamente a diferenciação de direitos estabelecida pelo Código Civil de 1916, entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados (artigos 337 a 378).

Estabeleceu no parágrafo 6º do artigo 227 que os filhos provindos ou não do casamento, ou de adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O Código Civil de 2002 (CC/02) seguiu o ordenamento constitucional ao tratar do assunto no seu artigo 1.596. Definiu no artigo 1.618 que a adoção de crianças e adolescentes deveria ser feita de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) –, o qual foi aperfeiçoado pela Lei 12.010/09, chamada Lei da Adoção, aprimorando a sistemática para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

Ao tratar do assunto, o Código Penal estabeleceu que a prática da adoção à brasileira é criminosa, prevendo inclusive pena de reclusão de dois a seis anos. É o chamado crime contra o estado de filiação, trazido pelo artigo 242: dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.

Suspeita de tráfico
Além de sujeitar o adotante a essas sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de outros crimes, como se viu em caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O recurso em habeas corpus trouxe a história de um bebê recém-nascido, entregue pelos pais biológicos a um casal. A entrega foi intermediada por terceiro, que possivelmente recebeu R$ 14 mil. A mãe biológica também teria recebido uma quantia de R$ 5 mil pela entrega da filha.

No registro da criança constou o nome da mãe biológica e do pai adotante, que se declarou genitor do bebê. A criança permaneceu com o casal adotante por aproximadamente quatro meses, até ser recolhida a um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de busca e apreensão do bebê, com pedido de destituição do poder familiar do pai registral e da mãe biológica, bem como de nulidade do registro de nascimento. O juízo de primeira instância deferiu em caráter liminar o acolhimento institucional da criança. O casal impetrou habeas corpus pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória.

Com a negativa do habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o casal recorreu ao STJ. Afirmou que a criança estava sofrendo “danos psicológicos irreversíveis” em virtude da retirada do lar e que não houve tráfico de criança.

Antes de 2009, o STJ tinha o entendimento pacífico de que não era possível a discussão de questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes utilizando-se a via do habeas corpus. Entretanto, em julgamentos a partir dessa data, os magistrados da Corte têm excepcionado o entendimento “à luz do superior interesse da criança e do adolescente”, esclareceu Sanseverino. Segundo o ministro, a análise do caso deve se limitar à validade da determinação legal de acolhimento institucional do menor e posterior encaminhamento para adoção.

Situação de risco

A Terceira Turma negou provimento ao recurso. De acordo com Sanseverino, não houve ilegalidade no acolhimento institucional da criança. O ministro explicou que o acolhimento não foi devido apenas à preservação do CNA, legalidade contida no artigo 50 do ECA, ou em virtude da fraude no registro, mas também porque foi identificada uma “situação de risco concreto à integridade moral e psicológica da infante, diante da suspeita da ocorrência de crime de tráfico de criança”.

Ao analisar os autos, Sanseverino afirmou que, mesmo sem a comprovação do pagamento pela criança, ela foi efetivamente negociada pelos envolvidos. O ministro ressaltou que a conduta do casal, que passou por cima das normas legais para alcançar seu objetivo, “coloca em dúvida os seus padrões éticos, tão necessários para a criação de uma criança”.

“Tal situação, a meu ver, não pode ser endossada pelo Poder Judiciário, sob pena de desestimular pretensos adotantes a seguir os trâmites legais, e, em última análise, estimular o tão repugnante comércio de bebês”, garantiu o ministro.

Parentalidade socioafetiva

A jurisprudência do STJ tem exemplos de casos em que crianças foram adotadas ilegalmente, de maneira consciente e voluntária, por pessoas que após determinado tempo resolveram negar a paternidade, ignorando o vínculo socioafetivo criado. Nesses julgados, é possível perceber a prevalência da paternidade socioafetiva.

Nesse sentido, foi julgado o recurso de um pai que requereu a anulação do registro de nascimento das filhas da esposa. Ele alegou que foi induzido a registrá-las como suas filhas, quando na realidade não o eram. Só depois da propositura da ação, as filhas descobriram que ele não era seu pai biológico.

O pai alegou que deveria prevalecer a verdade real, mesmo havendo vínculo socioafetivo entre eles. Sustentou que o registro deveria ser anulado por erro de vontade. Porém, não obteve sucesso no recurso interposto no STJ.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai, acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, nos dias de hoje, a paternidade “deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva. Assim, em conformidade com os princípios do CC/02 e da CF/88, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica, e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

Salomão observou que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, “quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva”.

O ministro ponderou que se a declaração sobre a origem genética realizada pelo autor na ocasião do registro foi uma inverdade, “certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”.

Limbo jurídico

Entendimento semelhante foi proferido pela Terceira Turma ao julgar recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Um pai ajuizou ação negatória de paternidade, na qual alegou tê-la reconhecido sob ameaças e pressões da mãe da criança. Requereu também a realização de exame de DNA, para comprovar a inexistência de vínculo biológico.

A ação foi proposta quando a criança já tinha cinco anos de idade. Em virtude da comprovação da ausência de vínculo biológico pelo exame, tanto a primeira instância quanto o TJSC determinaram a retificação do registro civil.

Ao julgar o recurso do Ministério Publico local contra o acórdão do tribunal catarinense, o STJ decidiu que não ocorreu vício de consentimento quando do registro da criança, nem que o pai tenha sido induzido a erro.

De acordo com Nancy Andrighi, em processos que lidam com o direito de filiação, “as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade da qual duvidava, e depois de cinco anos se rebela contra a declaração produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico”.

