segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"Ao contrário de processo comum, colaboração premiada chega à verdade"






Em agosto do ano passado, o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa firmou um acordo com o Ministério Público Federal para falar sobre corrupção na estatal. Foi a primeira delação premiada do caso, que hoje soma mais de 30. Sem ela, diz quem acompanha o caso, a já famosa operação “lava jato” não teria toda a notoriedade que ganhou, com prisões de políticos, empreiteiros e banqueiros. À frente daquela primeira negociação, estava o advogado João Mestieri, representante de Costa — que já fez mais de 180 depoimentos. 

Em entrevista à ConJur, o advogado avalia o rumo da operação desde então. Para ele, as defesas deverão ter mais êxito na ação que tramita no Supremo Tribunal Federal do que naquela sob o comando do juiz Sergio Moro. “Numa visão política da questão, é possível que em relação à 13ª Vara Federal de Curitiba e com os procuradores da força tarefa da ‘lava jato’ que funciona lá, seja mais difícil para a defesa conseguir um bom resultado do que advogando no Supremo”, acredita.

O advogado pondera que a decisão do STF de enviar parte de investigação para a Justiça Federal de São Paulo e do Rio de Janeiro também será melhor para defesa. Ele critica a afirmação de que houve fatiamento. “A competência da 13ª [Vara Federal de Curitiba] baseia-se em um princípio, que é a ligação com a Petrobras. Aconteceram dois ou três casos que não têm essa vinculação. Então, entendeu-se que não havia causa para esta competência. Não é que se fatiou. Apenas negou-se a existência da competência para esses casos”, explica. 

Sobre os pedidos para se apurar a origem do dinheiro com que os investigados pagam seus advogados, ele defende que “ninguém deve meter o nariz naquilo que ele faz em matéria de honorários”. Mas acha que os pagamentos podem sim ser objeto de investigação em casos específicos. “Se eu tenho um advogado que não tinha nada e de repente ele compra um apartamento na Vieira Souto [avenida do bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro] e um belo iate de dez pés na marina, precisa explicar a origem”.

Mestieri também se manifesta contra mudanças na legislação penal, por entender que “o momento não é para nenhum tipo de reforma” e defende a aprovação do projeto de lei que prevê a repatriação de recursos sem a exigência de se comprovar a origem do dinheiro que está no exterior.

Leia a entrevista:

ConJur — Na sua avaliação, quais são as principais diferenças entre o processo que tramita na 13ª Vara Federal de Curitiba e a que está no Supremo?
João Mestieri — Tanto o processo na primeira instância quanto o que está no Supremo Tribunal Federal em razão da prerrogativa de foro têm que ser instruídos. E para instruir é necessário, em primeiro lugar, um inquérito policial para dar subsídio para ver se o processo vale ou não a pena. É [preciso] um procedimento administrativo policial para levantar dados, ouvir pessoas etc. O foro privilegiado nem sempre é uma coisa boa. No primeiro grau, há instâncias recursais, tem tempo e muitas outras coisas que o processo no Supremo Tribunal Federal não tem. Agora, numa visão política da questão, é possível que em relação à 13ª Vara Federal de Curitiba e com os procuradores da força tarefa da “lava jato” que funciona lá, seja mais difícil para a defesa conseguir um bom resultado do que advogando no Supremo Tribunal Federal. Até porque quem está no Supremo, como ministro, tem uma obrigação histórica e com o próprio exercício da judicatura, de obedecer os princípios da justiça e os direitos pessoais fundamentais, que são de base constitucional.

ConJur — O senhor acha que há cerceamento de defesa?
João Mestieri — Não, não tem havido nenhum cerceamento à defesa.

ConJur — Como o senhor vê o chamado fatiamento do processo?
João Mestieri — Não há fatiamento algum. Fatiamento seria o juiz ser competente para todas as causas e viesse o Supremo ou qualquer outro tribunal superior e dissesse: “vamos dividi-las, você fica com essas e o outro com aquelas”. A competência da 13ª [Vara Federal de Curitiba] baseia-se em um princípio, que é a ligação com a Petrobras. Aconteceram dois ou três casos que não têm essa vinculação. Então, entendeu-se que não havia causa para esta competência [continuar em Curitiba]. Não é que se fatiou. Apenas negou-se a existência da competência para esses casos.

ConJur — Isso foi melhor para a defesa?
João Mestieri — Pode ser. Pode ser que [o processo] seja abrandado com esse caminho.

ConJur — Sobre a colaboração premiada, o senhor acha correto que o colaborador fique imune a novas denúncias e condenações quando a soma de penas ultrapassa o total acordado com o MPF?
João Mestieri — Essa é uma pergunta pequena para uma resposta longa. Precisamos ir do geral para o particular. A colaboração premiada não é um instituto brasileiro, mas americano. Tanto o processo quanto o Estado e a sociedade têm interesse na verdade. Só que a verdade nunca é convidada aos casos levados ao Poder Judiciário. O advogado se acostumou a trabalhar em defesa do interesse e não da Justiça. O promotor público e o procurador defendem a acusação e não raro, lastimavelmente, acham que estão defendendo os interesses coletivos porque representam a acusação pública, oferecendo a denúncia e sustentando os seus elementos. Temos, tanto de uma parte quanto a de outra, a formação interna de que cada um deve defender um interesse. O advogado defende o interesse do réu, que é o de escapar das consequências penais do processo. E há quem diga até que o advogado pode chegar ao cúmulo de cometer pequenos crimes desde que consiga o resultado de seu cliente, o que, evidentemente, não entendo ser assim. No processo, o juiz é o equilíbrio. Ele está ali e não quer ser enganado nem pela acusação nem pela defesa. Então, o juiz está ali questionando inclusive se as testemunhas estão dizendo a verdade. Ele costuma até ameaçar: “o senhor tem dizer a verdade, toda a verdade, nada além da verdade; se não fizer isso, pode ser processado criminalmente por falso testemunho”. Com o tempo, isso foi transformado em um ritual. Mas a verdade nunca é convidada. Ninguém vai lá e diz: “Vamos convergir para a verdade”.

Veio a colaboração premiada, que surgiu em uma agência administrativa, o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], que atua na proteção econômica do mercado e, finalmente, do consumidor. Não é coisa da “lava jato” nem da Lei Anticorrupção. Uma lei de 1994 permitiu acordos para a pessoa jurídica no qual ela confessa o cartel, colabora para acabar com a prática e negocia uma multa, muitas vezes bastante compensadora para a empresa, e a garantia de que seus diretores, funcionários e acionistas não serão processados criminalmente. O Estado precisou oferecer vantagens. É muito pior permitir que o cartel, uma vez instalado, prospere eternamente do que perder a chance de incriminar um diretor ou de dar uma multa maior para empresa. Essa ideia foi para a Lei Anticorrupção e foi trabalhada para a colaboração premiada do indivíduo. Assim como a leniência, que é um contrato com a empresa, o objetivo maior é ir para o ápice da pirâmide, onde está a verdade. O processo comum, pelo próprio desgaste, não chega lá.

ConJur — A colaboração feita por réu preso não perde a validade?
João Mestieri — Não. Não é porque se está preso que se perde a validade. Perderá a validade, preso ou não, se houver coação. É por esta razão que hoje, no Brasil, há um encontro para o colaborador confirmar tudo o que já consta dos termos e reafirmar que fez tudo aquilo de livre e espontânea vontade. A coação é que deve ser evitada.

