sábado, 5 de outubro de 2013

Celebremos os 25 anos da Constituição Federal!

 


Por Gilmar Mendes




Neste sábado, dia 5 de outubro, nossa Constituição Federal celebra bodas de prata. Se refletíssemos mais sobre a história constitucional do Brasil, haveríamos de valorizar nosso texto constitucional com a ênfase devida, não apenas por atributos óbvios como longevidade, robustez, abrangência, mas também por sua evidente significância para a bem-sucedida reorganização sociopolítica do País. Registre-se que essa data quase coincide com outra efeméride marcante do constitucionalismo mundial, a promulgação da Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920, que trouxe contribuições importantes para o desenvolvimento do Estado Constitucional, como, v.g., a positivação da jurisdição constitucional, obra na qual teve participação marcante o gênio de Kelsen.

O que pode parecer mero truísmo para nações cujo arcabouço constitucional foi consolidado ao longo de séculos, a nós se afigura conquista sem precedentes. Hoje, não mais nos sobressalta qualquer temor sobre a estabilidade de nossas instituições, e a democracia consolidou-se como um valor em si mesmo. Há três décadas, um céu de dúvidas e de receios toldava nossos horizontes, dificultando projetos, atrapalhando avanços, bloqueando investimentos.

Desde o nascedouro, a Constituição de 1988 se diferencia por ser também produto de movimentos sociais generalizados e intensos, gestados, sob incômoda pressão ditatorial, ao longo de duas décadas. Daí o colorido libertário, a ênfase nas liberdades individuais, nos indefectíveis direitos fundamentais. Nada obstante, é de ressaltar o que a mim parece ser o maior mérito dessa Constituinte: o concerto político que catalisou a reivindicação popular para assentar as bases da construção democrática na Carta de 1988, como um casamento de valores e instituições democráticas[1].

Não é demais ressaltar que tal ênfase em uma agenda social, estampada no texto constitucional que hoje se celebra, é a constitucionalização do que Peter Häberle chama de “desejos de utopia”. Daí o surgimento de organizações sociais envolvidas criticamente na realização dos valores proclamados solenemente no texto constitucional, militando para a verdadeira obtenção destas esperanças normatizadas[2] Eventuais críticas quanto ao detalhamento do texto constitucional sucumbem diante da certeza de que a extensa proclamação de direitos pela Carta estimulou movimentos de representação da sociedade.

Ao discorrer sobre a continuidade do poder constituinte originário, Zagrebelsky, enfatiza que “as constituições do nosso tempo miram o futuro, mantendo-se firmes ao passado, ou seja, ao patrimônio da experiência histórico-constitucional que queiram preservar e enriquecer. Passado e futuro ligam-se a uma única linha e, como os valores do passado orientam a busca do futuro, assim também as exigências do futuro obrigam a uma contínua pontualização do patrimônio constitucional que vem do passado e a uma constante redefinição dos princípios de convivência constitucional”.[3] Por aqui, as reformas mais significativas foram por certo impulsionadas pelo motor da história e vieram, destarte, a reboque das transformações naturais de um povo que continua almejando alcançar os atributos naturais decorrentes da própria soberania. Um povo que deseja evoluir, mas não deixando para trás sua principal conquista: a democracia.

Fato incontestável é que a Constituição de 1988 tem demonstrado força normativa capaz de regular, com folga, situações extremas — e em ambiente de acentuada tensão. É de lembrar, por exemplo, que a Constituição regulou de forma plena e sem sobressaltos processo de impeachment sofrido por Presidente da República — e mal se iniciava o período democrático, aquelas haviam sido as primeiras eleições livres em trinta anos! —; a hiperinflação que aniquilava qualquer planejamento econômico e prejudicava sobretudo os mais pobres; além de crises econômicas internacionais e gravíssimos escândalos de corrupção.

Foi, sim, a crença na Constituição, a determinação da sociedade em orientar a própria conduta de acordo com a ordem legalmente estabelecida que pôs fim à transitividade. Enfim, o cidadão brasileiro entendeu que o caminho para a concretização de direitos teria – e tem! – de ser o processo democrático. Nossa Constituição Federal garante os pressupostos para que essa democracia plena seja atingida, sem a necessidade de deflagração de arranjos constitucionais inéditos para sua realização.

Em síntese, neste quarto de século, não houve perturbação externa ou crise interna, qualquer mínimo ou máximo percalço institucional que não tenha sido resolvido à luz das balizas normativas vigentes. Destaquemos reformas de peso como a da Previdência e da Administração, bem como a verdadeira revolução sem armas que foi o Plano Real, para afirmar com tranquilidade o sucesso de nossos marcos institucionais.

A pavimentação dessa normalidade institucional deve-se ao empenho do Constituinte de estabelecer parâmetros legais compatíveis com a realidade brasileira. Outro aspecto muito positivo foi o alargamento da estrutura de Poder — agora poliárquica — que, ao incluir o Ministério Público e prestigiar a atuação da imprensa, por exemplo, ampliou os canais representativos da cidadania. De outra parte, a extensa proclamação de direitos estimulou a participação de variados segmentos da sociedade em busca da materialização das promessas constitucionais, num bem-vindo círculo virtuoso que até hoje se retroalimenta e continua a nos fazer avançar. As reformas constitucionais, muitas delas extremamente relevantes, têm sido implementadas pela via das Emendas Constitucionais, sem apelo a qualquer fórmula aventureira.

