terça-feira, 13 de agosto de 2013

Marco Civil da Internet retira ônus de provedores

O Projeto de Lei  2126/2011, proposto pelo Executivo para estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para uso da rede mundial de computadores no país, encontra-se em discussão atualmente no Congresso.
Um dos temas polêmicos do Marco Civil da Internet refere-se à responsabilidade dos provedores por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Em relatório final apresentado pela Comissão Especial formada para discutir o projeto, estabeleceu-se, no artigo 14, a “inimputabilidade da rede”. Isto é, o provedor de conexão não será responsabilizado por danos gerados por conteúdo gerado por terceiros, visto que sua função é apenas disponibilizar a infraestrutura necessária para o trânsito de informações na rede.
Art. 14. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
O artigo 15, por sua vez, dispõe acerca da responsabilidade dos provedores de aplicação de Internet. Os sites que publicam informações produzidas por terceiros, como o Facebook, Twitter e YouTube, incluem-se nesse rol. Esse dispositivo estabelece a regra geral de isenção de responsabilidade civil dos provedores em virtude de danos gerados por conteúdo gerado por terceiros. Como exceção, essa responsabilidade pode ser atribuída se, após ordem judicial específica, o provedor não tomar as providências cabíveis para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, retirar o conteúdo ofensivo.
Art. 15. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviços e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Parágrafo único. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material
Ou seja, de acordo com o projeto de lei, um provedor de aplicações na Internet pode ser responsabilizado civilmente por conteúdo gerado por terceiros apenas se descumprir ordem judicial determinando a retirada desse conteúdo. Antes da expedição dessa ordem, portanto, não haveria qualquer obrigação do provedor em analisar e retirar conteúdos, por mais ofensivos que estes sejam. O objetivo do projeto é afastar eventuais interpretações que atribuam a esses provedores responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa, por danos gerados por conteúdo ofensivo criado por terceiros. De acordo com essa visão, a fiscalização de todo o material produzido tornaria inviável a atividade econômica dessas empresas e seria uma ameaça à liberdade de expressão dos internautas.
Contudo, verifica-se exagero no projeto, pois o mesmo não se limita a atribuir responsabilidade subjetiva aos provedores, mas praticamente os isenta de responsabilidade. Isto é, mesmo que exista claramente um conteúdo ofensivo a uma pessoa, e esta notifique o provedor para retirá-lo do ar, não há qualquer incentivo para que a empresa o faça. Muito pelo contrário, visto que se o projeto, de um lado, expressamente exclui a obrigação (enquanto não houver decisão judicial) de retirar o conteúdo ilegal do ar, de outro lado silencia quanto à eventual responsabilização civil caso o provedor retire conteúdo não-ofensivo, por violação à liberdade de expressão. Ou seja, na dúvida, os provedores nunca retirarão os conteúdos ofensivos do ar enquanto não houver decisão judicial.
Esse cenário se mostra propício para a ocorrência de danos graves a direitos da personalidade, principalmente privacidade, intimidade e honra, contrariando uma jurisprudência que já vinha se consolidando no Superior Tribunal de Justiça. Nos últimos anos, o tribunal proferiu uma série de decisões, por exemplo nos Recursos Especiais nº 1.306.066 e nº 1.193.764, com o entendimento de que os provedores de aplicações não teriam a obrigação de fiscalizar previamente todos os conteúdos gerados por seus usuários. Todavia, a partir do momento em que tomassem ciência, mesmo extrajudicialmente, acerca de algum dano causado, teriam a obrigação de analisar os fatos e, se houvesse ilegalidade, retirar o conteúdo ofensivo do ar, sob pena de responsabilidade civil.
O projeto de lei retira, portanto, boa parte dos ônus que deveriam recair sobre essas empresas. Tendo em vista que estas auferem lucros com a atividade, permitindo a comunicação entre as pessoas sem qualquer limitação prévia, também deveriam ser atribuídos às mesmas empresas os riscos inerentes a essa atividade. O que o projeto faz, na prática, é transferir esse ônus ao Judiciário, a quem caberia analisar a existência de ilegalidade, facilitando a perpetuação e difusão de conteúdos ofensivos.
O Marco Civil deveria ter consolidado o entendimento do STJ. Dessa forma, num primeiro momento a provedora não seria responsável por fiscalizar os conteúdos gerados pelos usuários, garantindo-se a liberdade de expressão. Porém, a partir do momento em que tomasse ciência, por qualquer forma, acerca de algum conteúdo lesivo a direitos da personalidade de outrem, deveria tomar as providências cabíveis para identificar o autor do dano e retirar os dados ofensivos, sob pena de ser responsabilizada civilmente. Caberia à empresa, nessa situação, realizar um sopesamento dos direitos em conflito, podendo ser responsabilizada pelo sofredor do dano, caso mantenha indevidamente conteúdo ofensivo no ar, ou pelo autor do conteúdo, caso retire conteúdo do ar sem justificativa plausível.
Portanto, o projeto de Marco Civil da Internet, na parte que trata da responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdo gerado por terceiros, contraria entendimento que vinha se consolidando no STJ. O projeto retira o ônus de controlar o conteúdo criado pelos usuários dos provedores, atribuindo-o ao Poder Judiciário. Assim, além de aumentarem os riscos de que o conteúdo se difunda na rede, por tornar mais demorada sua retirada, privilegia-se de forma indevida essas empresas que atuam na Internet, isentando-as de ônus inerente a suas atividades econômicas.
Marcelo Frullani Lopes é advogado graduado na Universidade de São Paulo (USP), sócio de Frullani, Galkowicz & Mantoan Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2013

