terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O STJ DECIDE QUE HONORÁRIOS NÃO PODEM SER RECEBIDO EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Honorários não podem ser recebidos em cumprimento provisório de sentença

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade de votos, pela impossibilidade de advogados receberem honorários de sucumbência relativos a cumprimento provisório de sentença. O tema foi decidido em julgamento de recurso repetitivo, rito previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

O recurso especial representativo de controvérsia trata do rompimento, em 2001, de um duto na Serra do Mar que impossibilitou a pesca na região por seis meses. Milhares de processos de indenização se seguiram ao acidente e a Petrobrás foi condenada a indenizar vários pescadores paranaenses que trabalhavam nas baías de Antonina e Paranaguá. A empresa entrou na Justiça contra a execução dos honorários requerida pelos advogados dos pescadores.

Paradigma

No caso tratado pela Corte Especial, a Petrobrás foi condenada a pagar a indenização a um dos pescadores e a sentença foi mantida pela apelação. O advogado deu início então à execução provisória, solicitando que a Petrobrás depositasse o valor da condenação, um total de R$ 3.150, e os honorários arbitrados entre 10% e 20% do valor da causa. O Tribunal de Justiça do Paraná aceitou o pedido de pagamento dos honorários.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, o fato de ainda haver possibilidade de recurso impossibilita o pedido. “É descabido o arbitramento de honorários sucumbenciais, em benefício do exequente, na fase de cumprimento provisório de sentença”, afirmou.

Salomão citou decisões relativas à execução provisória e explicou que é entendimento pacífico no STJ a não incidência da multa do artigo 475-J do CPC, aplicada caso não haja pagamento pelo condenado no prazo de 15 dias.

Contradição

Não se pode, portanto, exigir o pagamento voluntário da condenação na fase de execução provisória, pois isto contrariaria o direito de recorrer, tornando prejudicado o recurso do executado. Por essa razão, segundo o relator, seria uma contradição aceitar o arbitramento dos honorários.

Salomão explicou que, se por um lado afasta-se a incidência da multa pelo fato de o devedor provisório não estar obrigado a efetuar o cumprimento voluntário da sentença sujeita a recurso, não é possível condená-lo ao pagamento de honorários na execução provisória exatamente porque não realizou o cumprimento voluntário da mesma sentença.

“Em suma, somente se transcorrido em branco prazo do art. 457-J – que se inicia com o ‘cumpra-se’ aposto depois do trânsito em julgado – sem pagamento voluntário da condenação é que o devedor ensejará instalação da nova fase executória, mostrando-se de rigor, nessa hipótese, o pagamento de novos honorários – distintos daqueles da fase cognitiva – a serem fixados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC”, afirmou o ministro.

Porém, como a promoção da execução provisória é opção do credor, não cabe, neste momento, arbitramento de honorários. “Posteriormente, convertendo-se a execução provisória em definitiva, nada impede que o magistrado proceda o arbitramento dos honorários advocatícios”, concluiu.
Fonte: STJ

ACESSO À JUSTIÇA

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito

 
A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?
Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.
Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.
O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.
O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.
É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.
 
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

Entre Pedrinhas e “rolezinhos”, é o caso de ponderar princípios?

 
Difícil tomar decisões jurídicas em relação a temas palpitantes, não apenas porque as opiniões a respeito de assuntos momentosos, não raro, são apaixonadas, mas também porque todos dão seu palpite... Mas é exatamente aí que está o problema: é possível decidir questões jurídicas movido pela paixão?
Vamos ao caso dos “rolezinhos”. É caso de ponderar princípios, citando Alexy e Dworkin — como se ambos pensassem do mesmo modo sobre o tema...—, para “escolher” qual dos direitos prepondera — por exemplo, é possível ponderar entre livre manifestação do pensamento e direito de propriedade?
Parece não ser esse o caso.
A Constituição assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de prévia autorização, e desde que não frustre reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido prévio aviso à autoridade competente (artigo 5.º, XVI). A principal tarefa do jurista, no caso, não está em ponderar princípios ou direitos, mas em definir, por exemplo, “local aberto ao público”, para saber se o shopping center se enquadra no que está escrito na regra constitucional, ou não. Ao se começar a fundamentação da decisão dizendo que o caso exige uma “ponderação de princípios”, praticamente diz-se, nas entrelinhas, que ao final se decidirá de acordo com convicções pessoais, e não com (verdadeiro) argumento de princípio — escrevi a respeito aqui.
O que dizer, então, do sucede no presídio em Pedrinhas — que tornou-se símbolo dos problemas graves que acontecem não apenas naquele local, mas em muitos outras prisões brasileiras? Pode o Judiciário ordenar ao Estado que construa novas prisões, para dar conta da população carcerária — por exemplo, sob pena de multa? Voltamos, aqui, à questão dos limites que devem operar entre a atuação jurisdicional e os outros órgãos do Estado. O problema se coloca porque, não raro, aqueles que ocupam poder de decisão no âmbito do poder Executivo, por exemplo, não atuam em consonância com o que impõe a Constituição. Em casos assim, ordenar ao Estado que cumpra uma decisão judicial sob pena de multa a ser paga pelo próprio Estado parece ser medida inócua. Insta identificar e responsabilizar o agente público que violou a lei. Apenas dizer que o Estado é responsável, pura e simplesmente, nada resolve, não passa de retórica vazia. Volto, aqui, ao que disse antes, em outro texto desta coluna. É preciso tornar de fato o que a Constituição estabelece de direito. O que sucede nas prisões brasileiras é resultado de uma equação perniciosa que começa na própria lei.
O que une os dois temas, para além dos aspectos sociológicos e políticos? Para mim, especialmente dois pontos: o primeiro, de tratar-se de temas que interessam apenas no presente momento, e deles logo nos esqueceremos, até que aconteça mais uma tragédia em algum presídio brasileiro; o segundo, de ambos ligarem-se ao nosso preconceito: em nossos tempos, é fácil ouvir que “bandido bom é bandido morto”, e que há pessoas que, sem saber qual o seu lugar, cometem o atrevimento de ir a um shopping center...
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2014