Nesses 25 anos, bem testados os institutos políticos, o Estado de Direito tem se mostrado cada vez mais fortalecido, dando respaldo à realização dos compromissos assumidos à vista do mais amplo catálogo de direitos fundamentais existente no mundo, cuja efetividade vem sendo garantida constitucionalmente mediante mecanismos judiciais consistentes, a exemplo do controle de omissão legislativa.

Aliás, como órgão responsável pela higidez do texto constitucional, o Supremo tem atendido a essa missão de forma arrojada, assumindo coerentemente a responsabilidade de aplicar a Constituição de maneira a tornar concretos os direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988.

A Corte também vem se colocando em situação de vanguarda ao enfrentar com intrepidez o desafio de dirimir controvérsias que ainda dividem tribunais longevos, por versarem sobre temas ultrassensíveis, como o uso de células-troncos ou o aborto de anencéfalos. Quando se moderniza, favorecendo a transparência e o acesso dos jurisdicionados, ou quando franqueia a palavra à sociedade — como acontece nas audiências públicas e nos casos da colaboração voluntária dos amici curiae — o Supremo acentua o viés pedagógico inerente à jurisdição constitucional, sinalizando, ademais, que a interpretação e aplicação da Carta são tarefas cometidas a todos os Poderes, bem como a qualquer cidadão.

Daí por que se afirma que a Constituição é construção diária, um “projeto” (Entwurf) em contínuo desenvolvimento, cujo maior desafio vem a ser a rápida e definitiva incorporação dos direitos fundamentais ao patrimônio jurídico dos cidadãos. Por outro lado, engana-se quem aposta no concerto democrático como fim em si mesmo. Em última análise, mais relevante há de ser o exercício diário e consciente da cidadania — símbolo da aliança que mantém a Constituição. Nesse trajeto, temos dado sobejas provas de maturidade. A Constituição de 1988 forjou-se sob a força simbólica do recomeço. Vinte e cinco anos depois de promulgada, os dividendos econômicos e políticos da segurança institucional advinda com a Carta são de fato inquestionáveis.

É preciso dar continuidade a esse projeto sem concessões a concepções aventureiras ou a propostas miríficas, como constituintes exclusivas ou não, que poderão comprometer, definitivamente, o capital institucional acumulado com muito sacrifício. Devemos dizer sim às inovações e aos experimentos institucionais que buscam responder às complexidades de uma sociedade submetida a empreitadas de risco e um claro não a propostas de aventuras lastreadas em misto de despreparo e motivações políticas de curto prazo.
*Adaptação de artigo originalmente publicado na Revista Consulex, edição 401, em 1º de outubro de 2013.
[1] A análise e a reconstrução histórica da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988 é tema de grupo de pesquisa por mim coordenado, junto com os Profs. Rodrigo Mudrovitsch e Paulo Paiva, no Instituto Brasiliense de Direito Público. Para informações: http://www.idp.edu.br/pesquisa-academica/grupos-de-pesquisa/rhc
[2] HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Trad. Hector Fix-Fierro, México D.F: Universidad Autônoma de México; 2001, p. 7.
[3] ZAGREBELSKY, Gustavo. História y Constituición, p. 91.



Gilmar Mendes é ministro do Supremo Tribunal Federal.

Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2013

Passados 25 anos, a Constituição Federal já foi modificada 80 vezes por meio da aprovação e promulgação de 74 propostas de emenda à Constituição pela Câmara e pelo Senado. Elas acrescentaram, retiraram ou alteraram dispositivos do texto aprovado pelos constituintes em 1988. Seis modificações foram feitas em 1993, quando ocorreu a revisão da Constituição. Foram os próprios constituintes que fixaram a possibilidade de revisão do texto, uma única vez, depois de cinco anos de promulgada a Carta Magna.



Passados 25 anos, a Constituição Federal já foi modificada 80 vezes por meio da aprovação e promulgação de 74 propostas de emenda à Constituição pela Câmara e pelo Senado. Elas acrescentaram, retiraram ou alteraram dispositivos do texto aprovado pelos constituintes em 1988. Seis modificações foram feitas em 1993, quando ocorreu a revisão da Constituição. Foram os próprios constituintes que fixaram a possibilidade de revisão do texto, uma única vez, depois de cinco anos de promulgada a Carta Magna.

Mesmo com tantas modificações no texto constitucional nesses 25 anos, muitas propostas para alterá-lo ainda mais estão tramitando na Câmara e no Senado. Ao todo, são 1.532 PECs apresentadas por deputados e senadores que dependem de aprovação para tornarem-se norma constitucional. Só na Câmara, são 1.089, sendo que 74 estão prontas para ser votadas em plenário e 1.015 tramitam pela Comissão de Constituição e Justiça ou por comissão que analisa o mérito da proposta. No Senado, são 443 propostas, das quais 75 estão prontas, dependem da votação no plenário, e 368 tramitam na Comissão de Constituição e Justiça.