Corrigir provas e lançar notas gera horas extras

O tempo destinado ao preparo de aulas e à correção dos trabalhos e provas está incluído no período remunerado de aulas ministradas pelo professor. O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, que mandou pagar a uma professora as horas dispendidas com correções de provas e com o lançamento das notas no site do Colégio Notre Dame, no município de Passo Fundo. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 31 de julho.
sentença da 4ª Vara do Trabalho local deferiu o pagamento de duas horas extras por mês, por reconhecer como trabalho a participação da autora nas reuniões pedagógicas mensais, que tinham esta duração. O juiz do Trabalho Roberto Teixeira Siegmann indeferiu, no entanto, as horas decorrentes de participação em outros eventos — reuniões de pais e professores, eventos e festividades escolares, entrega de boletins e pareceres, atualização de notas no site da escola e demais atividades extraclasse.
Para o juiz, nas festividades não há direito a hora extra se houve compensação com folga no dia posterior. A simples convocação para as reuniões, por outro lado, não prova efetiva participação. E, por fim, a atividade de registro de notas tem sua remuneração incluída no número de aulas semanais, conforme disposto no artigo 320 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em segundo grau, ao analisar o caso, a relatora do recurso, desembargadora Maria Madalena Telesca, não viu provas de efetiva participação em vários eventos, assim como constatou contradições no depoimento das testemunhas nesse quesito. Estas, entretanto, foram firmes em atestar que a autora fazia o lançamento de notas no site da escola a partir de sua residência.
‘‘Ao contrário do entendimento adotado pelo magistrado de origem, entendo que o artigo 320, da CLT, não limita a remuneração dos professores à prestação das aulas. Estabelece, tão-somente, que a remuneração deve ser fixada com base no número de aulas’’, destacou a relatora.
Para ela, o artigo 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) reconhece o direito dos professores a um período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído em sua carga horária, citando jurisprudência assentada na turma.
‘‘Assim, por certo que a tarefa de corrigir provas e lançá-las no site da escola deve ser remunerada, até mesmo porque a facilidade oferecida pela instituição de ensino funciona como um atrativo para que os pais optem pela referida instituição na hora de escolher a escola de seus filhos, o que propicia maior vantagem econômica à reclamada’’, concluiu a relatora, determinando o pagamento de três horas mensais.
Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2013

Com ajuda do Estado, Serasa apresenta visão distorcida

O poder da presidente Dilma Rousseff, maior autoridade do país, não é o mesmo quando ela vai às compras. Lojistas e bancos têm a recomendação de oferecer a ela crédito de, no máximo, R$ 2,1 mil. O limite de crédito de Dilma é o menor entre os chefes dos três poderes. Para Renan Calheiros, presidente do Senado, o limite recomendado de crédito é de R$ 12,7 mil. Para Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara, é de R$ 15,7 mil. E, para o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, é de R$ 25,9 mil.
Os limites são sugeridos a lojistas e bancários pela empresa Serasa Experian como parte de seus serviços de restrição a crédito. E a partir de dados muitas vezes fornecidos pelo próprio poder público. O problema do fornecimento de dados veio novamente à tona na última semana, quando o acordo entre o Tribunal Superior Eleitoral e a Serasa foi anulado pela presidente da corte. Espera-se que a questão seja discutida pelo Pleno do tribunal nesta terça-feira (13/8).
O documento previa que a corte fornecesse à companhia informações como nome, data de nascimento e nome da mãe dos mais de 140 milhões de eleitores. Outros tribunais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo e a Receita Federal já firmaram acordos semelhantes, enchendo o arquivo da empresa de informações.
A função da Serasa — que afirma ter “o mais extenso banco de dados da América Latina sobre consumidores, empresas e grupos econômicos” — é orientar o comerciante e o sistema financeiro sobre o poder de compra de cada consumidor. O serviço pretende informar o risco de vender, financiar ou emprestar a pessoas inadimplentes. É um serviço que evita concessão de crédito a consumidores de perfil inadimplente.
Embora se baseie em informações públicas, o sistema traz distorções óbvias.
 A renda presumida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (foto), que tem participação societária em duas empresas (FHC Consultoria Lectures e Goytacazes Participações) é de R$ 1,2 mil — menos de dois salários mínimos, mesmo tendo ele sido professor, ministro, senador e presidente da República.

O risco de emprestar dinheiro para o milionário Eike Batista é cerca de duas vezes maior do que para Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Enquanto a probabilidade de inadimplência no crédito a Eike é de 93%, a chance de levar um calote de Cachoeira é de 37% — tudo segundo a Serasa Experian. Já o “Risco Dilma” é bem menor: apenas 9% de chance de um calote nos próximos 12 meses, enquanto empréstimos ao seu rival político, José Serra, apresentam apenas 1% de chance de não serem quitados.
Privacidade e delação
O fim do convênio entre o TSE e a Serasa trouxe novamente à mídia a questão, contestada na Justiça com frequência, dos convênios da empresa com o poder público. Em 1998, a ConJur noticiou acordoentre a Serasa e o TJ de São Paulo firmado em 1995. A Corregedoria-Geral de Justiça autorizou o envio de informações solicitadas pela Serasa sobre cidadãos alvos de execuções, ações de cobrança e busca e apreensão.

À época, tanto a Serasa quanto o TJ-SP defenderam a legalidade do convênio. Mas o ministro do Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, questionou o acordo, invocando o princípio da moralidade administrativa. "Se a empresa obtém uma mercadoria e lucra em cima dessa mercadoria em detrimento da privacidade dessa pessoa, isso deve ser coibido", disse.
E os lucros não são baixos. A Serasa responde, diariamente, a 6 milhões de consultas feitas por 500 mil clientes diretos e indiretos, apenas no Brasil, “o maior bureau de crédito do mundo fora dos Estados Unidos”, segundo a própria empresa. Uma assinatura básica para pessoa jurídica custa cerca de R$ 150, convertidos em serviços. Os preços variam de R$ 0,06 a R$ 20 mil por consulta. Um serviço que permite visualizar a renda presumida, o limite de crédito sugerido e a probabilidade de inadimplência custa em torno de R$ 10 por consulta.
Na nova polêmica, envolvendo Serasa e TSE, o ministro Marco Aurélio se manifestou novamente: “Tempos muitos estranhos nós estamos vivendo no Brasil. O TSE é depositário de dados, dados cobertos pelo sigilo. E esse sigilo só pode ser afastado mediante ordem judicial para efeito de investigação criminal ou de instrução de inquérito”, observou.
Os dados aos quais se tem acesso em uma consulta à Serasa são um prato cheio para os mais inclinados a bisbilhotices. É possível saber, por exemplo, que os nomes de Dilma (foto) e do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva foram consultados no mesmo dia — nesta sexta-feira (9/8) — pela operadora de telefonia celular Tim.

Do mesmo modo que é possível se questionar se os dois petistas compravam um plano de telefone para conversarem de graça, cabe perguntar quem o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pensou em presentear quando foi à joalheria Tiffany & Co. no último dia 5 de junho, onde teve seu nome consultado na Serasa pela última vez.
Cidadãos comuns
A necessidade de FHC por crédito deve ser menor do que a de quem frequenta lugares menos chiques do que a Tiffany, como as Casas Bahia. Distorções como as apresentadas nesta reportagem não atingem apenas os poderosos da República, mas também aqueles que necessitam colocar em carnês toda e qualquer compra para a casa.