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

REGULAMENTO DA CBF - TÁ LÁ UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO!

 


Regulamento da CBF — tá lá um corpo estendido no chão!

Por Lenio Luiz Streck


Nos meus tempos de menino, os adultos usavam Gumex no cabelo, que deixava o cabelo lisinho, duro e esticado. Logo, o tal Gumex foi transplantado para a aplicação do Direito, quando se dizia — e me lembro das aulas na Faculdade de Direito — toda vez que se queria sustentar a literalidade da lei que “dura lex sed lex... e no cabelo só Gumex”, criação do grande Ary Barroso. Como diria Fiori Giglioti, meu ídolo na narração esportiva, “o tempo passa, torcida brasileira”.

Pois não é que um dos auditores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva andou utilizando o velho bordão? (clique aqui para ler) Não sei ele participou do julgamento que colocou a Lusa na segunda divisão, mas o que ele queria dizer — no que foi seguido pelo pleno do STJD – é que, se estava escrito no Regulamento da CBF, então tinha quer aplicado. Algo do tipo duela a quien duela, como diria o filósofo contemporâneo F. C. de Mello, no livro “Aplicación de la ley en el fútbol moderno”, editora Fondo di Casa (já de todos conhecida depois da multiplicação de publicações feitas a R$ 10 a página aqui referida na coluna em que o Papai Noel entregou presentes à comunidade jurídica (clique aqui para ler).

Sigo. Na semana que passou, o judiciário de São Paulo devolveu os quatro pontos que o STJD tirou do Flamengo e da Portuguesa de Desportos. Argumentou o juiz que não foi respeitado o Estatuto do Torcedor e que este vale mais do que o Regulamento da CBF.

Curto e grosso e eficaz, como o futebol de Dadá Maravilha, Flávio Bicudo e Jardel, grandes centroavantes que fizeram história enchendo os adversários de gols. Sem firulas. Perfeito. Assim foi a decisão do juiz de São Paulo. A lei votada democraticamente pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República de 200 milhões de habitantes vale (bem) mais do que um regulamento votado por meia dúzia de burocratas do futebol. Bingo.

Todos sabem de meu conservadorismo com relação à aplicação da lei. Em vários livros e textos — como em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica —, sustento que somente é possível deixar de aplicar uma lei ou regulamento em seis hipóteses:

a) se a lei for inconstitucional;
b) se for caso de, na relação texto-norma (fórmula Müller), ser possível fazer uma interpretação conforme;
c) se for caso de, nas mesmas circunstâncias, uma nulidade parcial sem redução de texto;
d) se estivermos em face da aplicação dos critérios de resolução de antinomias;
e) se for caso de inconstitucionalidade parcial com redução de texto:
f) e, por último, se for caso de uma regra ter de ceder em face de um princípio constitucional (claro, com as ressalvas acerca daquilo que se deve entender por princípios e sem cair, destarte, no pamprincipiologismo).

Ora, no caso do affair Lusa-Flamengo-CBF-STJD, simplesmente cabe aplicar a fórmula “Jardel-Bicudo-Dadá”: o regulamento da CBF tem de obedecer a lei maior (aliás, uma lei). Se a lei estabelece que uma decisão do STJD deve ser publicada para só depois valer, é porque a decisão-só-vale-depois-que-for-publicada! Simplíssimo.

Só para deixar claro, vamos ao que diz o artigo 35 do Estatuto:[1] As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.[2] Já o artigo 36 diz que a decisão que não observar o disposto acima é... nula! Mais: o parágrafo 2º acentua que as decisões, sempre motivadas, devam obrigatoriamente serem disponibilizadas no site!