Constituição desbravadora
O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, no discurso de promulgação do texto, salientou que a nova Constituição não era perfeita, mas seria pioneira. “Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”.

Durante a Assembleia Constituinte, foi cogitada a possibilidade de revisão do texto constitucional a cada cinco anos. No entanto, os deputados e senadores consideraram que isso poderia abrir margem para que, ao passar dos anos, a Constituição Cidadã fosse desfigurada. Prevaleceu a tese de uma única revisão e nela foram feitas apenas modificações de redação. Ou seja, foram corrigidas imperfeições, o que não provocou modificações no mérito.

Além de rejeitarem as revisões programadas, os constituintes também criaram mecanismos para dificultar a aprovação de mudanças no texto constitucional. Com isso, ficou definido que para alterar qualquer dispositivo da Carta Magna é necessário quórum de três quintos dos parlamentares em cada uma das Casas Legislativas, em dois turnos. Ou seja, 308 votos favoráveis na Câmara dos Deputados e 49 no Senado. Durante a Assembleia Constituinte, para aprovação de dispositivos era necessário o apoiamento de metade mais um dos constituintes. Com informações da Agência Brasil.

Fonte: Conjur

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

MJ AJUIZA AÇÃO CONTRA CERVEJARIA POR PUBLICIDADE ABUSIVA

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Segundo MJ, há 'fortes indícios' de propaganda abusiva Foto: Reprodução
Segundo MJ, há 'fortes indícios' de propaganda abusiva Reprodução
BRASÍLIA - O Ministério da Justiça abriu nesta sexta-feira um processo administrativo para aplicar uma multa à empresa Brasil Kirin (antiga Schincariol) devido ao anúncio polêmico da Devassa Negra. Veiculada ao longo de 2010 e 2011, a propaganda, além de de evidenciar o corpo da mulher negra, trazia a seguinte frase: “É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra. Devassa negra encorpada. Estilo dark ale de alta fermentação. Cremosa com aroma de malte torrado”. A penalidade pode chegar a R$ 6 milhões. A Brasil Kirin afirmou que não comenta processos jurídicos em andamento. “A empresa reitera que conduz seu negócio com respeito e ética a todos os seus públicos e consumidores”, declarou, em nota.

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O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Amaury de Oliva, explicou que há fortes indícios de publicidade abusiva, devido ao fato de a produção equiparar a mulher negra um objeto de consumo, por meio da comparação entre seu corpo e a cerveja. Oliva disse que o departamento consultou órgãos como a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Conselho Federal de Psicologia.
Entre os argumentos apresentados por esses órgãos estão a de que a publicidade deprecia e desvaloriza a imagem da mulher e reforça a discriminação de gênero e estereótipos racistas no Brasil.
- Há entendimentos de vários órgãos de que há indícios de publicidade preconceituosa. Há uma foto de uma moça negra, comparando-a com uma cerveja - disse o diretor. - Há um limite claro imposto pelo Código de Defesa do Consumidor para que a publicidade não seja abusiva nem enganosa - ressaltou.
A investigação começou em 2011 a partir de denúncia do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/ES). Segundo Oliva, a Schincariol tem 10 dias, a partir de hoje, para apresentar sua defesa ao DPDC. De acordo com ele, ao longo da investigação, a empresa teve oportunidade de apresentar sua defesa e insistiu que não havia irregularidade na publicada. Além disso, argumentou que a produção não foi suspensa pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Se a empresa for condenada, ela deverá recolher a multa ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) do Ministério da Justiça, voltado a ações de proteção do meio ambiente, do patrimônio público e da defesa dos consumidores. Há a possibilidade de recurso administrativo na própria Secretaria Nacional do Consumidor e, depois disso, as empresas podem recorrer à Justiça.
De acordo com Oliva, embora as propagandas da cerveja Devassa já tenham sido alvo de outras polêmicas, esta foi a primeira denúncia apresentada ao DPDC. Segundo ele, após a apresentação da defesa, a conclusão do processo ocorrerá “em breve”.
- É importante destacar que, muitas vezes, o governo realiza um esforço enorme para implementar políticas afirmativas de defesa das mulheres, de igualdade e é importante que o mercado tenha isso em mente - destacou.
Reportagem publicada pelo GLOBO no mês passado mostra que, embora uma das principais forças de penalizar as empresas seja a aplicação de multas, em geral, o valor recolhido aos cofres públicos é baixíssimo. Desde 2008, o montante recolhido imediatamente após a aplicação das sanções chegou a R$ 987.894,29. Isso representa 1,36% do total de R$ 72,40 milhões em multas aplicadas pelo DPDC. De 120 sanções, sete foram pagas.
O problema é que, pela regra atual, as empresas têm 10 dias para entrar com recurso administrativo após a intimação, na própria Secretaria Nacional do Consumidor. Mas a maioria das companhias prefere recorrer ao Judiciário para protelar o pagamento. Na maioria das vezes, o pagamento é realizado, mas o dinheiro demora até 10 anos para entrar nos cofres públicos.