ConJur — Na sua avaliação, o advogado pode representar mais de um cliente nos casos de colaboração ou isso gera conflito?
João Mestieri — O conflito não está em representar dois ou mais colaboradores ao mesmo tempo, mas sim quando há efetivo conflito de interesse entre um e outro. Por exemplo, pode haver dificuldade em representar a Camargo Corrêa, de um lado, e um diretor da Petrobras ou da Eletrobrás, de outro. Se forem colaborações convergentes, não há [conflito]. O problema, então, não é [representar] mais de um. O problema é saber, substancialmente, se o que um vai dizer vai comprometer o outro.

ConJur — Na sua opinião, como é possível garantir que o colaborador não vai agir no sentido de “vender a colaboração” para ajudar ou prejudicar alguém?
João Mestieri — Isso aí é com a apreciação. A mesma liberdade e cuidado que é preciso ter para apreciar a prova no processo ordinário comum, tem que ter também na apreciação do que é recebido de um colaborador. Quem recebe isso é uma pessoa altamente técnica, é um procurador federal, então não é crível que ele possa ser enganado o tempo todo. Se isso ocorrer, ele [o colaborador] perde as benesses da colaboração. Aí é o pior dos infernos. É terrível a consequência. Por isso, acho que ninguém vai botar a cabeça de fora para proteger alguém.

ConJur — Recentemente, um auditor fiscal envolvido com a máfia do ISS em São Paulo teria sido flagrado negociando a retirada de nomes da delação que ele já havia prestado. Na sua opinião, a colaboração prestada pode ser alterada?
João Mestieri — Não. Tem que haver um ato formal para invalidar essa colaboração. A colaboração não pode ser seletiva. Ele [o colaborador] não pode escolher alguns e poupar outros. Ou pior ainda, fazer um rol de pessoas, ser procurado por algumas delas e receber para tirá-las [da colaboração]. Se o colaborador não andar na linha, perde e o mundo cai na cabeça dele, literalmente.

ConJur — Retificações são possíveis?
João Mestieri — Retificações são possíveis e estão previstas. São muitos os depoimentos. Por exemplo, o Paulo Roberto Costa já fez 180. E existem acareações, para se chegar à verdade. O que não pode acontecer é qualquer colaborador faltar com a verdade.

ConJur — Retificação não põe em xeque a colaboração?
João Mestieri — Claro que não. Complementa, esclarece mais.

ConJur — Como o senhor vê as provas que o Ministério Público obteve da Suíça fora dos trâmites da cooperação internacional?
João Mestieri — O Ministério Público, por mais ansioso que esteja, tem que obedecer os caminhos. E isso vai ser avaliado pelo tribunal. Se a prova, pelo momento e modo como foi obtida, perdeu a validade, então é absolutamente não aproveitável. O tribunal tem a liberdade, vejo eu, de entender isso como um deslize administrativo, ou ver como algo de base constitucional, de haver mexido com [a teoria] do fruto da árvore envenenada. Então esse fruto e os demais produzidos com a semente dele vão ser ignorados e afastados do processo porque estão contaminados. Mas eu não estou acreditando que isso vá acontecer nessa matéria.

ConJur — Recentemente, a ConJur publicou reportagem que revelou a existência de cooperação direta entre a Polícia Federal e a Blackberry, cuja sede fica no Canadá, para cumprimento de diligências. Na sua opinião, há ilegalidade nisso?
João Mestieri — Pode haver, sim. Nenhum advogado, conscientemente, vai deixar de apreciar essa possibilidade. Teria que examinar como foi feito.

ConJur — Advogado tem que provar a origem dos seus honorários?
João Mestieri — O advogado não tem, em princípio, que provar a origem dos seus honorários, nem ninguém deve meter o nariz naquilo que ele faz em matéria de honorários. Não é uma compra e venda.

ConJur — Mas os honorários podem ser objeto de investigação?
João Mestieri — Pode ser objeto de investigação, é claro. Se um advogado que não tinha nada de repente compra um apartamento na Vieira Souto [avenida do bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro] e um belo iate de dez pés na marina, precisa explicar a origem. E não por se tratar da atividade da advocacia, mas porque há uma incompatibilidade entre o rendimento declarado e a riqueza aparente. Mas tem que haver uma cautela, respeito em relação ao trabalho do advogado, para não comprometer o sigilo profissional.

ConJur — Como é que o senhor avalia a postura da OAB com relação aos pedidos de investigação dos honorários de alguns advogados?
João Mestieri — A OAB deve defender as prerrogativas do advogado e as prerrogativas do advogado estão no estatuto da Ordem.

ConJur — Mas o senhor acha que a OAB tem feito isso corretamente?
João Mestieri — Eu não estou a par de todos os movimentos da Ordem, mas, houve uma posição contrária. E tem que haver para que isso não seja uma forma de se interferir na liberdade do exercício profissional. Não é uma questão de dinheiro, é uma questão de liberdade do exercício profissional.

ConJur — O doleiro Alberto Youssef fez acordo de colaboração, mas pediu ao STF para permanecer em silêncio na acareação com o Paulo Roberto Costa, na CPI Petrobras. Na sua avaliação, quem se compromete e faz colaboração pode pedir Habeas Corpus para não se falar em uma CPI?
João Mestieri — Eu não pedi HC nenhum e achei estranho que aparecesse um naquele momento. Mas o advogado [do Youssef] é muito hábil, sentiu a situação e como é um direito que foi conferido por liminar, relativo à liberdade, ele abriu mão, homeopaticamente, desse privilégio da liminar e foi conversando, falando. E foi de uma maneira não muito, digamos assim, objetiva. Teria sido melhor, talvez, não falar coisa alguma e dizer “não estou disposto a colaborar e a esclarecer alguns pontos”. E se houvesse algum ataque, um ponto que pudesse feri-lo, responder de uma maneira mais genérica. Aquela é uma casa de política, então você tem que ser político. Mea-culpa meu aqui, porque também não fui muito político, porque fui agredido por um ilustre deputado federal e eu dei uma resposta. Não pode deixar que seu cliente seja desrespeitado, muito menos que se desrespeite o advogado. E isso aconteceu várias vezes lá e eu não podia permitir. Mas, de um modo geral, é isso. A CPI tem o direito de convocar, e a pessoa tem que ir, mesmo que para dizer “eu não posso falar”.

ConJur — Na sua opinião, o juiz tem exclusividade sobre a colaboração ou as informações podem ser utilizadas em outros processos?
João Mestieri — Prova sujeita a sigilo vale para aquele processo e isso já foi decidido no Supremo. Essa é uma questão muito delicada.

ConJur — Nem mesmo nas ações da “lava jato” que foram desmembradas?
João Mestieri — Às vezes, pedem, para uma coisa aparentemente inocente, os dados da telefonia, do imposto de renda. Pega-se aquilo, copia e joga em outro processo. Não é bem assim. Pode ser que, nesse caso, fosse deferível e, naquele outro caso, não. O juiz tem que ter muita atenção.

ConJur — Mas pode acontecer de as provas serem emprestadas aos processos desmembrados.
João Mestieri — Cada processo é um processo. Cada um deles tem uma nova relação jurídica, uma nova causa de pedir etc. Tem que haver um pedido de quebra diferente se a coisa ainda está sob sigilo.