Pronto. Tão claro quanto o fato de Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar serem craques. Sempre é bom um pouco de sintaxe e de semântica, até porque um texto só é na sua norma e a norma só é no seu texto. Há sempre limites na atribuição de sentidos. Por exemplo, a expressão semântica “em qualquer hipótese” não pode significar que essa regra seja excepcionada por uma informalidade do tipo “a intimação se dará na hora da sentença” ou algo desse jaez. Isso é acaciano.[3]

Logo, pouco importa que pretensamente a Lusa ou o Flamengo tenham sido intimados, citados ou informados na ocasião do julgamento na sexta-feira (o jogo foi no domingo). Não houve publicidade da decisão. Ela não foi posta em tempo hábil no site. Aliás, em termos de garantias, o que vale é a fórmula forma dat esse rei (a forma é a essência do ato). Flamengo e Lusa não são entidades metafísicas. Você não encontra “a Lusa” na rua e a cumprimenta, a não ser que seja uma bela rapariga lusitana nascida Trás-os-Montes... Ou seja, a intimação no julgamento não vale contra a exigência da Lei Federal. Até porque o “intimado” é um advogado ou dirigente, que pode esquecer de avisar (sei lá... pode beber, fazer uma noitada ou perder a fala por uma laringite, enlouquecer ou até mesmo morrer antes do jogo seguinte). E nada fica provado ou não provado. Ora, a garantia é em favor do futebol, questão social abarcada pela própria Constituição. Se o futebol não fosse coisa séria, não haveria uma Lei Federal tratando da matéria. Essa lei pretende preservar o torcedor, inclusivamente contra desídias de dirigentes que esquecem de avisar o clube acerca da suspensão de um atleta. Esse me parece um ponto fulcral. A formalidade é a garantia contra desídias genéricas.

Claríssimo isso. O estatuto de que falo é essa lei federal — que é chamado, não por acaso, de “do Torcedor”... Ele visa a garantir o espetáculo. E o resultado de campo. E para isso vai fundo, exigindo que a intimação formal, nos mesmos termos em que procedem os tribunais federais, de alguma sanção seja feita no BID ou por escrito (até mesmo por e-mail ou fax).

Consequentemente, é por isso que o Estatuto do Torcedor vale mais do que o regulamento da CBF. Entre o torcedor e a CBF, um amigo meu “ponderador” diria: faço um sopesamento e fico com a aplicação da Abwägung... Neste caso até eu concordaria — com todas as ressalvas, reservas e ironias do mundo — embora ele não tenha utilizado o caminho para construir a tal regra da ponderação (sobre proporcionalidade e ponderação, não resisto a uma observação a latere: li uma das decisões liminares concedidas por um juiz de São Paulo para proibir o rolê da patuleia em shopping center; nela, o juiz “junta” Dworkin e Alexy, mais postulados etc, faz uma salada de frutas para concluir-o-que- concluiu, cuja decisão ele já havia tomado e, para justificá-la, poderia ter citado tanto Dworkin, Alexy como o filósofo alemão Onkel Dagobert, que daria no mesmo; ah, esses sincretismos; ah, essas misturanças de autores...).

E lembremo-nos de uma coisa que qualquer curso de quinta categoria ensina aos seus alunos: o Direito é um sistema de regras e princípios. Logo, quais são os princípios que regem o estatuto do Torcedor? Hein? Li e lá vi que existe um, que manda preservar o resultado do jogo. Bingo. Isto quer dizer, lá na minha terra, do glorioso Atlético Clube Avenida: jogo jogado, faixa no peito e taça no armário.

O que mais se quer? Desde que não haja fraude, vale o resultado do jogo. E, somando-se o fato de que o regulamento da CBF é só um regulamento, que vale tanto quanto um Portaria ou Instrução Normativa, qualquer juiz de terrae brasilis football club não terá maior dificuldade de fazer esse gol. Juiz 1x0 STJD. “As bandeiras estão tremulando, tremulando, torcedor brasileiro” (bordão do narrador Haroldo de Souza, da Rádio Grenal de Porto Alegre – ouça aqui). Mário Vianna, com dois enes, gritaria: Goool leeeegallll! E para continuar as homenagens aos grandes narradores, Pedro Ernesto Denardim diria “É demaiiis!!!” (ouça aqui). Ah: não se pode esquecer que o próprio artigo 282 do CBJD diz, enfaticamente: “A interpretação das normas deste Código far-se-á com observância das regras gerais de hermenêutica, visando à defesa da disciplina, da moralidade do desporto e do espírito desportivo.” Golaço! Ou seja, o próprio regulamento diz que o que deve prevalecer é, na dúvida, o resultado do campo! Bola na rede! Ainda: regras gerais da hermenêutica também quer dizer que, entre um regulamento e uma Lei, vale a Lei Federal. Além disso, devem prevalecer os princípios em detrimento de regras que levem ao absurdo (como por exemplo, uma regra que estabelece a perda de mais pontos do que os jogados em campo...!).

Ou seja, e cá para nós, se uma partida vale três pontos, qual seria a razoabilidade ou a proporcionalidade (cuidado com as placas que meus estagiários levantam nessas horas) em acreditar que a sanção por utilizar um jogador irregular é maior do que se perdesse a partida? Isso nem um jurista que joga na quarta divisão da CBF sustentaria. No bordão de outro monstro da narração esportiva, Osmar Santos, “tiroliroli, tirolirolá, ripa na chulipa e pimba na gorduchinha...(...) e que Goool...” (ouça aqui).