A ministra afirmou que, mesmo na ausência do vínculo genético, o registro da criança como filha, “realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva”. Para Nancy Andrighi, é “inequívoco” o fato de que ele assumiu, “em ação volitiva, não coagida, a paternidade sociafetiva”.

Em outro recurso, o ministro Massami Uyeda (hoje aposentado) considerou que, “em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado”.

Direito à verdade biológica
Outra discussão que surge no STJ é sobre a possibilidade de o vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica ou a obrigação patrimonial.

Sobre o assunto, a Terceira Turma decidiu que o adotado ilegalmente, mesmo usufruindo de uma relação socioafetiva com o pai registrário, tem direito, se quiser, a tomar conhecimento de sua “real história” e ter acesso à sua “verdade biológica”, pois “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana” – como afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

No caso julgado, uma mulher em idade madura ajuizou ação de investigação de paternidade, cumulada com petição de herança, pois o pai já era falecido. Na ocasião do seu nascimento, ela foi registrada como filha do marido de sua mãe, mesmo sendo filha biológica de outro homem.

Diante da confirmação do vínculo biológico trazida pelo exame de DNA, os herdeiros do pai sustentaram que, nesse caso, deveria prevalecer a paternidade socioafetiva em relação à biológica, pois se tratava de um caso de adoção à brasileira. Alegaram ainda que tanto a adoção como o registro civil eram irrevogáveis.

Segundo Nancy Andrighi, existe amplo reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetivas pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade de ela prevalecer sobre a verdade biológica. “Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a ‘desbiologização da paternidade’, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar do que ao mero vínculo biológico”, explicou a ministra.

Por outro lado, a ministra também esclareceu que, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico, não é razoável que seja imposta a ele a prevalência da paternidade socioafetiva para impedir sua pretensão.

Obrigação patrimonial

Mesmo nas hipóteses em que a adoção é feita de maneira legal, nos termos do ECA e da Lei da Adoção, é assegurado ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica (artigo 48). Contudo, lembrou Nancy Andrighi, quando uma adoção é efetivada pelos trâmites legais, há o “rompimento definitivo do vínculo familiar”. E se o adotado desejar conhecer sua origem biológica, “essa investigação não gera consequências de cunho patrimonial”.

Diferentemente, na adoção à brasileira, “embora não caiba a anulação do registro de nascimento (salvo na hipótese de erro), por iniciativa daquele que fez a declaração falsa, diante da voluntariedade expressada (artigo 1.604 do CC/02) e da necessidade de proteger os interesses do próprio adotado, se a pretensão for investigatória e advier da própria vontade do filho interessado, é assegurado a ele o direito à verdade e a todas as suas consequências, incluindo as de caráter patrimonial”, afirmou a ministra.

Busca pelos pais biológicos

Conforme afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em outro recurso especial, “a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”.

O recurso tratou da história de uma mulher registrada pelos pais adotantes como se fossem seus genitores, depois de ter sido entregue pela mãe biológica ainda bebê. Posteriormente, a mãe biológica passou a conviver com ela como sua madrinha de batismo. O pai biológico possivelmente nem sabia da existência da filha.

Na adolescência, ela soube que sua mãe era, na verdade, a madrinha. Porém, somente após a morte dos pais registrais, e contando 47 anos de idade, soube a identidade do pai biológico e propôs a ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou improcedente o pedido da autora, pois entendeu que a existência do vínculo socioafetivo entre os pais registrais e a autora da ação afastava a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica. No STJ, o entendimento do tribunal gaúcho foi reformado. A Quarta Turma deu provimento ao recurso da mulher.

De acordo com o relator, a paternidade biológica gera “necessariamente” uma responsabilidade que não se desfaz com a prática ilícita da adoção à brasileira, “independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram”. No mesmo sentido, “a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo haver equiparação entre a adoção regular e a chamada adoção à brasileira”.

Salomão explicou que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, entretanto, ela não prevalece quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

O raciocínio deve ser aplicado para as adoções à brasileira, já que a adoção legal, conforme dispõe o ECA, é irrevogável e desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes (artigos 39, parágrafo 1º, e 41).

Pedido de terceiro

A Terceira Turma negou provimento ao recurso de um irmão que queria anular o registro de nascimento da irmã, afirmando que o pai havia praticado adoção ilegal.

A filha foi registrada em 1955, quando já possuía sete anos de idade e, segundo o recorrente, por insistência da então companheira de seu pai. Após aproximadamente 37 anos do registro, o fato foi tornado público e a filha tomou conhecimento de como aconteceu o seu registro. Daí se originou a ação ajuizada pelo irmão, para desconstituir a declaração de paternidade feita por seu pai biológico em relação à irmã adotada ilegalmente.

A relatora do caso foi a ministra Nancy Andrighi que, ao citar o artigo 1.601 do CC/02, lembrou que se restringe ao marido a legitimidade para contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, e ao filho a legitimidade para ajuizamento de ação de prova de filiação (artigo 1.606).

Todavia, a ministra ressaltou que esse leque foi ampliado pelo artigo 1.604, legitimando aqueles que provassem a existência de erro ou falsidade. Nesse último caso se encaixaria o interesse do irmão em contestar a paternidade.

A relatora ponderou que, se de um lado não há vínculo biológico entre o pai registral e a recorrida, a alteração do registro civil “deve ser avaliada à luz da existência de uma relação de filiação socioafetiva consolidada e construída sobre ações de boa-fé do pai socioafetivo”.

Nancy Andrighi entendeu que o pai registral, mesmo sem possuir vínculo biológico, ao registrar de forma consciente a criança como filha, consolidou a filiação socioafetiva. E embora a adoção tenha acontecido à margem da lei, a situação concretizou para a adotada a condição de filha, “que não pode ser enjeitada por aquele que registrou, nem ao menos contestada por terceiros”, avaliou.

