quarta-feira, 17 de outubro de 2012

PROCESSOS REPETITIVOS: Vivemos, hoje, sob um sistema de stare (in)decisis

 
Revista Consultor Jurídico, 17 de outubro de 2012
 
Desde sua publicação em 1973, o Código de Processo Civil tem passado por sucessivas alterações, decorrentes de mais de seis dezenas de leis reformadoras que se ocuparam em atualizar a legislação codificada naquilo em que ela não mais atendia aos anseios de uma sociedade complexa e de risco. Pode-se destacar, entre os principais diplomas reformadores, a Lei 8.952/1994 e a Lei 11.332/2005, que instituíram, a primeira, a antecipação dos efeitos da tutela e a tutela específica relativa aos deveres de fazer e de não fazer, e a segunda, nova técnica processual para o cumprimento e execução de sentença.
Essas alterações certamente tornaram o processo mais célere. Porém, as sucessivas modificações acarretaram contradições internas no Código de Processo Civil, provocando, aqui e ali, o surgimento de dúvidas, gerando insegurança a respeito da melhor interpretação de determinados dispositivos. Objetivando corrigir esse inconveniente, a presidência do Senado Federal instituiu, em 2010, comissão de juristas para elaboração de anteprojeto de novo Código de Processo Civil, que se converteu no PLS 166/2010. Discutido e aprovado no Senado Federal, o projeto seguiu para Casa Revisora, onde tramita sob a denominação de PL 8.046/2010.
O relator-geral do PL 8.046/2010, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), apresentou, no último dia 19 de setembro, seu relatório-geral de atividades. Para os dias 16 e 17 de outubro, está agendada a discussão do texto na comissão especial respectiva, da Câmara de Deputados.
O projeto de lei possui inúmeras virtudes, mas, como qualquer empresa humana, não alcançou unanimidade, encontrando resistências ideológicas em certos setores da comunidade acadêmica que, entre outras críticas, reputam inadequada a opção do projeto do novo Código de Processo pela adoção mais ostensiva do sistema de obrigatoriedade dos precedentes judiciais.
Pretendemos, neste breve ensaio, apresentar como se deu a separação entre os dois grandes sistemas jurídicos ocidentais e expor as pretensões racionalistas herdadas pelo civil law. Feito isso, apresentamos, em apertada síntese, o que seria um sistema de precedentes judiciais, com o propósito de justificar a adoção desta orientação pelo Direito brasileiro e demonstrar como as críticas que lhe são encetadas não podem prosperar. O tema, evidentemente, merece aprofundamento. Desejamos, aqui, fazer apenas uma introdução, esperando poder tratar de seus desdobramentos adiante, em outros pequenos ensaios.
O Direito brasileiro tem sua origem e tradição baseadas no sistema de civil law, ou de direito legislado, de filiação romano-germânica, que se distingue em alguns aspectos do common law.
O caráter desses distintos sistemas jurídicos foi forjado entre 1350 e 1600, período que compreende o Renascimento e a Reforma. Foi nesses séculos que ocorreu a grande divisão do mundo jurídico ocidental civilizado. O motivo dessa divisão foi, por um lado, a facilidade de incorporação do direito romano pelas jurisdições da Europa continental e, por outro lado, a incapacidade do Direito romano de penetrar permanentemente o universo jurídico inglês, que perpetuou as regras tradicionais nativas, estas aplicadas de modo uniforme em todo o reino por um único corpo de juízes, sendo, por essa razão, denominadas de common law, ou Direito comum.
O Direito brasileiro carrega também a herança do racionalismo jurídico, movimento surgido alguns séculos depois da divisão do direito ocidental em seus dois grandes sistemas jurídicos.
Como se sabe, o racionalismo jurídico tem sua origem no século XVIII, com as primeiras tentativas legislativas para codificar os sistemas jurídicos nacionais em linhas sugeridas pelos ideais próprios do direito natural. A mais famosa codificação da época é o código civil francês, que entrou em vigor na virada para o século XIX. Contudo, antes mesmo do “Código de Napoleão”, notadamente na Prússia e na Áustria, já havia esforços para pôr em ordem o direito civil herdado dos romanos e, por sua vez, para torná-lo compatível com os costumes locais da época. De fato, foi a Allgemeines Landrecht, ou lei geral do país, da Prússia, o primeiro código legal nacional a entrar em vigor no ocidente.
Ao contrário do que geralmente é divulgado, embora fosse a pátria do Iluminismo, o papel desempenhado pelo racionalismo na elaboração do Código Civil francês foi modesto, pois, ao final, o código produzido pela comissão nomeada por Napoleão, composta em sua grande maioria por anciãos, acabou sendo constituído em sua maior parte pelo direito antigo, precisamente pela combinação dos antigos costumes germânicos da região norte da França, do Direito romano e Do direito canônico, predominando, cada um deles, em cada uma das principais partes do Código.
Naturalmente, o Direito brasileiro assimilou as principais pretensões daquele movimento. Costuma-se afirmar que a principal ambição do racionalismo era tornar o Direito um conjunto composto exclusiva ou predominantemente de preceitos legislativos. Mas essa não era a única, nem a mais elevada pretensão. O racionalismo jurídico pretendia também conceber uma ordem jurídica completa, desprovida de lacunas, sendo consistente, livre de contradições e precisa, não podendo haver na ordem jurídica estabelecida normas vagas ou ambíguas. Em resumo, para o racionalismo jurídico, o Direito deveria ser sempre um sistema autossuficiente para fornecer uma solução unívoca para todo e qualquer caso.
Enquanto no civil law pretendia-se escravizar os juízes à letra da lei, no sistema jurídico de origem inglesa, o common law, ou de direito consuetudinário, como é às vezes chamado, assumiu-se a concepção antagônica de que os juízes, de fato, também criam o direito.
É bastante equivocada a ideia de que o common law só permite que os juízes criem direitos porque nos países que o adotam não há grande produção legislativa — se comparada à que podemos encontrar nos países que adotaram o civil law. Tomando o exemplo do Direito norteamericano, podemos constatar que naquele país há um grande emaranhado de leis estaduais e federais, em número bastante superior a países cujos sistemas jurídicos se perfilham ao civil law.
Não é a codificação ou a quantidade de leis escritas promulgadas pelo legislativo, portanto, o critério responsável pela distinção entre esses dois sistemas. Nem mesmo a supremacia da lei pode ser um critério, pois também no common law a autoridade da lei é superior à autoridade das decisões judiciais. Ao permitir que o juízes do common law criem direitos, assume-se, com isso, apenas que a legislação não tem a pretensão de regular todos os casos que podem ser levados ao Judiciário.
Neste ponto, e quanto ao que se tem dito em artigos e jornais, não consideramos um bom argumento, contra a adoção do sistema de precedentes obrigatórios no Brasil, aquele que se baseia apenas no fato de o nosso país ser de tradição jurídica romano-germânica e não anglo-saxônica, ou seja, pelo simples fato de, por sermos filiados à vertente romanística e, por isso, termos a lei como principal fonte formal do Direito. Não podemos considerar razoável a crítica de que tal exigência não poderia ser estabelecida pela Lei, ao argumento de que no common law essa exigência teria sido feita diante de prática judicial sedimentada no tempo. Sem perceber, o argumento volta-se contra si próprio. É que, se adotamos um sistema baseado primordialmente na lei, então é natural que alterações no sistema sejam feitas por meio da lei. Além disso, o argumento parece esquecer que o próprio stare decisis não surgiu “naturalmente” como um reflexo do que ocorria na Inglaterra do final do século XIX. Foi, antes, fruto de uma decisão — e judicial, ressalte-se.
Se o common law nos fornece, com seu próprio aprendizado histórico, alguma contribuição, não é sustentável a recomendação para esperarmos a passagem do tempo até que, “naturalmente”, aprendamos sozinhos, com nossos “próprios” erros, nossas “próprias” regras. O Direito não pode ter apenas uma postura descritiva da realidade. Pelo contrário, atuando sobre ela, cabe-lhe transformá-la ou conformá-la. Com efeito, o direito positivo se expressa e evolui por meio do reconhecimento da realidade social e de novos e emergentes interesses de uma determinada comunidade.
O que, de fato, diferencia os dois sistemas é a postura dos seus juízes e tribunais quanto ao respeito pelos precedentes judiciais.
Tendo em vista a aceitação de que os juízes do common law criam direitos, foi necessária a criação de regras e princípios para regularem o uso e o respeito aos precedentes judiciais e à autoridade deles para casos presentes e futuros. Decidiu-se, portanto, e em determinado momento, que passaria ser obrigatório o respeito a precedentes judiciais por parte juízes e tribunais de hierarquia inferior e aos próprios tribunais e juízes que os criaram.
O stare decisis, portanto, não se confunde com o common law. Este surgiu muito antes daquele. São, pois, independentes. Essa é mais uma razão para aceitarmos o fato de que nada obsta a adoção, no civil law, do stare decisis. Além disso, a adoção de um regime de respeito aos precedentes judiciais justifica-se por diversas razões. Ele traz segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade, desestímulo à litigância excessiva, confiança, igualdade perante a jurisdição, coerência, respeito à hierarquia, imparcialidade, favorecimento de acordos, economia processual (de processos e de despesas) e maior eficiência.
Embora muitos possam afirmar que o estabelecimento de direito e deveres por meio de leis escritas traz maior segurança aos cidadãos (já que o exercício da jurisdição estaria legal e previamente balizado), é inegável que, hoje, o juiz brasileiro tem muito mais poder de criação que o juiz do commom law, tendo em vista que, ao contrário deste último, aquele, em princípio, não deveria (pelo menos, à luz da letra de nossa legislação) nenhum respeito aos precedentes judiciais dos tribunais ou órgão que lhe sejam superiores. Isso se dá, dentre outras razões, por se sustentar, no Brasil, inexistir hierarquia entre juízes. Esse raciocínio é aplicável, inclusive, nos próprios tribunais superiores, onde tem sido natural a inobservância a seus próprios precedentes. O que se percebe é a confusão entre hierarquia e independência judicial, confundindo-se a aquela com insubordinação e com desnecessidade de respeito às decisões anteriores.
Esse modo de pensar, segundo pensamos, é equivocado. No entanto, trata-se de algo arraigado em nossa cultura e, particularmente, na cultura dos juízes: os juízes de instancias inferiores não se veem obrigados a observar os precedentes formados pelos tribunais; estes, por sua vez, não se veem orientados em repercutir, em seus julgados, orientações firmadas em decisões que tenham proferido anteriormente.
Tal estado de coisas contraria, evidentemente, a ideia de Estado de Direito estabelecida em nossa Constituição. Ora, se estabilidade e previsibilidade decorrem, naturalmente, da ideia de que vivemos em um estado de direito, não há como se fugir desta consequência: os precedentes judiciais devem, sim, ser respeitados, pelos próprios órgãos judiciais que o conceberam e pelos que a eles encontram-se vinculados.
É inegável que um sistema jurídico é passível de albergar no seu interior decisões judiciais contraditórias. E a divergência entre pronunciamentos judiciais em si mesma não é um mal, desde que temporária, durando apenas o tempo necessário para a maturação a respeito de qual seja a melhor orientação a ser adotada, em determinado caso. Essas duas situações são, porém, indesejáveis e precisam ser evitadas. Aliás, mesmo nos países que tradicionalmente adotam o stare decisis isso ocorrem. O sistema de precedentes judiciais jamais eliminará por completo a possibilidade de haver contradição e a divergência no interior da ordem jurídica. Ele apenas reduz sua ocorrência, conduzindo à integridade sistêmica. Nem mesmo significa a perda do “livre convencimento” do juiz — desde que por livre convencimento se entenda a possibilidade de os juízes demonstrarem que, em determinado caso, os fatos e a situação são distintos o bastante daqueles em que se firmou o precedente judicial prima facie obrigatório, de tal modo que seguir o precedente iria contra as próprias razões de existir do stare decisis. Como o Justice Frankfurter escreveu em seu voto dissidente em Monroe v. Pape, “a regra do stare decisis, embora sirva para dar consistência e uniformidade às decisões, não é inflexível”.
O problema da tomada de decisões díspares em casos semelhantes no Brasil é especialmente acentuado nos tribunais, onde, às vezes em um mesmo dia, uma câmara ou turma, ou mesmo um relator, pode tomar decisões distintas para casos similares.
Vivemos, hoje, sob um sistema de stare (in)decisis.
Tome-se, para ilustrar, os seguintes exemplos retirados da jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça.
Em 2008, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei apresentado pelo Poder Executivo que, culminando com a promulgação da Lei 11.672/2008, criou o artigo 543-C no Código de Processo Civil, autorizando o Superior Tribunal de Justiça a analisar recursos especiais repetitivos através de técnica de julgamento “por amostragem”.
Este dispositivo, em princípio, poderia ter o efeito de alterar o sistema processual brasileiro, imprimindo mais racionalidade e efetividade ao serviço de prestação jurisdicional, consubstanciando, assim, mais uma técnica do regime processual de causas repetitivas que está se formando para aperfeiçoar o sistema judicial brasileiro. De acordo com tal regra, verificando a multiplicidade de recursos especiais fundados na mesma matéria, o presidente do tribunal de origem poderá selecionar um ou mais processos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça, suspendendo os demais recursos idênticos até o pronunciamento definitivo dessa Corte. Podem ser feitas, evidentemente, críticas ao modus operandi observado pelo STJ, na observância da regra do artigo 543-C (basta lembrar, p.ex.: a falta de critérios claros em relação à escolha dos recursos a serem examinados; à vedação, praticamente absoluta, a que aqueles que tiveram seus recursos sobrestados acompanhem, mesmo que como “terceiros”, o julgamento dos recursos selecionados; etc.). Esse é um tema, porém, que merece ser analisado em outro texto.
Diante dessa nova sistemática, indaga-se: É possível o pedido de desistência do recurso escolhido como representativo da controvérsia? Sabe-se que a desistência é um direito do recorrente, assim como constitui um requisito negativo de admissibilidade recursal. Inexiste dúvida quanto ao exercício desse direito nos recursos especiais não submetidos ao regramento do art. 543-C do CPC (REsp 1.243.226-RS – j. 18.08.2011). Porém, o STJ enfrentou esse tema em duas oportunidades, dando para os casos soluções distintas: no primeiro deles, optou, em questão de ordem, por maioria, em inadmitir a desistência (REsp. 1.063.343/RS – j. 17.12.2008); no segundo julgamento, o Superior Tribunal de Justiça admitiu, a unanimidade, a possibilidade de desistência, sem prejuízo do julgamento da tese objeto do recurso repetitivo (REsp 1.067.237-SP – j.24.06.2009).
Entendemos que esse último julgado se coaduna com a sistemática processual vigente, pois admite o exercício do direito de desistência, bem como possibilita o julgamento da tese jurídica. Mas não podemos nos furtar da crítica a viradas repentinas de jurisprudência justamente daquele Tribunal, pois lhe cabe o papel de órgão máximo de uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional.
Portanto, decisões como essas devem passar por um processo de amadurecimento que motive e fundamente inversões de posicionamentos da Corte.
Neste ponto, parece-nos acertada a previsão do artigo 882 do projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010), ao prescrever que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, haja vista a necessidade de concretização dos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proteção legítima da confiança e da isonomia.
Porém, isso não significa que o projeto do novo Código de Processo Civil desconheça a capacidade de aprendizagem da realidade que não apenas o texto constitucional possui, mas também os diplomas infralegais, prescrevendo, no mesmo artigo, para as hipóteses em que a mudança de entendimento seja imperiosa, a necessidade de fundamentação adequada e específica, levando-se em conta os princípios da segurança jurídica, da confiança e isonomia.
Pretendemos dar realce a essas técnicas, destinadas a aperfeiçoar ou corrigir a jurisprudência, em textos vindouros.
José Miguel Garcia Medina é advogado, presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB, professor associado da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e professor titular da Universidade Paranaense. Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP
Alexandre Freire é pesquisador do Núcleo de Direito Processual da PUC-SP. Mestre em Direito do Estado pela UFPR, doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Alonso Freire é professor da UNICEUMA e UFMA. Mestre em Direito Constitucional pela UFMG.
 
