quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

CNJ RESTRINGE PARTICIPAÇÃO DE JUÍZES EM EVENTOS PATROCINADOS

O Conselho Nacional de Justiça aprovou, nesta terça-feira (19/2), resolução que disciplina a participação de magistrados em congressos, seminários e eventos culturais patrocinados por empresas. Pela norma, que entrará em vigor 60 dias após sua publicação, o magistrado só poderá participar na condição de palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa. Nessas condições, poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento.
A resolução do CNJ proíbe os magistrados de receber prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou privadas. Se o magistrado quiser participar de algum evento, deve arcar com os custos de hospedagem e deslocamento, a não ser nos casos em que a própria associação de classe custeie totalmente o evento.
Nos casos de eventos organizados por tribunais, conselhos de Justiça e escolas de magistratura, será permitido que empresas contribuam com até 30% dos custos totais do evento. Mas o tribunal, o conselho ou a escola responsável terá de remeter ao CNJ a documentação dos gastos com o evento.
O texto da resolução aprovada foi redigido pelos ministros Carlos Alberto Reis de Paula e Francisco Falcão — respectivamente conselheiro e corregedor nacional de Justiça — com base em proposta apresentada anteriormente pelo próprio ministro Falcão.
A resolução aprovada foi a possível, segundo o ministro Francisco Falcão. No texto anterior, ele propunha a proibição total de patrocínio aos eventos, mas aceitou estabelecer o limite de 30% para garantir a aprovação pelos conselheiros. “É um passo inicial. A resolução atende em parte aos anseios da sociedade”, afirmou.
Durante o debate, o conselheiro Silvio Rocha defendeu que os eventos patrocinados pelos órgãos do Poder Judiciário fossem custeados totalmente com verbas orçamentárias.
Os conselheiros Tourinho Neto e Ney Freitas, por sua vez, ponderaram que a proibição poderia prejudicar as associações e seus cursos e seminários destinados ao aperfeiçoamento dos magistrados. Ney Freitas lembrou que os tribunais não dispõem de verbas para o aperfeiçoamento de magistrados.
No julgamento, ficaram vencidos os conselheiros Tourinho Neto e Silvio Rocha e parcialmente vencidos os conselheiros José Lucio Munhoz e Vasi Werner. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Veja o texto da resolução:
RESOLUÇÃO Nº. 
Regulamenta a participação de magistrados em congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais, tendo em vista o decidido em Sessão Plenária de 19 de fevereiro de 2013; 
CONSIDERANDO que entre as vedações impostas aos magistrados está a de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (art. 95, parágrafo único, IV, da Constituição Federal); 
CONSIDERANDO que o Estatuto da Magistratura estabelece que dentre os deveres do magistrado está o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (art. 35, VIII, da LC 35/1979);
CONSIDERANDO que o artigo 103-B, § 4º, I, da Constituição Federal atribuiu ao Conselho Nacional de Justiça o dever de expedir atos regulamentares, nos limites de suas competências, e zelar pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura;
CONSIDERANDO que o artigo 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal atribui ao Conselho Nacional de Justiça o dever de zelar pela observância do artigo 37 do mesmo diploma constitucional;
CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer parâmetros para a participação de magistrados em eventos jurídicos e culturais, de modo a não comprometer a sua imparcialidade para decidir, em caso de subvenção por entidades privadas;
R E S O L V E:
Art. 1º - Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares realizados, promovidos ou apoiados pelos Conselhos da Justiça, Tribunais submetidos à fiscalização do Conselho Nacional de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura, estão subordinados aos princípios de legalidade, impessoalidade,  moralidade,  publicidade e eficiência, de forma que o conteúdo do evento, sua carga horária, a origem das receitas e o montante das despesas devem ser expostos de forma prévia e transparente.
Art. 2º -  Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares, quando promovidos por Tribunais, Conselhos de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura, com participação de magistrados, podem contar com subvenção de entidades privadas com fins lucrativos, desde que explicitado o montante do subsídio e que seja parcial, até o limite de 30% dos gastos totais.
Art. 3º - A documentação relativa  aos  congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares, quando realizados por órgãos da justiça submetidos ao Conselho Nacional de Justiça, inclusive as Escolas Oficiais da Magistratura, ficará à disposição do CNJ para controle bem como de qualquer interessado.       
Art. 4º - A participação de magistrados em encontros  jurídicos, esportivos ou culturais, quando promovidos ou subvencionados por entidades privadas com fins lucrativos, e com transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades, somente poderá se  dar na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou organizador.
Parágrafo único –  A restrição não se aplica aos eventos promovidos e custeados com recursos exclusivos das  associações de magistrados.
Art. 5º - Ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Art. 6º - Esta resolução entrará em vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação em sessão de julgamento pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça. 
Ministro Joaquim Barbosa
Presidente do CNJ
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2013

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 E A QUESTÃO DO ACESSO À JUSTIÇA







Ludmila Ribeiro


Bacharel em Direito (UFMG). Administradora Pública e Mestre em Gestão de Políticas Sociais pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Doutoranda em Sociologia (IUPERJ). Pesquisadora Associada do Center for Latin America Studies da Universidade da Flórida. Consultora do Viva Rio na área de Segurança Pública Municipal


Endereço para correspondência





RESUMO


A proposta deste artigo é discutir em que medida a Emenda Constitucional 45 pode (ou não) alterar o cenário atual de acesso à justiça através da alteração de algumas normas relativas ao funcionamento do judiciário brasileiro. Este estudo se insere na seara denominada "direito e segurança jurídica" na medida em que pretende verificar de que forma alterações legais podem o escopo e o tipo de acesso que a população possui ao judiciário. Para tanto, além de uma revisão sobre o processo de constituição e reforma do sistema judiciário brasileiro, sobre os pressupostos teóricos da questão do acesso à justiça, este artigo revisou outras pesquisas nacionais sobre cada um dos temas escolhidos para esta abordagem no âmbito dessa emenda. As conclusões apontam para o fato de que várias das mudanças previstas pela EC/45 poderiam ser materializadas pelo simples cumprimento da legislação extraordinária já existente. Nesse sentido, a grande alteração instituída pela Emenda 45 foi a constituição do Conselho Nacional de Justiça como órgão destinado a avaliar o trabalho das cortes estaduais de justiça.