De acordo com a ministra, a relação socioafetiva “não é constatada somente por meio de um convívio perene, mas no momento da declaração do pai registral, porque de outra forma se construiria relação filial sujeita às intempéries da vida, que podem determinar o afastamento de pessoas que mantinham íntima convivência, como de fato ocorreu na espécie”.

Direitos assegurados

Dessa maneira, nos recursos em que os adotantes ilegais queiram, tempos depois, negar a paternidade de seus filhos, ou quando terceiros alegam erro ou falsidade no ato do registro, percebe-se a prevalência da paternidade socioafetiva, “em nome da primazia dos interesses do menor”, explicou Nancy Andrighi.

Nos casos em que os filhos adotados ilegalmente buscam o reconhecimento dos pais biológicos, a tendência é que a verdade biológica prevaleça, em razão do “princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III, da CF/88”, e que traz em seu bojo “o direito à identidade biológica e pessoal” – ponderou a ministra.

Os números dos processos citados no texto não são divulgados em razão de segredo judicial
 
Fonte: STJ

RECURSOS "PREMATUROS" E JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

Recursos "prematuros” e jurisprudência defensiva

 
Tenho dedicado vários textos publicados na coluna Processo Novo, aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, ao debate de questões relacionadas àquilo que se convencionou chamar de jurisprudência defensiva.
Como disse o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência defensiva é postura “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.
A definição fala por si: as manifestações de jurisprudência defensiva ou não têm base legal, ou decorrem de interpretação distorcida do texto da Lei.
Tal é o que ocorre com a orientação firmada no Enunciado 418 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. A jurisprudência, a respeito, é implacável: considera indispensável a ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, qualquer que seja o resultado do julgamento deste recurso.
É certo que, como já se decidiu, a decisão que julga os embargos de declaração, ainda que para rejeitá-lo, integra a decisão embargada. No entanto, é evidentemente injustificável a exigência de ratificação, se não houve qualquer alteração na decisão embargada.
Esse aspecto foi destacado em julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2009, no julgamento da Ação Rescisória 1.668, o ministro Cezar Peluso chamou a atenção para o erro. Como disse ele, daquele que não interpôs embargos de declaração não se deve exigir a ratificação do recurso, após a rejeição dos embargos de declaração interpostos por outrem. Tal orientação veio a ser posteriormente confirmada pelo Supremo em 2013, no julgamento Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 680.371, ao qual se seguiu, no mesmo sentido, o julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 740.688.
A despeito dessa boa evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, no Superior Tribunal de Justiça continuou a preponderar o entendimento contrário, antes referido.
Há, aqui, problemas de duas ordens: de um lado, o criticável entendimento consolidado no mencionado enunciado sumular; de outro, a discrepância entre as orientações dominantes nos dois tribunais, a respeito do tema, o que em nada contribuiu para a construção de uma jurisprudência íntegra.
Diante disso, é elogiável a intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, recentemente noticiada, de aperfeiçoar o entendimento veiculado no Enunciado 418 da sua súmula. Espera-se que haja alinhamento entre os entendimentos desse tribunal e do Supremo, para se exigir nova manifestação daquele que interpôs outro recurso antes da oposição de embargos de declaração pela outra parte apenas se, com o julgamento deste recurso, houver alguma modificação da decisão embargada. Essa, aliás, é também a orientação adotada pelo projeto de novo Código de Processo Civil.
Paralelamente a esse problema, há aquele relacionado ao recurso considerado “prematuro” por ter sido interposto antes da publicação da decisão impugnada. A jurisprudência majoritária é no sentido de que o recurso assim interposto é intempestivo, mas há julgados bem fundamentados que adotam orientação contrária (cf. decidiu o STJ há quase 10 anos, orientação reiterada em julgado recente) e que nos parece correta. Afinal, se a parte teve, por outro meio —consulta aos autos ou ao site do tribunal, por exemplo —, conhecimento do teor do julgado contra o qual pretende recorrer, o objetivo da futura publicação já foi alcançado, e não há motivo jurídico para considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão.
A noticiada intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça de alterar o entendimento hoje contido no Enunciado 418 da Súmula do referido tribunal representaria, sem dúvida, um avanço, e poderia repercutir quanto a outras orientações injustificáveis, como a acima referida, relacionada à tempestividade do recurso interposto antes da publicação da decisão.
Embora muito pequeno, esse seria um importante passo no sentido de se mitigar a jurisprudência defensiva.
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

DO DIREITO FACILITADO AO BALÃO MÁGICO, O ÓBVIO VENCEU!

Do direito facilitado ao balão mágico, o óbvio venceu!