 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº. 504

Informativo n. 0504
Período: 10 a 19 de setembro de 2012.

As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.
Corte Especial

TEMPESTIVIDADE DE RECURSO. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO POSTERIOR EM AGRAVO REGIMENTAL.

Adotando recente entendimento do STF, a Corte Especial decidiu que, nos casos de feriado local ou de suspensão do expediente forense no Tribunal de origem que resulte na prorrogação do termo final para interposição do recurso, a comprovação da tempestividade do recurso especial pode ser realizada posteriormente, quando da interposição do agravo regimental contra a decisão monocrática do relator que não conheceu do recurso por considerá-lo intempestivo. Precedentes citados do STF: AgRg no RE 626.358-MG, DJe 23/8/2012; HC 108.638-SP, DJe 23/5/2012; do STJ: AgRg no REsp 1.080.119-RJ, DJe 29/6/2012. AgRg no AREsp 137.141-SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/9/2012.

QO. CC. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E DA EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO.

A Segunda Seção do STJ é competente para julgar conflitos de competência entre juízos da recuperação judicial e da execução fiscal, originados em recuperação judicial, envolvendo execuções fiscais movidas contra empresários e sociedades empresárias em recuperação judicial, a teor do art. 9º, § 2º, IX, do RISTJ. Isso porque, no processo de recuperação judicial, é formado um juízo universal que buscará “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (art. 47 da Lei n. 11.101/2005). Assim, o fato de a empresa estar em recuperação judicial atrai a competência da Segunda Seção. QO no CC 120.432-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgada em 19/9/2012.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE

Nos casos em que seja negado provimento ao recurso, a redução dos honorários advocatícios só é possível se houver pedido expresso na petição recursal. Nessa circunstância, reduzir de ofício o montante destinado ao pagamento de honorários ofende os arts. 128, 460 e 515 do CPC. Isso porque a matéria a ser debatida no recurso é determinada pelas partes e a inobservância desses limites importa em julgamento ultra ou extra petita.Tal hipótese difere dos casos nos quais não há pedido específico de redução de honorários, mas há provimento do recurso, pois nesses casos a alteração da verba honorária é uma decorrência lógica do provimento do recurso. Precedentes citados: EDcl no REsp 560.165-CE, DJ de 9/2/2004; EDcl no REsp 1.276.151-SC, DJe 17/2/2012; AgRg no AREsp 43.167-RJ, DJe 14/5/2012; AgRg no Ag 1.296.268-SP, DJe de 22/6/2010; REsp 870.444-CE, DJ 29/3/2007. EREsp 1.082.374-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgados em 19/9/2012.
Primeira Seção

RECURSO REPETITIVO. TABELA DE RESSARCIMENTO DO SUS. FATOR DE CONVERSÃO. TERMO FINAL DO ÍNDICE DE REAJUSTE.