Mas ainda tem um outro argumento: para o STJD, o que vale é o regulamento da CBF. Vamos então fazer um teste, para saber os limites de um “regulamento”. Se esse regulamento dissesse que o clube perderia 5 pontos, valeria? Sim ou não? E 6 pontos? E 10 pontos? Sim ou não? E se no regulamento constasse que um auditor que não conseguisse esconder seu clubismo sofreria pena de chicoteamento, isso valeria? Afinal, dura lex, sed lex? Então, meus caros: no Direito, há hierarquias na conformação dos atos normativos. Por isso existe uma Constituição, que vale mais do que todas as leis. Assim funciona a democracia. E é por isso mesmo que o Estatuto do Torcedor vale mais do que o regulamento ou Código da CBF. Além disso, existem princípios...que comandam as regras. Simples. Tão claro como colocar água em cima, como diria o meu professor Ricardo Cristofics.

É isso. Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, homenageando sempre o grande Fiori Gigliotti. Ou o narrador Januário de Oliveira, que diria, para o auditor que sustentou o regulamento como dura lex sed lex: “tá lá um corpo estendido no chão...”.

Crepúsculo de jogo, vociferava Fiori. Me emociono quando lembro do Fiori e de suas narrações. Eu o imitava quando narrava os jogos de futebol de botão. Eu era feliz... e sabia disso. Eu seria, na narração de Fiori, o “moço de Agudo” (quem se lembra das narrações do Fiori, vai lembrar quando ele dizia: “bola com Dudu, o moço de Araraquara” ou “Garrincha, o moço das pernas tortas”).

Ah, a emoção do rádio. A emoção do futebol. E que não pode ser conspurcada por julgamentos a la Azdak, de Brecht. Cartão vermelho para o STJD. E Mário Vianna decretaria: “- errrrou!”. Carrinho por trás... é vermelho. A regra é clara, pois não? Fim de jogo! No bordão criado por Januário de Oliveira, “acabou o milho, acabou a pipoca, fim de papo."

Nota final 1: esta coluna é uma homenagem ao rádio esportivo brasileiro. Efetivamente, o rádio transmite a cores as coisas do mundo da bola!

Nota final 2: Nos acréscimos regulamentares para a entrega da coluna, fiquei sabendo que, no Rio, uma juíza reconheceu a Justiça Desportiva como plenipotenciária para dirimir a querela. Não é, entretanto, o que diz o artigo 217 parágrafo 1º da Constituição. Ali diz que o Poder Judiciário admitirá ações desde que esgotadas as instâncias desportivas. De todo modo, a questão é outra: o Estatuto do Torcedor! Tudo conforme argumento nesta coluna.
[1] Meus cumprimentos ao Defensor Público José de Souza, que escreveu sobre o assunto em texto replicado por diversos sites esportivos e por esta ConJur.
[2] Vou deixar isso mais claro: A legislação federal regula a intimação de atos judiciais de duas formas: a) sentença de primeiro grau; b) decisão colegiada dos tribunais. Na primeira hipótese, proferida a sentença em audiência, as partes já saem intimadas do ato, e não haverá nova publicação da sentença, porque todos os seus fundamentos já constam da ata, cuja cópia poderá acessar o advogado ou a parte. Na segunda hipótese, por se tratar de um julgamento complexo, no qual irão se somar vários votos e possível debate argumentativo entre os integrantes do julgamento, com acréscimo ou retirada de argumentos, a publicidade, para fins recursais, exige a publicação do acórdão, ainda que as partes e advogados estejam presentes quando da prática do ato processual. No caso da justiça desportiva, o regramento legal federal a ser aplicado, no que se refere ao cumprimento da decisão da justiça desportiva, por se tratar de órgão colegiado, é aquele incidente aos julgamentos colegiados dos tribunais, e não o regime jurídico das sentenças monocráticas proferidas em audiência. Isso em virtude das questões antes enunciadas: o julgamento coletivo, iniciado pelo relator, somente se perfectibiliza após acréscimo dos demais votos, e a possibilidade de debates, com introdução de novos argumentos, geraria uma insegurança incompatível com o sistema recursal. Assim, somente após a publicação, com todos os fundamentos, da decisão é que ele passa a ser exigível. Essa interpretação fica mais evidente quando se verifica que o artigo 35, em seu parágrafo 2º (estatuto do torcedor), determina que as decisões, sempre motivadas, devam obrigatoriamente serem disponibilizadas no site, justamente para propiciar eventual impugnação à decisão, para o que a simples presença da parte ou de seu advogado na sessão de julgamento já não se mostra suficiente (tudo em virtude da possibilidade de serem integrados/retirados argumentos durante a sessão - veja-se o caso das sessões do STF, quando o acórdão é publicado já não corresponde ao que foi debatido em Plenário: grandes partes das notas taquigráficas simplesmente são retiradas pelo ministro, embora efetivamente a fala tenha sido produzida em plenário....
[3] Acaciano deriva do personagem Conselheiro Acácio, do romance de Eça de Queiroz, Primo Basílio. Só para não gerar mal entendidos. Uma das máximas do grande Conselheiro era: as consequências vem sempre depois...! Gênio, não?


