sábado, 10 de novembro de 2012

MODELO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO


Por Luiz Cláudio Borges

 

1.- RECURSOS EM ESPÉCIE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

1.1.- Hipóteses de cabimento do recurso extraordinário

 

            É importante salientar que parte da matéria pertinente ao recurso extraordinário, que também tem aplicabilidade no recurso especial, já foi analisada quando tratamos do recurso especial (exemplo: requisitos comuns de admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário: a) irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias com a formação de causa decidida; b) circunscrição à matéria de direito; c) questões controvertidas sobre a matéria de fato e de direito; d) necessidade de prequestionamento; e) outros impedimentos), o que pode ser constatado no seguinte endereço: http://professorluizclaudioborges.blogspot.com.br/2012/10/modelo-de-recurso-especial-civel.html.

 

1.1.1.- Contrariedade à Constituição (art. 102, III, “a”, da CF)

 

            Segundo Nunes et al, contrariar, no sentido que a emprega a Constituição, é decidir de modo diverso ao determinado pela norma, é dizer o Direito de forma a contradizer o direcionamento normativo. Nesses casos, caberá ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, dizer e estabelecer qual determinação constitucional deve prevalecer.

            É importante esclarecer que a ofensa à constituição, prevista na alínea “a”, deve ser direta, não se admitindo ofensa por via oblíqua (indireta). Caso seja necessário verificar, primeiramente, ofensa à lei infraconstitucional para configurar ofensa à Constituição Federal, não será hipótese de recurso extraordinário, mas de recurso especial.

 

1.1.2.- Inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (art. 102, III, “b”, da CF)

 

            Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal, razão pela qual cabe a ele a centralização e interpretação constitucional. Com efeito, quando a decisão declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, caberá recurso extraordinário.

            A declaração incidente somente será passível de recurso extraordinário quando o controle de constitucionalidade for coisa acessória, sendo a solução do caso sub judice o objetivo principal da decisão. É importante salientar que a ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade – é de competência originária e não se confunde com o recurso extraordinário.

 

1.1.3.- Validade de lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (art. 102, III, “c”, da CF)

 

            Enquanto na alínea “b” o recurso extraordinário é cabível das decisões que julgar a alegação de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, na alínea “c” a decisão recorrida julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.

            Não tem outra razão de ser a inserção da hipótese de cabimento da alínea “c”, senão a manutenção da Federação. Entende-se por lei ou ato de governo local todos os tipos de normas legais e atos administrativos editados pelos poderes executivos estaduais, municipais e do Distrito Federal.

            É importante salientar que se a discussão for sobre invalidade da lei ou ato de governo local, o inconformismo deve ser apurado via ação direta de inconstitucionalidade.  Questões relativas apenas à ofensa a Direito local também não são alcançadas pela alínea “c”, do inciso III, do art. 102, da CF.

 

 1.1.4.- Validade de lei contestada em face de lei federal (art. 102, III, “d”, da CF)

 

            A alínea “d” foi acrescentada pela EC nº. 45/2004. Com isso, o c. Supremo Tribunal Federal passa a ser competente para julgar mediante recurso extraordinário as ações que julguem válida a lei local em face da lei federal. Essa competência é suprimida do STJ.

            Nunes et al escrevem que

 

[o] cabimento de recurso extraordinário dependerá da lei infrafederal ter ofendido lei federal somente ou também a Constituição, caso em que se poderá vislumbrar também o cabimento de recurso extraordinário pela ofensa a dispositivos constitucionais. No caso da simples ofensa a lei federal, estar-se-á sempre no campo da competência concorrente (art. 24, CR), ou no caso de normas gerais e normas especiais (art. 22, XXI e XXVII, CR). Excluídos, assim, os casos de competência privativa (art. 22, I a XXIX), onde há patente inconstitucionalidade.