A Seção, ao apreciar REsp submetido ao regime do art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ, firmou o entendimento de que os valores da tabela do SUS, para ressarcimento de serviços prestados por hospitais conveniados, devem ser convertidos de cruzeiro real para real pela URV nos termos do art. 1º, § 3º, da MP n. 542/1995, convertida na Lei n. 9.069/1995. Deve-se, para tanto, utilizar o índice fixado pelo Bacen de Cr$ 2.750,00, visto que é quem detém competência exclusiva para tal ato, desconsiderado qualquer outro fator de correção, ainda que fixado mediante acordo. Ademais, assentou-se que o termo final da incidência do índice de 9,56% sobre os ressarcimentos de serviços prestados ao SUS deve ser 1º de outubro de 1999, conforme o art. 2º da Portaria n. 1.323/1999 do Ministério da Saúde; pois, a partir dessa data, os serviços prestados ao SUS passaram a ser pagos com base nos novos valores. Precedentes citados: REsp 975.547-PE, DJe 4/10/1997; REsp 730.433-RS, DJe 4/2/2009; AgRg no AG 1.132.211-CE, DJe 17/8/2009, e AgRg no REsp 874.544-AL, DJe 5/5/2008. REsp 1.179.057-AL, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/9/2012.

PAD. COMISSÃO. ESTABILIDADE DOS MEMBROS NO SERVIÇO PÚBLICO.

A Seção, por maioria, entendeu que não é nulo processo administrativo disciplinar – PAD conduzido por servidores que não possuam estabilidade no atual cargo que ocupam, desde que já tenham adquirido a estabilidade no serviço público. O art. 149 da Lei n. 8.112/1990 dispõe que o PAD será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis. No caso, um dos membros da comissão processante ainda se encontrava em estágio probatório relativo ao cargo de auditor fiscal, mas, em virtude de já ter ocupado outro cargo por cerca de dez anos (técnico da Receita Federal), já era estável no serviço público. Ressaltou-se, ademais, que não se evidenciou nenhum prejuízo ao procedimento administrativo instaurado, visto que o referido servidor não havia participado da fase conclusiva, por ter sido substituído cerca de três meses depois de instaurado o processo. Acrescentou-se, ainda, que, em virtude da nova configuração administrativa, na qual são criados muitos órgãos correicionais, é comum encontrar servidores nesses quadros que não tenham estabilidade no cargo, embora sejam estáveis no serviço público. Por fim, asseverou-se que a Lei n. 8.112/1990, ao disciplinar o exercício do servidor em estágio probatório (art. 20, §§ 3º, 4º e 5º, Lei n. 8.112/1990) não veda sua participação em comissão de sindicância ou disciplinar. Portanto, a estabilidade exigida no art. 149 da mencionada lei deve ser aferida no serviço público, não no cargo. MS 17.583-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/9/2012 (ver Informativo n. 503).
Segunda Seção

CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA ESTADUAL E A FEDERAL. RÉUS DISTINTOS. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA RATIONE PERSONAE.

Compete à Justiça estadual processar e julgar demanda proposta contra o Banco do Brasil, sociedade de economia mista, e à Justiça Federal processar, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, julgar ação proposta contra a Caixa Econômica Federal, empresa pública federal. Ante a incompetência absoluta em razão da pessoa, mesmo que se cogite de eventual conexão entre os pedidos formulados na exordial, ainda assim eles não podem ser julgados pelo mesmo juízo. CC 119.090-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/9/2012.
Terceira Seção

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DECISÃO EM RECURSO ESPECIAL.

Nos embargos de divergência, apenas as decisões proferidas em recurso especial são admitidas para comprovar os dissídios jurisprudenciais entre as Turmas deste Tribunal, entre estas e a Seção ou Corte Especial (art. 546, I, do CPC e art. 266 do RISTJ). Com base nesse entendimento, a Seção negou provimento ao regimental que utilizara habeas corpus como paradigma. EREsp 998.249-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgados em 12/9/2012.

CC. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEF. JUSTIÇA FEDERAL.

A Seção, ao rever a jurisprudência pacificada desta Corte, adotou o entendimento sufragado no julgamento do CC 119.305-SP (DJe 23/2/2012) e declarou competente a Justiça Federal para apurar e julgar os crimes de malversação de verbas públicas oriundas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundef , ainda que ausente a complementação de verbas federais. Segundo recente posicionamento da Terceira Seção, diante do caráter nacional da política de educação, fica evidenciado o interesse da União na correta aplicação dos recursos públicos, o que atrai a competência da Justiça Federal. Precedente citado: CC 119.305-SP, DJe 23/2/2012. CC 123.817-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/9/2012.

CC. IMPORTAÇÃO DE ANABOLIZANTES SEM REGISTRO NA ANVISA. INTERNACIONALIDADE DA CONDUTA. JUSTIÇA FEDERAL.

A Justiça Federal é a competente para conhecer e julgar o crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, do CP – importação e posse de medicamento sem registro no órgão competente – desde que caracterizada a internacionalização da conduta. In casu, o paciente foi preso em flagrante, durante uma fiscalização da Receita Federal, quando trazia consigo anabolizantes sem o devido registro da Anvisa, em um ônibus procedente da cidade de Foz do Iguaçu. Segundo confessado pelo paciente, ele seria o responsável pela aquisição dos medicamentos no Paraguai e por seu ingresso no território nacional. Na linha de precedentes desta Corte, a competência para processo e julgamento de crimes contra a saúde pública, em regra, é concorrente aos entes da Federação. Entretanto, se constatada a lesão a bens, interesses e serviços da União, verificada na internacionalidade da conduta criminosa, firma-se a competência da Justiça Federal. Precedente citado: CC 116.037-SP, DJe 17/11/2011. CC 119.594-PR, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-PE), julgado em 12/9/2012.
Primeira Turma

ANISTIADO POLÍTICO. REPARAÇÃO ECONÔMICA CUMULADA COM DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.

A reparação econômica prevista na Lei n. 10.559/2002 possui dúplice caráter indenizatório, abrangendo os danos materiais e morais sofridos pelos anistiados políticos. Embora os direitos expressos na Lei de Anistia não excluam os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, é vedada a acumulação de quaisquer pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao beneficiário a opção mais favorável. Portanto, o anistiado político beneficiado com o recebimento da indenização não pode propor demanda de reparação de danos morais, com base no CC, com a mesma fundamentação utilizada na comissão de anistia, sob pena de infringir o princípio do bis in idem. REsp 1.323.405-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 11/9/2012.

SENTENÇA DECLARATÓRIA. EFICÁCIA EXECUTIVA. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.

Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz a definição integral da norma jurídica individualizada. No caso, na ação declaratória, houve pedido expresso de repetição ou compensação tributária. Portanto, se a sentença apresentou todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez e exigibilidade), não há necessidade de submetê-la a um novo juízo de certificação antes da execução. Assim, é possível apurar, em sede de liquidação judicial, o quantum a ser posteriormente compensado na via administrativa, tendo em vista o reconhecimento de indébito tributário em ação declaratória. Precedentes citados: EREsp 609.266-RS, DJ 11/9/2006, e REsp 602.469-BA, DJ 31/8/2007. REsp 1.100.820-SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18/9/2012.
Terceira Turma

DANO MORAL. ESPERA EM FILA DE BANCO.

O dano moral decorrente da demora no atendimento ao cliente não surge apenas da violação de legislação que estipula tempo máximo de espera, mas depende da verificação dos fatos que causaram sofrimento além do normal ao consumidor. Isso porque a legislação que determina o tempo máximo de espera tem cunho administrativo e trata da responsabilidade da instituição financeira perante a Administração Pública, a qual poderá aplicar sanções às instituições que descumprirem a norma. Assim, a extrapolação do tempo de espera deverá ser considerada como um dos elementos analisados no momento da verificação da ocorrência do dano moral. No caso, além da demora desarrazoada no atendimento, a cliente encontrava-se com a saúde debilitada e permaneceu o tempo todo em pé, caracterizando indiferença do banco quanto à situação. Para a Turma, o somatório dessas circunstâncias caracterizou o dano moral. Por fim, o colegiado entendeu razoável o valor da indenização em R$ 3 mil, ante o caráter pedagógico da condenação. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.331.848-SP, DJe 13/9/2011; REsp 1.234.549-SP, DJe 10/2/2012, e REsp 598.183-DF, DJe 27/11/2006. REsp 1.218.497-MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 11/9/2012.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE CARONA EM "CAVALO MECÂNICO" QUE TRACIONAVA REBOQUE.

O proprietário de reboque responde, solidariamente com o proprietário do cavalo mecânico que o tracionava, por acidente de trânsito no veículo conduzido por preposto do qual resultou a morte de vítima que estava dentro do veículo na condição de carona. As instâncias ordinárias expressamente afirmaram a existência de liame de subordinação e preposição entre a proprietária do reboque e o dono do cavalo-mecânico, o que não pode ser revisto na instância especial. A relação de preposição, que se caracteriza pela subordinação hierárquica, desafia a responsabilidade, pois o preposto – motorista – age no interesse e sob autoridade, ordens e instruções do preponente – empregador –, a quem cabe a fiscalização da atividade imputada. Há culpa in eligendo da transportadora que contrata transportador autônomo dono de automóvel inadequadamente conservado, cujas deficiências foram detectadas no sistema de freios (falha mecânica e ruptura do chassi com a presença de rachadura e oxidação). Ao permitir a circulação de veículo nessa condição, tracionando reboque da sua propriedade (alugado para o cumprimento do transporte de cargas em rodovias movimentadas), não observou o dever de cuidado objetivo de não lesar o próximo (neminem laedere). A despeito de não possuir força motriz independente, quer dizer, aptidão para se movimentar autonomamente, o reboque da transportadora foi alugado para cumprir uma finalidade contratual e econômica de seu interesse, circunstância que não a exime de assumir as consequências pelo acidente causado por “cavalo-mecânico” mal conservado. Trata-se de responsabilidade objetiva do transportador, atualmente prevista no art. 735 do CC (sem correspondente no Código de 1916), que não exclui a responsabilidade no caso de fortuito interno (ligado à pessoa, à coisa ou à empresa do agente). REsp 453.882-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 18/9/2012.