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2014

VEJA A JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE A ATUAÇÃO DO FIADOR

Veja a jurisprudência do STJ sobre a atuação do fiador

 
Prestar fiança pode ser uma grande ajuda para alguem que precisa fechar um contrato, mas pode se tornar uma grande dor de cabeça. Em diversas ocasiões, o Superior Tribunal de Justiça foi acionado para definir questões envolvendo o papel do fiador em contratos de aluguel, o que levou inclusive à edição de súmulas sobre o assunto.
Ao contrário do aval, que é específico para títulos de crédito, como nota promissória, cheque, letra de câmbio, a fiança é válida para contratos em geral. Outra diferença é que o aval não depende de contrato, mas da simples assinatura do avalista no título de crédito. Isso justifica o fato de o contrato de locação demandar um fiador, que será a garantia financeira até a entrega das chaves, e não um avalista. A “entrega das chaves” é alvo de questionamento frequente no STJ, o que deu origem à edição da Súmula 214.
De acordo com o enunciado da Súmula 214 do STJ, “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. No entanto, isso não elimina a possibilidade de renovação da fiança sem a aprovação do fiador. A jurisprudência do tribunal aponta que, se o contrato de locação inclui cláusula prevendo que os fiadores respondem pelos débitos locativos até o imóvel ser entregue, a fiança será mantida durante a prorrogação do contrato, inclusive sem a anuência do fiador, como decidido no Agravo em Recurso Especial 234.428.
O entendimento, porém, vale apenas para os contratos fechados antes da entrada em vigor da nova redação do artigo 39 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), introduzida pela Lei 12.112/09. Isto foi decidido durante o julgamento do Recurso Especial 1.326.557. A nova redação do artigo 39 diz que “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.
Assim, a fiança só não será prorrogada automaticamente se a definição constar do contrato. Relator do REsp em que isso foi analisado, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que “salvo pactuação em contrário, o contrato de fiança, em caso de prorrogação da locação, por prazo indeterminado, também prorroga-se automaticamente a fiança, resguardando-se, durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade de o fiador exonerar-se da obrigação, mediante notificação resilitória”.
Troca de fiador
A exoneração do fiador também foi alterada pelo Código Civil de 2002. Enquanto o texto de 1916 citava apenas ato amigável ou sentença judicial como formas de exoneração, a nova redação admite que a fiança, sem prazo determinado, possibilita a exoneração unilateral do fiador. Isso depende de notificação ao credor sobre a intenção de exoneração e, segundo a nova redação da Lei 8.245/91, a conclusão não é imediata, já que o fiador aina é responsável pelos efeitos durante 120 dias, prazo em que o locatário é notificado e deve indicar nova garantia, sob risco de a locação ser desfeita.
A troca do fiador também pode ser exigida em caso de morte, declaração judicial de ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, alienação ou gravação de todos os seus bens, mudança de residência sem comunicação e quando o contrato por tempo determinado é encerrado. Este último caso levou ao Recurso Especial 902.796, que envolvia uma ação de despejo. Encerrado o contrato de aluguel, que tinha prazo determinado e não possuía previsão de prorrogação, o locador exigiu um novo fiador, o que não ocorreu.
O locatário argumentou que “não cometeu qualquer falta contratual capaz de suscitar a rescisão e o consequente despejo. Isso porque, em sendo a avença prorrogada por tempo indeterminado, não haveria para ele, ainda que instado a tanto pela locadora, qualquer obrigação de apresentar novo fiador”. Relatora do caso, a minists Laurita Vaz negou provimento à peça, apontando que o artigo 40, inciso V, da Lei 8.245/91 permite ao locador exigir a substituição da garantia inicialmente prestada, notificando e dando prazo ao locatário para que cumpra o pedido.
Outorga uxória
Também exige atenção do locador o formalismo legal relacionado à outorga uxória, que impede que um dos cônjuges dilapide o patrimônio do casal. Isso leva à nulidade da fiança prestada sem anuência da outra parte, como previsto na Súmula 332, com a seguinte redação: “Fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.”
Ao analisar o Recurso Especial 1.095.441, porém, a 6ª Turma relativizou tal entendimento. O caso em questão envolvia um fiador que se disse separado, mas vivia em união estável. Na execução da garantia do aluguel, a companheira apontou a nulidade da fiança por conta da falta de sua anuência,mas os ministros entenderam que a anulação beneficiaria o fiador, que agiu de má-fé no caso. Isso impediria a adoção do entendimento, disse o ministro Og Fernandes, relator do recurso, que também apontou a garantia da meação da companheira, afastando o desrespeito à lei.
A outorga uxória vincula a fiança até em caso de morte do fiador, pois a jurisprudência do STJ, explicitada no REsp 752.856 aponta para a manutenção dos efeitos da garantia, por parte do cônjuge, se o fiador morre. Isso não ocorre quando o locatário morre, já que débitos advindos depois do falecimento não são direcionados ao fiador.
Ao julgar o Agravo de Instrumento 803.977, o ministro Arnaldo Esteves de Lima afirmou que “é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, por ser contrato de natureza intuitu personae, porque importa a confiança que inspire o fiador ao credor, a morte do locatário importa em extinção da fiança e exoneração da obrigação do fiador. No caso, o locatário morreu, mas sua cônjuge e as filhas permaneceram no local, levando o locador a ajuizar ação contra o fiador. Tanto o tribunal estadual quanto o STJ, porém, apontaram que a morte extinguiu a obrigação.
Benefício de Ordem
Outra opção para o fiador é o Benefício de Ordem, direito que o personagem tem de exigir ao credor que acione primeiro o devedor principal, com os bens dele sendo executados antes do fiador. Tal benefício não é válido, porém, se o contrato apontar a renúncia à opção, caso o fiador seja pagador principal ou devedor solidário, ou se o locatário devedor for insolvente ou falido. A alegação de abusividade da cláusula de renúncia, como ocorreu no Recurso Especial 851.507, também de relatoria do ministro Arnaldo Esteves de Lima, tampouco muda a situação, já que a renúncia é regulamentada pelo artigo 828 do Código Civil.
Bem de família
O fiador que assume tal obrigação não pode, também, alegar impenhorabilidade de bens na execução, ainda que trate-se de bem de família, como ocorreu no julgamento do Recurso Especial 1.088.962, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. O tribunal de origem afastou a penhora, sob o entendimento de que tratava-se de bem de família, mas o acórdão foi reformado. 
Em seu voto, Sidnei Beneti apontou que há precedente do Supremo Tribunal Federal, na análise do Recurso Extraordinário 407.688, no sentido de que “ o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário. O amparo para a medida vem do no artigo 3º da Lei 8.009/90 e, no julgamento do Recurso Especial 1.049.425, o ministro Hamilton Carvalhido, relator do caso, disse que em sua opinião a lei fere o princípio de igualdade, o que a tornaria inconstitucional. No entanto, baseando-se no entendimento do STF e na jurisprudência do STJ, votou de acordo com entendimento firmado, mesmo sem concordar. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 
Clique aqui para ler o Agravo em Recurso Especial 234.428
Clique aqui para ler o Recurso Especial 1.326.557
Clique aqui para ler o Recurso Especial 902.796
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Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2014