 

1.2.- Repercussão geral (art. 102, §3º, da CF)

 

            Em 2004, por meio da EC nº. 45, introduziu-se a repercussão geral como requisito adicional na interpretação dos recursos extraordinários. Com isso, as questões constitucionais a que o c. Supremo Tribunal Federal está sujeito a apreciar deve possuir alguma repercussão, isto é, que transcendam o mero interesse das partes em litígio, possuindo relevância social, econômica, política ou jurídica.

            Com efeito, o recurso extraordinário só será apreciado caso haja repercussão geral. Se o STF proferir decisão colegiada sobre a (existência ou não de) repercussão geral, não caberá mais recurso, se for a decisão for singular, caberá ainda o agravo (interno/inominado/regimental) no prazo de cinco dias.

            É importante salientar que a parte interessada deverá em item próprio (seguindo orientação do art. 543-A, do CPC), discutir, preliminarmente, se o tema do recurso possui um interesse para o público (em geral), maior do que o interesse das partes envolvidas, ou nas palavras da lei, “que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A, §3º, do CPC), isto é, segundo Nunes et al, causas que envolvam: grande número de pessoas – ou que possuam congêneres aos milhares espalhados pelo país; grande repercussão econômica (seja para os particulares, seja para o Estado); órgãos estatais com questões que implicam o direito de milhares (ou milhões) de pessoas; por fim, que tratem de temas que estejam gerando interpretações divergentes nos tribunais.

            Existe no c. STF uma lista das matérias consideradas de repercussão geral. Ainda que o tema do recurso a ser proposto preencha esteja elencado como de repercussão geral, será imprescindível que o recorrente aponte preliminarmente sua repercussão.

             

2.- Não pode falta na prova da OAB

 

Interposição

- endereçamento

- qualificação

- efeito devolutivo

- preparo

 

Razões recursais

 

I – Repercussão geral (art. 543-A, do CPC)

 

II – Do prequestionamento

Súmula 282, do STF

 

III – Da tempestividade e do cabimento

- falar do prazo de interposição

- do cabimento

- cita artigos

IV – Razões recursais

- trata-se de ....

- do acórdão ...

- merece reforma ...

V – do pedido

- admitido (requisitos de admissibilidade)

- efeitos

- provimento para o fim de ...

- inversão do ônus sucumbencial

 

3.- DA PEÇA PROCESSUAL

 

.- ATENÇÃO!

Nesta primeira peça (endereçamento), é importante não se esquecer de falar do efeito devolutivo e do preparo.

  

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO  TRIBUNAL DE JUSTIÇA ______________________,

 

 

 

AUTOS Nº.  _______________

 

 

 

 

                                               [nome da parte recorrente], já qualificada nos autos em referência da [...] ajuizada [ou movida] contra [ou em face de] [nome da parte recorrida] vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência por seu advogado adiante assinado,  tempestivamente, com fundamento no artigo 102, III, “a” (ou “b”, “c” ) da Constituição Federal interpor o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO esperando seja admitido e remetido ao Colendo Supremo Tribunal Federal.

                                              

 

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

__________,  ____ de _________ de 2012.

 

 
                                                                  ADVOGADO

OAB/MG _______

 

 

 

 

ATENÇÃO!

Nesta peça (razões recursais), deve-se falar da repercussão geral, do prequestionamento, da admissibilidade recursal, tempestividade).

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

 

AUTOS Nº. ____________________

RECORRENTE: _____________________________

RECORRIDA: _______________________________    

 

EMINENTES MINISTROS,

 

1.- DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

1.1.-  DOS PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

 

                                               O presente recurso é tempestivo, posto que, a publicação do v. acórdão ora recorrido se deu em ___________ , portanto, a contagem do prazo teve início em ____________, encerrando-se em _________.

 

                                               Consta dos autos que as partes são legítimas e estão devidamente representadas, preenchidos, portanto, os pressupostos extrínsecos.

 

1.2.- DOS PRESSUPOSTOS INTRINSECOS

 

                                               Presente o interesse recursal, bem como a utilidade e necessidade do presente recurso extraordinário. Em relação ao cabimento do recurso, entende a Recorrente que as decisões anteriores ao v. acórdão recorrido e o próprio acórdão em questão, incidem no disposto do artigo 102, III, alínea “a” ( ou “b”, “c” , “d”) da Constituição Federal, posto que, violada diretamente o artigo ______ da Constituição Federal.