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMODATO. ALUGUEL-PENA EM RAZÃO DE MORA NA RESTITUIÇÃO.

O comodante pode fixar aluguel de forma unilateral em caso de mora do comodatário na restituição da coisa emprestada, desde que em montante não superior ao dobro do valor de mercado. O art. 582, 2ª parte, do CC dispõe que o comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituir a coisa, o aluguel que for arbitrado pelo comodante. A natureza desse aluguel é de uma autêntica pena privada, e não de indenização pela ocupação indevida do imóvel emprestado. O objetivo central do aluguel não é transmudar o comodato em contrato de locação, mas sim coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. O arbitramento do aluguel-pena não pode ser feito de forma abusiva, devendo respeito aos princípios da boa-fé objetiva (art. 422/CC), da vedação ao enriquecimento sem causa e do repúdio ao abuso de direito (art. 187/CC). Havendo arbitramento em valor exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, com eventual aplicação analógica da regra do parágrafo único do art. 575 do CC, que, no aluguel-pena fixado pelo locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado se mostre manifestamente excessivo ou abusivo. Para não se caracterizar como abusivo, o montante do aluguel-pena não pode ser superior ao dobro da média do mercado, considerando que não deve servir de meio para o enriquecimento injustificado do comodante. REsp 1.175.848-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 18/9/2012.
Quarta Turma

ACP. INSTALAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA.

A Turma manteve decisão proferida em ACP ajuizada pelo MP em que se condenou a empresa de telefonia ora recorrente ao cumprimento de diversas obrigações de fazer e não fazer, entre elas, a de não prestar serviços de habilitação de linha telefônica sem autorização expressa, bem como a de excluir os nomes de todos os consumidores dos bancos de restrição de crédito em que não há prova escrita da solicitação do referido serviço, sob pena de pagamento de multa diária. Em preliminar, sustentou-se a regularidade da pretensão deduzida na inicial – o pedido de imposição de obrigação de fazer ou não fazer à empresa telefônica –, feita sem qualquer afronta ao ordenamento jurídico. Em seguida, considerou-se o MP como parte legítima ad causam para a propositura da ACP na defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores. No mérito, a Min. Relatora asseverou que não houve qualquer violação da legislação federal na análise do conjunto probatório uma vez que o decisum condenatório está amparado em vasta documentação juntada aos autos, em que se verifica que inúmeros consumidores tiveram linhas telefônicas instaladas em seus nomes, em estados diversos de seu domicílio, sem sua autorização, gerando, assim, cobranças indevidas pelo serviço e irregular inscrição em cadastro de inadimplentes. Esclareceu, ainda, que o acórdão recorrido, ao manter a sentença condenatória, em momento algum, restringiu o direito da empresa de atender as solicitações via call center, nem sequer se exigiu a formalidade da assinatura de contrato escrito. De fato, o que se impõe à empresa telefônica é o condicionamento da prestação do serviço à autorização escrita do consumidor de forma a evidenciar a sua concordância. Observou, ainda, a Min. Relatora que a rotina da empresa em nada será alterada; pois, conforme afirmado nas próprias razões recursais, os prepostos já são orientados para, quando da instalação da linha telefônica, conferir os dados do consumidor e colher sua assinatura no termo de aceitação dos serviços. REsp 976.217-RO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11/9/2012.

PROTESTO DE TÍTULO. CANCELAMENTO APÓS PAGAMENTO. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR.

A Turma, por maioria, firmou o entendimento de que, no caso de protesto regularmente lavrado, não é do credor a responsabilidade pela baixa do registro após a quitação da dívida. Nos termos do art. 26 da Lei n. 9.492/1997, o cancelamento do registro de protesto pode ser solicitado pelo devedor ou qualquer garante da dívida que detenham a posse do título protestado ou da carta de anuência do credor, não importando se a relação que deu origem à cártula é de consumo. A Min. Maria Isabel Gallotti destacou que não se confunde o registro de dados de maus pagadores previsto no art. 43 do CDC com o de protesto de títulos. O caráter público por assemelhação conferido pelo § 4º do referido artigo a tais cadastros não os equipara, em natureza e finalidade, aos cartórios extrajudiciais, delegatários de atividade pública, sujeitos a rígida disciplina e fiscalização estatal. A atividade dos cartórios é pública por natureza e de caráter essencial ao regime legal dos títulos de crédito, não se alterando a disciplina dos atos concernentes ao protesto conforme esteja o título protestado vinculado ou não à relação de consumo subjacente. Assim, diante da existência de legislação específica, não há como transpor a disciplina do art. 43 do CDC para a atividade dos cartórios extrajudiciais. Diante dessas considerações, deu-se provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença que julgou improcedente o pedido de condenação do credor por danos morais decorrente da manutenção do nome do devedor no cartório de protesto de título, mesmo após o pagamento do débito. REsp 1.195.668-RS, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11/9/2012.

NOVO PACTO ENTRE CREDOR E DEVEDOR SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS FIADORES NA EXECUÇÃO.

A transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador com a dilação do prazo para o pagamento da dívida extingue a garantia fidejussória anteriormente concedida. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso especial para acolher a exceção de pré-executividade oferecida em primeiro grau e, por conseguinte, determinar a exclusão dos fiadores do polo passivo da ação de execução. No caso, não obstante a existência de cláusula prevendo a permanência da garantia pessoal no novo pacto, a responsabilidade dos fiadores está limitada aos exatos termos do convencionado na obrigação original – ao qual expressamente consentiram – visto que a interpretação do contrato de fiança deve ser restritiva (art. 1.483 do CC/1916). Além disso, asseverou o Min. Relator que a extinção da garantia teria ocorrido com base em duplo fundamento, qual seja, a ocorrência da transação e moratória simultaneamente. Conquanto a transação e a moratória sejam institutos jurídicos diversos, ambas têm o efeito comum de exoneração do fiador que não anuiu com o acordo firmado entre credor e devedor (art. 838, I, do CC). Considerou-se, ainda, como parâmetro, o enunciado da Súm. 214 do STJ, a qual, apesar de se referir a contratos de locação, pode ser aplicada por extensão à situação dos fatos, pois a natureza da fiança é a mesma. REsp 1.013.436-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/9/2012

JULGAMENTO EXTRA PETITA. LIMITE COGNITIVO DA APELAÇÃO.

A Turma reiterou, entre outras questões, que o julgamento extra petita viola a norma contida nos arts. 128 e 460 do CPC, que adstringe o juiz a julgar a lide nos limites das questões suscitadas, impondo a anulação da parte da decisão que exacerbar os limites impostos no pedido. Assim, com a instauração da demanda, considera-se aquilo que se pretende a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só os constantes em capítulo especial ou sob a rubrica dos pedidos. Na hipótese, cuidou-se, na origem, de ação de interdito proibitório (ajuizada pela recorrida) que objetivava o impedimento de quaisquer obras em área destinada a estacionamento. Concomitantemente, ajuizou-se ação de manutenção na posse objetivando, além da manutenção na posse, o desfazimento das obras e jardins construídos no local litigioso, sendo a liminar concedida. Posteriormente, quando convocada nova assembleia geral para deliberação de mudança do local do estacionamento para outra área, a recorrida propôs ação cautelara fim de impedir sua realização, cuja liminar foi indeferida. Outrossim, em razão da perda do objeto da ação decorrente do resultado da assembleia, os recorridos pleitearam a extinção do processo. Diante da conexão, sobreveio sentença conjunta relativa às ações possessórias e à cautelar. Quando do julgamento da apelação, o tribunal a quo decidiu pela nulidade da assembleia geral que determinou a transferência do local do estacionamento, apesar de o pedido declinado na ação cautelar ter-se restringido à suspensão da realização da assembleia. Assim, verificou-se que, in casu, não constou, na ação de interdito, tampouco na demanda de manutenção na posse, pedido para coibir eventual convocação de assembleia geral que deliberasse acerca da mudança do local do estacionamento dos associados, bem como não há pedido de anulação de deliberação quanto a essa questão, até porque a mencionada assembleia é posterior à propositura daquelas demandas. Daí, para o Min. Relator, é forçoso reconhecer presente o julgamento extra petita, o que leva à anulação do acórdão que julgou a apelação, devendo outro ser proferido referente à perda do objeto recursal, ficando superada a questão da validade da deliberação da assembleia no ponto relacionado à transferência do estacionamento para outro local. Precedentes citados: REsp 1.316.926-SP, DJe 15/8/2012; AR 3.206-RS, DJe 24/8/2012, e AgRg nos EDcl no Ag 1.041.668-MG, DJe 26/6/2009. REsp 1.294.166-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/9/2012.

PRISÃO CIVIL. PAGAMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA.

A Turma reafirmou que o pagamento parcial da obrigação alimentar não afasta a regularidade da prisão civil. Destacou-se que este Superior Tribunal entende ser legítima a prisão civil do devedor de alimentos, quando fundamentada na falta de pagamento de prestações vencidas nos três meses anteriores à propositura da execução ou daquelas vencidas no decorrer do processo (Súm. n. 309/STJ). Ademais, eventuais alegações quanto à incapacidade material do recorrente de satisfazer a prestação alimentícia devem ser discutidas nos autos da ação de alimentos, não no âmbito estreito do writ, cujo trâmite não comporta dilação probatória. Precedente citado: HC 209.137-SP, DJe 13/9/2011. RHC 31.302-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/9/2012.
Quinta Turma

PROGRESSÃO. REGIME ABERTO. COMPROVAÇÃO DE TRABALHO. RAZOABILIDADE.