ConJur — Como o senhor analisa o projeto de lei que prevê a repatriação de recursos?
João Mestieri — Já temos, acho, uns dez exemplos internacionais. De modo geral, paga-se, sem fazer perguntas, entre 8% e 10% do valor que está lá fora. O Brasil quer cobrar 35%. Isso é uma bobagem em uma hora em que o país precisa muito de dinheiro. E, com isso, perdemos algumas oportunidades melhores do que a atual para repatriar dinheiro. Dinheiro repatriado vai gerar capital para empréstimos, desenvolvimento, criação de indústrias. Ou vai ser aplicado para render mesmo. Portanto, é a criação de empregos. Mas a ganância... Os atrativos que o governo quer dar para os brasileiros com muito dinheiro lá fora são quase nada. O Brasil está sendo loteado. Hoje, há uma incapacidade generalizada de governar, completamente. Ninguém sabe o que fazer, nem para onde ir. Mas ainda é possível, arrumando um pouquinho a casa, decidindo essa questão deimpeachment... Que se ponha 10%. Resolvemos a vida de muita gente produtiva no Brasil, que tem os seus pecados...

ConJur — Uma das críticas ao projeto é que ele pode abrir caminho para a legalização de dinheiro lavado.
João Mestieri — Tem o pedágio, de 10%, para não fazer pergunta nenhuma e "deixar para lá". O dinheiro entra, não tem que fazer pergunta. Isso é uma grande bobagem.

ConJur — O importante é o dinheiro voltar...
João Mestieri — É isso o que é. O resto não existe. Não somos um país pequeno. Somos um gigante. Há a crise. Ninguém sabe para onde deve ir, muito menos o que fazer para ir.

ConJur — Sobre a reforma do código penal, a gente vê no Brasil uma onda de punitivismo, com uma tendência do Legislativo de aumentar as penas. Na sua opinião, é o momento de se pensar numa reforma do código penal?
João Mestieri — O momento não é para nenhum tipo de reforma, porque quem faz não sabe fazer, não sabe o que fazer e, infelizmente, não tem ideia do porquê e para que está a fazer. Eles querem sempre mudar o Código Penal para criar penas maiores. O que que se vende para a classe média, que é a clientela dessas bobagens, é: “sabe por que o senhor é roubado? Porque a pena é de seis anos. Vamos botar 26 e ninguém vai roubar”. Serve para dar voto. É uma estupidez total. Pena grande não resolve nada. E pena grande acaba não acontecendo. O sistema penitenciário está falido desde que nasceu. Nada disso resolve. Nada disso leva a qualquer lugar que se possa imaginar. E por quê? Porque ninguém é ressocializado. A maioria da clientela do Direito Penal não precisa ser ressocializada, precisa ser socializada. Não são pessoas que entraram para o convívio da sociedade, foram aceitas e aí discreparam e agora “vão entrar no bom caminho” como no código de 1940. O que fizeram Nelson Hungria e Roberto Lira? Pegaram a pena, no sentido tradicional, de reclusão. A pessoa deveria entrar e ficar isolada por dois ou seis meses, dia e noite, para uma introspecção, um exame de consciência. Depois começava a trabalhar de dia. À noite, recolhia-se, isoladamente, até se integrar e chegar ao livramento condicional. Não havia os regimes penitenciários. A ideia era religiosa. Tanto que tudo referente à execução penal tem relação com religião. Cela é onde ficam os monges, penitenciária é o lugar onde alguém vai se penitenciar, e por aí vai. Demoramos muito a chegar aos caminhos reais, porque os advogados e professores penalistas, os especialistas, eram vaidosos. Depois começaram a aceitar a opinião dos médicos, com aquela visão de quem é ou não capaz, quem é ou não imputável. Depois de muito tempo, sociólogos e antropólogos passaram a dar um ou outro palpite. Mas ninguém enfrentou o problema real, que é dar as condições para que a pequena sociedade penitenciária passe a ser uma exceção.

ConJur — Uma reforma, agora, fortaleceria o chamado Direito Penal do Inimigo?
João Mestieri — Isso é de uma burrice total. O moço que inventou isso voltou ao bom caminho. Ele foi discípulo de um grande professor alemão, que era professor de Filosofia do Direito e de Direito Penal. Era um dos bons alunos dele. De repente, ele deu uma pirada meio nazista, dizendo que só deveria merecer as garantias fundamentais da Constituição aqueles que aceitam esses valores como reais. Se a pessoa tem uma vida de declínios, não tem direito às benesses constitucionais. Ou seja, ele é inimigo do Direito Penal. Como é que o Direito Penal vai assisti-lo? Um retrocesso. Acho que foi um momento de rara infelicidade da vida dele, porque era um homem de grande capacidade.

ConJur — Há alguma reforma necessária na lei penal?
João Mestieri — Não existe problema do Direito Penal. Existe problema social, econômico, ético, pessoal, do Estado, que pode ser resolvido pelo Direito Penal, mas o Direito Penal tem que ser o último recurso, não pode ser a panaceia que resolva todas as questões. O grande erro é exatamente esse. Em primeiro lugar, é preciso criar uma sociedade justa em oportunidades e em distribuição de renda, para evitar as situações de conflito. A maneira menos onerosa de resolver um conflito é sentar e conversar, ver até onde se pode chegar em um acordo. Mas a atração para resolver tudo na pancada é muito grande. E isso é uma demonstração de ignorância.

Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.



Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2015, 7h42

Turma exerce juízo positivo de retratação e retifica acórdão anterior para adequá-lo à Súmula 46 do TRT-MG



Com o objetivo de fortalecer os precedentes jurisprudenciais e, consequentemente, conferir maior previsibilidade às decisões trabalhistas, foi publicada a Lei 13.015/2014, que determina que os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ) previsto no Capítulo I do Título IX do Código de Processo Civil.

Com o IUJ, o Tribunal é provocado a se pronunciar acerca de um tema jurídico objeto de controvérsia, antes de prosseguir no julgamento de um caso concreto. Haverá, então, a edição de uma "Tese Jurídica Prevalecente" (TJP), ou de uma Súmula de Jurisprudência Uniforme (SJU), com o objetivo de manter a unidade de jurisprudência interna do Tribunal, evitando a desarmonia nos julgamentos proferidos pelas diversas Turmas que o compõem.

Diante disso, as Turmas do TRT-MG, quando decidem em desacordo com uma TJP ou com uma SJU, têm se utilizado do "juízo positivo de retratação", para adequar o provimento jurisdicional (acórdão) ao posicionamento jurisprudencial cristalizado no âmbito do Tribunal mineiro. Explica-se: a Turma retifica um acórdão já proferido por ela numa ação trabalhista, para adequá-lo a uma Súmula, ou a uma Tese Jurídica Prevalecente, que foi posteriormente editada por meio do IUJ (Incidente de Uniformização de Jurisprudência).

E foi justamente isso o que fez a Sétima Turma do TRT mineiro, que proferiu juízo positivo de retratação para ratificar um acórdão anterior e adequá-lo ao posicionamento jurisprudencial cristalizado na Súmula 46 do TRT-MG, no sentido de que o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário mínimo.

No caso, o reclamante ajuizou ação trabalhista, pretendo receber o adicional de insalubridade da ex-empregadora. Ele teve o pedido negado na sentença de primeiro grau, mas a Sétima Turma, julgando favoravelmente o recurso do trabalhador, em acórdão de relatoria do desembargador Paulo Roberto de Castro, deferiu a ele o adicional de insalubridade em grau médio (20%). Os julgadores constataram que a prestação de serviços se dava em contato intermitente com agentes químicos nocivos à saúde, nos termos do Anexo 13 da NR-15 da Portaria 3.214/78 do MTE. E, quanto à base de cálculo do adicional, a maioria da Turma decidiu que esta deveria ser a remuneração do trabalhador, ficando vencido o relator, que adotava o entendimento de que o adicional de insalubridade deveria ser calculado sobre o salário mínimo.