 

1.2.1.- DA REPERCUSSÃO GERAL

 

 

                                               Preliminarmente, atendendo aos preceitos legais instituídos pela Lei nº. 11.418, de 19 de dezembro de 2006, que inseriu o art. 543-A, no Código de Processo Civil, a ora Recorrente vem demonstrar que a questão discutida nos autos possui repercussão geral apta a ensejar a admissibilidade do apelo extraordinário por esse colendo Supremo Tribunal Federal.


                                               Com relação à abrangência da repercussão geral, cabe colacionar o entendimento de autores de renomada sobre o significado da referida expressão. Antes de tudo pode se inferir que tem repercussão geral aquilo que tem transcendência, aquilo que terá o sentido de relevância e que transcende o interesse subjetivo das partes na solução da questão.

 
                                               Uma causa é provida de repercussão geral quando há interesse geral pelo seu desfecho, ou seja, interesse público e não somente dos envolvidos naquele litígio. No momento em que o julgamento daquele recurso deixar de afetar apenas as partes do processo, mas também uma gama de pessoas fora dele, despertando interesse público, tem aquela causa repercussão geral. Numa única palavra, quando houver transcendência.

 
                                               No presente feito, __________________.

                       

                                               Nestes termos, em razão de transcender o direito subjetivo das partes nela envolvidas e por estar demonstrada a repercussão geral no caso concreto, o presente Recurso Extraordinário merece ser conhecido.


2.- SÍNTESE DOS AUTOS

 
(fazer uma síntese dos autos, inserindo apenas o que de mais importante ocorreu no processo, tudo com ênfase naquilo que será objeto da fundamentação)


                                               Este é o resumo dos autos.

 
3.- .- DA VIOLAÇÃO DO ART. _________ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

                                              

                                               (neste momento do recuso, deve-se concentrar os esforços para demonstrar a violação do dispositivo constitucional (quando for o caso), fundamentando bem suas razões)

 

.- CONCLUINDO


 

                                                Diante dessas considerações, requer seja admitido e provido o presente recurso para _________________________. Fazendo isso, esse colendo Tribunal estará renovando seus propósitos de distribuir a tão almejada Justiça!

 

                                       _________, _____ de ____________ de 2012.



 
                                                        ADVOGADO

                                                         OAB/MG ______

 

 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O STF RECONHECE REPERCUSSÃO GERAL EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE QUE DISCUTE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Luiz Cláudio Borges[1]
Entenda o caso
 