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

FAZER TESTEMUNHA REPETIR RESPOSTA FAVORÁVEL PODE SER ARRISCADO

Fazer testemunha repetir resposta favorável pode ser arriscado

 
 
O Tribunal do Júri não é um ringue do UFC. Não tente “finalizar” o adversário, quando ele já está na lona. Você pode receber um golpe inesperado e perder a luta. O conselho é do advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheater. Para exemplificar, o advogado conta a história do julgamento de um traficante, em que a Promotoria era a favorita, até que uma resposta inesperada da testemunha da acusação mudou o rumo das coisas — ou poderia ter mudado, não fosse pela insistência da Defesa na mesma questão.
O objetivo da Promotoria, no julgamento, era provar que o réu teve participação ativa em uma conspiração para traficar 500 gramas de heroína. O objetivo da defesa, diante das circunstâncias, era tentar provar que o réu teve apenas uma pequena participação na transação: tudo o que fez foi negociar com apenas uma pessoa. Por acaso, essa pessoa era um informante da Polícia.
Mas o julgamento se revelou uma história de trapalhadas, explicável pela inexperiência do advogado de defesa e do promotor, ambos praticamente iniciantes no Tribunal do Júri.
O jovem promotor colocou no banco sua testemunha-chave, o informante da Polícia e, cumpridas as formalidades, fez a pergunta que incriminaria o réu:
— Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente durante as negociações?
Resposta da testemunha, para a surpresa geral:
— Não que eu saiba.
O promotor, sobrecarregado de trabalho, sem tempo de ir a fundo nos casos e sem saber o que fazer nessa situação, informou ao juiz que não tinha mais perguntas e se sentou, abatido.
Nesse ponto, um advogado de defesa experiente, faria a mesma coisa: diria “sem perguntas” e se calaria. A acusação já estava na lona. 
Mas não foi o que fez o empolgado e inexperiente advogado de defesa. Ele se levantou prontamente, fechou o botão do paletó e começou a interrogar a testemunha para “finalizar” o adversário de uma vez.
— O promotor lhe perguntou se Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações e você disse “não que eu saiba”. Correto?
— Sim, está correto. Não acho que ele estava.
— Então, Desmond Llewellyn Witherspoon não tem nada a ver com as negociações?
— Ao que eu saiba, não.
— Nesse caso, Desmond Llewellyn Witherspoon não acertou a venda de 500 gramas de heroína, não é? 
— Não. Não que eu saiba.
— OK. Você já disse e repetiu “não que eu saiba”, mas acho que devemos deixar isso bem claro, de uma vez por todas. [Aponta para o réu e continua] Então, o réu não tem nada a ver com as negociações de heroína... Ou tem?
— Oh! O Pookie? Sim, Pookie foi o cara que acertou tudo. Ele me telefonou, me deu os preços, falou sobre a qualidade da heroína, contou que pode fornecer quantidades ilimitadas da droga, já que ele matou alguns traficantes que controlavam os negócios na Colômbia e que, além disso, ele tem patrulheiros da fronteira em sua folha de pagamentos. Ele me garantiu que tem o controle total dos negócios na região. Sim, Pookie é o chefão. Agora, esse tal Desmond, que vocês ficam mencionando, nem sei quem é. Aliás, nesse negócio ninguém sabe o nome verdadeiro de ninguém. Esse aí, todo mundo chama de “Pookie”.
Wilcox conta a história em tom de ficção — mais preocupado, talvez, em dar um exemplo radical para sedimentar facilmente uma ideia. Mas ele assegura que, muitas vezes, advogados e promotores inexperientes convertem uma resposta favorável de uma testemunha em desfavorável, apenas por insistir inadvertidamente na questão e, com isso, “sacramentar” a vitória. Outro exemplo comum:
— Você ouviu alguma coisa?
— Não. Ao que me recordo, não.
— Está seguro disso?
— Sim, estou.
— OK. Então você não ouviu absolutamente nada…
— Bem, a não ser por … — e segue-se o relato de um ponto fundamental que parecia inócuo para a testemunha.
Para Wilcox, não há nada demais se, diante de uma resposta favorável, o advogado (ou promotor) mudar a linha de questionamento ou se calar. Insistir na confirmação do testemunho favorável pode gerar respostas inesperadas, porque abre-se oportunidade para a testemunha se explicar — ou falar o que quiser. A partir daí, ninguém sabe o que pode acontecer.
No Tribunal do Júri, nenhum advogado (ou promotor) pode deixar a testemunha da outra parte falar o que quiser e ficar à mercê de respostas inesperadas, diz Wilcox.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2014