A Turma concedeu a ordem por entender que deve ser interpretada com temperamento a regra descrita no art. 114, I, da LEP, que exige do condenado, para a progressão ao regime aberto, a comprovação de trabalho ou a possibilidade imediata de fazê-lo,. Isso porque a realidade mostra que, estando a pessoa presa, raramente tem condições de, desde logo, comprovar a existência de proposta efetiva de emprego ou de demonstrar estar trabalhando por meio de apresentação de carteira assinada. No caso, o paciente cumpriu os requisitos exigidos pelo art. 112 da LEP, deixando, apenas, de obter a pretendida progressão prisional ante a ausência de apresentação de carta de proposta de emprego, o que configura o alegado constrangimento ilegal. Ademais, somente a superveniente inércia do apenado em demonstrar o exercício de atividade laboral lícita poderá autorizar a cassação do benefício. HC 229.494-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/9/2012.

HC SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NOVA ORIENTAÇÃO.

A Turma, acompanhando recente orientação do STF, decidiu não ser cabível a impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, o que inviabiliza a concessão da ordem, de ofício, para os writs já impetrados antes da mudança do entendimento. A nova orientação deu-se em resposta ao alargamento da admissibilidade do remédio constitucional em detrimento das vias recursais próprias constitucionalmente previstas, como é o caso do recurso ordinário em habeas corpus (arts. 102, II, a, e 105, II, a, da CF). A possibilidade de impetração de habeas corpus como substitutivo de recurso no processo penal abarrotou as cortes superiores e passou a inviabilizar os demais pronunciamentos jurisdicionais. Dessa forma, fez-se necessária a mudança de orientação para retomar a ordem constitucional, observados os princípios do devido processo legal, da celeridade e economia processual e da razoável duração do processo. Assim, não se conheceu do habeas corpus, mas a ordem foi concedida de ofício para revogar a prisão preventiva por falta de fundamentação, sendo ainda possível a expedição de novo decreto prisional fundamentado ou a adoção de outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. Precedentes citados do STF: HC 109.956-PR, DJe 11/9/2012; HC 104.045-RJ, DJe 6/9/2012; do STJ: HC 235.735-MG, DJe 1º/8/2012, e HC 234.354-SP, DJe 6/8/2012. HC 239.550-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/9/2012.
Sexta Turma

AUXÍLIO-ACIDENTE. MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL. LEI N. 9.032/1995. BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA.

A Turma reconheceu que o benefício de auxílio-acidente concedido em momento anterior à edição da Lei n. 9.032/1995 (que alterou a redação do art. 86 da Lei n. 8.213/1991) deverá observar o disposto na legislação em vigor quando de sua concessão. Na oportunidade, destacou-se que o STF reconheceu a repercussão geral do tema, firmando posicionamento pela impossibilidade de aplicação retroativa da majoração prevista na Lei n. 9.032/1995 aos benefícios de auxílio-acidente concedidos em data anterior à vigência da respectiva norma. É que a majoração de benefícios previdenciários, além de submetida ao postulado da contrapartida (CF, art. 195, § 5º), também depende, para efeito de sua veiculação, da observância do princípio da reserva de lei. E, segundo o posicionamento do STF, o mencionado dispositivo legal não trouxe qualquer previsão de fonte de custeio para atender, especificamente, a aplicação da lei aos benefícios anteriormente concedidos. Assim, revisto anterior posicionamento contrário do STJ sobre a matéria. Com fundamento no art. 543-B, § 3º, do CPC, a Turma, em sede de retratação, negou provimento ao recurso. Precedente citado do STF: RE 613.033-SP, DJe 9/6/2011. REsp 1.072.739-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/9/2012.

DEFENSOR DATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. NULIDADE. PRECLUSÃO. TRANSCURSO DE LONGO PRAZO.

A Turma denegou a ordem na qual se buscava a nulidade absoluta do processo em decorrência da falta de intimação pessoal do defensor dativo da data designada para a sessão de julgamento do recurso de apelação, nos termos do disposto no art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950 e art. 370, § 4º, do CPP. A Min. Relatora sustentou que, diante das peculiaridades do caso concreto, a alegada nulidade estaria superada pela inércia da defesa. Embora não intimado pessoalmente da sessão de julgamento da apelação, o defensor dativo teve ciência da íntegra do acórdão e, somente após seis anos, impetrou o presente writ. Segundo consta, a matéria sequer foi ventilada nos recursos especiais e extraordinários interpostos em favor do paciente. Assim, diante do transcurso de longo período de tempo sem que nada fosse alegado pela defesa, não se afigura plausível, à luz do princípio da segurança jurídica, o reconhecimento do suposto vício. Precedentes do STF: HC 99.226-SP, DJ 8/10/2010; HC 96.777-BA, DJ 22/10/2010: Precedentes do STJ: HC 130.191-SP, DJe 11/10/2010, e HC 68.167-SP, DJe 16/3/2009. HC 241.060-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/9/2012

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. HEDIONDEZ. NÃO CONFIGURAÇÃO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. INAPLICABILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DE LEI PENAL MAIS BENÉFICA.

A Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu a ordem para afastar a hediondez do delito de atentado violento ao pudor praticado pelo paciente, bem como para excluir a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Segundo o entendimento da Turma, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor (artigos 213 e 214, ambos do CP), cometidos mediante violência presumida, não são considerados hediondos se praticados antes da vigência da Lei n. 12.015/2009, que alterou a redação dada a Lei dos Crimes Hediondos, visto que tais delitos não estavam incluídos de forma expressa no art. 1º da Lei n. 8.072/1990. Quanto à circunstância majorante, sustentou-se sua inaplicabilidade em decorrência da superveniência de lei penal mais benéfica. A orientação jurisprudencial desta Corte a respeito do tema era no sentido de que a causa especial de aumento de pena incidiria nos crimes sexuais supracitados apenas quando resultassem lesões corporais de natureza grave ou morte. Entretanto, com o advento da novel legislação e a unificação dos delitos em tipo penal diverso (art. 217-A), sob a denominação de estupro de vulnerável, deve ser observado o novo preceito secundário mais favorável ao paciente (art. 2º do CPP). HC 107.949-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 18/9/2012.

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº.681

Informativo STF


Brasília, 24 a 28 de setembro de 2012 - Nº 681.




Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.



SUMÁRIO

Plenário
AP 470/MG - 105
AP 470/MG - 106
AP 470/MG - 107
AP 470/MG - 108
AP 470/MG - 109
AP 470/MG - 110
AP 470/MG - 111
AP 470/MG - 112
AP 470/MG - 113
AP 470/MG - 114
1ª Turma
RE: admissibilidade e protocolo ilegível
2ª Turma
Arma de fogo de uso restrito e prerrogativas de cargo
Clipping do DJe
Transcrições
Perda de Mandato – Quebra de Decoro Parlamentar –Votação Secreta (MS 31386 MC/DF)
Inovações Legislativas
Outras Informações



PLENÁRIO



AP 470/MG - 105

O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 680. Na sessão de 24.9.2012, o Min. Ricardo Lewandowski, revisor, ao prosseguir seu voto quanto aos acusados vinculados ao PP, cujas condutas estariam descritas no item VI da denúncia, procedeu à análise do delito de formação de quadrilha. Considerou demonstrada a estabilidade e permanência do vínculo subjetivo estabelecido entre alguns dos réus para o fim de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Assim, acompanhou o Min. Joaquim Barbosa, relator, para condenar João Cláudio Genú por formação de quadrilha (CP, art. 288) e corrupção passiva (CP, art. 317, caput). Em divergência, absolveu-o, com base no art. 386, VII, do CPP, da imputação de lavagem de dinheiro. Reafirmou as premissas lançadas no tocante ao corréu Pedro Corrêa e destacou que João Cláudio Genú seria mais do que mero intermediário no recebimento de vultosas quantias repassadas aos parlamentares do PP. De igual modo, sufragou o pronunciamento do relator para condenar Enivaldo Quadrado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V e VI). Repeliu, no que concerne ao último tipo penal, a sua prática por organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII), uma vez que a conceituação dessa figura não teria sido internalizada no ordenamento jurídico pátrio. Também rejeitou, com fulcro em anterior manifestação da Corte, a assertiva de prejudicialidade entre a presente ação penal e processo em trâmite na primeira instância decorrente do desmembramento do feito. Por outro lado, dissentiu do relator para absolver Breno Fischberg (CPP, art. 386, VII) das incriminações de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Reputou haver diferenças entre o seu comportamento e o de Enivaldo Quadrado, embora ambos fossem sócios da Bônus-Banval. Consignou inexistir comprovação de que tivesse realizado operações de repasses a corréus, assim como conhecimento da origem ilícita dos valores que tramitariam nas contas de sua empresa. Por fim, condenou Pedro Corrêa por formação de quadrilha.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 106

Na sequência, o revisor procedeu ao exame das acusações atribuídas aos integrantes do PL. Relativamente a Valdemar Costa Neto, acolheu a pretensão punitiva para condená-lo por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Verificou que, para a configuração desse crime, o réu não se limitara a receber de modo dissimulado vantagem indevida, diretamente ou por interposta pessoa. O parlamentar, além de ter ciência da origem ilícita das importâncias recebidas, simulara a realização de negócios jurídicos de fachada, por intermédio da empresa Guaranhuns, com o fito de conferir pretensa licitude aos pagamentos. Condenou, outrossim, Jacinto Lamas pelos mesmos delitos. Reportou-se aos fundamentos já lançados acerca de Valdemar Costa Neto. Acrescentou que o papel de Jacinto Lamas na empreitada criminosa não se resumiria ao de simples mensageiro ou coletor de recursos para o deputado federal. Além disso, o revisor aduziu que o fato de os sócios da Guaranhuns, Lúcio Funaro e José Carlos Batista, não integrarem o polo passivo da presente ação não descaracterizaria o tipo penal de formação de quadrilha. Concluiu pela ocorrência de associação estável de caráter permanente mantida entre Jacinto Lamas, Valdemar Costa Neto, Lúcio Funaro e José Carlos Batista com o objetivo de cometer, de forma reiterada, lavagem de capitais. Ato contínuo, acompanhou o relator para condenar Carlos Alberto Rodrigues (Bispo Rodrigues) por corrupção passiva. Discordou, entretanto, da incriminação de lavagem de dinheiro, absolvendo-o ante a falta de comprovação de que teria ciência (dolo) da origem ilícita dos valores que recebera a título de propina (CPP, art. 386, VII). Alfim, tal como fizera o relator, absolveu Antônio Lamas de todas as imputações, porém, com arrimo no inciso V do art. 386 do CPP.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 107