Em meados de 2004, J.B.P. (pai) procurou o escritório BORGES ADVOCACIA indagando se havia a possibilidade de reabrir a discussão em processo de investigação de paternidade, com sentença transitada em julgado e proferida há mais de 10 anos.
Após explicação pormenorizada a respeito do risco e da questão à parte, resolveu-se ajuizar uma ação negatória de paternidade na Comarca de Perdões [MG][2] e na contestação, como era de se esperar, o menor, J.A.L.P. alegou, preliminarmente, a violação à coisa julgada, o que, inicialmente, contou com o parecer favorável do representante do Ministério Público. Contudo, no decorrer da instrução processual, foram realizados dois exames de DNA, ambos com resultado negativo, excluindo a paternidade.
O juiz da Comarca de Perdões, Dr. Sérgio Luiz Maia, com parecer do Ministério Público pela relativização da coisa julgada em virtude dos exames, afastou o instituto e julgou procedentes os pedidos iniciais, para afastar a paternidade e todas as obrigações dela advindas.
Inconformado, o menor interpôs recurso de apelação para o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o Relator, Desembargador Dr. Antônio Hélio Silva, acolheu a preliminar de coisa julgada e extinguiu o processo, voto acompanhado pelos demais Desembargadores, Drs. Ameida Melo e Célio César Paduani.
Irresignado, J.B.P. interpôs recurso especial[3] para o Superior Tribunal de Justiça. No juízo de admissibilidade do TJMG o apelo fora conhecido e admitido, entretanto, ao chegar no STJ, o Ministro Sidnei Beneti, da 3ª Turma, relator do processo e em decisão monocrática, mesmo contra parecer do Ministério Público Federal, que opinava pelo provimento do recurso, negou-lhe seguimento, sustentando que o entendimento daquela Turma era no sentido de que "não cabe relativização da coisa julgada em ação negatória de paternidade".
O Ministro, muito embora tenha reconhecido a importância do tema, baseou-se no entendimento da Turma, no voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que em outro recurso, REsp n. 107.248/GO, DJ 7.5.1998, sustentava que a "existência de um exame de DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada."
Foi então, manejado um agravo regimental, que fora conhecido e, no mérito, sem divergência, negaram-lhe provimento.
Desta decisão, fundado na violação direta da Constituição da República em face da dignidade da pessoa humana, artigo 1º, inciso III, se interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, que teve seguimento negado ao argumento de não haver preparo.
Novo agravo de instrumento foi manejado para demonstrar que o recorrente era beneficiário da justiça gratuita, tendo sido provido e admitido o recurso extraordinário, reconhecendo a repercussão geral.
Posteriormente, o STF entendeu ser o recurso repetitivo, e determinou que o feito fosse devolvido para o STJ a teor do que dispõe o art. 543-B do CPC. O recurso que foi o parâmetro para a devolução dos autos ao STJ foi julgado em 02/6/2011 e provido.
RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - os fundamentos que culminaram na decisão do STF
Para contrapor a tese sustentada pelo Relator Ministro Sidnei Beneti, de que não cabe relativização de coisa julgada em ação declaratória negativa de paternidade, colacionou-se, no agravo regimental, uma decisão da Terceira Turma, da lavra da Ministra Nancy Andrighi - Resp 878954 (2006/0182349-0), DJ 28/5/2007.
Nesse acórdão, a Ministra expõe entendimento diametralmente diverso ao de seu colega de Turma, sustentando ser perfeitamente cabível a relativização da coisa julgada em ação negatória de paternidade, veja:
"[...].
Assim sendo, não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA.
A indução a erro a que foi acometido o crédulo "pai" não lhe pode impor, ademais, o dever de assistir a criança reconhecidamente destituída da condição de filha.
E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menina socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das conseqüências, inclusive materiais, daí advindas.
Merece reforma, pois o acórdão recorrido, para, com base no resultado do exame de DNA, certificando, de forma conclusiva, que o recorrente não é pai biológico da recorrida, conforme atestado pelo Tribunal de origem (fl. 91), julgar procedente o pedido formulado na ação negatória de paternidade."
Conclui-se, do aresto, que o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada, portanto, em se tratando de ações de estado, como no caso em análise, deve ser interpretada "modus in rebus".
Ressalte-se, aliás, que o instituto da coisa julgada não atinge as ações de estado.
Yussefe Sahid Cahali salienta que:
"Nos dias de hoje manifesta-se uma preocupação ostensiva e decisiva com a verdade da paternidade, procurando afirmar a filiação para seu reconhecimento conforme a verdade real, biológica, com vistas à mais eficiente proteção da pessoa do filho".
No âmbito atual das ações de investigação de paternidade ou de negação da paternidade e assim também naquelas que pesquisam na eventualidade, o vínculo de maternidade, é preciso atenuar os princípios que regem o instituto da coisa julgada. Não há mais espaço para impor esse conceito inflexível da coisa julgada e que deita sobre as demandas investigatórias ou negatórias de paternidade, que tinham suas raízes biológicas declaradas por sentenças com suporte exclusivos na atividade intelectual do decisor judicial, encarregado de promover a rígida avaliação dos tradicionais meios probatórios até então disponibilizados e vertidos para o ventre da ação parental. [4]"
Belmiro Pedro Welter, em seu artigo intitulado Coisa Julgada na Investigação de Paternidade, assinala:
"Dessa forma, de nada adianta canonizar-se o instituto da coisa julgada em detrimento da paz social, já que a paternidade biológica não é interesse apenas do investigante ou investigado, mas toda a sociedade, e não existe tranqüilidade social com a imutabilidade da coisa julgada da mentira, do engodo, da falsidade do registro público, na media em que a paternidade biológica é direito natural, constitucional, irrenunciável, imprescritível, indisponível, inegociável, impenhorável, personalíssimo, indeclinável, absoluto, vitalício, indispensável, oponível contra todos, intransmissível, constituído de manifesto interesse público e essencial ao ser humano, genuíno princípio da dignidade da pessoa humana, elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, II).
E esse direito natural e constitucional de personalidade não pode ser afastado nem pelo Poder Judiciário, nem pela sociedade e nem pelo Estado, porque, parafraseado Humberto Theodoro Júnior, se queremos uma sociedade de pessoas livres, não se pode colocar a segurança da coisa julgada acima da justiça da liberdade, porque um povo sem liberdade e sem justiça é um povo escravo, devendo ser entendido que mudou a época, mudaram os costumes, transformando-se o tempo, redefinindo valores e conceituando o contesto familiar de forma mais ampla que, com clarividência, pôs o constituinte de modo mais abrangente, no texto da nova Carta. E esse novo tempo não deve o Poder Judiciário, ao qual incumbe a composição dos litígios com olhos na realização da justiça, limitar-se à aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem à modernidade."
Demonstrou-se nos autos que, além de não existir nenhum vínculo sanguíneo entre as partes, advindo dos exames de DNA, nunca houve relação socioafetiva.
Para a Dra. Maria Berenice Dias, enquanto Desembargadora do TJRS, no julgamento da apelação cível n. 70011437662, Sétima Câmara Cível, DJ 01/6/2005, há que se acolher a nova pretensão para a realização do exame de DNA:
"EMENTA: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. CABIMENTO DE NOVA AÇÃO PARA COLHER EXAME DE DNA. PROVA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. A filiação socioafetiva se sobrepõe à verdade presumida e à verdade biológica. Tratando-se de direito indisponível, que diz com o estado de filiação, os preceitos da Constituição Federal devem se sobrepor ao instituto da coisa julgada. Impositiva a desconstituição da sentença para que seja reaberta a instrução, para realização da prova da filiação socioafetiva e do exame de DNA. Sentença desconstituída, por maioria."
No aresto a Desembargadora acrescenta:
"...
Conforme já sustentei na obra Manual de Direito das Famílias (Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 364-5), [...] quando a ação for movida pelo pai, para desconstituição do vínculo da paternidade, reconhecido em anterior demanda investigatória, o objeto da demanda se torna complexo. Além de provar que não é o pai do réu (o que agora se torna possível através da realização do exame de DNA), é mister também que comprove não entreter com o filho que lhe foi impingido qualquer vínculo de convivência [...]. Não há como se manter um vínculo jurídico estabelecido de forma presumida e por indícios, sem qualquer respaldo probatório. Não havendo vínculo de qualquer ordem entre pai e filho, a não ser uma sentença que afirma um fato que não existe, esta inverdade jurídica não pode prevalecer [...]." Negrito do agravante.
O Ministério Público Federal, através do Subprocurador-Geral da República Dr. Washington Bolívar Júnior, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso especial, com fundamento na seguinte ementa:
"RECURSO ESPECIAL - DIREITO DE FAMÍLIA - DIREITO CIVIL - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - COISA JULGADA - NÃO REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA - POUCA OU NENHUMA UTILIZAÇÃO À ÉPOCA - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - AJUIZAMENTO POSTERIOR - POSSIBILIDADE - BUSCA PELA VERDADE REAL - RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA - AÇÃO DE ESTADO - FINALIDADE SOCIAL DO PROCESSO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRECEDENTES.
•1- A irresignação merece procedência. Se ao tempo da investigação de paternidade que o recorrente se submeteu as técnicas de exame de DNA não eram muito conhecidas, e, portanto, de pouca ou nenhuma utilização na justiça, deve ser admitida a propositura de ação negatória de paternidade, mesmo após o trânsito em julgado no âmbito do antigo processo.
•2- A relativização da coisa julgada se justifica no presente caso, pois se trata de ação de estado, em que se deve dar prevalência à busca da verdade real, em atendimento à finalidade social do processo, bem comum, e dignidade da pessoa humana, mesmo que em detrimento da segurança jurídica das decisões judiciais, pois em referido conflito de valores, a verdade deve prevalecer.
•3- O Ministério Público Federal - MPF opina, preliminarmente, no sentido do conhecimento e, no mérito, no sentido do provimento do recurso especial, nos termos deste parecer."
O que se extrai é que não se pode dar caráter de imutabilidade às decisões judiciais quando versarem sobre ações de estado, seja em virtude de investigação, seja em negatória de paternidade. Neste sentido, o dispositivo do art. 467, do Código de Processo Civil não tem aplicabilidade irrestrita e absoluta, pelo contrário, sua relativização, sobretudo em ações de estado, é medida que se impõe e não afronta a segurança jurídica.
Nas razões recursais o recorrente aponta que a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal. Demonstrou-se, ainda, que a coisa julgada e, consequentemente a segurança jurídica não pode sobrepor-se ao direito de saber sua origem, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana.
O Ministro Celso de Mello, em 01/6/2011, admitiu o recurso extraordinário, entendendo que o tema da "superação da coisa julgada" em ações onde se discute a paternidade é passível de se reproduzir em múltiplos feitos[5].