 
Balão Mágico, etc: Sintomas de uma doença mais graveMinha caixa de e-mails ficou entulhada com dezenas de mensagens de alunos e leitores que mandaram um vídeo de uma faculdade de Direito contendo publicidade usando a música antiga do grupo Balão Mágico.
No início achei que era uma pegadinha. Inacreditável. A propaganda conclama a malta a cursar direito, vendendo o curso como se fosse um refrigerante ou uma bola de futebol. E os tansos dos alunos cantam e dançam. Super fantástico, o balão mágico... e o direito fica divertiiido...diz a propaganda. Realmente, o direito é divertido. Muito. Estou farfalhando. Rolando de rir — estou sendo irônico. Pergunto-me: como é que o Brasil ainda não conseguiu um Prêmio Nobel? Com tanta inteligência solta por aí, o Prêmio Nobel deveria vir para o direito de terrae brasilis. Super fantástico... direito é diivertiido! E eu vou estocaaar comiiida! Este ano o Nobel é nosso!
Mas, vejam. Não me importo com isso. Azar do dono da faculdade e dos alunos. O que quero dizer é que isso tudo é consequência de algo maior. Como dizia o Conselheiro Acácio, as consequências vem sempre depois. E estão aí. Ficamos silentes com os livros de direitos facilitados, plastificados, resumos dos resumos, vade mecuns para concursos, resumos de humanismo no direito segundo a Resolução 75 do CNJ... e nada fizemos — e nada faremos.
Indago: Qual é a diferença entre fazer a bizarra propaganda do Balão Mágico vendendo o “produto-curso-de-direito” e uma certa literatura jurídica? Qual é a diferença entre o Balão Mágico e um certo modelo de “dar aulas” em cursinhos — e faculdades — que assola a nação há alguns anos? Qual é a diferença entre o curso Balão Mágico e escrever — e dizer — coisas “inteligentes” como “noite é a total ausência de luz” ou ficar pulando no palco com sapato bicudo, fazendo seções de auto-ajuda para um zilhão de alunos ávidos por passar na OAB (e que depois não passam — aguardem um texto meu e do Alexandre Morais da Rosa sobre isso) e nos concursos de todo Pindorama?
Se você acha bizarro e rolou de rir com a propaganda do Balão, replicando para um zilhão de amiguinhos do face, por que se queda silente com o restante das bizarrias que atravessam o imaginário jurídico? Para mim, tudo isso é rigorosamente igual. Há muito tempo o Youtube está cheio dessas coisas. Aristóteles em duas frases... Um professor na TV falando em Descartes — pronunciando com “s” — , resumindo-o em 12 segundos ou 3 linhas de livro? Agressão a-tu-al é a que está...a-cooonte-cenndo, diz o mestre. Genial. E assim vai.
Quero dizer que não achei graça do vídeo do Balão. Não é de rir. É de chorar. Parece que o ensino jurídico não tem jeito mesmo. Vejam abaixo e estocarão (mais) comida. PS: a propósito, se é para se divertir, como diz o reclame, posso sugerir algo engraçado, como, p.ex., dar o prêmio (Mico) Leão Dourado para a peça? Ou “Faculdade recebe o prêmio Leão de Ouro no festival de Burkina Faso”... “Aluno não paga mensalidades... paga mico-leão”... “Simoni e Jairzinho recebem título de doutor honoris causae na faculdade do balão...”. Mas, como falei, não acho engraçado. Foi só para mostrar as variações do tema.
Seja você também um patrulheiro ToddySequencio. Há algum tempo escrevi aqui a coluna O Jeitinho Brasileiro de ser doutor, em que discuti os problemáticos doutorados oferecidos no Mercosul — em especial Argentina e Paraguai. Sobre esse cursos não preciso falar, porque o quadro, ao que sei, não se alterou desde então, valendo, pois, o já escrito.
Mas, se alguém acha que basta ser doutor de forma macunaimizada, está enganado (atenção: não estou dizendo que, em Pindorama, não se faz dissertação ou tese sobre Agravo de Instrumento, cheque sem fundo, embargos, etc; aliás, já escrevi muito sobre isso; fiquei contente que, dias atrás, o professor Felipe Asensi escreveu — aqui — artigo criticando o modo como se faz monografia, dissertação e tese em terrae brasilis, verbis: “Monografia não é petição inicial, e isto também serve para dissertações de mestrado e teses de doutorado. Com frequência, os estudantes de direito, independente de em qual nível estejam, tendem a reproduzir um vício compartilhado pelos seus professores que, por sua vez, reproduzem um vício compartilhado por seus antigos professores: a ideia de que a produção acadêmica tem que se assemelhar a uma petição inicial!” Ou seja, sei dos problemas internos de Pindorama. Sou insuspeito nesse sentido, porque ácido crítico de certa pós-graduação de terrae brasilis que não passa de reprodução de curso de especialização... ou que forçam dissertações ou teses apenas acrescentando, ao título, o nome da área de concentração, algo como Argumentação Jurídica e Direitos Coletivos — qual seria a área de concentração? — ou o contrário: o nome da área e o tema de interesse do aluno, que pode ser qualquer coisa — música folclórica, contratos, júri, legitima defesa, impostos, energia elétrica, racismo, tudo trabalhado dentro da mesma “área”, etc).
Sigo. Nos últimos tempos apareceram cursos de pós-doutorado a la Macunaíma ou jabuticaba — coisa que só brasileiro entende. Leio na internet que uma instituição chamada IUNIB fez um “convênio” com a Universidade de Messina — Universitá degli Studi di Messina—, com a finalidade de oferecer curso de pós-doutorado em Direito a professores e profissionais da área jurídica interessados em aprimorar seus conhecimentos e, por conseguinte, obter o título de pós-doutor. Claro: oferecido para os nativos de Pindorama. Pergunta se na Itália o título (?) valerá...
A coisa funciona assim: a primeira parte é ministrada em Belo Horizonte, no lugar chamado Barro Preto, durante 5 dias. A segunda fase do “pós-doutorado” será em Messina, mais 5 dias. Depois disso, o utente escreve um paper... e, Bingo. Título de Pós-Doutor. Quem pode cursar? Doutores ou doutorandos em qualquer área do conhecimento. Maravilha, não? O sujeito nem precisa terminar o doutorado e já se transforma, em 10 dias, em pós-doutor. Seria uma espécie de pós-proto-doutor. Uma nova modalidade, pois não? O programa do curso de pós-doc é genial, altamente reflexivo: um simpósio sobre o intrigante tema " Responsabilidade do Estado e do Funcionário Público". Quanto fosfato será queimado nisso, não? Mas essa responsabilidade seria do funcionário do Brasil ou da Itália? Ou da Argentina, local onde será publicado o paper final (na revista da Universidade Nacional de Lomas de Zamora e do IUNIB - Instituto Universitário Brasileiro, o Instituto que fez o convênio com Messina).