Palavras-chave: Emenda Constitucional 45; análise institucional; acesso à justiça; reforma judicial






ABSTRACT


This article analysis the 45th Amendment to the Brazilian Constitution, focusing on the possibilities that this rule has in enlarge the access to the justice in this country. This study is related to the area "right and legal security" because it is going to verify if this lawful alteration is able to improve the access that the people has to the Brazilian judiciary. Therefore, beyond a revision about the Constitution and reforms of the Brazilian Judicial System and the theoretical framework related to the access to the justice, this article overhauled other researches about the routine and organizational structure of the judiciary state courts. The results aim that, despite the 45th Constitutional Amendment intends to changes the judiciary system as a role; some of its disposition those could be done through the fulfillment of the existing extraordinary legislation. Therefore, the National Council of Justice appears to be the major transformation in that scenario.


Keywords: Constitutional Amendment 45; institutional analysis; access to justice; judicial reform










INTRODUÇÃO


Na atualidade, boa parte das discussões a respeito da legitimidade do Poder Judiciário como instrumento de pacificação dos conflitos sociais diz respeito ao acesso que a população tem ao mesmo. Parte-se do pressuposto de que, se a população não possuir mecanismos efetivos de acesso à justiça, a resolução das controvérsias existentes na sociedade ocorrerá no âmbito privado. Entre os principais entraves ao acesso da população à justiça destacam-se a excessiva duração dos processos, a complexidade dos procedimentos judiciais e a falta de transparência na prestação jurisdicional.


A Emenda Constitucional 45 pode ser entendida, nesse cenário, como um diploma legal promulgado com o objetivo de resolver os três problemas apresentados supra, entendidos como as mais importantes limitações na questão do acesso à justiça. Para uma melhor compreensão das principais alterações que esse diploma institui e os principais problemas que ela pretende solucionar (VER QUADRO 1).1


Tendo como ponto de partida o arcabouço sumarizado no Quadro 1, que apresenta os problemas contextuais do acesso à justiça e as mudanças institucionais que a EC/45 estabelece, o argumento a ser desenvolvido neste artigo é: "Em que medida a instituição das alterações organizacionais sumarizadas na coluna 2 [Instituto da EC 45 que procura resolvê-lo] do quadro em questão, no âmbito do poder judiciário, podem aumentar o acesso que os cidadãos brasileiros têm à justiça?".


Nesses termos, como a lei estabelece certos mecanismos e estabelece ainda um órgão responsável pelo acompanhamento de tais mecanismos, a proposta aqui é verificar em que medida esse sistema de pesos e contrapesos proposto pela Emenda Constitucional 45 pôde ser institucionalizado na realidade dos Tribunais Estaduais e em que medida ele tem permitido a ampliação do acesso à justiça.


Para tanto, o termo acesso à justiça será, no âmbito deste artigo, entendido como a possibilidade de todos os cidadãos não apenas recorrerem ao poder judiciário para buscar uma solução institucional dos seus conflitos como ainda a possibilidade de terem o seu conflito resolvido pelo judiciário no menor espaço de tempo e com o menor custo social (Junqueira, 1996). Ou seja, não se pretende aqui avaliar a eficácia ou efetividade das reformas introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45, porque o tempo transcorrido entre a sua publicação e o cenário atual ainda é bastante restrito (apenas dois anos). O objetivo é discutir a sua capacidade em de fato alterar a realidade cotidiana dos tribunais estaduais e, com isso, introduzir de fato uma mudança no cenário institucional do judiciário capaz de ampliar o aceso à justiça.


Na tentativa de responder à questão que orienta essa reflexão, este artigo encontra- se dividido em quatro seções: na primeira são apresentados os traços característicos do sistema judicial brasileiro, fundamental para a compreensão de qualquer reforma que tenha como proposta alterar as bases de sustentação do funcionamento institucional do Poder Judiciário. Em seguida, são discutidas as definições de acesso à justiça, conceito que a EC 45/04 pretende materializar por meio da alteração de princípios constitucionais. Na terceira parte do trabalho cada uma das alterações é objeto de considerações detalhadas que visam analisar em que medida essas mudanças se fazem viáveis ou não na realidade do judiciário brasileiro. Por fim, são apontadas tanto as novas possibilidades como os limites para a ampliação efetiva do acesso da população ao Poder Judiciário (ou "à justiça").






O artigo completo pode ser visualizado no seguinte endereço:






http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v4n2/a06v4n2.pdf



POR UMA POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA




Por Virgínia Feix






RESUMO


O ARTIGO defende a criação de uma política pública nacional de acesso à justiça pela parceria Estado e sociedade civil, visando a enfrentar o déficit de cidadania resultante da falta de informação e de consciência da condição de sujeitos de direitos pela maior parte da população. A proposta busca superar as limitações decorrentes de três características do Estado liberal que contribuíram para o não reconhecimento da diversidade social, que é condição necessária para implementação dos direitos humanos de todos(a) por um Estado ético: a igualdade formal, a democracia representativa fundada na regra da maioria e a dicotomia entre o Direito Público e Privado.


ABSTRACT


This article supports the formulation of a national public policy for the access to justice based on the state and civil society partnership, aiming to face the existent citizenship deficit related to the lack of information and consciousness of the entitlement of rights by the majority of our population. The proposal's objective is to overcome the limitations resulted of three institutions of the liberal state that influenced on avoiding the recognition of social diversity, which is a necessary condition for the implementation of everyone's rights by an ethic state: the formal equality, the representative democracy based at the majority rule and the dichotomy between public and private law.










DIANTE DA INEGÁVEL exclusão de grande parte da população brasileira à garantia de direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais, fica claro de que não basta uma reforma na estrutura do Estado e do Poder Judiciário e que, se quisermos atingir além da estrutura do sistema de administração de justiça, deveremos compreender o sistema legal a partir de três pilares de sustentação: o conteúdo do Direito, a estrutura do Direito e a cultura do Direito, o que só será possível num sistema em que o Direito não seja monopólio do Estado.