Na análise da repercussão geral dos autos, o Ministro reforça a evolução do direito e consagra a decisão do Ministro Dias Toffoli nos autos do RE 363.889-RG/DF, que reconheceu existente a repercussão geral da questão constitucional em caso cujo objeto coincide, em todos os seus aspectos, com este.
O mérito do recurso extraordinário relatado pelo Ministro Dias Toffoli fora julgado no dia 02/6/2011, um dia após a análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso em comento. Por maioria de votos, o Pleno do STF deu provimento ao recurso extraordinário para cassar a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Com essa decisão, o STF não só garantiu ao suposto filho daquele processo o direito de saber quem é seu pai, relativizando o instituto da coisa julgada, como também selou o destino do recurso extraordinário interposto por J.B.P., garantindo ao recorrente o direito de discutir a paternidade que lhe fora imposta por uma decisão transitada em julgado.
O colendo STF decide mais uma vez em consonância com a dignidade da pessoa humana.

                    

[1] Advogado, sócio da empresa BORGES ADVOCACIA, especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil, Mestrando em Direito Constitucional e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM) e professor de Direito Empresarial I e Direito do Consumidor pelo Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS).
[2] 0499.05.0930506-4
[3] 895545/MG
[4] [Reconhecimento do filho extramatrimonial. Livro de Estudos Jurídicos, Rio de Janeiro, IEJ, 1996, v. 7, p. 210-211]
[5] "DECISÃO: O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, firmou entendimento, posteriormente confirmado no julgamento do RE 540.410-QO/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, no sentido de que também se aplica o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil aos recursos deduzidos contra acórdãos publicados antes de 03 de maio de 2007 e que veiculem tema em relação ao qual já foi reconhecida a existência de repercussão geral.
Esta Suprema Corte, apreciando o RE 363.889-RG/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, reconheceu existente a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada, e que coincide, em todos os seus aspectos, com a mesma controvérsia jurídica ora versada na presente causa.
O tema objeto do recurso extraordinário representativo de mencionada controvérsia jurídica, passível de se reproduzir em múltiplos feitos, refere-se à "Superação da coisa julgada para possibilitar nova ação de investigação de paternidade em face de viabilidade de realização de exame de DNA" (Tema nº 392 - www.stf.jus.br - Jurisprudência - Repercussão Geral).
Sendo assim, e pelas razões expostas, dou provimento ao presente agravo de instrumento, para admitir o recurso extraordinário a que ele se refere, impondo-se, nos termos do art. 328 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 21/2007, a devolução dos presentes autos ao Tribunal de origem, para que, neste, seja observado o disposto no art. 543-B e respectivos parágrafos do CPC (Lei nº 11.418/2006).
Publique-se.
Brasília, 01 de junho de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO"
Fonte: Borges Advocacia