Uma vantagem para os brasileiros: o paper final pode ser em... português. E as aulas na Itália terão tradução instantânea para a língua de Pindorama. O que mais é preciso dizer?
Para se matricular, é só mandar o curriculum e, claro, acertar o modo de pagar o investimento de R$ 14,5 mil — pode ser em 15 vezes. Pronto. Eis aí uma solução para a ignorância de terrae brasilis. Inscrever-se nesse pós-doutorado e, em dez dias, ostentar o imponente título de pós-doutor em direito. E ainda terá uma publicação pela Universidade de Lomas de Zamora. O Brasil está salvo.
Bem feito para quem vai fazer pós-doc por aí, fica um ano, pesquisa, escreve um livro. O governo brasileiro poderia incluir o convênio no Ciência Sem Fronteiras. Já pensaram quantos pós-doutores poderíamos ter em um ano? Quase toda a gente que possui doutorado ou em vias de se doutorar poderia alcançar essa façanha. Seríamos o país com mais gente pós-doutorada. Finalmente poderíamos ganhar um prêmio Nobel. Talvez em “responsabilidade do funcionário público”. Bingo! Só espero que as pessoas que estejam fazendo o tal convênio não sejam funcionários públicos.
Lembro-me que, quando pequeno, brincava de patrulheiro Toddy — veja aqui. Vendo essas coisas no Brasil, lembro-me do distintivo fake que vinha dentro dos vidros de Toddy.
A descoberta da vitamina para fortificar as publicações e o curriculumTerrae brasilis é o lugar das grandes sacadas. Inclusive a do Balão Mágico. Se está difícil o caminho, faça um atalho... Se você tem dificuldade de publicar em revistas Qualis ou em editoras qualificadas — ou mais ou menos qualificadas —, já foi achada a solução: publique em editoras que não lhe pedem nada sobre a qualidade da publicação. Por exemplo e assim é — porque eu mesmo, por não acreditar, telefonei para uma dessas editoras-gráficas — pague R$ 10 reais a página — mais ou menos isso — e publique seu livro, solo ou em conjunto com mais três colegas — com isso, você ficará dentro do limite máximo permitido pelo sistema para que a publicação seja considerada; mais de quatro, não vale. O conteúdo? Não importa. Não há conselho editorial. Se há, é pro-forma, como verifiquei pessoalmente com um dos professores que consta como integrante de um dos conselhos de uma dessa editoras “Fondo Di Casa”. Basta pagar. Ah: e é eletrônico. Nem se gasta papel. Não há limites. Você, sozinho, pode ter 30 livros publicados em um ano. Facinho, facinho. É o jeitinho brasileiro de ser um big-escritor. Se alguém vai ler? E livro é para ser lido ou apenas registrado como publicação no curriculum lates?
É obvio que sou a favor da popularização das publicações. Não vejo nenhum problema se o jovem jurista-professor-mestrando ou doutorando pagar para publicar. Isso é normal. Venho incentivando publicações. Minha objeção é de outro nível — e quero deixar isso claro: trata-se de não banalizar as publicações. Por favor: tomemos cuidado. Se é que ainda há tempo para tanto. Não é possível que, no plano das avaliações do sistema Capes, um artigo Qualis A-1 ou A-2 possa ser equiparado (ou quase), em pontos, a um livro — quase sempre eletrônico — escrito por um docente e três alunos — normalmente pago por esses alunos —, publicado em uma editora que seja ao mesmo editora, gráfica e despachante de carteiras de habilitação de trânsito ou algo que o valha — ou não valha.
Seja um bom rimadorO Balão Mágico é apenas um sintoma. A coisa é mais grave. Dia desses assisti na internet a um vídeo (na verdade, há vários) de uma advogada que faz direito rimado. Tipo “venha para a OAB de Tatuapé, de carro, de ônibus ou a pé”... Da mesma advogada há paródias de músicas, como a do hit do grande filósofo contemporâneo Michel, o Teló. Na composição, ouve-se algo como “ai OAB, se eu te pego...”. Não basta ouvir; há que ver, para não ocasionar mal entendido. Na verdade, a autora se refere à Carteira da OAB, mostrada em tamanho aumentado no vídeo. Uma outra da mesma autora, rimando um case de juizados especiais: “O autor ficou preso por mais de uma hora no elevador, gritava para pedir ajuda e foi socorrido pelos bombeiros. Tal situação lhe gerou sofrimento, mal estar, muita dor, sofrendo abalo a sua integridade psicológica, este brasileiro (...) o juiz relata que o dano moral foi configurado, não se tratando de mero aborrecimento, devendo, portanto, ser indenizado.” (grifos meus) Por que será que T.S. Eliot, Ezra Pound ou Chico Buarque não tiveram ideias desse jaez? De todo modo, como o Brasil nunca teve Prêmio Nobel, eis aqui uma chance de quebrarmos essa tradição.
Pensei em fazer algum comentário, mas tudo isso é, digamos assim, é secundário... A poesia da causídica é... poxa, não consegui arrumar uma palavra que terminasse com “ídica”. Afinal, não sou poeta...e não aprendi a rimar.
Seja um bom chutador; chutare vem de sentire...!O Balão Mágico virou um viral. Odeio essa palavra. O mundo ainda vai (se) acabar via internet. As redes sociais são o locus privilegiado para que se publique qualquer coisa. Basta ver as rimas acima. Afinal, o que é isto — o direito? É possível banalizá-lo a tal ponto? Perdemos o senso crítico? Minha pergunta é retórica.
Achei que já tinha visto de tudo nas redes sociais, no quesito “concursos públicos”. Já vi “professores” ensinando com músicas da Xuxa, gente que bombou 20 vezes em concurso ensinando “como se faz para passar”, outros que nunca passaram perto de um concurso “dando dicas” para ser esperto. Dia desses, um estagiário que frequenta um desses cursinhos contou que um dos professores “mais afamados” desse ramo consegue falar 3 horas sobre queixa crime. Diz e repete coisas geniais como “queixa crime é uma ação privada”... (pri-va-da); “nela é o advogado que acusa”... Agressão atual... é, atenção, “a que está acontecendo”... puxando no “n”. E na TV vi um jovem professor de Direito Penal explicando furto e roubo e em que momento há transferência da posse da res furtiva... E ele interpretava a cena com as mãos, mostrando o ladrão apontando a arma e a res furtiva trocando de mãos... Genial, não? Fico pensando: por que é que o Brasil ainda não ganhou um Prêmio Nobel? Pura injustiça. Eis aí várias opções para quebrarmos essa tradição de ficar de fora da premiação. Pergunto de novo: e o Balão é que é engraçado?