Fonte: Globo

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Depois do Direito facilitado, eis o Direito apatifado



Por Lenio Luiz Streck

Se o Direito já vai mal...
Pois quando a coisa não vai bem, sempre pode piorar. Com mais de 1,2 mil faculdades de Direito, com milhares de livros publicados, não conseguimos resolver, ainda, as mínimas questões acerca dos conteúdos dos conceitos jurídicos. A indústria que mais cresce é a do pan-principiologismo. E a dos livros que querem simplificar o Direito. Pois, pode piorar. E a Globo pode ajudar nessa piora. Aliás, já está ajudando. E muito. Vejam.

Ideologia como falsa consciência?
Escrever sobre o modo como se forma o imaginário de terrae brasilis, a partir do meios de comunicação parece coisa velha. Algo do tipo “Althusser e seus aparelhos ideológicos” etc. Pensei em colocar minha calça boca de sino para fazer a Coluna. Um aluno, marxista do tipo “A Ideologia Alemã", só que sem o contexto de Marx no século XIX e sem “aquela burguesia de então”, censurou-me, dizendo que esta Coluna seria do tipo “Ah, as novelas são os manuais da produção televisiva”. Critica-se os manuais, mas se assiste à novela das 9 (embora se diga que não a assista)!".

Fiquei pensando: o preclaro aluno-marxista-retrô acha que ideologia é falsa consciência. E que isso não tem nada de concreto... Basta negar a realidade. E dizer que é falsa. Está no mundo da pseuconcreticidade denunciado por Karel Kosik em sua Dialética do Concreto (que não é um livro de física). Pois é. De fato. São “só” 80 milhões que assistem à novela das nove na Globo. Alias, ainda estão frescos na memória alguns pitorescos episódios ocorridos durante o processo eleitoral de 2012 que demonstram a influência que os tais folhetins desempenham em nosso cotidiano. 1) São Paulo, maior e mais disputado colégio eleitoral do país. Numa disputa extremamente polarizada entre PT e PSDB, a cidade seria palco de um importante comício do atual prefeito (então candidato) Fernando Haddad com a presidenta da República. O ato, no entanto, foi adiado e o motivo: a data coincidia com a da exibição... do ultimo capítulo de Avenida Brasil. 2) Para não “perder a data”, a presidente encaminhou-se a Salvador, onde participaria do comício de um outro correligionário. Lá, contudo, traçou-se um estratégia para não competir com a saga da filósofa contemporânea Carminha. Armaram telões para exibir a novela e garantir a presença das massas. A Justiça Eleitoral vedou a iniciativa por entender que caracterizava “showmício”.

Bom, não cabe aqui debater se fez certo ou errado, mas ante a esses dois episódios, como ignorar a força desse elemento junto à formação do imaginário social? Como chamar de falso? Falso para quem, cara pálida? Deveríamos ler Poulantzas, no mínimo.

Lembro que, há mais de 10 anos, denunciei a novela A Próxima Vítima, em que a atriz que traiu o marido teve seu rosto cortado de fora a fora. Em reunião de família, perseguido pela polícia, o personagem de José Wilker (o vilão) foi reconfortado pela filha: “— Pai, ela teve o que mereceu”. Em outra novela, a personagem de Cristiane Torloni dizia: “Estou entediada. Hoje preciso sair para beber, trair e receber uns tapas na cara”. Maravilha, não? Tudo para 60 milhões de telespectadores. Meu aluno marxista diria: tudo falso. Tudo falso. Pura ideologia...

Sergio Porto, o nosso Stanislaw Ponte Preta, tinha uma frase genial: a prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento! Digo eu. Bem assim com a cultura: a prosperidade dos homens de comunicação é uma prova de sua luta pela burrice do povo!

OK. A coluna de hoje será piegas e atrasada. Mas ela é assim porque o velho resiste em morrer. E o novo não nasce. Alguém tem dúvidas do papel exercido pelos meios de comunicação? Alguém duvida do poder das novelas? Já não se sabe se a ficção é a realidade ou se a realidade é a ficção. Há 40 anos Warat dizia que confundíamos as ficções da realidade com a realidade das ficções. Tinha razão. Olhando programas como Na Moral, de Pedro Bial, Faustão e as novelas, fica uma zona gris entre ficções e não ficções. Sem considerar o resto do lixo televisivo, como programas de humor de enésima categoria e talk shows de gente que acha que, para se comunicar, tem que dizer palavrão e forçar o humor. Isso chegou, inclusive, ao futebol, quando qualquer repórter quer falar por metáforas... e explica a própria metáfora. E acha que, sem humor e sem extrema simplificação, ninguém entenderá. Meu aluno, e tantos outros, dirá que isso tudo é falso. É ideológico. Que não se pode perder tempo com isso. Mas eu resisto. E insisto.