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

STJ - AS CILADAS DO CONSUMO NA MIRA DA JUSTIÇA

As ciladas do consumo na mira da Justiça
Estudos do Ministério da Fazenda apontam que, em 2020, o país será o quinto mercado consumidor do mundo. Se as previsões estiverem certas, os brasileiros vão estar dispostos a gastar mais com moradia, lazer, educação e alimentos. Os dados informam que o consumo das famílias passará de R$ 2,3 trilhões em 2010 para R$ 3,5 trilhões até o final da década, um número que chama a atenção para a necessidade do consumo consciente.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem auxiliar as pessoas a não cair nas ciladas do consumo. Com frequência, são apresentadas demandas envolvendo consumidores que não atentam para as cláusulas do contrato e vendedores que não procuram esclarecê-las. E há até a situação de pessoas que compram um produto no exterior e buscam a garantia no Brasil.

Inúmeros são os problemas de consumo que chegam ao Tribunal – como o caso dos consumidores que já não conseguem pagar as contas e acabam com o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito.

Princípio da transparência
Uma informação clara, precisa e adequada sobre os diferentes produtos e serviços é princípio básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que, muitas vezes, não é observado. Para o STJ, a informação defeituosa aciona a responsabilidade civil, abrindo espaço para indenizações (REsp 684.712).

É dever de quem vende um produto destacar todas as condições que possam limitar o direito do consumidor. As cláusulas de um contrato devem ser escritas de forma que qualquer leigo possa compreender a mensagem, em nome da transparência.

Por esse princípio, o consumidor tem direito, por exemplo, à fatura discriminada das contas de energia elétrica ou de telefonia, independentemente do pagamento de taxas. O Ministério Público ajuizou ação contra uma empresa de telefonia alegando prestação de serviços inadequados, no tocante às informações contidas nas faturas expedidas.

O STJ reafirmou a tese de que o consumidor tem direito a informação precisa, clara e detalhada, sem a prestação de qualquer encargo (REsp 684.712). Um dever que permeia também a relação entre médico e paciente.

A Terceira Turma julgou caso em que o profissional se descuidou de informar a paciente dos riscos cirúrgicos, da técnica empregada, do formato e das dimensões das cicatrizes de uma cirurgia de mama.

Os ministros decidiram que o profissional, ciente do seu ofício, não pode se esquecer do dever de informação ao paciente, pois não é permitido criar expectativas que, de antemão, sabem ser inatingíveis (REsp 332.025).

Informação dúbia
O entendimento do Tribunal é no sentido de que informação dúbia ou maliciosa deverá ser interpretada contra o fornecedor de serviço que a fez vincular, conforme disposição do artigo 54, parágrafo quarto, do CDC.

Em um recurso julgado, em que houve dúvida na interpretação de contrato de assistência médica sobre a cobertura de determinado procedimento de saúde, a Quarta Turma deu ganho de causa ao consumidor, que buscava fazer transplante de células (REsp 311.509).

Para o STJ, não é razoável transferir ao consumidor as consequências de um produto ou serviço defeituoso (REsp 639.811). Se o fornecedor se recusar a cumprir os termos de uma oferta publicitária, por exemplo, o consumidor, além de requerer perdas e danos, pode se valer de execução específica, pedindo o cumprimento forçado da obrigação, com as cominações devidas (REsp 363.939).

Propaganda enganosa
Diversas decisões do STJ vão contra qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva. Em julgamento no qual se analisou a exploração comercial de água mineral por parte de uma empresa, a Primeira Turma se posicionou contra a atitude de encartar no rótulo do produto a expressão “diet por natureza”.