Inconformada, a empresa apresentou recurso de revista e, enquanto estava pendente de julgamento no TST, em razão do novo sistema implementado pela Lei 13.015/14, o TST suscitou Incidente de Uniformização de Jurisprudência num outro processo (TST-RR-2343-20.2012.5.03.0040), justamente com o tema "Adicional de Insalubridade. Base de Cálculo". Isso ocasionou a suspensão de todos os processos que versavam sobre a matéria.

Assim, o Pleno do TRT de Minas, em Sessão Ordinária realizada em 17 de setembro de 2015, conhecendo do Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado (n.º 2343-20.201.5.03.0040), por maioria simples de votos, editou a Súmula de jurisprudência uniforme no. 46, com o seguinte verbete: "ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. A base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário mínimo, enquanto não sobrevier lei dispondo de forma diversa, salvo critério mais vantajoso para o trabalhador estabelecido em norma coletiva, condição mais benéfica ou em outra norma autônoma aplicável. (RA 224/2015, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 25, 28 e 29/09/2015").

Após o julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, o processo (que se encontrava suspenso), retornou à Sétima Turma, para reapreciação da questão, na forma do artigo 13-A da Resolução GP nº 9, de 29 de abril de 2015.

Foi então que a Turma, ao proferir acórdão que teve como relator o desembargador Paulo Roberto de Castro, observou que o teor da Súmula de n.º 46 do TRT não se harmonizava com o que havia sido anteriormente decidido pela Turma no caso, já que, como visto, a empresa havia sido condenada ao pagamento do adicional de insalubridade, a ser calculado com base na remuneração do reclamante.

Diante disso, a Turma, por unanimidade, decidiu proferir juízo positivo de retratação, para conhecer novamente do recurso do Reclamante, apenas no ponto relativo à base de cálculo do adicional de insalubridade, dando-lhe provimento para determinar que o adicional de insalubridade deferido ao trabalhador fosse calculado sobre o salário mínimo, de acordo com a recém-editada Súmula 46 do TRT/MG.PJe: Processo nº 0010978-80.2013.5.03.0031 (RO). Data de publicação da decisão: 29/10/2015

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
Fonte: TRT3

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Patronos independentes são a essência do acesso igualitário à Justiça




Nota do tradutor*: A publicação da versão original deste artigo, em inglês, se justifica por ser o seu autor o célebre jurista norte-americano Earl Johnson Jr.[1], um dos principais colaboradores do professor Mauro Cappelletti no famoso “Projeto Florença”, sobre acesso à Justiça. O doutor Johnson, reconhecido mundialmente como uma das principais referências nos estudos de Direito Comparado sobre assistência jurídica gratuita para os pobres, tem se revelado um entusiasta do modelo brasileiro de Defensoria Pública, seja por suas características de “integralidade” da assistência que se propõe a prestar, seja pela autonomia e independência que lhe são constitucionalmente asseguradas. Ao tomar ciência de possível retrocesso relativamente a tão importantes características, dispôs-se a escrever este comentário para publicação na coluna Tribuna da Defensoria, sob o título "A essência do acesso igualitário à Justiça: patronos verdadeiramente independentes para os pobres".

Por séculos, tem sido reconhecido que a única coisa que mantém uma sociedade unida, a longo prazo, é o contrato social entre o governo e os seus cidadãos. E um princípio fundamental inerente a tal contrato social é que a Lei (isto é, o Direito) e os tribunais vão oferecer acesso igualitário à Justiça para os cidadãos de diferentes classes econômicas e sociais. Fora dos tribunais, suas vidas são muito diferentes: alguns vivem em mansões, outros em casebres, e muitos em modesta habitação; alguns se alimentam em luxuosos e refinados banquetes, outros mal conseguem sobreviver catando restos de comida no lixo, enquanto outros têm suas refeições cotidianas na simplicidade de alimentos comuns; alguns usufruem de seus iates, de viagens de férias ao exterior, esbanjando num modo de vida perdulário, enquanto outros lutam para sobreviver no dia a dia e podem apenas devanear com uma vida melhor, sendo que a maioria dos demais se contenta com a oportunidade ocasional de jantar fora, em um restaurante, ou com alguns poucos dias de férias.

Mas quando ingressam nos tribunais judiciários da nação, todos aqueles cidadãos, qualquer que seja sua classe, têm que ter uma posição de igualdade perante a Justiça. Do contrário, estará sendo rompido o contrato social, o que induz ao total desrespeito ao ordenamento jurídico nacional e, eventualmente, fomenta sua desintegração. Aqueles que são incapazes de obter efetividade no cumprimento das leis que existem com o propósito de protegê-los não tem razão alguma para obedecer leis que apenas limitam sua liberdade. Anarquia/ilegalidade (ou, melhor, proscrição do regime da legalidade)[2] e desordem tornam-se a única opção e modo de vida para a maioria dos cidadãos que já não terão mais fé no sistema de Justiça ou no governo que estruturou e dá suporte a tal sistema.

E então o que é necessário para assegurar essa Justiça isonômica/igualitária para todas as classes numa sociedade, quando milhões não podem custear despesas como assistência e patrocínio jurídico, absolutamente essenciais para esse objetivo? A resposta óbvia adotada pelos países, qualquer que seja sua ideologia ao redor do mundo, é a assistência jurídica gratuita (legal aid) custeada pelo governo (ou seja, com recursos públicos) em favor daqueles que não podem pagar tais despesas com seus próprios recursos.

Menos óbvio, mas igualmente essencial, é que o advogado remunerado com recursos públicos para patrocinar os interesses de um cidadão em juízo seja totalmente independente do controle e de qualquer influência dos governantes. Tal advogado deve ser o defensor do cidadão carente, com absoluta lealdade à causa daquela pessoa e a seus melhores interesses, e não aos dos governantes. Para assegurar essa absoluta lealdade ao cliente, exige-se que o defensor desfrute de autonomia administrativa e independência financeira perante os que integram o Poder Executivo. Essa necessidade é mais evidente quando o defensor está defendendo um acusado em um caso criminal, em que o Poder Executivo[3], por meio do promotor de Justiça, está no lado adversário na sala de audiências. Porém, é igualmente verdade em casos civis. Em muitos desses casos, a pessoa carente tem como adversário outros órgãos do governo vinculados ao Poder Executivo — o serviço público gestor de habitações populares, o serviço de seguridade ou Previdência Social, ou similares. No entanto, ainda quando a pessoa pobre está litigando contra outra pessoa física ou entidade privada — por exemplo, uma pessoa muito rica, um empresário, um banco, um locador, ou algo semelhante —, tanto a aparência quanto a efetiva igualdade perante a Justiça exigem que o advogado/defensor da pessoa carente seja não só efetivamente, mas que também transpareça ser o “seu” advogado, leal ao cliente em si, e não aos governantes que pagam seu salário.