Mas quero falar, mesmo, de um site que ensina como chutar em concursos e prova da OAB. Há um post (texto) ensinando “Técnicas de Chute na Prova da OAB”. Uma das dicas: o item que mais repete provavelmente é o verdadeiro... Hum, hum. Outra dica: “Tenha muita atenção com os itens que você julgar verdadeiro” (sic). Como é que ninguém pensou nisso antes neste país continental? Com quase 200 milhões de nativos e ninguém havia se dado conta de que você deve prestar atenção... “O item verdadeiro costuma ser maior do que os outros”. Fantástico. Por que seria assim? Nosso Eisntein dos concursos “mata a pau” desse modo. Deve ser pura sensibilidade, tipo “chutar em concurso vem de sentire...”. Ou de chutare...! Deve ser a aplicação da navalha de Ockam? Se você percebe um bicho atrás de você...pode ser um cavalo ou um unicórnio...
E o neopentecostalismo jurídico veio para ficar...Visto tudo isso que relatei acima, a questão é saber se ainda há chance para começarmos de novo. Transformamos Pindorama em um grande “concursão” (incluído o imaginário da oabetização, como referiu Alexandre Rosa dia desses — leia aqui). Só se pensa nisso. Qual será o limite do Estado? E tudo vira uma espécie de autoajuda. No fundo, isso vira jusfagocitose. Conhecimento em drops. Fast food jurídico.
Estamos construindo verdadeiros campos de extermínio da ciência. Há um hermeneuticídio em marcha. Uma chacina gnosiológica. Li outro dia em um livro destinado a concurso, na linha da Resolução 75 do CNJ, o que era “analogia”. Mais ou menos assim: a colher está para o cozinheiro como o bisturi está para o médico... Pois é. O perigo é o médico operar o cozinheiro e o cozinheiro cozinhar o médico. Logo, logo, o Brasil receberá o prêmio Nobel. Loguinho. Estocolmo, aqui vamos nós. Vamos em excursão. A Suécia não será a mais a mesma.
Como diz um professor afamado — que anda sobre o palco como um pastor neopentescostal —, nem tudo o que é importante precisa ser complexo. É verdade... Direito é um fenômeno simplinho, simplinho, caro professor-neo ou neo-professor. Para que aprofundar as explicações, não é? Aliás, o direito é tão simples que poderíamos transformar os cursos jurídicos em cursos de Sesi ou Senai — sem ofensa a esses cursos profissionalizantes. Cursa-se quatro semestres e... direto no cursinho. O aluno receberia um kit plastificado, com toda a matéria. Poderia, inclusive, estudar durante o banho, levar na piscina ou em banho do mar. As plastificações são à prova d’água e ferrugem.
Afinal, direito é “facinho” de pegar, não é professor? Talvez por isso o sistema jurídico “funcione-tão-bem”, pois não? Talvez seja por isso que não exijamos a devida fundamentação e nos contentamos com embargos de todo tipo... Talvez por isso tenhamos sucumbido ao pamprincipiologismo. Talvez por isso em um mesmo dia um Tribunal Superior decida dois processos idênticos com resultados diametralmente opostos. Por isso, talvez, você ingresse com Embargos de Declaração e seja multado, sem que você sequer saiba por quê. Talvez por isso você compre livros que qualquer um poderia ter escrito (inclusive você!). Também talvez por isso não sabemos os limites da Constituição, não sabemos o que diziam os clássicos, não damos bola para matrizes teóricas. Lemos só orelhas de livros — ou resumo de orelhas. E só compramos resumos e resumões. E plastificações. Transformamos tudo em “caça a resultados”. Estocolmo nos espera. Viva o Nobel.
Lamentavelmente, parece que estamos dando um tiro no pé. Mais ou menos estamos agindo, em Pindorama, como traficantes que vendem crack. Dá lucro no início. Todos ganham. Mas depois, o comprador se estrepa... Morre. Será um bom negócio vender coisas que vão se voltar contra nós? O traficante esperto não vende crack. Pela simples razão de que ele não quer matar o próprio negócio. Chamo à colação de novo o velho Conselheiro Acácio: As consequências sempre vem depois!
Por falar nisso, depois de uma palestra em dezembro do ano passado, alguns alunos me contaram uma anedota que corre por aí: Um professor (ou foi um aluno?) foi barrado no aeroporto pela segurança, porque os cães estavam farejando a sua bagagem. Abriram-na e descobriram que só carregava, além de roupas e pertences pessoais...alguns livros e algumas páginas plastificadas — para se ter uma ideia da mercadoria, numa das plastificações, constava que Schleiermacher fora um filósofo “absolutista” do século XVII. Ainda bem que o utente foi logo liberado... Não foi necessário habeas corpus. Esses meninos e suas anedotas...
Numa palavra final: dá para levar o direito a sério? ABM-DBM?Vivemos em uma espécie de estado-de-natureza-epistêmico. O imaginário jurídico se comporta assim. Ausência de superego. Tudo é ID. Farra total. É o mal estar da juscivilização de Pindorama. Minha pergunta: podemos cair mais fundo no abismo dos sentidos depois do balão mágico? Isso tem fundo ou é sem fundo (no mau sentido, porque, em Heidegger, Abgrund — sem fundo — tem o sentido antimetafísico, portanto, o bom sentido)?
Talvez possamos fazer um trato: ABM-DBM (antes do balão mágico e depois do balão mágico). Talvez possamos começar de novo. Levar o direito a sério. Estudar. Parar com palhaçadas nas aulas, nos palcos, na TV e nos livros. Chega de bizarrices. Basta de leituras de orelha. Basta de “descobertas da pólvora” no direito. Direito é complexo. Fosse fácil e seria periguete — mil desculpas pela repetição do bordão que criei faz algum tempo. Levemo-nos a sério. As outras áreas estão rindo de nós. Fôssemos médicos e ainda não teríamos inventado a penicilina. Enfim: O balão mágico é apenas o simbólico de um imaginário erodido, dúctil, fofinho, anêmico... Um senso comum de segunda mão.
Comecemos já. Quem acha que podemos fazer mais e melhor, replique esta coluna. Mas diga que você está replicando o texto porque quer mudança e não porque acha engraçado... Eu não sou engraçado. Na verdade, estou meio-de-saco-cheio disso tudo. Realmente, estou indignado. Por isso, incito-vos: Indignai-vos!
Mas, na dúvida, estoquem — muita — comida (ou, já que vamos ganhar o Nobel e a entrega é na Suécia, estocolmem comida!). A era PBM — pós-balão mágico — pode ser arrasadora. Estocolmo: lá vamos nós! Nobel para o direito brasileiro!
 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2014