Consideramos que a resistente superação do Estado liberal e a conseqüente passagem para um Estado ético1depende de uma nova concepção de sua relação com a sociedade. Esta relação tem na idéia da democracia deliberativa e na participação da sociedade civil, na construção e aplicação do Direito, suas principais aliadas, já que a idéia de crise de legitimidade do Estado liberal e sua incapacidade de reconhecer a diversidade social e cultural foi fortemente influenciada pela limitação da democracia representativa. Nesse sentido, a instituição de uma política pública nacional de acesso à justiça com a criação da figura do Agente Comunitário de Justiça, através da parceria Estado e sociedade civil, será um eficiente mecanismo de enfrentamento do déficit de cidadania existente em nosso país, porque capaz de enfrentar as nefastas conseqüências em relação à implementação dos direitos humanos de todos(as), produzidas pelas características do Estado liberal:


Primeiro pela promoção da especificação dos sujeitos de direitos. As ONGs são importantes instrumentos de mediação entre a sociedade civil e o Estado, possibilitando a inserção da pluralidade dos interesses sociais na ação Estatal, funcionando como representações das diversas noções de bem existentes na sociedade, condição necessária para a deliberação coletiva sobre o sentido de bem comum. Característica que não é possível aos partidos políticos que, pela própria natureza, elaboram projetos globais para a sociedade. Isto ocorre de acordo com um correspondente pressuposto teórico de que a atuação das ONGs promove o processo de especificação do sujeito de direitos e a superação da limitação do princípio da igualdade formal, bem como a desconstrução do mito de que todos são iguais perante a lei, quando novos direitos são nominados, novos mecanismos de implementação e garantia são estabelecidos e novos sujeitos de direitos são formalmente reconhecidos na cena política. Esta situação se dá em ações de advocacy no plano do conteúdo do Direito quando as ONGs participam na elaboração de propostas de novas leis ou alterações de leis já existentes, no planos nacional e internacional.


Segundo, pela promoção da participação social na formulação e aplicação do Direito. As ONGs como agentes na cena política e como importantes instrumentos de mediação entre a sociedade civil e o Estado ajudam a corrigir as limitações da democracia representativa e a promover maior participação da sociedade na formulação e implementação das leis e políticas públicas destinadas a garantir direitos, combatendo o déficit de cidadania e promovendo a justiça social. Esta afirmação funda-se na idéia de que as ONGs, ao serem protagonistas do processo de criação e aplicação do Direito, enfrentam a limitação da regra da maioria e a concepção normativista do Direito, constituindo-se em importante fator na construção da legitimidade do Estado Democrático de Direito. A nosso ver, a crise da legitimidade racional que resultaria, ao menos em parte, da utilização da regra da maioria, tem na ação das ONGs um importante canal de superação. Essa superação ocorre quando a atuação desses agentes sociais desafia a lógica da vontade da maioria, voluntarista, expressa a cada quatro anos, sobrepondo a lógica da deliberação2, racionalista, construída e reformulada no cotidiano das relações entre o Estado e a sociedade. Relações estas que ocorrem nos diversos espaços públicos e mecanismos de participação que acabam por afirmar uma visão institucionalista do Direito, em detrimento da concepção normativista. Esta situação se dá pela ações de advocacy no plano da estrutura do Direito, quando as ONGs participam dos conselhos, fóruns, comissões parlamentares, ou conferências que formulam políticas publicas; ou quando propõem Ações Judiciais individuais ou coletivas no plano nacional e internacional, buscando na própria aplicação do Direito os meios para avançar no reconhecimento de direitos e seus titulares.


Terceiro, pela promoção de uma concepção sistemática do Direito que supere a dicotomia entre o Direito Público e o Privado. As ONGs, ao fazer uso político do Direito para o desenvolvimento de sua missão, promovem a superação da rígida dicotomia entre o Direito Público e o Privado, contribuindo para a afirmação de uma concepção pluralista, não normativista e sistemática do Direito. Nesta nova cultura, não existe o reino da política representado pelo Estado de um lado, e o reino da economia representado pelo mercado de outro. As ONGs, ao disputarem diferentes concepções de bem existentes na sociedade, utilizam politicamente o Direito concebendo-o como um sistema dinâmico e aberto, composto por princípios, regras e valores axiologicamente hierarquizados, com vistas a promover os objetivos justificadores do Estado Democrático de Direito (Freitas, 2002). Esta situação é promovida no plano da cultura do Direito, quando as ONGs utilizam-se de processos educacionais para sensibilização de diferentes públicos através de seminários, cursos, oficinas, feiras, publicações especializadas e, principalmente, da mídia como instrumento de divulgação e promoção de valores e diferentes concepções de Direito, por elas representados.


Resumindo, destes três pontos de vista, as ONGs constituem-se em agentes de mediação entre a sociedade e o Estado, ao contribuir para:






• a definição e positivação de direitos (atuação no plano do conteúdo do Direito);




• a garantia e efetivação de direitos (atuação no plano da estrutura do Direito);


• o reconhecimento dos direitos (atuação no plano da cultura do Direito), promovendo legitimidade na ação estatal e justiça social e política.








A Themis, as Promotoras Legais Populares e o Agente Comunitário de Justiça


Durante dez anos a Themis vem desenvolvendo o programa de formação de Promotoras Legais Populares (PLPs), já reconhecido nacional e internacionalmente, que se constitui numa política pública não estatal de acesso à justiça pelas mulheres oriundas das camadas populares. Sendo a Themis uma ONG feminista, as promotoras são capacitadas para atuar em questões que envolvem a defesa, a promoção e a prevenção de violação dos direitos das mulheres nas comunidades. Em Porto Alegre, foram capacitadas cerca de 250 mulheres, e no Estado do Rio Grande do Sul, através de parceria com outras onze entidades, com atuação em outros quatorze municípios, foi implantada a Rede Estadual de Justiça e Gênero que capacitou mais de oitocentos PLPs, desde 2002. Em outras duas multiplicações nacionais da metodologia de capacitação legal, 1999 e 2003, a Themis treinou trinta entidades de todas as regiões do país, que, segundo se tem notícia, capacitaram aproximadamente mil pessoas.