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

DISCUSSÃO DE PONTOS FRACOS PODE CATIVAR CLIENTES

 

A ideia de que a apresentação do advogado a um possível cliente deve se concentrar nos pontos fortes do escritório é errada. Muitas vezes, um advogado age dentro do melhor figurino de marketing em seu primeiro contato com o cliente. Leva-o a falar sobre sua vida e seus problemas, explica como seus casos podem ser resolvidos, antes de começar a expor as vantagens de contratar o escritório. Mas é surpreendido com o desaparecimento subsequente do provável cliente, que fica impressionado, diz que vai pensar, mas nunca mais dá notícias.
A explicação é muito simples: o cliente percebeu alguma coisa que não gostou. Como a ConJur já publicou, clientes não têm competência para avaliar o desempenho jurídico do escritório. E nem mesmo seus pontos fortes (ou positivos). Mas sabem, obviamente, que, como tudo na vida, existem pontos fracos (ou negativos). Só não sabem quais são. Por isso, se guiam por um sentimento irracional, a percepção.
A ideia certa é discutir com o possível cliente, depois de conhecer seus problemas ou de descrevê-los de antemão, os pontos fortes e os pontos fracos do escritório. A discussão de pontos fracos esvazia o desassossego do cliente, que não consegue descobrir, por ele mesmo, os lados negativos. E evita que ele se entregue a percepções, que nunca serão positivas se o que está na mesa é apenas o lado positivo.
Não há qualquer incoerência nisso: pontos fracos, bem apresentados, podem soar como vantagens. Nas entrevistas de emprego, nos EUA, os entrevistadores pedem aos candidatos para falar sobre algum ponto fraco em seu perfil. Um candidato atento pode dizer, por exemplo, que às vezes demora muito para entregar um trabalho, porque é um perfeccionista. O que fica na mente do entrevistador, muitas vezes, é o “perfeccionista”, um “defeito” que pode vir a calhar para os objetivos da empresa. Ou que é corrigível.
O segredo é não deixar o possível cliente à mercê de possíveis percepções negativas. Por isso, o advogado deve ter consciência de seus pontos fracos (reais ou supostos) e levá-los à mesa de reunião com o cliente. Algumas vezes, um cliente que “nunca mais apareceu”, se perguntado em alguma oportunidade, poderá ser sincero o suficiente para esclarecer sua “percepção negativa” do advogado ou do escritório.
O consultor de marketing para advogados Trey Ryder conversou com seus clientes sobre isso. Coletou informações sobre algumas “percepções negativas” que os clientes dos advogados tiveram sobre eles, em algum momento, e sobre como lidaram com a situação. Veja as mais comuns:
Percepção: o advogado é novo demaisIsso é bom, mas pode atrapalhar, porque o cliente pode ter a percepção de que o profissional não tem a experiência necessária e lhe falta conhecimentos para prestar os serviços jurídicos que precisa. É preciso argumentos que transformem essa “desvantagem” em “vantagem”. Um deles, de um advogado para um empresário: "uma coisa boa é que, como ainda sou muito jovem, poderei ajudar sua empresa por muitos anos; você não precisará voltar ao mercado tão cedo, em busca de um advogado".
A situação é mais complicada para advogados que saem da faculdade diretamente para seu próprio escritório. Advogados que, apesar de muito jovens, passaram por um ou mais empregos em escritórios conceituados, podem facilmente apontar a experiência anterior. Sempre ajuda ter um escritório conceituado como referência.
Para os que abrem escritórios muito cedo, é melhor que tenham um nicho pequeno e bem definido, para poder argumentar: “Só fazemos isso”. Aliás, para todos os advogados novos, a situação se torna mais favorável quando se especializam em uma área que exige conhecimentos tecnológicos.
Percepção: o advogado é velho demaisIsso é bom, considerando, em primeiro lugar, a alternativa mais provável: o profissional está fora de combate. Mas a experiência é um adicional imbatível. Através dos anos, foram muitos os conhecimentos acumulados, a prática adquirida é incomparável, o respeito conquistado no trânsito pelos tribunais e no relacionamento com partes adversárias é valioso. Uma “raposa velha” será sempre respeitada por sua capacidade indiscutível de sobrepujar adversários — e sequer precisam dessas dicas.
Percepção: o valor é muito baratoSe seus honorários estão entre os mais baixos do mercado, prepare-se para explicar ao cliente as razões, antes que ele diga “que bom, hein!” e vá embora para sempre. Já é antiga a percepção de que barato é sinônimo de ruim. Por isso, é melhor deixar claro que o escritório foi propositadamente montado para oferecer os benefícios de uma estrutura simplificada e racionalizada ao cliente. Hoje em dia, ninguém (ou nenhuma empresa inteligente) vê necessidade de pagar por sofisticação não relacionada a serviços jurídicos.