Na sanha de evitar calotes a qualquer custo, a Serasa usa, como um dos quesitos para calcular a restrição de crédito o fato de o consumidor ter ações na Justiça – sem a necessidade do trânsito em julgado. Ser apenado, mesmo que de maneira indireta, por recorrer à Justiça, muitas vezes para reclamar direitos, vai contra a jurisprudência do Supremo. Na Ação Penal 470, o processo do mensalão, por exemplo, os ministros discutiram a possibilidade de processos em trâmite servirem como “maus antecedentes”, mas o entendimento ficou vencido. A regra é clara: só podem ser consideradas antecedentes criminais decisões judiciais transitadas em julgado. Nunca processos em andamento.
Faz de conta
Se refletissem a realidade, as consultas aos bancos de dados da Serasa diriam que o banqueiro Daniel Dantas vale três vezes mais para o mercado do que seu algoz, o delegado afastado e, atualmente, deputado federal, Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). A sugestão de limite de crédito a ser oferecido ao primeiro é de R$ 2.730. Ao segundo, R$ 751.

A empresa também aponta que a economia dos estados se reflete na remuneração de seus governadores. Governar o estado de São Paulo vale muito mais do que o Rio de Janeiro, já que a renda media presumida de Geraldo Alckmin é de R$ 11.110, enquanto a de Sérgio Cabral é de R$ 4.615.
O empreendedorismo também não deve ser bem visto no mercado. Um lojista e um bancário parecem ter mais a temer ao ceder crédito ao empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, do que ao deputado federal Tiririca (PR-SP) (foto). Enquanto a chance de levar um calote do empresário é de 16%, a probabilidade de inadimplência do deputado é de apenas 4%. O limite de crédito sugerido para Tiririca é de R$ 2.198, que é R$ 156 a mais do que o sugerido a Abílio Diniz.

Se a “confiança do mercado” espelhasse a confiança da população, as próximas eleições presidenciais poderiam ser definidas com apenas algumas consultas. Eduardo Campos tem crédito de R$ 938; Marina Silva, de R$ 1.547; Aécio Neves, de R$ 1.660; José Serra, de R$ 2.098; Dilma Rousseff, de R$ 2.101; e Lula, de R$ 10.894. Nenhum tem o mesmo prestígio que o ocupante do mais alto cargo do Judiciário, o ministro Joaquim Barbosa, para quem o crédito sugerido é de R$ 25.896.
Além de destoarem da realidade, os dados que a empresa oferece aos seus clientes conflitam entre si. Veja abaixo alguns exemplos da disparidade entre o limite de crédito sugerido pela Serasa Experian e a renda presumida também pela empresa:
NomeLimite de crédito sugeridoRenda presumida
Joaquim Barbosa25.8962.986
Henrique Eduardo Alves15.67616.315
Renan Calheiros12.74111.912
Lula10.8943.232
Ivo Cassol8.1039.757
Sérgio Cabral4.3734.615
Geraldo Alckmin2.93311.110
Daniel Dantas2.7306.516
Tiririca2.19812.553
Dilma Rousseff2.1013.700
José Serra2.0983.416
Abílio Diniz2.04214.230
Aécio Neves1.6609.368
Demóstenes Torres1.6213.014
Nicolau dos Santos Netto1.6002.860
Paulo Maluf1.5512.607
Marina Silva1.5475.508
Natan Donadon1.1651.902
Eduardo Campos9382.971
Fernando Henrique Cardoso7781.207
Protógenes Queiroz7514.788
Carlinhos Cachoeira31913.391
Eike BatistaNão disponível14.462
A Serasa não respondeu, até a publicação dessa reportagem, às perguntas feitas pela revistaConsultor Jurídico.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2013

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

UMA DECISÃO JUDICIAL PODE MUDAR O COMPORTAMENTO OU A OPINIÃO DA SOCIEDADE? PARTICIPE DA PESQUISA!

Por Luiz Cláudio Borges



   A ideia da presente pesquisa surgiu após um caloroso debate em sala de aula com os alunos do 3º Período de Direito do Centro Universitário de Lavras. Discutia-se na disciplina Teoria Geral do Processo se uma decisão Judicial tem o poder de mudar o comportamento ou a opinião de uma sociedade

   Na ocasião, apresentei dois casos um dos Estados Unidos, Brown vs Board of Educatio, outro do Brasil, relacionado com o pedido de reconhecimento de união estável de pessoas do mesmo sexo

  O debate é rico e desafia a participação da comunidade acadêmica e dos profissionais do Direito. Pensando nisso, inseri na parte esquerda do blog uma pesquisa para saber qual é a sua opinião sobre o assunto. Uma decisão judicial pode mudar o comportamento ou opinião de uma sociedade? 

SISTEMAS JUDICIÁRIOS BRASILEIRO E NORTE AMERICANO - Breve análise comparativa



RESUMO



Este trabalho apresenta noções tópicas sobre o Direito nos EUA, o seu sistema judicial, sua estrutura e dinâmica processual, cotejando-se alguns pontos de relevo com o sistema judiciário brasileiro e, nesse processo dialético, propõe-se a destacar algumas práticas judiciais e administrativas de ambos os sistemas.



1. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O DIREITO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. ESTUDO E PRÁTICA. FONTES.



O estudo do Direito[1]nos EUA, oriundo da tradição do povo anglo-saxão[2], está fincado na idéia dos precedentes (Common Law). É curial que o sistema judicial norte-americano incorpora a cultura da análise dos casos concretos julgados, diversamente do Civil Law adotado no Brasil, de origem romanística, que cultua o texto legislado, embora atualmente estejamos vivendo o fastígio da jurisprudência. A norma legislada também tem sido mais utilizada no regime do Common Law. Essa influência recíproca dos dois sistemas deriva inelutavelmente do intercâmbio sócio-cultural de economias globalizadas.



A primeira pergunta que o estudioso do Direito faz sobre o sistema norte-americano é como aplicar o direito aos casos analisados diante de esparsos repertórios jurisprudenciais de forma racional. A priori, infere-se que o volume de informações a serem esmiuçadas para encontrar determinado argumento jurídico obrigará uma pesquisa mais aprofundada. Também é mister uma boa dose de inteligência para apresentar um pensamento jurídico consentâneo com os fatos e teses jurídicas erigidas nos precedentes citados no processo. Importa destacar que esse método de argumentação não prescinde, de todo, da invocação de leis e regulamentos existentes naquele país.



De forma aligeirada e superficial, pode-se dizer que enquanto o estudioso do sistema norte-americano procura construir racionalmente seus argumentos a partir dos precedentes judiciais, quem se habilita a extrair soluções jurídicas no sistema brasileiro deve estar sempre às voltas com uma pletora normativa e teorias jurídicas.