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
 
HENRIQUE VIANA PEREIRA
 
RESUMO
 
Esta dissertação realizou estudo exploratório acerca da função social da empresa. Procurou contribuir, por meio de investigação na doutrina, a uma concreta interpretação da função social inerente à atividade empresarial. A pesquisa iniciou com um breve histórico do direito empresarial, desde a origem do direito comercial até o direito empresarial atual, de acordo com a análise das consequências públicas do direito privado, bem como com a constitucionalização desse ramo do direito. Em seguida, passou ao estudo dos princípios inerentes à atividade empresarial na ordem econômica e social conforme a Constituição da República de 1988. Essas foram as peças fundamentais para o desenvolvimento desse trabalho. Após, focalizou a função social da empresa, com ênfase no contexto do Estado Democrático de Direito. Por fim, investigou as relações da função social da empresa perante tudo que a empresa afeta ou que pode ser afetado por ela. Como resultado, após uma bagagem cognitiva relevante, concluiu que o empresário, para estar em conformidade com os valores consagrados na Carta Magna, deve exercer função social. Para isso, além de gerar empregos, pagar tributos e circular riqueza, deve contribuir para o bem-estar social, para fins de assegurar a todos existência digna, conforme os princípios constitucionais. Destarte, a meta do empresário na obtenção de lucros deve estar atrelada a uma busca do bem-estar coletivo.
Palavras-chave: Direito brasileiro. Constitucionalização do direito privado. Direito empresarial. Função social da empresa.
 
 
Fonte: PUC Minas
 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA



 

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Nelson Freitas Zanzanelli*


RESUMO

O objetivo deste trabalho é refletir a respeito do papel desempenhado pelas empresas na realização das atividades do Estado relacionadas com a prestação dos direitos sociais e sua função social. Para tanto, traça um breve histórico do desenvolvimento da empresa e da disciplina normativa de suas atividades e analisa as relações entre essas pessoas e a Constituição de 1988, principalmente em face do cumprimento de seus princípios e objetivos.

Palavras-chaves: Constituição, empresa, ordem econômica e social, dignidade da pessoa humana, direitos sociais

 ABSTRACT

 The objective of this work is to reflect on the role played  by business in implementing the activities of the State relating to the provision of social rights and social function. It gives a brief history of the development of business regulations and discipline of their activities and examines the relationship between these people and the Constitution of 1988, primarily because of compliance with its principles and objectives.

Keywords: Constitution, business, social and economic order, human dignity, social rights

Leia na íntegra!