A saga do glorioso Gentil, personagem da novela Amor à Vida
Li em vários jornais que a associação dos enfermeiros reclamou do tratamento dado à profissão na novela. Também os médicos reclamaram do mau trato que o autor da novela dá aos esculápios pátrios. Os laboratórios reclamaram por causa da fácil falsificação de um exame. Os gays reclamam. A associação das periguetes mandou carta, dizendo que periguete não fica mendigando espeto corrido e rodizio de sobremesas, como é o caso da gloriosa Valdyrene, agora mãe de Mary Laydy (com vários ípsilons). “Periguete, sim, morta de fome, não!”, é o lema da reclamação. Enfim, as gordinhas virgens reclamam da Globo, contra o comportamento da personagem com nome grego que não lembro. . E as feministas reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...

E os politicamente corretos reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...

Eu disse “todas as corporações”? Bom, parece que a gloriosa classe dos causídicos não se incomoda com o modo como Walcyr, o Carrasco do imaginário social, lida com o Direito na malsinada novela Amor à Vida.

O Direito foi desmoralizado de vez nessa novela. Aliás, no ritmo em que está, os advogados serão substituídos, na novela, por estagiários (o que aproximaria, paradoxalmente, a novela da vida real, pois não?).

No folhetim carrascal, o advogado não tem nenhuma expertise. É pau para toda a obra. Vejamos: o mesmo advogado que cuida do exame de DNA trata do divórcio do dono do hospital (o garanhão Cesar, que, desconfio, deve ser, inclusive, pai do próprio autor da novela...) e ainda defende o glorioso Gentil, processado por bigamia e falsidade ideológica. Pudera: com essa “expertise”, Gentil só poderia se ferrar. A mesma advogada que trata de indenizações, cuida do divórcio da mulher de Cesar, e que cuidou também do divórcio do filho de Cesar e que atuou como assistente de acusação contra o Gentil. Esses advogados sequer têm escritórios. Aliás, parece que São Paulo só tem esses dois advogados e mais um, que é dublê de garçom e que entrou com pedido de indenização da ex-chacrete contra o nosso glorioso Gentil.

É uma lambança geral. Uma algaravia. Uma desmoralização da profissão. E do Direito. A sala de audiência tem plateia. Genial. E as testemunhas ficam ali, na plateia, prontas para intervir. E intervém da própria plateia. Ninguém anota nada. Tudo é oral. Não há compromisso de testemunhas. Na audiência de conciliação do divórcio do garanhão Cesar, houve um bate boca, sendo que audiência foi dada como encerrada pela autora da ação. Quanto ao juiz... Bem, pobre magistrado. Já o coitado do Gentil foi processado em bis in idem e condenado em primeira e única instância a 5 anos de reclusão, em regime fechado. Mesmo com curso superior e sem trânsito em julgado, iniciou o cumprimento da pena, com pijama e tudo. No meio da malta carcerária. Tudo bem “real”, pois não?

Quer dizer: não há defesa, não há contraditório, não há recurso, e não há Lei de Execução Penal. E sequer há progressão de regime. Carrasco apatifou o Direito de defesa. Apatifou com o regime prisional. Apatifou com a profissão de advogado. Apatifou com a profissão de juiz. Liquidou com a de Promotor. Só se salvou o estagiário, que não era personagem... Ou seja: em pleno mensalão, o autor perdeu uma grande chance de tratar de um tema sério. Mas, como sempre, prefere-se a impostura, a transformação das questões do direito em “coisas de novelas mexicanas” ou de júri da common law, inclusive com o grito do advogado: “Protesto”! Que técnico isso, não?

Mas então uma novela não tem qualquer compromisso com a realidade? Com a formação cultural de um povo? Então a novela é absolutamente inconstitucional. E provo isso. A Constituição estabelece no artigo 221 que os meios de comunicação devem dar preferência a produções educativas, artísticas, culturais e informativas, bem como respeitar aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Pois bem. Onde, no caso, a preservação dos “éticos e sociais da pessoa e da família”? Únicos valores preservados são os que o garanhão Cesar escondeu nas Ilhas Cayman. Uma sugestão: vamos declarar a novela inconstitucional sem modulação de efeitos... Boa, não? Efeito ex tunc (anulando-a ab ovo!).

Agora, minha licença poética: Em um dos capítulos, nesses que trataram de audiência, prisões e divórcios, vi, em imagem parada, aumentada em dez vezes, uma pequena pilha de livros, em um canto da mesa de audiências, em que se podiam ver livros como Direito Penal Simplificado, ABC das Audiências, Processo Penal Resumidíssimo, Processo Civil em Quadrinhos e um livro em homenagem ao grande jurista Conselheiro Acácio...

A crise do Direito e o imaginário
Pode parecer implicância minha, mas há uma relação direta na formação do imaginário social, naquilo que a população entende por “instituições jurídicas” (nem quero falar do problema dos médicos, dos enfermeiros, das periguetes, da comunidade gay, todos com ampla representação no folhetim de Walcyr, o Carrasco do imaginário; todos, enfim, com motivos de sobra para reclamarem).

E o programa Na Moral, em que, quando se discutiu a “questão da moral”, fez-se de forma irresponsável, separando a moral do Direito, como se estivéssemos no século XIX. Desserviço na veia! Examinando o art. 221, cum grano salis, o Programa fere a Constituição. Logo...