Outra particularidade estadunidense é que se deve primar desde os primeiros trabalhos jurídicos pela objetividade e concisão. Uma das orientações dadas aos alunos do curso de Direito nos EUA é para “evitarem palavras e construções gramaticais muito sofisticadas. É limitado o número de palavras e consequentemente de páginas.”[3] Esse método de ensino produz reflexos na prática judiciária, pois os Tribunais norte-americanos podem até limitar o número de folhas das petições e arrazoados.[4]

Nas universidades americanas o estudo do Direito é pautado pela análise de casos com a síntese dos fatos, as questões jurídicas levantadas e a conclusão. Esse método é reproduzido também na vida profissional daqueles que seguem a carreira jurídica.

O direito norte-americano tem suas fontes, que são classificadas em primárias e secundárias. Consideram-se primárias ou de aplicação obrigatória as Constituições federais e estaduais, leis, regulamentos e precedentes de Tribunais da mesma jurisdição. As fontes secundárias ou não-vinculantes são as decisões de Tribunais com jurisdição diversa, doutrina e direito comparado.



2. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA NORTE-AMERICANA



A Constituição dos EUA trata da organização judiciária, dispondo que“O Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido em uma Suprema Corte e tribunais inferiores que forem oportunamente estabelecidos pelo Congresso...”[5]. Não há indicação no seu texto de outros tribunais inferiores, matéria que é da alçada legislativa do Congresso. Somente a Suprema Corte mereceu envergadura constitucional. Na Constituição brasileira, por seu turno, há minuciosas regras acerca da organização judiciária federal e estadual, inclusive quanto à composição e competência.



A organização judiciária norte-americana também alberga a dualidade de justiça: federal e estadual. A justiça federal é constituída da seguinte forma: 1) Cortes de 1ª. instância(Federal District Courts); 2) Corte de Apelação Federal, com jurisdição regional (United States Circuit Courts of Appeal), aproximando-se do modelo brasileiro de Tribunais Regionais Federais[6] ; 3) Suprema Corte. Os juízes federais, assim como os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, são escolhidos pelo Presidente da República, sujeitos à confirmação pelo voto majoritário do Senado Federal. A eles é assegurada a prerrogativa da vitaliciedade e não há aposentadoria compulsória pelo implemento da idade.



A jurisdição federal é estabelecida para as causas que versam sobre lei federal(ex. lei federal de marcas de patentes), conflitos entre estados ou mesmo com governos estrangeiros. Também decorre das pessoas em conflito, como p. ex., entre cidadãos residentes em Estados diferentes.



No âmbito estadual, existem as Cortes de 1º. Grau(State Court), os Tribunais intermediários(State Court of Appeals), uma Suprema Corte estadual e a Suprema Corte dos EUA. Em alguns estados da federação não há Tribunais intermediários, de modo que da decisão das Cortes de 1º. Grau o recurso é endereçado à Suprema Corte Estadual. Os juízes estaduais, em regra, são selecionados através de eleição popular[7] ou mesmo pelo Governador e têm mandato.



Os candidatos à magistratura, seja no âmbito federal, seja no âmbito estadual, geralmente são advogados destacados com muitos anos de experiência. Vê-se, também, que é comum às duas carreiras (federal e estadual) a escolha pelo Chefe do Executivo(Presidente da República e Governadores), quando não através de eleição para os estaduais. Não há falar em concurso público para a magistratura americana, pois a legitimação do juiz é política.



O fenômeno da especialização está presente na jurisdição estadunidense. Há Cortes Estaduais especializadas em família e trânsito e Cortes Federais que cuidam das lides fiscais. Não há, entretanto, segmentos do Judiciário trabalhista e eleitoral, cuja competência é definida em razão da norma desrespeitada ser estadual ou federal. Por outro lado, emerge um judiciário militar, com dois graus de jurisdição(Cortes Marciais e Corte de Apelação Militar – 1ª. e 2ª. instâncias respectivamente), podendo o caso ser alçado à Suprema Corte.



Merece registro a rigorosa filtragem dos processos que são admitidos à análise da Suprema Corte dos EUA. Noticia-se que são julgados menos de 100(cem) casos por ano. Isso sem falar que sua competência originária é muito reduzida, limitando-se basicamente aos casos que envolvem embaixadores e representantes diplomáticos, ou nos litígios em que os Estados Unidos sejam parte ou mesmo um Estado da federação. Não se pode dizer o mesmo em relação ao Supremo Tribunal Federal, que detém vastíssima competência originária e somente mais recentemente, por força de emenda constitucional que instituiu a repercussão geral, tem sido mais seletivo na subida dos recursos extraordinários



O Judiciário dos EUA é o gestor de suas atividades e do seu próprio orçamento. Tem sua própria disciplina normativa interna e não se sujeita à interferência dos outros Poderes. Entretanto, observa os parâmetros legais do Executivo em relação às finanças e administração de bens. Existem três órgãos administrativos no âmbito do Poder Judiciário estadunidense: 1) Administração dos Juízos dos Estados Unidos (Administrative Office of the U.S. Courts), que cuida da folha de pagamento, equipamentos e consumo; 2) Centro Judiciário Federal(Federal Judicial Center), responsável pelo treinamento dos juízes e funcionários das cortes, bem como pelas pesquisas relativas à administração da justiça; 3) Comissão de Sentenças dos Estados Unidos (U.S. Sentencing Commission), que apresenta diretrizes consultivas aos juízes federais.[8]

Em matéria de Administração Judiciária os americanos deram um grande salto de qualidade. Os profissionais que auxiliam o Judiciário no âmbito administrativo são submetidos à constante qualificação, até porque a evolução da organização implicou a necessidade de sofisticação do gerenciamento. Foram criadas instituições incumbidas da administração judiciária, com foco na gestão, pesquisa e treinamento.



Outra diferença marcante entre a justiça brasileira e a norte-americana apresenta-se no Júri. No Brasil, somente são julgados nesse juízo os crimes dolosos contra a vida[9], ao passo que, nos EUA, o direito ao júri é assegurado na Constituição[10] para todos os crimes, exceto os de responsabilidade. Ademais, as partes podem, na esfera cível, optar pelo julgamento pelo Júri ou pelo Juiz singular.



A solução dos conflitos através de métodos alternativos[11], como a arbitragem[12] e mediação é bastante propalada naquele país, o que confere maior celeridade, bem como desafoga a justiça estatal. Em um país onde viceja a funcionalidade e o perfil pragmático dos profissionais da área jurídica é natural que essas técnicas extrajudiciais tenham obtido aprovação de todos, inclusive e principalmente do maior interessado: os jurisdicionados.



3. O JUIZ, AS PROVAS E O PROCESSO NOS EUA E NO BRASIL



Ao juiz norte-americano não é dado preocupar-se com a colheita das provas. Essa atividade é extrajudicial e compete exclusivamente às partes fazê-lo, arcando inclusive com os custos.