Essa fundamental separação completa do advogado/defensor que atua no serviço de assistência jurídica gratuita estatal (legal aid) relativamente ao Poder Executivo tem sido implementada de variadas maneiras em diferentes países. Depois de (figurar) por alguns anos como parte integrante do Poder Executivo do governo federal, os Estados Unidos decidiram que era essencial separar o Programa Federal de Assistência Jurídica Gratuita norte-americano, tirando-o do controle do Executivo. Para tanto, foi criada uma instituição pública (corporação) independente, sem fins lucrativos, para gerir os serviços de assistência jurídica gratuita (legal aid), uma entidade que tem competência legal para elaborar sua própria proposta orçamentária e submetê-la diretamente ao Poder Legislativo. Essa instituição (denominada Legal Services Corporation), por sua vez, não emprega diretamente os advogados que prestam serviços jurídicos para os pobres. Em vez disso, ela repassa subsídios às organizações locais da sociedade civil, que sejam sem fins lucrativos, as quais contratam os advogados (nota do tradutor: normalmente em regime assalariado, com dedicação integral, que prestam os serviços aos carentes), definem suas prioridades e atendem os clientes. Esse não é um arranjo que eu necessariamente recomendaria para outros países, mas tem funcionado bem nos EUA (para resguardar a independência e autonomia do serviço!).

O Brasil tem, sobretudo nos últimos anos, encontrado uma maneira eficaz de alcançar o mesmo objetivo (resguardar a independência e autonomia do serviço) por meio de disposições constitucionais (artigo 134, parágrafos 2º e 3º) e legislativas que começaram a esculpir um nível semelhante de autonomia administrativa e orçamentária para a Defensoria Pública nacional. Seria uma tragédia se essa nação não conseguisse permanecer nesse caminho ou se viesse a retroceder de alguma forma no grau de independência que proporciona aos defensores públicos aos quais cabe prestar assistência jurídica aos inúmeros cidadãos carentes do país. As pessoas pobres têm o direito de contar que os defensores públicos aos quais compete prestar-lhes assistência jurídica: são os “seus” advogados, plenamente leais a si e a seus interesses, e não aos (interesses) do governo ou de quem quer que seja que tenha influência sobre os governantes. Quando são satisfeitas tais expectativas, a Justiça igualitária/isonômica é efetivada, e o contrato social resta intacto. Porém, quando essas expectativas não são correspondidas, a Justiça é desigual, e o contrato social está sob ameaça.

Clique aqui para ler o texto original, em inglês.

*Tradução de Cleber Francisco Alves (doutor em Direito, defensor público e professor da UFF)



[1] Nota do tradutor: O jurista Earl Johson Jr é um dos principais juristas norte-americanos que se dedicam aos estudos de Direito Comparado sobre o tema do acesso à Justiça para os pobres. Ele foi um dos primeiros diretores do “Legal Services Program”, na década de 60, que estruturou nacionalmente os serviços de assistência jurídica gratuita, em casos não criminais, para os pobres, nos Estados Unidos. Na década de 1970, foi um dos principais colaboradores do professor Mauro Cappelletti no “Projeto Florença”, sendo um dos coautores do primeiro livro publicado sob a égide desse projeto: Toward Equal Justice: a comparative study of legal aid in modern societies, no ano de 1975. Em 1981, participou de outra obra coletiva organizada por Mauro Cappelletti (o livro Access to Justice and the Welfare State), no qual escreveu um dos capítulos centrais da obra, que, à moda de ficção científica, apresentou o que ele imaginava como sendo quatro cenários possíveis para o sistema judiciário norte-americano. O artigo, escrito no início da década dos anos 80 do século passado, fazia “prognósticos” para o então longínquo século XXI. Num dos cenários que imaginou em seu trabalho, Johnson descreveu exatamente a possível criação de um “quarto” poder exatamente para cuidar da assistência jurídica aos pobres, com o intuito exatamente de resguardar a autonomia e independência desse serviço público. Eis o que disse, na época, o doutor Johnson, repita-se, num ensaio de “futurologia”, sem nenhum compromisso com a realidade: “Only recently has the national legal service solved the major problem that has plagued it since its birth more than a decade ago — independence from real or imagined political domination. Less than a year ago, the United States Constitution was amended to create a fourth branch of government, the so-called advocacy branch. This branch is headed by a Chief Advocate who stands on a par with the President, the Chief Justice, and the Speaker of the House. Although the advocacy branch has other responsibilities and divisions, including providing citizen representation before legislatures, over 80 percent of its funds and more than two-thirds of its personnel are involved in the national legal service. The constitutional amendment that created the advocacy branch also provides a secure base of government funding not subject to legislative or executive interference” (página 186). De algum modo, o modelo brasileiro latente no Texto Constitucional de 1988, depois aperfeiçoado com as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, transforma em realidade esse modelo esboçado no texto do doutor Johnson. A obra mais recente dele é o livro (em três volumes) To Establish Justice for All — The Past and Future of Civil Legal Aid in the United States, publicado em 2014 (ver: http://www.abc-clio.com/ABC-CLIOCorporate/product.aspx?pc=C6873C).
[2] Nota do tradutor: Para facilitar a contextualização e melhor compreensão do texto, foram inseridas algumas notas, entre parênteses, com intuito de melhor explicar certas expressões cuja tradução literal não seria suficiente para dar o sentido das palavras usadas pelo autor.
[3] Nota do tradutor: Para entender o texto, é preciso ter presente que, nos EUA, a instituição do Ministério Público não goza do mesmo grau de autonomia que tem no Brasil, ou seja, é considerado integrante do Poder Executivo. Ora, se naquele contexto, sob o argumento da paridade de armas, é reconhecida como indispensável a autonomia da defesa frente à acusação, com maior razão isso se justifica no caso do Brasil, em que o próprio Ministério Público possui plena autonomia perante o Poder Executivo. Por isso, não faz sentido que sua contraparte, ou seja, a Defensoria Pública, seja privada de idêntica autonomia.



Earl Johnson Jr. é magistrado/desembargador aposentado do Tribunal de Apelação do Estado da Califórnia e professor visitante na University of Southern California Law School.



Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2015, 8h00

Obrigação de folga em um domingo por mês só se aplica às atividades do comércio



Ele era motorista de uma empresa de ônibus e fazia o transporte de passageiros em viagens intermunicipais. Após o falecimento do trabalhador, os herdeiros ajuizaram ação contra a ex-empregadora alegando que a escala de trabalho dele não contemplava folga de, ao menos, um domingo por mês, em ofensa à lei que regula a matéria. Pediram o pagamento, em dobro, do valor correspondente ao trabalho prestado nesses dias. A pretensão dos herdeiros foi acolhida na sentença, mas a 4ª Turma do TRT/MG, ao analisar o recurso da empresa, decidiu de forma diferente. Seguindo o entendimento do relator, desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho, a Turma concluiu que o direito buscado pelos reclamantes não se aplica ao motorista.

As provas demonstraram que, de fato, houve ocasiões em que o trabalhador prestou serviços por quatro domingos seguidos, usufruindo da folga em outro dia da semana. Por isso, a juíza de 1º Grau condenou a empresa ao pagamento de um domingo por mês, em dobro, quando trabalhados em desacordo com o artigo 6º, parágrafo único, da Lei 10.101/2000, segundo o qual o repouso semanal remunerado deve coincidir com o domingo, ao menos uma vez a cada três semanas.

Mas, de acordo com o desembargador relator, essa norma legal trata apenas das "atividades do comércio em geral", que não se confundem com a prestação de serviços de transporte, aos quais se aplica, portanto, a regra geral. E esta não obriga a concessão do repouso em domingos, mas apenas o considera preferencial, nos termos do artigo 7º, XV, da CF e do artigo 1º da Lei 605/49, segundo explicou o julgador.