Depois de capacitadas, as PLPs passam a atuar voluntariamente em suas comunidades, organizadas no SIM (Serviço de Informação à Mulher), cuja sede se localiza junto a algum órgão ou serviço público ou comunitário (escolas, postos de saúde, Brigada Militar, Centros Administrativos Regionais da Prefeitura, associações de bairro etc.). Suas atividades expressam uma concepção de proteção integral dos direitos humanos, como tem sido proposto no projeto de Sistema Nacional de Direitos Humanos, apresentado pelo Movimento Nacional de direitos Humanos (MNDH). Na defesa, as promotoras atuam em plantões semanais, onde oferecem informações sobre direitos e questões básicas de cidadania, como documentação e encaminhamento para os serviços disponíveis da rede pública e privada. Na perspectiva da prevenção de novas violações, as PLPs desenvolvem ações de educação comunitária em parceria com escolas, postos de saúde, igrejas e conselhos tutelares ou realizam campanhas e feiras para esclarecimentos sobre temas como violência doméstica, direitos sexuais e reprodutivos/planejamento familiar, entre outros. Quanto à perspectiva da promoção, as PLPs desenvolvem ações de representação do projeto em defesa dos direitos das mulheres, nas diversas instâncias e através dos diversos mecanismos de participação social e política existentes.


A proposta de uma política pública de Agentes Comunitários de Justiça pretende superar o ideal moderno de um Estado neutro em termos de projeto de vida boa para a sociedade, pela promoção do processo de especificação do sujeito de direitos calcada na participação social, ou seja, no pluralismo social como condição de reconhecimento do pluralismo jurídico.


Nesse sentido, nossa proposta é a de que outras organizações defensoras de direitos humanos de outros segmentos como homossexuais, crianças e adolescentes, negros e índios, portadores de deficiência, portadores de HIV, meio ambiente, entre outros, venham a ser treinadas em metodologia de capacitação legal, como a desenvolvida e sistematizada pela Themis. O objetivo é que sejam sensibilizadas para entender a dimensão do uso político do Direito para transformação da sociedade (a partir do conceito de advocacy3 e dos três componentes do sistema legal: conteúdo, estrutura e cultura do Direito) e venham a capacitar seus próprios Agentes Comunitários(as) de Justiça. Os agentes serão capacitados para atuarem na base da sociedade contra o déficit de cidadania e proteção integral dos direitos humanos em atividades de defesa, prevenção e promoção que estimulem a consciência do direito a ter direitos, bem como a visibilidade, o encaminhamento e a reparação das violações, inclusive junto aos sistemas regional e internacional de proteção aos Direitos Humanos. As organizações da sociedade civil que capacitarão seus agentes para atuar na defesa, promoção e prevenção de violação de direitos, na perspectiva da implementação e da garantia de direitos de todos(as), funcionarão como esferas distributivas de justiça4, a partir da disputa de valores e interesses que representam.


A proposta de desenho institucional da referida política pública ainda é incipiente e está sendo formulada por uma comissão nacional formada por entidades das cinco regiões do país (Themis/RS; União de Mulheres de São Paulo/SP; Coletivo de Mulheres Negras/MS, Centro da Mulher 8 de Março/PE e Rede Acreana de Mulheres e Homens/AC) e tem na figura do Agente Comunitário de Saúde sua maior inspiração. Entretanto, avança em relação àquela política pública que funciona na base do Sistema Único de Saúde, porque não reproduz o modelo dicotômico do Estado liberal, reconhecendo o papel das ONGs na formulação e co-gestão de políticas públicas. Entendemos que deva ser uma política pública do Estado (através dos Poderes Executivo e Judiciário) em parceria com a sociedade civil, que receberá recursos financeiros para formação, contratação e coordenação do trabalho dos(as) agentes, de modo a enfrentar os verdadeiros problemas da administração de justiça em nosso país, não identificados no projeto e discussão sobre a Reforma do Judiciário. Não descartamos a possibilidade de que os recursos financeiros possam ser originados de parcerias com a iniciativa privada, tendo em vista a crescente conscientização de seu papel e responsabilidade social quanto ao financiamento de uma nova concepção de desenvolvimento, cujo eixo venha a ser o ser humano, e não simplesmente o crescimento econômico.


A ousadia da proposta encontra-se na exigência de um novo olhar sobre o ser humano e sobre o Estado, a partir de uma concepção de Direito capaz de fundamentar e promover este em razão daquele. A perspectiva é a da superação do individualismo e do paradigma dicotômico liberal Estado/política/público e sociedade/economia/privado, ainda impregnado em nossos corações e mentes, apesar de já estarmos sob a égide de um novo modelo, instituído a partir da Constituição de 1988.


A perspectiva é entender o novo papel de cooperação entre cada um dos atores, públicos e privados, nesta nova ordem. A Constituição, como é sabido, ao descrever os objetivos da república brasileira, o faz utilizando disposições normativas cheias de verbos no infinitivo "construir uma sociedade mais justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades, promover o bem de todos sem preconceitos e discriminação", oferecendo a exata dimensão de um processo permanente de construção e da inegável e obrigatória participação das instituições do Estado, da sociedade e do mercado, em cooperação, para se chegar aos sonhados resultados.






Notas


1 A expressão Estado ético é utilizada no sentido hegeliano, que o concebe como instituição reguladora das relações sociais que se propõe a administrar as diferenças e as várias concepções de bem existentes na sociedade. Sobre o Estado ético ver Thadeu Weber em Ética e Filosofia Política - Hegel e o Formalismo Kantiano, Porto Alegre, Epicurs, 1999. [ Links ]


2 Sobre democracia deliberativa e a conseqüente visão institucionalista do Direito, ver Luis Fernando Barzotto emA Democracia na Constituição, São Leopoldo, Unisinos, 2003. [ Links ]


3 Utilizamos a expressão advocacy para não confundir com "advocacia" em português, definido como um processo de natureza política, de iniciativa da sociedade civil que tem por objetivo a transformação da realidade social pela solução de um determinado problema, através de medidas jurídicas e políticas. A esta expressão associamos também a idéia de uso político do Direito. Sobre o conceito de advocacy ver Margaret Schuler em Women's Human Rights: Step by Step.


4 A justiça não paira acima das instituições sociais concretas. Os bens sociais que são matéria de justiça distributiva (dinheiro, honras, cargos etc.) possuem significados sociais que determinam seus princípios de distribuição. Sobre o papel das diferentes esferas de distribuição de justiça ver Michael Walzer em Spheres of Justice: A Defense of Pluralism and Equality, New Jersey, Basics Books, 1993. [ Links ]










Texto recebido e aceito para publicação em 14 de julho de 2004.