Diversamente, no Brasil, as provas são judicializadas e o juiz deve conduzir o processo, aceitando ou recusando as provas apresentadas, fundamentando cada decisão, enfim presidir toda a dialética em torno da instrução processual. É o que se dessume do art. 130 do Código de Processo Civil.



Assim, enquanto no Brasil há um protagonismo do juiz em toda instrução, nos EUA a passividade é inerente ao trabalho do magistrado, ou seja, a busca da verdade real depende do conduzir-se das partes no caso. Registre-se, porém, que, nas ações coletivas, os juízes americanos exercem mais controle na atuação das partes, uma vez que outras pessoas que não integram a relação processual poderão ser atingidas com a decisão.



Nesse aspecto, impende reconhecer que há muito que aprender com os americanos em matéria de dinâmica processual voltada a resultados mais céleres e efetivos na prestação jurisdicional, em especial a colheita extrajudicial de provas pelas próprias partes. É cediço que, no Brasil, a fase instrutória tem sido um dos principais gargalos que provocam a morosidade. Se fosse delegado às partes o papel de municiar-se de todo o aparato probatório necessário em alguns casos, observando-se a legislação pertinente, decerto muitos processos poderiam ter seus julgamentos abreviados.



Nos casos cíveis, qualquer cidadão pode exercer o jus postulandi no sistema norte-americano, embora isso não seja comum, dada a complexidade do procedimento.[13] A petição deve ser escrita e deve conter a causa de pedir e o pedido. A falta de defesa resultará na procedência do pedido. A resposta contém uma parte técnica, com argumentos de cunho processual(ex. competência) e o mérito propriamente dito. A atividade instrutória é denominada discovery, realizada pelos advogados das partes, que abrange depoimentos, interrogatórios, provas documentais e perícias. Após coligidas todas as provas, as partes requerem o julgamento, fixando os pontos controversos e os não controversos. O julgamento pode ser antecipado pela conciliação.



Assim como no Brasil, também participa do processo civil o Ministério Público na condição de custos legis, bem como na propositura de ações voltadas à tutela de interesses difusos e coletivos.



4. OBSERVAÇÕES FINAIS



Após estudos e pesquisas acerca do Judiciário norte-americano, cotejando-o com a realidade brasileira, pode-se arriscar algumas observações:



a) É discurso reiterado que o Judiciário brasileiro passa por grave crise, em especial de celeridade, efetividade e segurança jurídica. O sistema judiciário norte-americano, como qualquer criação humana, também tem suas falhas e dificuldades, mas é imperioso reconhecer que tem aspectos na sua funcionalidade que poderiam ser mais experimentados no Brasil, como, por exemplo, as soluções alternativas dos conflitos fora do aparelho estatal e a atividade instrutória extrajudicial. De qualquer forma, o protagonismo dos Juizados Especiais já sinaliza o viés conciliatório. É certo, porém, que a presença de outros profissionais(psicólogos, assistentes sociais, etc) nas varas judiciais poderiam contribuir sobremaneira para arrefecer a beligerância dos litigantes.



b) A administração da justiça nos EUA merece de há muito toda atenção. Existem órgãos fundados para cuidar essencialmente das técnicas de gestão, pesquisa e treinamento, sendo que os cursos de aprimoramento são em regra de administração judiciária. Se no Brasil somente há pouco tempo esse assunto tem ocupado o debate nos principais cenários jurídicos, naquele país já lidera o nicho judiciário. Assim, uma maior interlocução parece necessária, especialmente em matéria de administração judiciária.



c) O modelo federal é muito assemelhado ao brasileiro, seja na distribuição de competências, seja na gestão administrativa. Merece destaque o Centro Judicial Federal, que cuida da pesquisa sobre administração judiciária e promove treinamento de juízes, dentre outras atribuições. Penso que muitos desses avanços alcançados naquele país poderiam ser aproveitados nas Escolas Nacionais de Magistratura, em especial as pesquisas voltadas às demandas de massa, seara na qual o Brasil tem matéria prima de sobejo para ser estudada pelos americanos.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS





1. ALVAREZ, Anselmo Prieto; NOVAES FILHO, Wladimir. A Constituição dos EUA anotada. São Paulo: LTr, 2001.

2. ANDRIGHI, Fátima Nancy. Estrutura e Dinâmica do Poder Judiciário Norte-Americano: aspectos de composição judicial e extrajudicial dos litígios. Disponível em: HTTP://bdjur.stj.gov.br/jspui/ bitstream/2011/1538/4/Estrutura_Din%C3%A2mica_Poder.pdf. Acesso em: 24-03-2009, 20h02 min.

3. ATAIDE JÚNIOR, Vicente de Paula. O Sistema Judiciário e a Administração da Justiça dos Estados Unidos da América.Revista CEJ/CJF N. 33. Brasília:CEJ, junho/2006.

4. BARROSO, Luis Roberto. A Revolução da Brevidade. Disponível em:www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=65100. Informativo Jurídico On line. Acesso em: 20-03-2009, 18 h 06 min.

5. CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. A Relevância do Direito Comparado e Direito e Desenvolvimento para a Reforma do Sistema Judicial Brasileiro. Revista de Informação Legislativa N. 163. Brasília: Senado Federal, setembro/2004.

6. DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo.3ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

7. FREITAS, Vladimir Passos. Juiz Pode Delimitar Tamanho das Petições. Disponível em www.conjur.com.br/segunda-leitura-juiz-nao-receber-peticao-tamanho-livro. Revista Consultor Jurídico, Acesso em 20-03-2009, 17h44 min.

8. MESSITE, Peter J. A Administração da Justiça Federal nos Estados Unidos da América(The Federal Justice management in the United States of America). Revista CEJ/CJF N. 24. Brasília: CEJ, março/2004.

9. ROSA, Alexandre Morais. Aspectos Destacados do Poder Judiciário Norte-Americano.Disponível em:www.oneofito.com.br/artigos/art01/inter23.htm. Acesso em 08-04-2009, 10h50min.

10. SAMPAIO, Rômulo S. R. Breve Panorama do Ensino e Sistema Norte-Americano.Disponível em :www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=20 . Revista On line. Acesso em 18-03-2009, 19h10min.

11. SANTOS, Josaphá Francisco dos. Breve Análise Comparativa do Sistema Jurídico Brasileiro e do Norte-Americano. Revista do TRF- 1ª. Região N. 04, Ano 14, Brasília:TRF1, 2002.

12. SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. O Poder Judiciário Norte-Americano. Informativo ADCOAS Doutrina No. 3, Rio de Janeiro, 1999.