Explique como o escritório usa a tecnologia para reduzir custos e outras medidas que foram tomadas para repassar os benefícios da contensão de despesas aos clientes. Isso é o que a maioria das empresas faz atualmente, não é? E esse é um dos pontos fortes do escritório, para concorrer com os grandes.
Percepção: o valor é muito caroSe os honorários são maiores do que os de outros advogados, o valor também tem de estar acima do que se vê no mercado, na avaliação do cliente. Por isso, tem de ser bem explicado a ele, logo na primeira reunião, antes que ele chegue à conclusão que os serviços jurídicos são tão caros porque terá de pagar pelo “luxo” do escritório. Hoje em dia, as empresas estão mais “conscientes” de custos.
Pode ser necessário explicar, por exemplo, que a estrutura do escritório deve ser grande o suficiente, para dar atendimento adequado a clientes de grande porte. Também pesam a qualificação da equipe, a experiência, a capacidade de fogo, o histórico do escritório. Definitivamente, não é acessível a todos. Muitos clientes apreciam essas justificativas.
A forma de apresentar os custos também contribui para mudar a percepção do cliente: “Nossos honorários serão de 15 mil” é diferente de “podemos economizar a sua empresa (ou a sua família) cerca de 300 mil, por um custo de 15 mil”, diz o consultor.
Percepção: o advogado é ocupado demaisMuitos clientes pensam que, se o profissional tem clientes demais e está ocupado demais, terá tempo e disposição de menos para cuidar de seu caso apropriadamente. Isso ficará ainda mais claro se o advogado pular a parte do interesse pela vida do cliente, sugerir que se vá diretamente ao assunto e mostrar alguma ansiedade para encerrar a reunião, porque tem outros compromissos.
Se tiver pouco tempo, realmente, precisa manejar melhor a situação. E, sobretudo, explicar ao cliente as medidas que o escritório toma para dedicar todo o tempo necessário a cada caso e para cumprir prazos, não perder reuniões etc. Uma demonstração de organização pode ajudar a eliminar a má percepção.
Percepção: o advogado é quase um desocupadoA impressão de que o escritório está entregue às moscas e de que o advogado não tem mais nada o que fazer do que bater um papo interminável com o possível cliente pode ser pior do que a percepção de que está ocupado demais, ao que se acredita.
Nos EUA, é praticamente impossível marcar uma consulta, com qualquer profissional, para a mesma semana. "Sua a agenda está sempre cheia", diz a secretária. No entanto, se o cliente diz que tem de ser até amanhã ou nunca mais, provavelmente ela encontrará um horário para o mesmo dia.
Nenhum advogado precisa recorrer a esse tipo de recurso. Mas deve arrumar ocupação com seus projetos de marketing, com reuniões de equipes, com serviços pro bono, com encontros comunitários ou o que for. Estar razoavelmente ocupado cria uma percepção de valor.
Percepção: o advogado é especializado demaisSe o cliente precisar de serviços que fogem da especialização, o advogado não deve ameaçá-lo com uma oferta para “quebrar o galho”. Deve explicar que não é um “clínico geral” e, até onde for conveniente, as razões de sua especialização. Mas advirta-o de que não ficará desamparado ou no escuro. Deve dizer que um advogado competente cuidará do caso, porque irá falar pessoalmente com ele.
Se for um grande escritório, basta mandar chamar o colega. Para quem opera um escritório pequeno, é fundamental desenvolver uma rede de relacionamentos com outros advogados, em que todos conhecem bem o trabalho dos outros, e os recomendam. A única coisa que não pode ser feita é sugerir ao cliente que procure, ele mesmo, outro advogado. O advogado deve se manter como fonte principal de informações do cliente para assuntos jurídicos.
Percepção: O advogado é generalista demais“Paus para toda obra” talvez sejam úteis em uma... obra. Em profissões como advocacia, medicina e outras de alta responsabilidade se sobressaem os especialistas. Se há uma percepção de que é generalista demais, é preciso demonstrar ter conhecimentos suficientes para cuidar do caso do cliente ou que, se for necessário, poderá contar com a ajuda de um colega especializado.
Em nenhum caso, em que percepções contraproducentes possam surgir, o advogado precisa recorrer a espertezas ou enganar o cliente. Isso só vai resultar em desastres e mau conceito. Trata-se, apenas, de analisar os pontos fracos do escritório, que serão apresentados junto com os pontos fortes, e apresentá-los de uma maneira positiva. Afinal, tudo na vida, incluindo os pontos fracos, tem polos positivos e negativos. Basta identificar os polos positivos do que parece ser um ponto fraco. Como associar perfeccionismo a uma suposta lentidão.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...