Virgínia Feix é advogada, especialista em Sociologia Jurídica e Direitos Humanos pela Unisinos (1997), mestre em Direito pela PUC-RS (2004) e coordenadora executiva da Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, desde 1999.




Texto extraído da dissertação de Mestrado da autora A contribuição das ONGs para implementação dos direitos humanos, promoção de justiça social e aprofundamento da democracia, apresentada no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da PUC-RS, 2004.






Disponível em: FEIX, Virgínia. Por uma política pública nacional de acesso à Justiça. Estud. av. [online]. 2004, vol.18, n.51, pp. 219-224. ISSN 0103-4014.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

DIÁLOGO DAS FONTES NO CDC PROTEGE CONSUMIDOR


A reforma do Código de Defesa do Consumidor está tramitando no Senado Federal, e se debruça sobre três temáticas: (i) disposições gerais e comércio eletrônico (PLS 281/2012); (ii) ações coletivas (PLS 282/2012) e (iii) superendividamento (PLS 283/2012). Nesta oportunidade, trago aos leitores breves comentários sobre os principais aspectos da atualização do CDC no que se refere às disposições gerais e o comércio eletrônico.
Da leitura do PLS 281/2012, o primeiro aspecto que chama a atenção diz respeito à expressa utilização da teoria do diálogo das fontes, a qual foi trazida ao Brasil pela professora gaúcha e integrante da comissão de reforma do CDC, Cláudia Lima Marques, e que se baseia nos estudos do professor alemão Erik Jayme. No texto apresentado ao Senado, a tese do diálogo das fontes está presente em quatro dispositivos, os quais prevêem a aplicação da norma mais favorável ao consumidor na solução dos conflitos de consumo. Vejamos cada um deles:
“Art. 1º ......................................................................
Parágrafo único. As normas e os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor. (NR)”
“Art. 5° ..........................................................................
VII – a interpretação e a integração das normas e negócios jurídicos da maneira mais favorável ao consumidor.
“Art. 7º ...........................................................................
§ 1º ..................................................................................
§ 2º Aplica-se ao consumidor a norma mais favorável ao exercício de seus direitos e pretensões. (NR)”
“Art. 101 ........................................................................
Parágrafo único. Aos conflitos decorrentes do fornecimento a distância internacional, aplica-se a lei do domicílio do consumidor, ou a norma estatal escolhida pelas partes, desde que mais favorável ao consumidor, assegurando igualmente o seu acesso à Justiça. (NR)”
O diálogo das fontes há muito vem sendo efetivamente utilizado pela jurisprudência pátria para solucionar as lides de consumo, uma vez que sempre se mostrou afinado com a mentalidade da legislação protetiva do consumidor. Em apertada síntese, a técnica destina-se a escolher, entre duas ou mais fontes legislativas, aquela que se mostre mais adequada a proporcionar a defesa desse sujeito vulnerável.
Passando ao âmbito do comércio eletrônico, a matéria ocupará uma seção específica no código (Seção VII), prevendo que o fornecimento de produtos e serviços no ambiente virtual deverá ser desenvolvido observando três aspectos principais: (i) segurança nas transações; (ii) respeito à autodeterminação do consumidor e (iii) respeito à privacidade do consumidor. É o que prevê o caput do vindouro artigo 45-A, assim redigido:
“Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais”.

Segundo estatísticas recentes, o comércio eletrônico movimentou cerca R$ 30 bilhões no Brasil, sendo que esse número tende a aumentar, o que motivou o legislador a dar tratamento específico à matéria, já que há 22 anos, quando o CDC passou a integrar a ordem jurídica nacional, esse tipo de comércio sequer existia, sendo hoje um dos meios mais utilizados pelo consumidor.
No que diz respeito à segurança nas transações, é verdade que o comércio virtual trouxe conforto e comodidade a empresários e, principalmente, aos consumidores, que, no caso de aquisição de produtos, podem satisfazer suas necessidades de consumo sem enfrentar os transtornos envolvendo o deslocamento até o estabelecimento comercial, bastando que selecione os bens que melhor lhe atendam, através de um simples click no mouse. No caso de contratação de serviços, procede-se da mesma forma, bastando que o consumidor manifeste sua vontade de contratar, restando somente a fruição do serviço após a concretização do negócio.
No entanto, se é correto afirmar a existência de inúmeras vantagens a ambas as partes da relação de consumo nesse modelo negocial, não menos verdadeira é a afirmação de que sérias fraudes ocorrem em razão dessa prática, dadas as fragilidades que caracterizam a contratação à distância, especialmente no ambiente da internet, comprometendo sobremaneira a segurança nas transações.
De sua sorte, a proteção à autodeterminação do consumidor visa combater os abusos praticados pelo fornecedor na oferta de produtos e serviços. Sobre o tema, tivemos a oportunidade de tecer alguns comentários sobre o PLS 439/2011, também destinado a promover alterações no CDC, estatuindo normas a serem observadas pelo fornecedor no âmbito do comércio eletrônico. Em nosso texto destacamos:
“As vendas fora do estabelecimento comercial são consideradas extremamente agressivas pelos estudiosos do Direito do Consumidor, uma vez que fornecedores que exercem a empresa fora do estabelecimento acabam por gerar uma concorrência desleal, pois não incorrem nos mesmos ônus que incidem sobre os comerciantes tradicionais (encargos trabalhistas e fiscais), e assim tem condições de praticar preços bem mais baixos. Contudo, o mais importante nem é isso. A principal crítica feita sobre as vendas fora do estabelecimento é no sentido de que essa prática tira o consumidor de seu estado natural, que é o de não contratar” (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2012/06/14/pls-4392011-ofertas-comerciais-por-telefone-ou-meios-eletronicos-podem-ser-proibidas/).