[1] A diplomação em Direito nos EUA é em nível de pós-graduação, de modo que o estudante deve cursar quatro anos na universidade antes de ingressar no curso de Direito. Para o exercício da advocacia também há previsão de um exame de Ordem(Bar examination) que o credencia a essa atividade.


[2] Com a independência americana e a consequente autonomia do direito, chegou-se a ensaiar iniciativas de codificação após a Constituição, como ocorrera no território de New Orleans(convertido no Estado de Louisiana em 1812), que aprovou um Código Civil em 1808.


[3] SAMPAIO, Rômulo S. R. Breve Panorama do Ensino e Sistema Norte-americano. Disponível em: www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=20 . Revista On line. Acesso em: 18-03-2009, 19h10min.


[4] A propósito da necessidade de petições mais enxutas na atual quadra judiciária, oportuna a leitura de recentes artigos dos professores Vladimir Passos de Freitas (Juiz pode delimitar tamanho das petições. Disponível emwww.conjur.com.br/segunda-leitura-juiz-nao-receber-peticao-tamanho-livro. Revista Consultor Jurídico, Acesso em 20-03-2009, 17h44 min.) e Luis Roberto Barroso (A Revolução da Brevidade, Disponível em:www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=65100. Informativo Jurídico, Acesso em: 20-03-2009, 18 h 06 min.


[5] Art. 3º., Seção I, da Constituição dos EUA.


[6] Didática a explicação de Peter J. Messite(A Administração da Justiça Federal nos Estados Unidos da América(The Federal Justice management in the United States of America). Revista CEJ/CJF N. 24. Brasília: CEJ, março/2004, p. 6): “Temos um sistema de tribunais federais semelhante ao brasileiro, com juízos de primeira instância(cortes distritais), tribunais de apelação regionais e, no topo de pirâmide, a Suprema Corte dos Estados Unidos. Não contamos com nada equivalente ao Superior Tribunal de Justiça, uma vez que todos os assuntos constitucionais e questões referentes às leis ordinárias federais são julgados pela Suprema Corte”


[7] Nesse ponto, penso que a experiência brasileira de recrutar seus magistrados através de concurso público de provas e títulos é a mais acertada para a nossa realidade, além do que prestigia o mérito e a imparcialidade.


[8] Há similitude da organização judiciária federal daquele país com o Brasil. Ainda esclarece Peter J. Messite, ob. cit., p. 6/7): “o principal órgão do Judiciário Federal é a Conferência Judicial dos Estados Unidos, que estabelece políticas administrativa e legislativa da Justiça Federal. O Presidente da Suprema Corte é o Presidente da Conferência, composta pelos presidentes de cada tribunal regional, um juiz de primeira instância eleito por cada tribunal regional e o juiz presidente do Tribunal de Comércio Internacional...Existem doze tribunais regionais federais. Em cada região geográfica há um Conselho Judicial, que supervisiona a administração das cortes da região conforme as decisões da Conferência Judicial...A responsabilidade do dia-a-dia da administração judicial fica a cargo das 94 cortes distritais...Cada corte distrital tem um juiz diretor do foro, que além de atuar nos processos, tem responsabilidade administrativas relacionadas às operações da corte.”


[9] Art. 5º., inc. XXXVIII, da CF.


[10] Art. 3º., Seção II, 3, da Constituição dos EUA.


[11] Muito propalada a ADR(Alternative Dispute Resolution), que é uma forma de solução de conflitos em procedimento prévio de conciliação, no qual o juiz realça, dentre outras vantagens, a ausência de custas e de perdedor, bem como abreviação do tempo do processo.


[12] A arbitragem difere da mediação na medida em que naquela o árbitro decide o conflito, ao passo que nesta o papel do mediador revela-se na habilidade em promover uma negociação.


[13] No processo penal, o acusado que não puder arcar com o patrocínio de um causídico será representado por defensor público ou mesmo advogado designado pelo juiz.

Juiz Federal. Especialista em Direito Constitucional(UFPI) e Mestre em Direito(UFPE).

Fonte: IBRAJUS

Construindo relações entre professores e alunos de Direito

Coluna Vladimir [Spacca]
Os cursos jurídicos foram criados no Brasil pela Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, instalando-se as duas primeiras Faculdades em São Paulo (SP) e Olinda (PE). Ensina José Reinaldo de Lima Lopes que “para a matrícula, exigia-se que os alunos tivessem no mínimo 15 anos de idade e soubessem francês, latim, retórica, filosofia (racional e moral) e geometria” (O Direito na História, Atlas, 3ª. ed., p. 316).