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS RISCOS DE DESENVOLIMENTO NO DIREITO DO CONSUMIOR BRASILEIRO: VISÔES JURÍICAS NACIONAL E INTERNACIONAL

Revista Direito GV

Print version ISSN 1808-2432

Rev. direito GV vol.6 no.2 São Paulo Dec. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322010000200014 

RESENHAS
 
Interpretação constitucional dos riscos de desenvolvimento no direito do consumidor Brasileiro: visões jurídicas nacional e internacional
 
Constitutional interpretation of the development risks in the Brazilian consumer's law: national and international legal views
 
 
Nelise Dias Vieira
Mestranda em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) Bolsista do CNPQ
 
 
CALIXTO, MARCELO JUNQUEIRA. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR DE PRODUTOS PELOS RISCOS DE DESENVOLVIMENTO. RIO DE JANEIRO: RENOVAR, 2004.
O livro A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos de desenvolvimento tem por base a dissertação de mestrado do professor Marcelo Junqueira Calixto apresentada em 2003. Doutor em Direito pela UERJ, o autor leciona na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em sua obra, ele realiza uma análise profunda da responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos de desenvolvimento e proporciona uma perspectiva geral sobre o tema, pontuando detalhadamente as questões que envolvem a problemática na doutrina brasileira.
A obra encontra-se estruturada em quatro capítulos. Primeiramente, a sociedade de consumo é caracterizada e a vulnerabilidade destacada como fundamento da necessidade de defesa do consumidor. Afirma-se, igualmente, que as normas do Código de Defesa do Consumidor sempre serão condicionadas pela incidência de princípios e valores constitucionais, reconhecendo, simultaneamente, a ausência de hierarquia entre os princípios da ordem econômica e a vinculação de particulares à eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
No segundo capítulo, o professor apresenta a vulnerabilidade como elemento original da formulação de um Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como requisito essencial à conceituação deste. No terceiro, ele contextualiza a consagração da responsabilidade civil objetiva, seus pressupostos e suas excludentes em favor do fornecedor. Aponta-se que as excludentes de acidente de consumo, ausência de defeito no produto e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, por parte da doutrina nacional, são acrescidas pelos riscos de desenvolvimento.
Finalizando, no quarto capítulo, o autor examina o problema dos riscos de desenvolvimento, definidos como aqueles riscos não cognoscíveis pelo mais avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado de consumo, e que só são descobertos após um período de uso do produto, em decorrência do avanço dos estudos científicos. São listados como exemplos o cigarro, o silicone e alguns medicamentos. No Brasil, entre os medicamentos, o principal destaque foi a talidomida.
A talidomida tornou-se popular desde seu lançamento no mercado, em 1956, como sedativo que podia ser vendido sem receita e que, mesmo em doses maciças, não era letal. Após numerosos testes, seu lançamento foi aprovado - inicialmente na Alemanha, fruto da pesquisa do laboratório Chemie Grünenthal -, e a droga passou a ser prescrita para mulheres em início de gravidez, pois mostrava-se eficaz no combate à náusea. Em 1958, já era comercializada em 146 países, inclusive no Brasil. No início da década de 1960, descobriu-se um crescente número de bebês nascidos com graves deformações congênitas de mães que haviam ingerido pelo menos um comprimido do tranquilizante. Esse triste caso concreto ilustra uma situação típica de danos advindos de riscos de desenvolvimento, ou seja, riscos que só podem ser descobertos graças aos desenvolvimentos técnico e científico, os quais exigem definição quanto à sua caracterização como excludente ou elemento de configuração da responsabilidade civil frente ao direito vigente.
A disciplina legal dessa matéria, em âmbito comunitário europeu, encontra-se no artigo 7º da Diretiva 374/CEE de 1985, que estabelece não ser o fornecedor responsável pelos danos ocasionados por produtos em que sejam verificadas hipóteses de riscos do desenvolvimento. Examinando o dispositivo, a doutrina adota duas posições principais: (a) presença de responsabilidade civil; e (b) ausência de defeito, pois a diretiva faz expressa referência a um defeito que não era possível ser descoberto pelo estado de conhecimentos científico e técnico. Portanto, poderá exonerar-se de responsabilidade o fornecedor, se conseguir provar a impossibilidade objetiva da ciência de descobrir, no momento da introdução do produto no mercado, os riscos que o cercam. Na exposição, se expressa o posicionamento de vários países e da doutrina nacional sobre a temática.
Após a explanação das visões internacional e nacional sobre a responsabilidade civil do fornecedor do produto pelos riscos de desenvolvimento, o autor se posiciona pelo reconhecimento de tal responsabilidade e compreende ser impossível sua configuração como excludente no direito brasileiro. Ele fundamenta sua posição na proteção da dignidade, constitucionalmente prevista, da pessoa humana. Em sede de conclusão, reafirma sua filiação entre aqueles que defendem a responsabilidade civil do fornecedor por tais riscos e se declara contrário à doutrina que nega a existência do defeito no produto.
A relevância da questão analisada mantém sua temporalidade latente, pois o risco simboliza a incerteza inerente que o tempo institui e como fundamento de responsabilidade modifica o centro do sistema de reparação do dano para vítima. A melhor interpretação da aplicação constitucional do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor frente aos riscos de desenvolvimento comporta intensa discussão, porque essa proteção não pode inviabilizar o desenvolvimento da atividade econômica. Buscar o equilíbrio entre os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV) são o fundamento da ordem econômica constitucional (CF, art. 170, caput).
A proposta basilar da obra expõe esse contexto e doutrinadores do direito do consumidor já assumiram a tarefa de enfrentar a necessidade de debate sobre a presença ou ausência de defeito do produto nos efeitos dos riscos de desenvolvimento, mas falta muito para uma compreensão mais uniforme em relação a pagamento da indenização, em caso de reconhecimento de responsabilidade civil por parte do fornecedor do produto. Esse tipo de dano já faz parte da realidade brasileira e exige proteção específica e constitucional da pessoa humana. O desafio está lançado na busca pela melhor solução sistemática a respeito da responsabilidade por riscos de desenvolvimento.
 
 
Endereço para correspondência:
Nelise Dias Vieira
Av. Bento Gonçalves, 4541, apto. 301
Partenon - 90650-003
Porto Alegre - RS - Brasil

nelidv@bol.com.br

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...