Na assentada de 26.9.2012, o revisor apreciou as condutas imputadas aos parlamentares vinculados ao PMDB e ao PTB. No tocante a José Borba, Roberto Jefferson e Romeu Queiroz, julgou o pleito parcialmente procedente para condená-los por corrupção passiva e absolvê-los da lavagem de dinheiro, com fulcro no art. 386, VII, do CPP. No que se refere a Emerson Palmieri, julgou o pedido totalmente improcedente para absolvê-lo de ambas as acusações, com base no art. 386, VII, do CPP. Analisou que José Borba teria recebido, de Delúbio Soares, determinada quantia por meio das empresas ligadas a Marcos Valério, conforme esquema já explicitado. Asseverou que a acusação não provara qual o ato de ofício praticado em troca dessa vantagem. Todavia, não seria necessária a identificação de qualquer ato dessa natureza, o que apenas fundamentaria eventual aumento de pena. Em relação à suposta lavagem de dinheiro, reportou-se às razões expostas anteriormente, no sentido da absolvição, e ressaiu que a incriminação relativa a este tipo penal fundar-se-ia em elementos configuradores de corrupção passiva.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 108

No que concerne a Roberto Jefferson, também identificou o recebimento de vantagem indevida nos moldes da esquemática narrada. Consignou que o acusado teria apontado a existência de acordo entre o PT e o PTB, à época dos fatos, no qual aquela agremiação promoveria ajuda financeira a esta para fins eleitorais, mas isto não teria sido honrado inteiramente. O revisor assinalou que, não obstante, esta verba, bem como outras — com diversas destinações — teriam sido percebidas de maneira escusa, sem prestação de contas. Em relação à suposta lavagem de dinheiro, reiterou os argumentos expendidos acerca dos demais réus para afastar a acusação. Quanto a Romeu Queiroz, apontou, de igual forma, ter auferido valores no contexto citado, alegadamente destinados à quitação de dívidas do PTB. Reiterou, porém, que a imputação relativa à lavagem de dinheiro não prosperaria, conforme o que já afirmado. Por outro lado, entendeu não provada a participação dolosa de Emerson Palmieri nos eventos descritos. Considerou que ele seria mero coadjuvante no esquema, com papel de liderança apenas política no PTB, sem vínculo com as finanças do partido. Sublinhou que os repasses de valores atribuídos a ele careceriam do liame subjetivo necessário à caracterização do tipo.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 109

Em 27.9.2012, a Min. Rosa Weber acompanhou o relator, com intuito de: a) absolver Antônio Lamas (CPP, art. 386, VII); e b) condenar Pedro Corrêa, Pedro Henry, Valdemar Costa Neto, Carlos Alberto Rodrigues, Roberto Jefferson, Romeu Queiroz e José Borba, na condição de autores, e João Cláudio Genú, Jacinto Lamas e Emerson Palmieri, como partícipes, pelo crime do art. 317, caput, do CP. Quanto à acusação de lavagem de dinheiro, sufragou o relator para condenar por esse delito — tendo por antecedentes crimes financeiros de terceiros e de peculato — Pedro Corrêa, Pedro Henry, Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg, Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas, Roberto Jefferson, Emerson Palmieri e Romeu Queiroz. Contudo, dissentiu do relator para absolver dessa imputação — tendo por antecedentes crimes de corrupção — os réus acima mencionados, além de João Cláudio Genú, Carlos Alberto Rodrigues e José Borba, com base no art. 386, III, do CPP. Prelecionou que o recebimento clandestino da vantagem indevida caracterizaria apenas meio para a consumação ou exaurimento da corrupção passiva, a depender do núcleo do tipo penal envolvido. No entanto, considerou que, apontados como crimes antecedentes também peculatos e gestão fraudulenta, o delito de lavagem de capitais configurar-se-ia em função de condutas de dissimulação, de sorte que o dinheiro já estaria maculado antes da própria corrupção. Versou que haveria elementos para inferir que os acusados teriam agido dolosamente na prática de lavagem de dinheiro, se não com dolo direto, então com dolo eventual. Elucidou que o profissional da lavagem, contratado pelo autor do crime antecedente para realizá-la, adotaria, em geral, postura indiferente em relação à procedência criminosa dos bens envolvidos, e não raramente se recusaria a aprofundar o reconhecimento a respeito. Destarte, ponderou que não admitir o crime de lavagem com dolo eventual indicaria exclusão da possibilidade de punição de formas mais graves desse delito, sendo, uma delas, a terceirização profissional da lavagem.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470 /MG - 110

Asseverou não ser necessário qualquer elemento subjetivo especial para reconhecer-se o dolo eventual, uma vez que isto decorreria da previsão genérica do art. 18, I, do CP (“Art. 18 - Diz-se o crime: ... I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”). Ressurtiu que essa interpretação respaldar-se-ia no item 40 da Exposição de Motivos 692/96, relativa a Lei 9.613/98 [“Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, § 1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou a dissimulação da utilização de bens, direitos ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo”]. Além disso, esse entendimento aplicar-se-ia também aos dirigentes da Bônus-Banval, contratados especificamente para ocultação e dissimulação dos valores. Salientou que os parlamentares destinatários finais do recebimento dos valores deteriam o completo domínio dos fatos, sendo possível, por isso, ilação de que agiram com dolo direto ou eventual. Estendeu essa conclusão a Jacinto Lamas, por sua posição relevante de tesoureiro do PL e envolvimento nos atos de lavagem, consistentes na realização de saques em espécie, por interposta pessoa. Entretanto, sublinhou que João Cláudio Genú estaria em situação subordinada, de maneira que não haveria certeza de que tivesse agido com dolo direto ou eventual, pelo que o absolveu. Excluiu também dessa imputação Carlos Alberto Rodrigues, porquanto tivera único repasse, circunstância que não seria elemento probatório suficiente para reconhecimento de dolo, sequer eventual. Afastou igualmente essa acusação quanto a José Borba, porque ele não se servira de profissionais da lavagem ou de terceiros para obtenção do dinheiro.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 111

No tocante à formação de quadrilha, divergiu do relator para absolver todos os réus, com base no art. 386, III, do CPP. Aludiu que o bem jurídico tutelado pelo tipo penal seria a paz pública, todavia, não no sentido material (a perturbação da paz pública em si), mas a situação de alarme no seio da coletividade, ou seja, quebra do sentimento geral de tranquilidade, que corresponderia à confiança na continuidade normal da ordem jurídico-social. Enunciou que essa regra de proibição pretenderia evitar a conduta que viabilizaria sociedades montadas para crime, por exemplo, de assalto, furto, falsificação, extorsão. Em contrapartida, aqueles que se reuniriam em quadrilha colimariam sobreviver com base nos produtos auferidos com ações delituosas indistintas, e, uma vez organizada essa sociedade criminosa, estaria consumado o delito, porque afetado bem jurídico tutelado pela paz pública. Preceituou que essa previsão legal, todavia, não se ajustaria às hipóteses de coautoria com mais de 3 agentes para a prática de crimes previamente combinados. Explicou que, nesse âmbito de decisão plural, inclusive, identificar-se-ia agravante genérica (CP, art. 62, I), ou até mesmo qualificadora, como acontece no furto (CP, art. 155, § 4º, IV). Sumarizou que o crime de quadrilha coibiria a estrutura da societas sceleri, aquela que causaria perigo por si mesma para a sociedade. Assim, compreendeu que a indeterminação da prática de crimes na ação final seria a base da diferenciação entre quadrilha e concurso de agentes puro e simples. Por fim, não vislumbrou a associação dos acusados para delinquir, indeterminadamente, pelo que entendeu haver mera coautoria, ainda que a envolver prática de vários crimes.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470 /MG - 112

O Min. Luiz Fux perfilhou, na integralidade, o relator. Acresceu que a conclusão de que os crimes de gestão fraudulenta e de lavagem de capitais poderiam conviver estaria assentada pelo Plenário, quando do julgamento do item IV da exordial acusatória. Afirmou que a ultima ratio do legislador, na lavagem de dinheiro, seria evitar a reinserção de recursos ilícitos na economia. Rememorou entendimento da Corte segundo o qual, não sendo considerada a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de corrupção, seria possível que 2 acusados respondessem por ambos os crimes, inclusive em ações penais diversas. Com relação ao argumento sustentado na tribuna de que valores repassados não seriam crime porque supostamente constituiriam “caixa 2”, colacionou doutrina consoante a qual esse sistema paralelo de movimentação de capitais sem registro configuraria ideia elementar de fraude escritural, cujo propósito seria impedir que órgãos de controle fiscalizassem e rastreassem fluxos monetários de relevância jurídica. Estimou que, ainda que se sugerisse o “caixa 2” a pretexto de apoio político, este denotaria corrupção, porque esta vantagem seria indevida: a) formalmente, porquanto não escriturada; e b) substancialmente, porque acréscimo à remuneração do parlamentar, em razão de sua função. Alfim, frisou que a delação premiada seria ferramenta importante para elucidação de crimes societários, tendo em vista a dificuldade de individualização concreta de autores e partícipes nesses delitos sofisticados (Lei 9.807/99, artigos 13 e 14). A respeito, citou precedente do STF (HC 99736/DF, DJe de 21.5.2010) no sentido de que obstar ao delator a causa de diminuição de pena seria conduta desleal do Estado-juiz.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 113