Dentre as principais práticas consideradas invasivas pelo consumidor está o que conhecemos comumente como spam, que consiste no envio acintoso de mensagens publicitárias, principalmente via e-mail, fazendo com que a caixa de mensagens eletrônicas do consumidor fique abarrotada de ofertas de produtos e serviços que ele sequer sabe que existiam. No que diz respeito ao PLS 281, a vedação de spams consta do artigo 45-E e seus incisos. Vejamos:
“Art. 45-E. É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que:
I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la;
II - esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; ou
III - tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la”.
No tocante à privacidade do consumidor, o mesmo dispositivo prevê em seu parágrafo 2º, II, que ao lhe enviar a mensagem, o fornecedor deve informá-lo o modo como obteve seus dados. Sobre isso, recentemente foi noticiado na internet que o microblog Twitter vendeu informações de seus usuários a duas empresas de marketing online, o que por si só já demonstra o quanto o indivíduo está exposto no ambiente virtual (http://blogs.estadao.com.br/jt-seu-bolso/twitter-vende-dados-de-seus-usuarios/). Ao que nos parece, o CDC pretende vedar essa prática, sem que haja autorização expressa do consumidor, prevendo no prágrafo 5º, II, do mesmo dispositivo:
“§ 5º É também vedado:
(...)
II- veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais.”
Além disso, a conduta acima descrita será também tipificada como crime, segundo idêntica redação do artigo 72-A do código, punida com “reclusão de um a quatro anos e multa”.
Adiante, o projeto traz inovações no que diz respeito ao exercício do direito de arrependimento conferido ao consumidor nas contratações à distância. O texto esclarece que, para fins de proteção do consumidor, será equiparada à contratação à distância aquela que, mesmo realizada dentro do estabelecimento do fornecedor, não for capaz de possibilitar ao consumidor o contato direto com o produto ou serviço. É o que prevê o parágrafo 3º do artigo 49, cujo caput foi alterado:
“Art. 49. O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta ou do recebimento ou disponibilidade do produto ou serviço, o que ocorrer por último.
(...)
§ 3º Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo.
A regra acima é coerente com o sistema protetivo consumerista, uma vez que, não tendo o consumidor a oportunidade de exercer contato físico com o produto ou serviço, de modo a verificar suas características, se o bem de consumo atende às suas expectativas etc., poderá desistir da contratação dentro do chamado prazo de reflexão, que é de sete dias. Quanto a esse ponto, indaga-se se não seria melhor o código seguir a diretriz européia, estatuindo prazo maior, que seria de 14 dias, consoante proposta discutida no Parlamento Europeu na Seção Plenária realizada em março deste ano, em Bruxelas — Bélgica.
No campo sancionatório, caso o fornecedor descumpra os deveres que lhes serão impostos, caso o texto do projeto seja aprovado, poderá sofrer sanções de ordem civil, administrativa e penal. Dentre as sanções de ordem administrativa, está prevista a suspensão temporária ou proibição de oferta e de comércio eletrônico (artigo 56, inciso XIII). Contudo, o projeto vai além, prevendo no artigo 59 que o descumprimento da pena de suspensão poderá acarretar em sanção ainda mais severa ao fornecedor, a ser aplicada pelo Poder Judiciário, a pedido da autoridade administrativa ou do MP, consistentes na suspensão dos pagamentos e transferências financeiras ou até mesmo o bloqueio das contas bancárias do fornecedor atuante no comércio eletrônico.
Concluindo, os projetos são bastante prolixos, motivo pelo qual procurei destacar os aspectos mais relevantes da reforma do código, no que diz respeito ao comércio eletrônico, de modo a fornecer ao leitor uma visão sistêmica.
Vitor Guglinski é advogado, especialista em Direito do Consumidor. Foi assessor do juiz da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG (2006-2010).
Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2012