Carlos Guilherme Mota, discorrendo sobre a Faculdade do Largo de São Francisco, registra que “mais que estudos jurídicos, extremamente dispersos e por vezes muito antiquados, o encontro de jovens de diferentes regiões da ex-colônia, com problemas tão diversos, ampliava o sentido de nacionalidade, mesclado com sentimento antieescravista e, por vezes, federalista.” (Introdução geral para uma perspectiva histórica, in: Os juristas na formação do Estado-Nação Brasileiro, Saraiva, p. 37).
O ensino jurídico seguiu o modelo de Coimbra, com o método de exposição sistemática que perdura até hoje. Os professores “teriam os mesmos vencimentos dos desembargadores e mesmas honras” (Lima Lopes, op. cit., p. 316).
Nas duas Faculdades de Direito formaram-se pessoas que iriam ter um papel decisivo na vida nacional, como Pimenta Bueno, Teixeira de Fretas, Tobias Barreto, Cândido Mendes de Almeida e tantos outros. Delas saíram aqueles que ocuparam os cargos na magistratura do Império, abandonando suas origens e embrenhando-se em locais distantes e, por vezes, de difícil acesso. Um exemplo, Cláudio Rogoberto F. Santos, nascido (1852) e formado (1882) no Recife, que em 1889 assumiu o cargo de juiz municipal de Ponta Grossa, PR.
O Brasil passou por transformações históricas, República, Estado Novo, democracia, regime militar, democracia de novo e os cursos de Direito foram crescendo em números e assumindo diferentes características. É difícil saber, atualmente, a quantidade de cursos de Direito autorizados pelo MEC, uma vez que eles se multiplicam permanentemente. Em reportagem de 13 de outubro de 2010 afirmava-se, no Guia do Estudante, que eram 1.240 (http://guiadoestudante.abril.com.br/vestibular-enem/brasil-tem-mais-cursos-direito-todo-mundo-603836.shtml).
Eles estão espalhados por todo o território nacional, alguns em tradicionais Universidades, outros em pequenas Faculdades de Direito do interior. É impossível ter uma visão única sobre as relações entre professores e alunos. O que afirmarei parte de minha experiência pessoal e, com certeza, outros terão muito mais a dizer, a partir de suas vivências.
Começo por observar que não serão iguais os comportamentos de docentes e discentes de uma Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas e de uma que se situa em cidade distante dos grandes centros. Na primeira, os professores são bem remunerados, têm o título de doutor, e dos alunos se exige o pleno domínio do inglês, sendo o curso direcionado para relações econômicas internacionais. Na segunda, os alunos, provavelmente, tiveram formação menos rigorosa e a maioria dos professores são selecionados entre pessoas de destaque local, tendo boa parte tão somente curso de especialização.
Mas, de qualquer forma, um mínimo de semelhança, que se situa na base dos cursos, existe. E é por aí que se seguirão os comentários.
As relações entre docentes e discentes dos cursos de Direito vêm mudando nas últimas décadas. São muitas as diferenças entre os que ensinam e os que aprendem, ocorridas nos últimos 20 anos. Para ficarmos somente em algumas, vejamos: a) a adolescência é cada vez mais prolongada, existindo estudantes que, prestes a se formar, ainda são adolescentes; b) a hierarquia, em todos os níveis e formas de relacionamento, vem se tornando menos rígida e isto altera o relacionamento entre mestres e acadêmicos; c) os estudantes movem-se no mundo digital, preferem os sites aos livros, a imagem ao discurso e a ação à meditação; d) os estudantes têm maior dificuldade em expor suas ideias no papel, muitos escrevem de forma deficiente.
Parece-me equivocado atribuir aos jovens alunos desinteresse e despreparo. Na verdade, o que ocorre é que tudo mudou e não seria normal que os estudantes de Direito continuassem a agir da mesma forma. Se os que já passaram dos cinquenta anos voltassem à juventude, certamente se comportariam como os jovens de agora. Com pouca leitura e muitas tatuagens, iriam se adaptando à vida adulta e teriam as dificuldades próprias da fase de transição que atravessariam. E com uma dificuldade adicional, a falta de lideranças, pois maus exemplos se sucedem entre os que ocupam os mais importantes cargos da República (p. ex., uso de avião da FAB para atividades particulares, incluindo familiares).
Neste novo quadro, penso que o professor de Direito assume um papel de relevância que não se limita às aulas em classe. Vai além. Precisa ser um verdadeiro guia, alguém que desbrava e mostra os caminhos a seguir.
O primeiro passo deve ser alterar a exposição à moda antiga, com explanações longas e poucos debates. Os jovens foram criados em um mundo em movimento. Não é à toa que os filmes americanos de ação superam nas bilheterias os franceses, que obrigam o expectador a pensar e não se valem de cenas mirabolantes, como os carros em disparada. Portanto, a aula deve ser acompanhada da tecnologia, com exibições em power-point e vídeos, dando visibilidade às palavras.
Cabe ao professor tentar levar o aluno a participar. Não é fácil. A tendência é a timidez. Porém, se na discussão teórica for apresentado um caso real, por exemplo uma decisão judicial, a situação pode mudar. O interesse será maior. E o professor poderá formar grupos para discussão do conflito e depois chamar um representante de cada grupo para expor a conclusão. Esta será a oportunidade de ensinar a todos como falar em público, a entonação, a expressão corporal, a forma de expor, e tudo o mais que contribua para uma boa apresentação. Sempre lembrando que ali todos estão aprendendo e podem errar sem receio.
A exibição de um filme sobre tema polêmico também é uma boa técnica. Se em uma aula de criminalidade organizada o professor apresentar a película “Honorável Cadáver”, que conta a história do juiz Giovanni Falcone, morto pela Máfia em Palermo, Itália, seguindo-se debates, pode ter certeza de que seus alunos jamais esquecerão a matéria.
Convidar pessoas com experiência profissional prática para expor, informalmente, as suas experiências. Um advogado, promotor, defensor, poderão esclarecer muitas dúvidas e auxiliar os alunos na escolha do rumo a seguir. Recentemente, levei à sala de aula um jovem advogado que é campeão de triathlon, com vitórias no Haway. Foi uma excelente forma de mostrar que a profissão pode conviver com o esporte e que este a auxilia por ensinar disciplina.
Aplicar, ainda que alternadamente, aulas no estilo socrático, distribuindo-se previamente uma decisão judicial para ser lida e posteriormente discutira em classe. Como ensina Rômulo Sampaio “Nas universidades americanas o estudo do Direito é pautado pela análise de casos com a síntese dos fatos, as questões jurídicas levantadas e a conclusão” (http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=129). Para a discussão alguns alunos devem apresentar-se ou ser chamados e indicar seus pontos de vista, assim estimulando o debate.
Visitas são importantes. Evidentemente, serão horas de trabalho fora de classe e nem sempre remuneradas. Mas os alunos aprendem e gostam. Assistir a julgamentos, visitar espaços de memória judiciária ou mesmo museus, estes pelas noções de história que transmitem, auxiliam os alunos na formação da cultura geral e estreitam as relações entre eles e o professor.
Utilizar as redes sociais para uma comunicação direta e informal. Estar à disposição para esclarecer dúvidas, será uma demonstração de interesse que certamente será reconhecida pelos alunos. Evidentemente, dentro de limites de dias e horas, porque seria inviável o professor ficar disponível em caráter permanente.
Orientar sobre a vida profissional, transmitir noções de ética, de como conduzir-se em situações embaraçosas, como formar o currículo, a importância da cultura geral, tudo isto e muito mais , pode e deve ser passado em lições de vida que vão além da sala de aula.
Esta ajuda, ao fim das contas, é uma solidariedade intergeracional e tem que ser praticada sem que se espere recompensa, pois, caso contrário, não passará de uma solidariedade egoísta. Se o reconhecimento dos alunos vier, o que provavelmente ocorrerá, ótimo. E se não vier, ótimo também. O mais importante é saber que se tentou ajudar os estudantes a encontrarem o seu caminho e a percorrerem a trilha da melhor forma possível. É o quanto basta.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2013

Discursos na área jurídica têm regras próprias

O profissional do Direito é tido como alguém que gosta de falar. Esta concepção está presente no imaginário popular, muito embora nem sempre corresponda à realidade. Se amigos de infância se encontram, se no velório se pede que alguém faça uso da palavra, provavelmente o escolhido será um bacharel em Direito.