Não tenho a esperança que a TV vá melhorar o nível cultural do povo. Mas, com certeza, não deve piorá-lo. E nem avacalhar com as instituições. O que diria um autor da novela se, em uma novela ou em livro, o autor (de novelas) fosse representado como um idiota ou fronteiriço (néscio total), escrevendo os originais com ç em vez de s, esquecendo os plurais etc., tendo que um corretor fazer uma arrumação mínima diária do texto para que um segundo na cadeia alimentar (um co-autor) possa entender o que o “gênio” quis dizer?

No fundo, é o trash tomando conta da sociedade. A produção está no nível de filme em que aparece o zíper do monstro. E, o pior: é feito de forma séria. A cultura desce, cotidianamente, a ladeira do desperdício de sentidos e significados. E passa a se retroalimentar. Nada pode ser mais profundo dos que os calcanhares de uma formiga. Por isso, William Bonner disse a célebre frase: o telespectador tem o QI de Homer Simpson. Notícias devem ser informações em drops. Em pílulas. E nisso o Direito foi sendo carcomido em suas entranhas pela praga das vulgatas e das simplificações. Por que um livro que é resumo de resumo vende 600 mil exemplares em Pindorama? Por que há dezenas de livros com conceitos do tipo “agressão atual é a que está acontecendo”? E que coisa alheia é aquela que não pertence à pessoa? Por que alguém constrói um princípio chamado “ausência eventual de plenário”?

Numa palavra: a reprodução do imaginário pequeno-gnosiológico
Acabei de ler A Reprodução, de Bernardo de Carvalho. Genial. E um retrato do imaginário pequeno-gnosiológico que assola o mundo. O personagem que estuda chinês é o retrato do “novo homem”. Sabe tudo em drops. E não sabe nada. Bernardo diz: a literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Acrescento: abaixo da média. A literatura tem que incomodar. Perturbar o leitor. Angustiá-lo. E digo eu: assim também devem ser os livros jurídicos. Bernardo diz que um dos defeitos da literatura e da mídia é falar como se estivessem tratando com crianças (acrescento: algo como achar que o leitor ou telespectador tem o QI do Homer Simpson!). Bernardo, acertadamente, chama a isso de inconsequência política. Ou seja, isso é trazer a burrice do privado para o âmbito do público: “A infantilização do público tem a ver com a internet e também com a literatura que entrega o que você quer”. Digo eu: no Direito também infantilizamos o público. Estamos em face de um novo homem: o homo juridicus standard, que decora códigos e sabe tudo por pequenos drops. E a novela Amor à Vida, ao tratar das “coisas do Direito”, é a perfeita amostra Rumo à Estação “A Burrice Como Ciência”. No fundo, não sei a comunidade jurídica não merece uma novela como essa... Estou tentado a acreditar nisso...

Por isso, concordo com ele, quando diz que o texto deve ser uma visão trágica das camadas de possibilidades. E digo eu: Entregar-se à mediocridade é achar que tudo é relativo, até porque, segundo um relativista, um medíocre também tem razão...!

Logo, se todos viram medíocres, ninguém mais será. Bingo! Se tudo é, nada é! É a cultura se abeberando da alegoria do queijo suíço: o melhor queijo é o suíço; quando mais furos, melhor o queijo; menos queijo, melhor queijo. D’onde se conclui, brilhantemente, que o queijo ideal é o “não queijo”.

Tudo é... e nada é. Alvíssaras! Vou estocar furos de queijos! A essência do queijo ideal é o furo. O nada!

PS 1: Para quem ainda não entendeu, a novela, enquanto construtora do imaginário social, cumpre um papel importante. Tem um múnus público. Não pode e nem deve reforçar estereótipos, fomentar preconceitos com base na aparência ou se desvirtuar de sua função educativa, artística, cultural e informativa. E não deve apatifar com as profissões.

PS 2: para não dizer que sou um exagerado e que sou implicante: no livro Direito Constitucional Facilitado, no comentário ao parágrafo 1º do artigo 210, da CF (são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais), os autores alertam para o “relevante” fato de “as armas” tratadas no aludido dispositivo referem-se... ao brasão e não às armas de fogo. Ah, bom! Bingo! Genial! Alvíssaras! Por isso é que esse livro vende tanto! Por isso é que o Verdade e Consenso não vai! Que chance eu tenho?

Vou estocar palavras. Aliás, vou estocar combos de palavras! Porque, no futuro, faltarão... para descrever o caos! É inexorável!

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

DEPUTADO SANDRO MABEL SERÁ INDENIZADO PELA GLOBO POR VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA



Deputado Sandro Mabel ganha disputa contra Rede Globo, Correio Braziliense e Contratuh

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Rede Globo, o jornal Correio Braziliense e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh) terão de indenizar o deputado federal Sandro Antônio Scrodo, mais conhecido como Sandro Mabel, por terem associado seu nome e imagem ao esquema de corrupção conhecido como mensalão.