Nesse quadro, por entender que não houve trabalho em dia de folga obrigatória, a Turma deu provimento ao recurso da empresa para excluir da condenação o pagamento da dobra pelo trabalho em um domingo por mês.( 0000985-10.2013.5.03.0129 AIRR )
Fonte: TRT3

Segunda Seção definirá o termo inicial para incidir atualização monetária e juros em crédito de cheque



A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir qual é o termo inicial para a incidência de atualização monetária e para a contagem de juros de mora no que diz respeito a crédito oriundo de cheque.

A Quarta Turma decidiu afetar à seção um processo que discute o tema depois que o relator, ministro Luis Felipe Salomão, constatou haver muitos recursos sobre a questão que chegam ao tribunal.

O recurso foi submetido a julgamento do colegiado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recursos representativos de controvérsia repetitiva). Assim, todos os recursos que tratam da mesma questão jurídica ficam sobrestados no STJ, nos Tribunais de Justiça dos estados e nos Tribunais Regionais Federais até o julgamento do processo escolhido como representativo da controvérsia.

Após a definição do recurso repetitivo pelo STJ, não serão admitidos para julgamento na corte superior recursos que sustentem tese contrária.

No caso, credor ajuizou ação monitória para conseguir o pagamento da quantia de R$ 7.594,90. O devedor alegou que houve excesso na apuração dos cálculos em razão de se ter utilizado incorretamente a data do início da correção monetária e dos juros e que o valor correto seria R$ 3.660,08.

A sentença julgou procedente o pedido sobre o entendimento de que a correção monetária e os juros moratórios são devidos a partir do vencimento do cheque. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso do devedor somente para fazer incidir os juros de mora a partir da data da primeira apresentação do cheque.

A controvérsia foi cadastrada como “Tema 942”. O recurso no STJ é do devedor.

Fonte: STJ

Pedido de concessão de justiça gratuita no curso do processo é um dos temas da Pesquisa Pronta



A Pesquisa Pronta, serviço criado pela Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disponibiliza nesta semana três novos temas. O primeiro deles é a Análise da concessão de pensão indenizatória ao universitário em decorrência de morte de genitores ou responsáveis.

Nesse tema, a Pesquisa Pronta mostra que o STJ decidiu que a pensão em decorrência da morte do pai deve alcançar a data em que os beneficiários completem 25 anos de idade, quando se presume terem concluído sua formação, incluindo a universidade.

O segundo tema, Pedido de concessão de justiça gratuita no curso do processo, traz entendimento do tribunal segundo o qual, não obstante o benefício da assistência judiciária gratuita poder ser requerido a qualquer tempo e grau de jurisdição, o pedido formulado no curso do processo deve ser feito por meio de petição avulsa, e não no bojo do recurso especial.

A respeito da terceira pesquisa, Restituição de parcelas pagas em caso de migração entre planos de benefícios de previdência complementar, o STJ já consignou que a Súmula 289 do tribunal deixa claro que as parcelas pagas pelo participante a plano de previdência privada são objeto de correção plena e, portanto, referem-se a hipótese em que há definitivo rompimento do participante com o vínculo contratual de previdência complementar. Dessa forma, não se trata de situação em que, por acordo de vontades com concessões recíprocas, há migração de participantes ou assistidos de plano de benefícios de previdência privada para outro plano, auferindo, em contrapartida, vantagem.

Conheça a Pesquisa Pronta

A Pesquisa Pronta foi criada para facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é on-line e está totalmente integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Como sugere o nome, a página oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam predefinidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta, na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notóriosfornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar em um assunto de interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com os espelhos de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.

Fonte: STJ

Multa excessiva em cláusula penal de contrato deve ser reduzida, não declarada nula




A multa excessiva prevista em cláusula penal de contrato deve ser reduzida a patamar razoável, não podendo ser simplesmente declarada nula. O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar disputa entre uma administradora de cartões de crédito e uma empresa de locação de banco de dados, em contrato de locação de banco de dados cujo processo de filtragem utiliza o método merge and purge.

O relator é o ministro Villas Bôas Cueva. A multa contratual foi estipulada em valor superior ao da obrigação principal. Para o magistrado, constatado o excesso da cláusula penal, o juiz deve reduzi-la conforme as obrigações cumpridas, observadas a natureza e a finalidade do contrato.

A administradora de cartões alugou o banco de dados para realizar ações de marketing por telefone e mala-direta. O contrato foi baseado na adoção do processo de filtragem denominado merge and purge (fusão e expurgo), que consiste no cruzamento de dados, de modo a eliminar duplicidade de registros.

Duplo cruzamento

No caso, a administradora cruzou seu banco de dados com o de seus clientes e, posteriormente, com o banco de dados do Serasa para evitar contato com consumidores negativados. Isso reduziu os 3,2 milhões de nomes locados para 1,8 milhão, no primeiro cruzamento, e depois para 450 mil, na segunda filtragem. A empresa de locação do banco de dados sustentou que o duplo cruzamento não teria sido autorizado em contrato. O pagamento seria por cada nome utilizado.

O ministro afastou a alegação da administradora de cartões de que se trataria de contrato de adesão, elaborado unilateralmente, e de que haveria ambiguidade nas cláusulas. Para Villas Bôas Cueva, a inexistência de cláusulas padronizadas, o objeto singular do contrato (locação de banco de dados), a adoção do método de filtragem merge and purge, o valor estipulado e outras peculiaridades afastam o caráter impositivo e unilateral da avença. Assim, não deve ser aplicado o disposto no artigo 423 do Código Civil.

Quanto à multa contra a administradora de cartões, a turma reconheceu a obrigação do pagamento de 20% do valor da condenação, que foi de aproximadamente R$ 400 mil. A condenação corresponde à extensão das obrigações não cumpridas, isto é, o pagamento pelos dados de pessoas efetivamente utilizados e a indiscutível dúvida sobre o alcance da cláusula que estabeleceu o método merge and purge.

Leia o acórdão.

Fonte: STJ

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lei 13.151/15 estabelece novo regime paras as fundações (parte 1)





Em primeiro lugar, cumpre registrar a enorme satisfação em estrear nessa respeitável coluna Direito Civil Atual, produzida pela Rede de Pesquisa em Direito Civil Contemporâneo, criada pelos ilustres professores Ignácio Poveda Velasco, Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antonio Peres Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Peteffi.

Nesta primeira participação, busca-se oferecer aos leitores um breve panorama sobre as recentes modificações introduzidas no regime jurídico das fundações de direito privado, pela edição da Lei federal 13.151, de 28 de julho de 2015. Visa-se, ainda, a ampliar as oportunidades de reflexão e diálogo sobre esse importante tema das fundações, tendo em mira o seu relevante papel na própria configuração do Estado, na contemporaneidade.

A referida lei, resultante do Projeto de Lei 1.336, de 2011 [[1]], cuidou de: a) ampliar o rol de finalidades para as quais as fundações podem ser constituídas; b) fixar a atribuição do Ministério Público do Distrito Federal para a fiscalização das fundações sediadas nesses entes federativos; c) estabelecer um prazo de 45 dias para a manifestação do Ministério Público acerca das alterações estatutárias das fundações; além de d) permitir a remuneração de dirigentes das associações e fundações, sem fins lucrativos, beneficiários de imunidades tributárias, desde que em valores compatíveis com o mercado.