REFORMA DO CDC DÁ PRIORIDADE A AÇÕES COLETIVAS


O Projeto de Lei do Senado 282/2012 trata da reforma do Código de Defesa do Consumidor, no que se refere às ações coletivas para a proteção dos interesses ou direitos de qualquer natureza no universo das relações de consumo.
Em meio a tantas novidades previstas para a atualização do CDC nesse ponto, dentro da proposta deste breve estudo, cuidaremos de traçar um panorama geral sobre os principais aspectos da norma, de modo a fornecer ao leitor uma visão geral do sistema.
Pois bem, o primeiro ponto que nos chama a atenção versa sobre o parágrafo 3º que se pretende acrescentar ao artigo 81 do CDC, cuja redação estabelece a prioridade de processamento e julgamento das ações coletivas de consumo. Em razão da importância que assume, ressalvadas a ação popular e aquelas cujo objeto possuir caráter alimentar, é com bons olhos que vemos a novidade, que tem por objetivo prevenir a multiplicidade de demandas com idêntico objeto, desafogar o Judiciário e, consequentemente, valorizar a economia, celeridade e efetividade do processo. No âmbito recursal, também haverá prioridade das ações coletivas, mas em relação a ações individuais, inclusive no sistema de recursos repetitivos (artigo 104-A).
Fugiria à sensatez dispensar tratamento individual a situações geradas por uma sociedade de consumo de massas. Da mesma forma, as questões levadas à apreciação do Judiciário devem receber tratamento massivo diante da permissão do ordenamento jurídico pátrio, em homenagem à dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, não havendo maior respeito à democracia do que tratar o mesmo fato de maneira uniforme.
Adiante, o projeto pretende acrescentar um quinto inciso ao artigo 82, conferindo, expressamente, legitimidade ativa à Defensoria Pública para a defesa coletiva dos consumidores. A esse respeito, há alguns anos tivemos a oportunidade de escrever o artigo intitulado “Da Legitimidade Ativa da Defensoria Pública para a Defesa Coletiva dos Consumidores” (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2011/11/19/da-legitimidade-ativa-da-defensoria-publica-para-a-defesa-coletiva-dos-consumidores/). No campo legislativo, no ano de 2002 o estado do Rio Grande do Sul editou a Lei 11.795/02, tratando especificamente sobre o tema. Algum tempo depois, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 555.111/RJ, teve a oportunidade de julgar a matéria, afirmando a legitimidade da Defensoria Pública para ações dessa natureza.
Posteriormente, foi a vez da Lei 7.347/85 acrescentá-la ao rol de legitimados para a promoção de Ação Civil Pública (artigo 5º, II). Finalmente, chega a vez do CDC incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para o ajuizamento de ações coletivas em prol do consumidor, ampliando a rede protetiva desse sujeito vulnerável.
No campo procedimental, a atualização legislativa traz no artigo 90-A regras de suma importância e funcionalidade, dispondo sobre os poderes do juiz na condução da ação coletiva. As que nos chamam mais atenção dizem respeito à possibilidade de o juiz dilatar os prazos processuais (inciso I) e alterar a ordem da produção dos meios de prova (inciso II), com o objetivo de conferir maior efetividade à tutela pretendida, atendidas as especificidades do caso concreto.
Adiante, de modo a estimular a desjudicialização dos conflitos de consumo, o artigo 90-B prevê a designação de audiência de conciliação, caso haja requerimento de medida de urgência, ato que será conduzido por mediador ou conciliador judicial, sendo que a ausência das partes traz consequências bem distintas para as partes. Havendo ausência da parte autora, o Ministério Público assumirá a causa (parágrafo 2º). Semelhante previsão já constava do artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei 7.347/85, a qual, contudo, permite que outros legitimados assumam a titularidade ativa (entes federativos, Defensoria Pública ou autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista). No caso do CDC, a previsão contida no texto da reforma alcança somente o MP. No caso de ausência injustificada da parte ré ou de seu procurador, há um gravame: o não comparecimento para a audiência de conciliação será considerada ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de 2% do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada, sendo que tal numerário será revertido aos Fundos nacional, distrital ou estaduais de Direitos Difusos (não há previsão de Fundo municipal).
Ainda sobre a conciliação, outra previsão interessantíssima consta do parágrafo 7º do mesmo artigo, qual seja, a possibilidade de audiência de conciliação no âmbito dos tribunais e turmas recursais, já que o dispositivo diz que “o juiz ou o relator poderá tentar a conciliação em qualquer tempo e grau de jurisdição”. A nosso juízo, é medida bastante inovadora, já que, tradicionalmente, não há audiências em tribunais ou turmas recursais. Amplia-se, desse modo, o alcance da regra inserta no artigo 125, IV, do CPC.
Seguindo, consta do projeto outra inovação importante, que diz respeito às ações de reparação de danos, diretamente relacionada ao princípio da boa-fé objetiva. Trata-se da disposição contida no inciso II do artigo 90-G, consistente na adoção de medidas objetivando minimizar ou evitar a repetição da lesão, independentemente de pedido da parte autora. Essa previsão relaciona-se com a tese do duty to mitigate the loss, cuja literalidade traduz-se “dever de mitigar a perda”, e possui lastro no artigo 77 da Convenção de Viena de 1980. No direito doméstico, o duty to mitigate the loss encontra amparo tanto na doutrina (Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil) quanto na jurisprudência (STJ, REsp. 758518 / PR, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 28/06/2010). Da regra, pode-se extrair duas finalidades: uma de caráter reparatório, estatuindo um dever jurídico para o ofensor, consistente na tomada de ações para que o prejuízo suportado pelo lesado seja de alguma forma minimizado, servindo de lenitivo e (ii) outra de caráter pedagógico-preventivo, objetivando impedir que nova lesão seja causada ao consumidor.
De modo semelhante ao previsto na Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal as ações coletivas de consumo poderão se submeter a audiências públicas, e até mesmo contar com a intervenção de amicus curiae (amigo da Corte). É o que consta do artigo 90-J e seu parágrafo único. A nosso aviso, a previsão se afina com os objetivos das normas de proteção coletiva do consumidor, uma vez que o CDC é inaugurado se autoproclamando como estatuto cujas normas são de ordem pública e interesse social. Tanto as audiências públicas quanto a intervenção do amicus curiae objetivam fornecer ao juízo as informações mais abrangentes possíveis sobre a matéria em debate, de forma a proporcionar o maior número possível de elementos ao julgador para que decida melhor.
Encerrando nossa exposição, com base no princípio da simetria, o projeto traz a previsão da criação de dois cadastros de âmbito nacional. Ambos estão previstos no caput do artigo 104-B e parágrafo 1º. O primeiro será o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, a ser mantido pelo CNJ, e o segundo trata-se do Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, de competência do CNMP. Ambos terão a missão de permitir aos órgãos do Poder Judiciário e aos demais interessados amplo acesso às informações neles constantes.
Não obstante, além de servirem ao próprio Poder Público, pensamos que esses cadastros demonstram, ainda, uma inegável preocupação do legislador no sentido de informar o consumidor para que, a exemplo dos cadastros de reclamações fundamentadas previsto no artigo 44 do CDC, tenham pleno conhecimento acerca dos fornecedores que estão sendo demandados e/ou investigados por suas condutas no mercado de consumo. Com isso, o consumidor poderá agir com mais consciência, refletidamente, avaliando suas decisões de consumo, decidindo melhor em relação ao fornecedor do qual irá adquirir produtos ou serviços.
Vitor Guglinski é advogado, especialista em Direito do Consumidor. Foi assessor do juiz da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG (2006-2010).
Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2012

PROLIFERAÇÃO DE LEIS IMPULSIONA VENDA DE VADE MECUM


A produção de leis continua em ritmo acelerado no Brasil, o que explica, pelo menos em parte, a importância do vade mecum para o mercado editorial jurídico brasileiro. A temporada de lançamentos desses campeões de venda já começou, com a chegada às livrarias de dezenas de títulos que variam de formato, mas permanecem fiéis na fórmula que busca reunir em um único volume as principais mudanças ocorridas no arcabouço legal, facilitando a busca e a atualização de profissionais do Direito, estudantes e candidatos a empregos públicos.