A Min. Cármen Lúcia seguiu o voto prolatado pelo relator, salvo quanto a José Borba, absolvendo-o da imputação de lavagem de dinheiro, na linha manifestada pelo revisor. Além disso, aquiesceu à divergência iniciada pela Min. Rosa Weber acerca da absolvição dos acusados por formação de quadrilha. Por sua vez, o Min. Dias Toffoli, relativamente aos parlamentares do PP, condenou: a) Pedro Corrêa e Pedro Henry por corrupção passiva e por lavagem de dinheiro; e b) Enivaldo Quadrado por lavagem de dinheiro. De outro lado, absolveu João Cláudio Genú da imputação do crime de corrupção passiva, com espeque no art. 386, VII, do CPP. No ponto, avaliou não ter sido provado o dolo. Portanto, não haveria como imputar-lhe a participação. No atinente ao delito em comento, a princípio, realçou que o teor de seu voto passaria a se orientar no sentido do que teria decidido a Corte em capítulo anterior. Reputou demonstrada a existência de tratativas partidárias a objetivar apoio político e financeiro. Assinalou encontrar respaldo jurídico na Lei 9.613/98 a possibilidade de processo e julgamento de crimes de lavagem de dinheiro independemente de ação relativa a delitos antecedentes. Sublinhou que, na lavagem de dinheiro, tutelar-se-iam inúmeros bens jurídicos e não se limitaria a esgotamento de crime antecedente. Consignou que as condutas de Pedro Corrêa, Pedro Henry e Enivaldo Quadrado amoldar-se-iam ao tipo penal, presentes os elementos objetivo e subjetivo, de modo a configurar lavagem de capitais. Ausentou-se, em seguida, em face de compromissos no TSE.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 114

Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes concluiu pela procedência parcial do pedido para absolver: a) Pedro Henry, Breno Fischberg e Antônio Lamas, com esteio no art. 386, VII, do CPP, das imputações a eles atribuídas; e b) José Borba, com base no art. 386, III, do CPP, da acusação de lavagem de dinheiro. Repisou que, ausente a indispensável referência a determinado ato de ofício, não se poderia atribuir a prática do crime de corrupção passiva. Acentuou que, no entanto, seria indiferente para a materialização deste que o ato funcional viesse a ser praticado. Salientou a gravidade de se cooptar apoio político em troca de vantagens financeiras — e não em torno de ideias —, o que corromperia o sistema democrático. Destacou que o financiamento eleitoral teria regramento específico. Rechaçou a tese defensiva de “caixa 2”. Nesse tocante, aludiu a fatos a corroborar ter havido privatização de recursos, que não estariam associados à campanha eleitoral e menos ainda à atividade partidária. Delineou reprovabilidade consistente no recebimento de vantagem indevida para exercício de mandato. Explicitou ser indubitável que o numerário teria sido aceito em razão de típicas atividades parlamentares, a consubstanciar ato de ofício exigido para configuração do tipo penal. Depois de ratificar posicionamento acerca do delito de lavagem de capitais, frisou que o mecanismo utilizado não seria natural desdobramento da conduta anterior, imprescindível à percepção de vantagem. Ato contínuo, seguiu manifestação do revisor no que concerne a Pedro Henry e Breno Fischberg e esclareceu, quanto ao último, não haver prova que o vinculasse aos fatos mencionados, salvo relação acionária e contrato com a empresa Natimar. Por fim, ressalvou para excluir da cadeia delitiva: a) fatos relacionados às transferências da Bônus-Banval e Natimar da condenação de João Cláudio Genú quanto ao crime de lavagem de dinheiro; b) recebimento direto, em espécie e em continuidade, por Valdemar Costa Neto; e c) percepção direta, em espécie e em continuidade, por Roberto Jefferson. Após o julgamento foi suspenso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24, 26 e 27.9.2012. (AP-470)

1ª parte Audio
2ª parte Audio
3ª parte Audio
4ª parte Audio
5ª parte Audio
6ª parte Audio


Vídeo



PRIMEIRA TURMA



RE: admissibilidade e protocolo ilegível

A 1ª Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto de decisão do Min. Eros Grau, que negara seguimento a recurso extraordinário, do qual relator, por não constar protocolo na petição recursal. O Min. Luiz Fux, relator, considerou não ser possível sobrepujar esse aspecto formal do carimbo de protocolo ilegível em detrimento do direito quase que natural e inalienável de recorrer ao STF. Reputou inadmissível o particular sofrer prejuízo por força da máquina judiciária, que não efetuara o carimbo de forma apropriada. Em acréscimo, o Min. Marco Aurélio salientou que o recurso, na origem, teria sido considerado tempestivo, haja vista que o Presidente do tribunal a quo determinara o seu processamento. Vencido o Min. Dias Toffoli, que negava provimento ao recurso.
RE 611743 AgR/PR, rel. Min. Luiz Fux, 25.9.2012. (RE-611743)



SEGUNDA TURMA



Arma de fogo de uso restrito e prerrogativas de cargo

Comete, em tese, o crime tipificado no art. 16 da Lei 10.826/2003 [“Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”] aquele que for flagrado na posse de arma de fogo de uso restrito sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, independentemente das prerrogativas do cargo. Essa a conclusão da 2ª Turma ao denegar habeas corpus, em que arguida a atipicidade da conduta e a ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal. Na espécie, discutia-se a necessidade de registro, no Comando Militar do Exército, de arma de fogo de uso restrito das Forças Armadas mantida sob a guarda de conselheiro de Tribunal de Contas, que também seria militar da reserva. Alegava-se que as condições pessoais do paciente assegurar-lhe-iam as prerrogativas inerentes tanto aos militares quanto aos magistrados, cumulativamente. Asseverou-se que a posse legal de armamentos deveria dar-se em conformidade com a legislação ou regulamento pertinente à espécie.Consignou-se que a observância às normas permitiria que o Poder Público detivesse meios necessários à fiscalização e ao controle, dentre outros aspectos, de origem, propriedade, localização, utilização e destinação das armas de fogo. Frisou-se que, admitir-se a prescindibilidade do registro de arma seria o mesmo que consentir aos detentores de certas prerrogativas a posse ou porte de armamento de origem ilícita, com numeração ou sinal de identificação suprimido ou adulterado, ou até mesmo produto de crime, o que contrariaria frontalmente a mens legis que lastrearia o Estatuto do Desarmamento ( Lei 10.826/2003).
HC 110697/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.9.2012. (HC-110697)



Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 26.9.2012 24 e 27.9.2012 1
1ª Turma 25.9.2012 130
2ª Turma 25.9.2012 413










T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Perda de Mandato – Quebra de Decoro Parlamentar –Votação Secreta (Transcrições)

MS 31386 MC/DF*


RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR. CLÁUSULA DE SIGILO QUE INCIDE SOBRE O VOTO DOS MEMBROS DA CASA LEGISLATIVA. DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO ATO DE VOTAÇÃO (CF, ART. 55, § 2º). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, ENQUANTO VIGER ESSA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL, DE ADOÇÃO, PELA MESA DIRETORA DE CADA UMA DAS CASAS DO CONGRESSO NACIONAL, DE MEDIDAS QUE VIABILIZEM A VOTAÇÃO ABERTA OU OSTENSIVA. NORMA QUE SE ESTENDE, EM CARÁTER COMPULSÓRIO, AOS ESTADOS-MEMBROS, CUJO PODER CONSTITUINTE DECORRENTE SOFRE, NESSA MATÉRIA, EXPLÍCITA LIMITAÇÃO FUNDADA NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ADI 2.461/RJ E ADI 3.208/RJ). INSTITUIÇÃO DE NOVO MODELO QUE CONSAGRE O VOTO ABERTO, “CORAM POPULO”, NAS HIPÓTESES PREVISTAS NO § 2º DO ART. 55 DA LEI FUNDAMENTAL. MEDIDA QUE, POR ENVOLVER SOLUÇÃO “DE JURE CONSTITUENDO”, DEPENDE, PARA LEGITIMAR-SE, DE REFORMA CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE DESSACRALIZAÇÃO DO SEGREDO COMO FATOR DE LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES E ATOS GOVERNAMENTAIS, INCLUSIVE DAS DELIBERAÇÕES PARLAMENTARES NOS PROCESSOS DE PERDA DE MANDATO. OS ESTATUTOS DO PODER, EM UMA REPÚBLICA FUNDADA EM BASES DEMOCRÁTICAS, NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO (NORBERTO BOBBIO, “O FUTURO DA DEMOCRACIA”) NEM DEIXAR-SE SEDUZIR PELO “PERIGOSO FASCÍNIO DO ABSOLUTO” (JOSEPH COMBLIN). MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “mandado de segurança preventivo”, com pedido de medida liminar, impetrado contra “iminente ato a ser praticado pela Mesa Diretora do Senado Federal”, com o objetivo de assegurar “(...) o direito do impetrante de votar (...) de forma pública e aberta nos processos de perda de mandato parlamentar quer estejam em curso, quer venham a ocorrer no âmbito do Senado Federal” (grifei).
Eis, em síntese, os fundamentos que dão suporte ao pleito ora submetido ao exame desta Suprema Corte:

“01. É público e notório o desconforto do conjunto da cidadania brasileira com a interpretação reiterada do § 2º do art. 55 da Constituição Federal, enquanto norma meramente procedimental que impõe, nos casos de perda de mandato parlamentar, o voto secreto inafastável dos membros da Casa a qual pertença aquele parlamentar submetido ao processo disciplinar.
02. Essa leitura meramente literal da norma leva a uma mitigação da transparência ínsita ao princípio da democracia representativa, uma vez que sem conhecer como votam seus representantes, os eleitores, os verdadeiros detentores do poder político em um Estado Democrático de Direito, ficam à mercê de uma atuação política ambígua e, muitas vezes, conduzida contra a sua expressa vontade política e os princípios éticos que os levaram, de início, a optar pela eleição de determinado cidadão.
03. Em termos procedimentais, o óbice ao conhecimento do teor do voto pelos eleitores se dá mediante a mera aferição numérica do resultado da votação que, em Plenário, decide a perda de mandato parlamentar.
Os Senadores pressionam em um dispositivo localizado a frente de seus assentos individuais as teclas que definem o voto como ‘sim’ e ‘não’, os quais são computados no painel eletrônico do Plenário para que, ao final, seja proclamado o resultado, com o que se dá publicidade e, logo, eficácia à decisão majoritária.
04. Fixas nesses termos a interpretação e a operação procedimental do dispositivo constitucional – ou seja, sem que seja dado ao parlamentar individual a possibilidade de, em querendo, manifestar formalmente e de maneira transparente sua posição, garantindo assim a possibilidade de conhecimento do teor de seu voto por aqueles responsáveis, em termos eleitorais, por seu mandato –, resta mitigado o princípio representativo, pelo que devem ser consideradas, aquelas interpretação e prática procedimental, atos (ainda que potenciais) passíveis de serem afastados mediante a presente ação mandamental.
05. Dessa forma, ante a decisão da Mesa que, certamente, manterá a prática atual de impedir o parlamentar individual de ‘abrir seu voto’ – o que, em si, consubstancia o justo receio do parlamentar quanto ao gozo de seu direito de representar seus eleitores –, o impetrante será impedido de conduzir seu mandato parlamentar prestando efetivamente contas de suas ações àqueles que lhe concederam voto de confiança quanto a sua conduta ilibada e escorreita, o que acarretará inegável violação ao seu direito líquido e certo de apresentar aos seus eleitores, de forma límpida e transparente, a forma com que atua no Parlamento.” (grifei)

O autor do presente “writ” constitucional, que é Senador da República, requer a concessão de provimento cautelar, “(...) para o fim de determinar à Mesa do Senado Federal que crie procedimento formal e eletrônico mediante o qual possa o impetrante ter seu voto individualizado e divulgado publicamente e de forma inequívoca” (grifei).
Passo a examinar a postulação cautelar deduzida pela parte ora impetrante. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que não se acham presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência.
É de registrar que as votações parlamentares submetem-se, ordinariamente, ao processo de votação ostensiva, sendo de exegese estrita, portanto, as normas, de índole necessariamente constitucional, que fazem prevalecer, em hipóteses taxativas, os casos de deliberação sigilosa.
O ordenamento constitucional brasileiro adotou, como regra geral, no campo das deliberações parlamentares – quaisquer que estas possam ser – o princípio da votação ostensiva e nominal, apenas indicando, em “numerus clausus”, as hipóteses em que, em caráter de exceção, terá lugar o voto secreto (CF, art. 52, III; art. 55, § 2º; art. 66, § 4º, v.g.).
A Constituição da República, ao dispor sobre o procedimento de cassação de mandato, por deliberação soberana da Casa legislativa a que pertence o parlamentar alegadamente faltoso, prescreve – tratando-se de hipótese que verse conduta incompatível com o decoro parlamentar (CF, art. 55, II) – que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” (CF, art. 55, § 2º – grifei).
Na realidade, a pretensão mandamental ora em análise busca impor, à Mesa Diretora do Senado Federal, mediante ordem judicial, a adoção de comportamento que dissente, frontalmente, da Lei Fundamental, que se qualifica, no contexto ora em exame, como o estatuto de regência que define a ordem ritual a ser necessariamente observada no procedimento político-administrativo de perda do mandato parlamentar, em cujo âmbito a Constituição não admite o voto dado “coram populo”.
Vê-se, daí, que a matéria em causa, por implicar modificação do próprio texto constitucional, reclama solução “de jure constituendo”, pois, enquanto não sobrevier reforma da cláusula de sigilo prevista no § 2º do art. 55 da Constituição, esse modelo revelar-se-á de necessária observância, estendendo-se, por isso mesmo, aos Estados-membros, cujos estatutos constitucionais não poderão adotar o sistema de voto aberto, quando se tratar de perda de mandato parlamentar, tal como decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.461/RJ e da ADI 3.208/RJ, das quais foi Relator o eminente Ministro GILMAR MENDES, valendo reproduzir, por bastante expressiva, a ementa consubstanciadora da decisão que esta Corte proferiu em referidos processos:

“Emenda constitucional estadual. Perda de mandato de parlamentar estadual mediante voto aberto. Inconstitucionalidade. Violação de limitação expressa ao poder constituinte decorrente dos Estados-membros (CF, art. 27, § 1º c/c art. 55, § 2º). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, por maioria.” (grifei)

Assinalo que fiquei vencido em tais julgamentos, na honrosa companhia do eminente Ministro MARCO AURÉLIO. Deixei consignado, então, em meu voto vencido, que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, ao consagrar o modelo de votação aberta, nos procedimentos de perda de mandato parlamentar na esfera local, nada mais fez senão prestar integral reverência a dois postulados fundamentais e inerentes ao sistema político-jurídico que a Constituição da República consagrou: de um lado, o princípio da Federação, que privilegia a essencial autonomia de que se acham impregnados os Estados-membros, e, de outro, o princípio democrático, que tem, na transparência e na publicidade dos atos e deliberações que se formam no âmbito da comunidade estatal (inclusive no seio das corporações legislativas), um de seus mais expressivos valores ético-jurídicos.
Também entendo que a melhor solução, seja no plano federal, seja em âmbito local, sempre dependente, no entanto, de reforma do texto da Constituição da República (solução “de jure constituendo”, portanto), como o revelam a PEC 50/2006 e a PEC 86/2007, traduzir-se-ia na adoção do modelo de votação aberta e ostensiva, pois – não custa rememorar, tal como venho assinalando nesta Suprema Corte – os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.
Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.
Não posso, contudo, desconhecer o caráter impositivo da cláusula de sigilo que a Lei Fundamental da República instituiu no § 2º de seu art. 55.
Revela-se inviável, bem por isso, ao menos em análise compatível com os estritos limites de um juízo de caráter meramente delibatório, a pretensão cautelar deduzida pelo ora impetrante, pois em conflito com a norma inscrita no mencionado § 2º do art. 55 da Constituição Federal, que prevê o sigilo do voto no âmbito dos processos de perda do mandato parlamentar nas hipóteses nela previstas.
Vale ressaltar, por oportuno, o conteúdo das informações oficiais prestadas, nesta sede mandamental, pelo Senhor Presidente do Senado Federal. Essa manifestação, apoiada em parecer elaborado pela Advocacia do Senado Federal, está assim fundamentada:

“(...) a instituição do voto secreto como faculdade do parlamentar conduziria a um sistema misto de votação dos processos de perda do mandato, sem uniformidade e sem garantir a utilização do voto aberto, em todos os casos, o que demonstra que o atendimento do princípio representativo e do dever de prestar contas aos eleitores, invocados como fundamentos do ‘writ’, estaria condicionado à vontade do parlamentar, já que o Impetrante pretende o reconhecimento do seu suposto direito de votar abertamente, ‘quando assim entenda mais adequado à dicção constitucional sobre a representação democrática...’.
Como demonstrado nos votos proferidos no julgamento da ADI 2.461 e ADI 3.208, a questão debatida, referente à permanência do voto secreto no processo de perda do mandato parlamentar, há de ser solucionada no campo político, que demanda a estrita observância do devido processo legislativo constitucional, previsto no art. 60 da Carta Política, para que a norma do seu art. 55, § 2º, seja modificada.
Aliás, já existem propostas em curso em ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo que a PEC 50, de 2006, em trâmite no Senado Federal, já foi incluída na ordem do dia.
…................................................................................................................
Dessa forma, não se mostra presente o direito líquido e certo a amparar a concessão da segurança postulada.” (grifei)

As razões ora expostas pelo Senhor Presidente do Senado Federal e aquelas por mim referidas na presente decisão revelam-se suficientes para justificar, em juízo de sumária cognição, o indeferimento do pleito cautelar deduzido nesta sede mandamental.
É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, atento ao princípio da colegialidade (ADI 2.461/RJ e ADI 3.208/RJ) e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 29 de junho de 2012.


Ministro CELSO DE MELLO
Relator


*decisão publicada no DJe de 1º.8.2012

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
24 a 28 de setembro de 2012

CÓDIGO PENAL - Crime de extermínio - Milícias privadas - Alteração
Lei nº 12.720, de 27.9.2012 - Dispõe sobre o crime de extermínio de seres humanos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7.12.40 - Código Penal; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1, em 28.9.2012.

OUTRAS INFORMAÇÕES
24 a 28 de setembro de 2012

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Relatório - Gestão Fiscal
Portaria nº 169, de 27.9.2012 - Torna público o Relatório de Gestão Fiscal referente ao segundo quadrimestre de 2012. Publicada no DOU, Seção 1, p. 201, em 28.9.2012.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Relatório - Gestão Fiscal
Portaria nº 280, de 26.9.2012 - Torna público o Relatório de Gestão Fiscal referente ao segundo quadrimestre de 2012. Publicada no DOU, Seção 1, p. 200-201, em 28.9.2012..





Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de JulgadosCJCD@stf.jus.br

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...