As notícias com imagens do parlamentar foram divulgadas em 2006, mesmo tendo sido o parlamentar absolvido das acusações pelo conselho de ética e pelo plenário da Câmara dos Deputados em 2005. Ele nem chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal na ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal. No STJ, os recursos foram relatados pelo ministro Luis Felipe Salomão.

Rede Globo

Ao ajuizar a ação de indenização por danos morais contra a Rede Globo, o deputado teve seu pedido atendido. Porém, em grau de apelação, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) afastou a indenização imposta na sentença, pois considerou que a emissora apenas exerceu o direito de imprensa ao noticiar à população que o parlamentar era suspeito de receber dinheiro do esquema do mensalão.

No STJ, Salomão reconheceu que a Globo feriu o dever de diligência mínima ao incluir o parlamentar no rol dos participantes do escândalo do mensalão em matérias jornalísticas veiculadas em outubro de 2006 nos noticiários Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Em Cima da Hora, quando ele já havia sido absolvido.

De acordo com o ministro, apesar de os direitos à informação e à liberdade de expressão serem resguardados constitucionalmente, “tais direitos não são absolutos”, encontrando suas “rédeas” nos direitos à honra e à imagem da pessoa.

Para o relator, “o dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se em dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil”.

Diante dessas razões, a Turma condenou a Rede Globo ao pagamento de indenização no valor de R$ 60 mil ao parlamentar, montante superior aos R$ 38 mil arbitrados na sentença.

Contratuh

A Contratuh foi condenada pela Quarta Turma a indenizar o deputado, por ter distribuído aos seus associados material informativo que associava a imagem de Sandro Mabel ao rótulo de “mensaleiro”.

A acusação foi divulgada na campanha eleitoral, publicada em jornal com tiragem de cinco mil exemplares distribuído aos trabalhadores do setor no mês de setembro de 2006, ou seja, quase um ano depois de ter sido comprovada a não participação do parlamentar no esquema. No material constavam fotografias de vários parlamentares, divididos em “sanguessugas” e “mensaleiros”, com a foto de Sandro Mabel no segundo grupo.

Na sentença, a Contratuh foi condenada a pagar indenização de R$ 150 mil e a publicar a decisão do juízo de primeiro grau no mesmo jornal onde foi veiculada a notícia.

Na apelação, o TJGO julgou que a matéria não promoveu juízo de valor para ofender diretamente a honra e a moral do deputado. De acordo com o tribunal de segundo grau, a Contratuh limitou-se a divulgar fotos dos parlamentares supostamente envolvidos nos escândalos e informações extraídas da investigação promovida pelo conselho de ética da Câmara dos Deputados.

Fato público

Salomão ressaltou que, “principalmente em épocas eleitorais, em que as críticas e os debates relativos a programas políticos e problemas sociais são de suma importância, até para a formação da convicção do eleitorado”, os direitos à informação e à liberdade de expressão não são absolutos, mesmo sendo resguardados constitucionalmente.

A Turma lembrou que era fato público, noticiado pela mídia televisiva, pelos jornais e pela internet, que o deputado já havia sido absolvido de qualquer envolvimento com o escândalo quase um ano antes de o material ser veiculado.

No entendimento do relator, quando a Contratuh distribuiu o encarte, em setembro de 2006, na véspera da eleição que Sandro Mabel disputaria, “rompeu-se claramente o vínculo com o dever de veracidade”, ficando configurado o ato ilícito.

O colegiado acordou que o valor de R$ 150 mil, fixado pela sentença, era exorbitante se comparado com a indenização estabelecida para a Globo e para o Correio Braziliense. Por isso, reduziu o valor da indenização para R$ 15 mil, mais “razoável” e “adequado ao caso concreto”, para que não houvesse “enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização nem incentivo à prática de atos ilícitos que violem direitos de outrem”.

Correio Braziliense

Sandro Mabel também ajuizou ação contra o jornal Correio Braziliense, que publicou matéria jornalística, em julho de 2006, com o título “Declarações de bens de candidatos envolvidos no escândalo do caixa 2 têm acréscimo de até 1.123%. Mensaleiros bons de renda”.

O juízo de primeiro grau decidiu que o parlamentar deveria ser indenizado no montante de R$ 22.800. A decisão foi mantida pelo segundo grau, pois o TJGO lembrou que a absolvição do deputado já havia sido noticiada pelo periódico em novembro de 2005, demonstrando “com maior dimensão o ultraje pessoal ao parlamentar”.

O jornal sustentou que a reportagem não extrapolou o dever narrativo e informativo garantido pela Constituição à imprensa. Alegou que apenas noticiou a investigação promovida pelo Congresso Nacional e pela Polícia Federal para apurar os responsáveis pelo “tráfico político de apoio”, que culminou com a cassação de dois parlamentares e com a propositura de ação penal pelo Ministério Público Federal.

Entretanto, o TJGO considerou que a liberdade de informação foi extrapolada pelo jornal ao incluir o parlamentar como beneficiário de vantagem indevida, mesmo sabendo que ele fora absolvido das acusações.

Ao recorrer para o STJ, o Correio Braziliense não obteve sucesso. A Quarta Turma ratificou o entendimento do tribunal de origem, mantendo inclusive o valor da indenização em R$ 22.800.