Quanto à finalidade dos entes fundacionais, lembre-se que, distintamente das associações e sociedades, as fundações não resultam da união de indivíduos, mas da afetação de um determinado patrimônio a um fim, especificado pelo seu instituidor, e para cuja consecução esse acervo patrimonial se destina. Ou seja, “nas fundações, não há sócios ou associados, mas apenas destinatários”. A propósito, Enneccerus, Kipp e Wolff pontuam que não é necessário que haja um círculo determinado de pessoas a quem a fundação favoreça, a exemplo das fundações para fins científicos gerais ou hospitais, para os quais não se tenha preestabelecido quem ali possa ser acolhido. Contudo, ainda que exista esse círculo de pessoas, não lhes caberá administrá-la [[2]].

Como se vê, a questão da finalidade das fundações é marcadamente ligada à sua natureza. Tanto assim que, sob o ponto de vista histórico, as fundações são identificadas como entidades que buscam beneficiar a coletividade, por meio de finalidades eminentemente sociais.

O Direito brasileiro acolheu a fundação como espécie de pessoa jurídica de interesse social ou coletivo (artigo 11 da Lei 4.657/42), ou seja, não admite a criação de fundações para administração de interesses particulares, mas somente daqueles que interessem à sociedade ou a uma dada coletividade. Trata-se de instituto dogmaticamente bem definido: dotação patrimonial, composta de bens livres e suficientes; finalidade voltada a um interesse social instituído pelo fundador; e afetação desse patrimônio a essa finalidade, de maneira perene e inalterável. Consequentemente, de natureza incompatível com qualquer finalidade que vise à distribuição de lucros.

Nessa linha, o caput do artigo 62 do Código Civil de 2002 preocupa-se apenas em estabelecer o primeiro passo para a constituição de uma fundação de direito privado, qual seja, um ato de dotação patrimonial. Portanto, à semelhança do que fizera o legislador do Código Civil de 1916 e, em consonância com o a maior parte da legislação comparada, não se preocupou em definir a fundação, evitando entrar nessa seara.

O Código Civil de 2002, todavia, visando a impedir a criação de fundações com objetivos fúteis, caprichosos [[3]] ou que tenham intuito de distribuir lucros, cuidou de estabelecer, por meio da inclusão do parágrafo único, a regra – sem correspondente no Código Civil de 1916 – segundo a qual a constituição de fundação somente poderia visar a fins religiosos, morais, culturais e de assistência, excluindo, aparentemente, desse rol os entes que desempenham finalidades de elevado conteúdo social, como se percebe em muitos casos de fundações de finalidade científica, de promoção à saúde, à educação, ao esporte ou ao meio ambiente, só para ficar com esses exemplos.

Assim, apesar da boa intenção do legislador, o fato é que o citado parágrafo único do art. 62 do Código Civil restringiu, demasiadamente, o escopo fundacional, a ponto de merecer severas críticas da doutrina, que o taxou de “desnecessário”, “nocivo” [[4]], “confuso”, “impróprio” [[5]], constituindo-se em “interferência desregrada na liberdade de escolha do instituidor” [[6]].

Por isso mesmo, já se vinha entendendo que o referido dispositivo legal deveria “ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos” e que, portanto, “a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no Código Civil, artigo 62, parágrafo único” (enunciados de 9 e 8, respectivamente, da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).

Com efeito, caso assim não fosse, chegar-se-ia ao maior de todos os absurdos, na medida em que seria imposta a extinção de uma fundação de preservação ambiental, por exemplo, simplesmente por seu fim ou objetivo não se subsumir à moldura estreita do referido dispositivo, qual seja, por não desempenhar uma finalidade religiosa, cultural, moral ou assistencial[[7]].

O artigo 2º da Lei Federal 13.151, de 28 de julho de 2015, alterou a redação do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, para o fim de ampliar o rol daquelas finalidades antes previstas. De acordo com a sua nova redação, “a fundação somente poderá constituir-se para fins de:

I – assistência social;

II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III – educação;

IV – saúde;

V – segurança alimentar e nutricional;

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; 

VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;

IX – atividades religiosas; e

X – (VETADO).”

Pode-se dizer que a alteração veio em boa hora, na medida em que buscou escapar daquele figurino demasiadamente restritivo do legislador de 2002. Concorde-se ou não com o critério adotado pelo legislador, o fato é que a referida lei ampliou e melhorou a redação do malsinado parágrafo único do artigo 62 do Código Civil de 2002, na exata medida em que visou a atender aos reclamos da doutrina a respeito da extrema, e até nociva, limitação finalística das fundações, ainda que apenas em parte.

Exposta, assim, em breves linhas, a mudança, parece importante trazer à tona algumas reflexões.

A primeira diz respeito à clara tentativa de o legislador dar um tratamento isonômico às fundações e associações, declaradas como de Utilidade Pública ou de Assistência Social, em relação àquelas classificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS), especialmente com relação à possibilidade de remuneração dos seus dirigentes executivos. Essa tentativa traz reflexos observáveis na simetria existente entre o rol das finalidades previstas no novo texto do parágrafo único do art. 62, do Código Civil, e aqueles fins exigidos pelo artigo 3º da Lei 9.790/99, para a qualificação de uma entidade como OSCIP.

Esse intento também se encontra expresso nos votos dos relatores do projeto de lei em questão.

Não se pode, entretanto, confundir os requisitos de qualificação das entidades que atuam na suplementação daquelas áreas onde o Estado se mostrou omisso ou ineficiente (dentre eles aqueles exigíveis para a qualificação de uma entidade como OSCIP), com os próprios pressupostos configuradores de uma fundação.

De fato, essas qualificações têm a função de estabelecer um regime jurídico especial, em relação ao regime geral das fundações, que permite benefícios fiscais ou contratação com o Poder Público, facilitando o mecanismo de controle estatal das entidades assim qualificadas [[8]]. Trata-se de uma realidade peculiar do Ordenamento Jurídico brasileiro, mas que não se confunde com os contornos dogmáticos do modelo jurídico em questão.

Portanto, mostra-se impertinente condicionar a constituição de uma fundação, por exemplo, que vise à promoção da saúde e da educação (artigo 62, parágrafo único, III e IV, do Código Civil), a que suas atividades sejam prestadas de maneira apenas gratuita, à maneira do que se exige para a qualificação de uma entidade como OSCIP (artigo 3º, III e IV, da Lei 9.790/99).

Isso soaria tão equivocado quanto dizer que uma fundação que venha a ser constituída deverá ser invariavelmente qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Por mais socialmente relevante e nobre que seja a sua finalidade isso não é verdadeiro. Bem poderá ela não se enquadrar nos requisitos estabelecidos na lei de regência. Por exemplo, imagine-se que a finalidade social dessa fundação seja voltada para a disseminação de credos, cultos e práticas religiosas, ou que tenha ela sido constituída por algum partido político. Apesar de se constituírem fundações – cujas atividades estão inquestionavelmente previstas na nova redação do parágrafo único do art. 62 do Código Civil –, jamais alcançariam o status de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), não pelo menos nos termos do artigo 2º, III, IV e XI, da vigente Lei 9.790/99.

A segunda reflexão que se propõe diz respeito à possibilidade da onerosidade dos serviços prestados pela fundação e do exercício de atividade econômica por parte dessas entidades.

Com efeito, não há nada que impeça que as rendas das fundações sejam decorrentes da remuneração de serviços por elas mesmas prestados. O que define uma entidade como de finalidade lucrativa, portanto, não é agratuidade ou a onerosidade dos seus serviços, mas o fato de os seus atos constitutivos preverem a possibilidade de que seus resultados sejam distribuídos entre os seus membros ou dirigentes.