O STJ entendeu que somente produtos modificados em relação ao produto natural podem receber a qualificação diet, sejam produtos destinados a emagrecimento, sejam aqueles determinados por prescrição médica. Assim, a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser qualificada como diet, sob o risco de configurar propaganda enganosa (REsp 447.303).

Da mesma forma que uma cerveja, ainda que com teor de álcool abaixo do necessário para ser classificada como bebida alcoólica, não pode ser comercializada com a inscrição “sem álcool”, sob o risco de se estar ludibriando o consumidor (REsp 1.181.066).

Planos de saúde
A empresa que anuncia plano de saúde com a inscrição de cobertura total no título de um contrato não pode negar ao paciente tratamento de uma patologia, se acionada, mesmo que no corpo do texto haja limitação de cobertura.

A Terceira Turma decidiu que as expressões “assistência integral” e “cobertura total” têm significado unívoco na compreensão comum, e “não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos negócios” (REsp 264.562).

Operadoras de planos de saúde têm também obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de médicos e hospitais. A Terceira Turma julgou caso de um paciente cardíaco que, ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o hospital não era mais conveniado (REsp 1.144.840).

A informação deve sempre estar à mão do consumidor.

Marcas internacionais

Diante das seduções de mercado do mundo globalizado, com propostas cada vez mais tentadoras, o STJ proferiu decisão no sentido de que empresas nacionais que divulgam marcas internacionais de renome devem responder pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam.

O consumidor, no caso, adquiriu no exterior uma filmadora que apresentou defeito. A empresa sustentava que, apesar de ser vinculada à matriz – que funcionava no Japão –, não poderia ser responsabilizada judicialmente no Brasil, pois a prestação da garantia ocorria de forma independente (REsp 63.981).

A Quarta Turma decidiu que, se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

“O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca”, afirmou o ministro Sálvio de Figueiredo na ocasião em que proferiu o voto. Ele considerou pertinente a responsabilização da empresa.

Desequilíbrios contratuais
As disposições contratuais que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes são condenadas pelo Código do Consumidor. Segundo inúmeras decisões do STJ, se o contrato situa o consumidor em posição de inferioridade, com nítidas desvantagens em relação ao fornecedor, pode ter sua validade questionada.

O Tribunal admite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, e a sua revisão é possível em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (AgRg no REsp 849.442). Não importa, para tanto, se a mudança das circunstâncias tenha sido ou não previsível (AgRg no REsp 921.669).

Tem sido igualmente afirmado, em diversos julgamentos, que é possível ao devedor discutir as cláusulas contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido.

A ministra Nancy Andrighi, em voto-vista proferido sobre o assunto, ponderou que seria pouco razoável reconhecer determinada nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e não declará-la apenas por considerar a busca e apreensão uma ação de natureza sumária (REsp 267.758).

Consumidor inadimplente
O consumidor deve ser previamente informado quanto ao registro de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Assim, terá a oportunidade de pagar a dívida e evitar constrangimentos futuros na hora de realizar novas compras (REsp 735.701).

Se a dívida foi regularmente paga, o credor tem a obrigação de providenciar o cancelamento da anotação do nome do devedor no banco de dados, no prazo de cinco dias (REsp 1.149.998).
O prazo de prescrição para o ajuizamento de ação de indenização por cadastro irregular é de dez anos, quando o dano decorre de relação contratual, tendo início quando o consumidor toma ciência do registro (REsp 1.276.311).

Não cabe indenização por dano moral, segundo o STJ, em caso de anotação irregular quando já existe inscrição legítima feita anteriormente (Rcl 4.310). Para o Tribunal, o ajuizamento de ação para discutir o valor do débito, por si só, não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Para isso ocorrer, é necessário que as alegações do devedor na ação sejam plausíveis e que ele deposite ou pague o montante incontroverso da dívida (REsp 856.278).
 
Fonte: STJ

INFORMATIVOS JURISPRUDENCIAIS DO STJ ANTERIORES A 2012

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Fonte: Superior Tribunal de Justiça 

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