Fonte: STJ

Cicatriz diferente da previsão não prova erro médico



Por Gabriel Mandel


A qualidade final das cicatrizes que resultam de cirurgias plásticas depende de condições inerentes a cada paciente. Assim, se não há erro médico e se a paciente é informada sobre os riscos do procedimento, o profissional responsável pela cirurgia não pode ser cobrado por danos morais e estéticos se a cicatriz não ficar do jeito ideal. Com base em tal entendimento, a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina rejeitou Apelação movida por uma mulher contra o médico responsável por sua cirurgia no abdômen.

A cirurgia para retirada de gordura do abdômen, que recebe o nome de dermolipectomia abdominal, foi feita em 2002 e dois anos depois, o mesmo médico recebeu a paciente para um segundo procedimento. O perito João Ignácio da Silveira Neto, que colaborou no processo, afirmou que o problema alegado pela mulher é comum e decorre de um grande inchaço dos tecidos durante o pós-operatório.

Relator do caso, o desembargador Luiz Fernando Boller afirmou que, para a condenação de médico por dano ao paciente durante o exercício da profissão, é fundamental a demonstração de culpa do profissional. Excetuando-se os casos grosseiros, episódios de negligência ou de imperícia, não é possível presumir a culpa do médico, segundo ele.

No caso em questão, o relator afirma que a mulher se submeteu, após a cirurgia, a perícia médica que apontou ótima qualidade da cicatriz no lado esquerdo, com alargamento e escurecimento moderados na parte direita. Ele cita ainda fala do perito João Ignácio da Silveira Neto, para quem é impossível uma cicatriz reduzida e inaparente em procedimentos como o feito pela mulher. Na visão do perito, aponta o relator, a cicatriz costuma ser mais longa do que o normal nos casos em que o paciente apresenta grande flacidez e volume de gordura na região da operação.

O desembargador diz ainda que tanto o médico quanto o perito apontam a possibilidade da linha da cicatriz ficar acima ou abaixo do inicialmente previsto por conta da maior ou menor quantidade de pele a ser retirada no abdômen superior ou inferior. Tudo isso, de acordo com Luiz Fernando Boller, era de conhecimento da paciente, que uma semana antes da cirurgia assinou termo de consentimento informado, em que constava os riscos envolvendo as cicatrizes.

O relator nega também a afirmação de erro médico, apontando que a conduta adotada pelo profissional foi correta, com a solicitação dos devidos exames e a escolha da técnica correta para a cirurgia. Segundo ele, outro aspecto que derrubou a tese de falha na prestação de serviço foi o fato de a mulher ter voltado ao consultório do cirurgião e discutido um novo procedimento, para colocação de silicone nos seios, que não foi feito por questões financeiras.

Clique aqui para ler a decisão.

Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2013

Barbosa critica Judiciário brasileiro a empresários



O sistema legal brasileiro é uma “monstruosidade” e não há no mundo Justiça tão confusa quanto a do Brasil. A avaliação, noticiada pelo portal UOL, é do presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa, durante palestra do Fórum Exame, voltado para empresários, em São Paulo.

Se no STF Barbosa chefia a corte responsável por zelar pelo cumprimento da Constituição, no CNJ ele comanda o órgão criado em 2004 para, justamente, melhorar o funcionamento Judiciário. Nas palavras da própria corte, sua missão é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da sociedade”.

Aos empresários, Barbosa disse a morosidade da Justiça causa “graves entraves” à economia. Para ele, esses entraves são "expressões vivas de um bacharelismo decadente, palavroso, mas vazio, e, sobretudo, descompromissado com a eficiência".

Para o presidente do STF e CNJ, o Brasil adotou o aumento da máquina judiciária para tentar resolver a lentidão dos processos. "A solução fácil de aumento da máquina judiciária é apenas momentaneamente paliativa e não resolve a origem do problema, que está na vetustez barroca da nossa organização de todo sistema judiciário."

Segundo ele, uma das soluções às mazelas do Judiciário é priorizar a 1ª instância, além de "reduzir o número excessivo de recursos que atualmente permite que se passe uma década sem que haja solução definitiva do litígio”.

Barbosa, que foi nomeado ministro em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou também o modelo de indicação de magistrados. "Um dos fenômenos — que eu chamo de mais pernicioso — é a indicação política. Não há mecanismos que criem automatismo, que, passado um determinado tempo, um juiz seja promovido sem que tenha que sair com o pires na mão”.

Barbosa afirmou que juizes politicamente engajados em alguma coisa são impedidos moralmente de cumprir sua missão, assim como aqueles que são "medrosos".

O ministro evitou comentar a declaração do ex-presidente Lula ao jornal Correio Braziliense, em que afirmou que, hoje, teria mais critérios ao indicar um ministro para o STF. "Não tenho nada a dizer. Ele foi presidente da República, eu não sou presidente da República, não tenho nenhum papel na nomeação de ministros para o Supremo e nunca procurei exercer influência sobre esse papel, que não me cabe", afirmou no evento.

Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...