Todavia, os discursos jurídicos têm regras próprias a serem observadas. Nem sempre conhecidas, elas acabam sendo decisivas no sucesso do orador e geram reflexos na sua vida profissional. Regra geral, as pessoas identificam um bom advogado naqueles que se expressam bem, com facilidade.
O preparo do profissional do Direito para falar deve começar na faculdade. As aulas tradicionais, em que o professor fala e os alunos ouvem, estimulam a timidez. O professor deve incentivá-los a se expressarem. Por exemplo, passando um tema polêmico e chamando à frente os estudantes para discuti-lo, atribuindo-lhes um ponto na nota. No ato poderá fazer observações sobre o tom de voz, expressão corporal, uso das mãos, ajudando-os a superar os obstáculos. Ali é o local onde errar não é vergonha, todos estão aprendendo.
No passado, os discursos eram registros de uma época, retratavam a economia, a sociedade local, a forma de fazer Justiça e outros detalhes. Mostravam a erudição dos oradores e eram precedidos de aprofundada pesquisa. Um exemplo: Flávio Torres, em oração homenageando o desembargador Ferreira França, reproduz carta de Monteiro Lobato, então promotor de Justiça em Areias, no Vale do Paraíba paulista, na qual o escritor retrata a cidade que ele encontrou em 1907. “Vim ver se Areias existia e fiquei. Areias, Rangel! Isto dá um livro à Euclides (e, por falar, Euclides passou uns tempos aqui, ocupando exatamente o quarto que é meu). Areias, tipo de ex-cidade, de majestade decaída. A população hoje vive do que Areias foi” (TJ-SP, Páginas de sua história centenária, 1979, página 213).
Atualmente, os discursos são mais objetivos, informais e direitos. E todos passam por algumas regras básicas. A primeira elas é a de que um discurso ou uma sustentação oral devem ter uma sequência lógica. Saudação, introdução, meta e conclusão. Isto evita aquelas orações que vão e voltam aos mesmos aspectos, provocando sonolência geral. Vejamos na sequência.
A saudação dispensa a menção aos nomes de todos que representam isto ou aquilo, já nominados pelo cerimonial. Além de cansativo, perdem-se minutos preciosos e cria-se impaciência na plateia. Basta citar a autoridade mais importante e, a seguir, valer-se da clássica frase: “e demais autoridades já mencionadas”. Na introdução menciona-se qual o tema do discurso, o foco da manifestação (a inauguração de uma biblioteca, por exemplo).
Na meta aprofunda-se, relata-se, explica-se. Este é o momento de maior importância, em que o orador coloca toda a carga de suas ideias, convicções. Não precisa ser minucioso, como aqueles que ao saudar um juiz que ascende ao Tribunal de Justiça começam pela primeira comunhão do homenageado e vão até a data da posse como desembargador, obrigando todos a ouvir o extenso rol de comarcas onde ele atuou. É demais.
A conclusão é a etapa final. Deve ser simples, direta e conclamar a alguma atitude. Esta é a mensagem que ficará gravada na mente dos presentes. Por exemplo, um presidente de uma subseção da OAB pode encerrar o discurso chamando todos a lutar pela reivindicação mais importante de sua manifestação (como a criação da 2ª Vara da comarca, por exemplo).
Qual o tempo de um discurso? No passado, indeterminado. Não se tinha muito a fazer há 40 ou 50 anos. A vida seguia mansa, as pessoas encerravam o expediente às 18h, à noite se faziam visitas. Neste clima justificavam-se discursos que eram verdadeiras peças literárias, bons no fundo e na forma, ainda que às vezes exagerassem um pouco nas virtudes dos homenageados.
Atualmente, penso que devem ficar em torno de 20 minutos. Todos têm compromissos em excesso. Além disso, os mais jovens não estão habituados à comunicação oral, nasceram em contato com o mundo digital. Não é à toa que a internet transmite excelentes palestras no TED (www.ted.com) com a duração de 20 minutos. Com certeza, estudos precederam a fixação deste limite.
O que deve constar em um discurso? O que realmente importa?
No mundo atual seria impossível o orador descer a detalhes que exigem tempo e privacidade. O tempo é curto. Ainda assim, dependendo do local e do tipo de evento, é importante uma investigação prévia. Por exemplo, se o presidente de um Tribunal vai inaugurar uma vara no interior, é recomendável que saiba e fale um pouco da história do município e da região.
Uma pitada de literatura, uma passagem histórica, menção a passagem bíblica, tudo isto pode enriquecer a exposição. Naturalmente, desde que adequadas às circunstâncias de local, tempo, plateia e outros detalhes.
É essencial que o orador acredite no que fala. Isto dá consistência ao seu discurso, transmite-se de forma velada aos que o assistem. Da mesma forma, é importante limitar-se à razão do evento, não tendo sentido, em uma posse de delegados substitutos, o orador da turma aprofundar-se em considerações sobre a espionagem internacional, tema muito distante de suas futuras atividades.
O orador deve analisar a plateia, como pensam e agem aquelas pessoas. E também olhar para todos e não apenas para parte dela. Se ele mira apenas para o lado direito do auditório, os que estão do lado esquerdo se sentirão abandonados, não gostarão. Além disso, olhando a todos ele conseguirá manter por mais tempo a atenção.
Envolver-se com o público também é uma técnica moderna. A sociedade, em todos os níveis e locais, deseja maior participação. Assim, o orador atual pode interagir com a plateia, contando casos reais, mencionando o nome de alguém na assistência ou até fazendo uma pergunta. Esta última prática exige cautela, pois alguém pode, a pretexto de dar uma resposta, fazer um discurso paralelo.
A utilização do humor pode enriquecer o discurso, desde que feito de forma refinada e com habilidade. Piadas não devem vulgarizar o discurso a pretexto de alcançar-se informalidade. Humor agressivo ou pejorativo, nem pensar. Sintetizando, uma pitada de humor pode ser útil, mas isto nem sempre é fácil. Se o orador não tiver habilidade, melhor evitar.
A tecnologia pode auxiliar uma exposição. Passar lâminas em Power Point pode servir para que a mensagem seja transmitida com mais força. Por exemplo, uma homenagem a um aluno da Faculdade de Direito que se destacou e elevou o nome da entidade, pode começar com foto dele festejando o ingresso. Em um mundo que valoriza, cada vez mais, as imagens, não há porque recusá-las, muito embora seja necessário comedimento na exibição.
Emoções cabem em um discurso, porém com discrição. Nada há de errado em alguém que assume uma posição importante agradecer aos seus pais. Porém, é de mal gosto aproveitar o momento para mandar mensagens a todos os familiares, colegas, empregados e à avó, nominando um a um. Isto deve ficar restrito às relações privadas.
Finalmente, o tom de voz. Ninguém aguenta aquelas leituras monocórdicas, que falam no mesmo tom do fato mais banal ao mais glorioso, com absoluta falta de entusiasmo.
Estes e outros detalhes são essenciais para que alguém transmita suas ideias, seja em uma festividade informal, em uma solenidade ou até mesmo em uma sustentação oral em um Tribunal. Dominá-los pode fazer a diferença.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...