Somente no ano passado, entraram em vigor 415 novas leis e decretos de abrangência nacional, sem contar as 244 medidas provisórias editadas pelo governo e as três emendas à Constituição promulgadas no período. É bem verdade que grande parte da produção legislativa ordinária tem alcance limitado para a maioria dos brasileiros — como as leis que dão nomes à rodovias federais, criam novos cargos e nomenclaturas na administração pública ou, até mesmo, estabelecem datas para comemorações nacionais de ritmos e estilos musicais. Mas também é grande a quantidade de normas criadas a cada ano que se destacam pelo impacto na rotina de milhões de pessoas ou empresas. É exatamente esse conjunto que se constitui na matéria-prima fundamental de um bom vade mecum.
Os principais títulos disponíveis no mercado contemplam, entre outras inovações surgidas no ano passado, a Lei 12.587, que estabeleceu diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana; a Lei 12.618, que criou o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais; e a Lei 12.663, com várias inovações legais relacionadas à realização da Copa das Confederações, em junho deste ano, e à Copa do Mundo de 2014.
Na área penal, as principais atualizações das editoras ficaram por conta da Lei 12.650, que alterou o prazo para a prescrição nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes; da Lei 12.654, que abriu as portas para a criação de um banco de dados genéticos, com a coleta de material biológico de indivíduos investigados ou já condenados pela prática de determinados crimes; e da Lei 2.720, que inovou ao criminalizar as "milícias privadas" e tornar mais severa a punição, agora com a aplicação da Lei dos Crimes Hediondos e não mais as penas previstas para crimes de quadrilhas armadas. Também presente em todos os títulos, nas versões tradicional ou compacta de vade mecum, está a Lei 12.683, que tornou mais efetiva a aplicação de penas para os chamados crimes de lavagem de dinheiro.
Resultados de intensos debates em todo o país, o novo Código Florestal (Lei 2.727) e a nova Lei dos Royalties (Lei 12.734) monopolizaram as atenções em outubro e novembro do ano passado, mas ainda não deixaram o noticiário. Embora menos acirrados, permanecem também os reflexos das leis 12.737 e 12.735, que reforçaram o combate aos crimes de informática, incluindo o roubo de senhas e arquivos eletrônicos; e da Lei 12.760, também conhecida com a nova Lei Seca, que endureceu o tratamento dado aos motoristas que dirigem após o consumo de álcool e outras substâncias psicoativas, tornando inócua as discussões jurídicas sob o uso exclusivo do bafômetro como prova de embriaguez, mas abrindo outros pontos de polêmica — todos, evidentemente, devidamente atualizadas nos principais títulos disponíveis no mercado.
O segmento de concursos para carreiras jurídicas, incluindo o Exame da OAB, também ganhou reforço este ano, com edições específicas de vade mecum para os candidatos. Nesses títulos, entre os principais temas atualizados aparecem as novas regras sobre licitações e parcerias público-privadas; protesto de dívidas tributárias em cartórios; tipificação criminal de delitos na área de informática; detalhamento de impostos em notas fiscais e  as novas normas para o mercado de locação imobiliária.
Escolher o melhor vade mecum não é tarefa das mais complicadas quando a preocupação maior é com o conteúdo. Para quem ainda não tem o seu preferido, vale a pena perder alguns minutos analisando as opções disponíveis, procurando identificar aquele mais adequado às necessidades diárias. Nos últimos anos, as grandes editoras evoluíram para o ambiente digital, beneficiando-se da linguagem em hipertexto e da aparente ausência de limitação física. Várias editoras permitem atualizações ao longo do ano em sites especialmente criados como apoio às versões impressas.
Serviço:

Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2013

425 MIL AÇÕES QUE DEPENDEM DO STF ESTÃO PARADAS


Um levantamento do Supremo Tribunal Federal mostra que mais de 425 mil processos judiciais estão parados em 14 tribunais do país à espera de decisões da Suprema Corte. Os dados foram atualizados em janeiro deste ano e fazem parte das estatísticas sobre ações que tiveram repercussão geral reconhecida. As informações são do portal G1.
Em seu discurso de posse como presidente do STF, no dia 1º de fevereiro, o ministro Joaquim Barbosa disse que mais de 500 mil processos estavam parados em outras instâncias, em razão do trâmite de Recursos Extraordinários com repercussão geral já reconhecida. Na ocasião o ministro afirmou ainda que há no STF mais de 65 mil processos aguardando julgamento, sendo que 700 já foram incluídos em pauta e publicados no Diário de Justiça.
À espera do Supremo
TribunalProcessos parados
TRF-18.657
TRF-28.683
TRF-333.325
TRF-463.929
TRF-515.775
STJ2.016
TST26.054
TJ-MG16.015
TJ-PE1.104
TJ-SC2.858
TJ-SP192.31
TJ-RJ6.554
TJ-RN834
TJ-RS47.085
O maior número de processos paralisados se refere ao julgamento de ações que contestam os índices de correção monetária decorrentes dos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e II. Dos 425 mil processos parados, pouco mais de 226 mil são referentes aos planos econômicos. Não há previsão para que as ações referentes ao tema sejam incluídas na pauta do plenário, mas a expectativa é de que isso ocorra ainda neste ano.
Já nesta quarta-feira (20/2), o Supremo irá analisar o processo que pede a validade da revisão da aposentadoria e outro que definirá de quem é a competência para julgar processos sobre previdência privada.
Segundo o ministro Marco Aurélio, a definição de processos desse tipo é uma preocupação para o tribunal. "Nos preocupamos muito com isso porque processos versando sobre a mesma matéria nos tribunais do país estão sobrestados, e as partes aguardando decisão do Supremo", destacou Marco Aurélio.
Em um recurso que será julgado, uma mulher pediu o direito de mudar a data de início do benefício, uma vez que isso aumentaria o valor de seu vencimento. Ela esperou para se aposentar com mais idade, em 1980, e percebeu que a aposentadoria foi menor do que se tivesse pedido antes, em 1979, quando já havia atingido os requisitos mínimos para pleitear o benefício. Ela pede ainda o direito a receber a diferença nos mais de 30 anos que se passaram.
Ao analisar o caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região afirmou que não há previsão legal para revisar a aposentadoria sem que haja irregularidade na concessão. A aposentada disse que a decisão fere o artigo 5º da Constituição, que estabelece que "a lei não prejudicará o direito adquirido".
O processo foi discutido pelo plenário do Supremo em fevereiro do ano passado, mas a decisão acabou sendo adiada por um pedido de vista (mais tempo para analisar o processo) do ministro Dias Toffoli.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) argumentou que, caso o Supremo conceda o pedido, isso poderá aumentar ainda mais o déficit nas contas da Previdência Social.
Na ocasião, a ministra relatora do processo, Ellen Gracie, chegou a conceder o direito da revisão, mas negou o pagamento retroativo. Como Ellen Gracie já votou, a ministra Rosa Weber, que entrou no lugar dela, não votará sobre o tema, segundo a assessoria do Supremo.
Outras 9,7 mil ações paralisadas nos tribunais abordam a competência de tribunais sobre a previdência privada. Nesta semana, o Supremo pode julgar um recurso da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) que questiona a competência do Tribunal Superior do Trabalho para decidir sobre a previdência privada decorrente de contratos de trabalho. Para a Petros, a Constituição atribui à Justiça comum esse papel.
O pedido da Petros está na pauta da corte e caberá ao presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, decidir se levará o processo a discussão.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...