De outro lado, não há nada que proíba – muito pelo contrário, pode ser até recomendável – que as fundações exerçam atividade econômica, já que o patrimônio, estático, no mais das vezes mostra-se incapaz de atender aos fins estabelecidos pelo instituidor. Além disso, encontram-se cada vez mais escassas as possibilidades de o Estado brasileiro suprir, por meio de incentivos fiscais e subvenções, as ilimitadas necessidades do denominado terceiro setor, que se agiganta em um país de economia semiperiférica e de contrates sociais gigantescos como o nosso.

Entenda-se: acerca do aspecto finalístico da fundação, no Direito Civil brasileiro, é inegável que ele deve revestir-se de caráter social, voltando-se ao interesse geral, ou, ao menos, a uma coletividade relativamente determinável de destinatários, não podendo, ademais, ter caráter lucrativo, ou seja, distribuir lucros, dividendos, entre os seus dirigentes (o chamado lucro subjetivo).

Não há, contudo, óbice a que a fundação preste serviços remunerados (atividade-meio, de natureza econômica), desde que sirvam para o incremento patrimonial da própria entidade e o alcance das suas finalidades (atividade-fim, de cunho social). É o que se reconhece como atividade econômica de subsistência e sustentação dos fins da fundação.

Apesar da resistência de certos setores da doutrina nacional em reconhecer essa inexorável realidade social-econômica, muitas vezes pela constatação da existência de certos desvios e anomalias, o fato é que essa percepção é alcançada por parte da doutrina nacional e por parcela significativa da doutrina estrangeira, a exemplo de Portugal, Espanha, Alemanha e Itália [[9]].

Em conclusão: é preciso, portanto, cautela na compreensão dessas mudanças. Todo o movimento do legislador de 2002 foi no sentido de vetar – ainda que por tortuosas linhas – a destinação de bens para finalidades fúteis ou para o exercício de atividade que visasse à distribuição de lucros. Com isso, criou uma limitação desnecessária e extrema aos fins fundacionais, como visto.

O legislador atual, tentando afastar os eventuais efeitos nefastos dessa limitação, ampliou o rol; mas manteve o critério casuístico de limitação de finalidades, o que ainda é bastante criticável, seja porque ainda corre-se o risco de limitar, indevidamente, a iniciativa dos particulares, seja por se estar diante de instituto com contornos dogmáticos já muito bem definidos, afigurando-se, pois, muito mais dispensável do que desejável a atribuição de uma tal limitação pelo legislador.

De todo o modo, ainda que não se concorde com esse pensar, o que se afigura como impensável é querer o intérprete limitar o sentido do requisito finalístico para a constituição de fundações. Seria, mais uma vez, retroceder. Consequentemente, a solução mais adequada parece ser considerar o novo rol do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil como apenas exemplificativo.

Vistas, assim, as principais questões atinentes à finalidade, resta tratar das novas regras sobre a atribuição legal do Ministério Público relacionadas ao velamento das fundações (artigos 66, parágrafo 1º, e 69, III, do Código Civil), tema que será explorado em uma próxima participação nesta coluna, aqui na ConJur.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).



[1] O projeto de lei tramitou, originariamente, no Senado Federal (PLS nº. 310, de 2006, de iniciativa do Senador Tassio Jereissat).


[2] ENNECERUS, Lugwig; KIPP, Theodor; et WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, trad. Blas Pérez Gonzalez e José Alguer, Parte Geral, I, 2ª. Ed. Barcelona: Bosh, 1953, 1º Tomo, p. 430.


[3] ALVIM, Agostinho. Comentários ao Código Civil, Rio de Janeiro, Ed. Jurídica e Universitária, 1968, p. 159.


[4] ALVIM, Arruda; e ALVIM, Thereza (coord.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte Geral, Vol. I. Everaldo Augusto Cambier [et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 519.


[5] RESENDE, Tomaz de Aquino. As fundações e sua disciplina no novo Código Civil. In: REIS, Selma Negão Pereira dos (coord.). Questões de Direito Civil e o novo Código, São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2004, p. 247.


[6] PAES, José Eduardo Sabó. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários, 7. ed. São Paulo: Forense, 2010, p. 377-382.


[7] Idem, p. 380.


[8] DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas: teoria geral e exercício de atividades econômicas. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 100-101.


[9] Idem, p. 402-409.



Antonio Lago Júnior é mestre em Direito pela UFBA, professor de Direito Civil nos cursos da Universidade Salvador (Unifacs), advogado e procurador do estado da Bahia.



Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2015, 8h00

Blogueiro perde recurso no STJ e terá que indenizar Ali Kamel em R$ 50 mil






Pela segunda vez a Justiça confirma a condenação do blogueiro Willian de Barros por ter publicado textos nos quais ridicularizava Ali Kamel, diretor de jornalismo e esportes da TV Globo. A ofensa era feita por meio de uma relação jocosa que ele estabelecia entre o executivo da emissora e um ator de filmes pornográficos dos anos 1980. No último dia 12 de novembro, o Superior Tribunal de Justiça negou recurso de Barros e confirmou a sentença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: R$ 50 mil de indenização moral devem ser pagos a Kamel.

Sobre a alegação de que a liberdade de imprensa permitiria a publicação de tais textos, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, destacou trechos da decisão anterior que afirmam que os textos de Willian de Barros não tinham animus jocandi (intenção de fazer crítica humorística), mas simanimus difamandi (intenção de atingir a honra e reputação da pessoa). O blogueiro teria de forma “indubitável” abusado do direito de livre expressão, que é limitado “pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Willians de Barros também disse que foi prejudicado em seu direito de defesa por diversos erros processuais. O ministro do STJ não acolheu e afirmou que fazer o “reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial é inviável”, apontando orientação da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o pedido para que o valor da indenização fosse diminuído, Villas Bôas acredita que o valor de R$ 50 mil previamente estabelecidos “não destoa dos parâmetros adotados por esta Corte em precedentes análogos, ao revés, revela-se perfeitamente adequada”.

Histórico do caso
A condenação de Willian de Barros foi dada em setembro de 2013 pela juíza Simone Gastesi Chevrand, da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Para ela, houve excesso no direito de informar da parte do blogueiro. A juíza apontou que o ator pornô em questão sequer adotava o mesmo nome do jornalista, mas, sim Alex Kamel.

"A maliciosa distorção de indicação do nome do ator pornô tem como exclusiva finalidade traçar vínculo entre ele e o autor, como se homônimos fossem. E isto para atribuir ao ora autor a realização do filme pornô", escreveu a juíza na ocasião.

Clique aqui para ler a decisão. 



Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2015, 16h22

Justiça de Minas proíbe MP de acessar sistema interno da Polícia Civil





O controle externo exercido pelo Ministério Público sob a polícia não abarca toda e qualquer atividade desenvolvida pela instituição. Foi o que decidiu a juíza Juliana Faleiro de Lacerda Ventura, da 2ª Vara Cível de Araguari, em Minas Gerais, ao julgar improcedente uma ação civil pública movida peloparquet para garantir acesso aos registros internos da Polícia Civil mineira.

No pedido, o MP-MG requereu senha para acesso direto ao sistema interno da Polícia Civil de gerenciamento de procedimento policias pela web, para acompanhar os registros de ocorrência, de inquéritos policias, de fiança criminal e de diligências preliminares, entre outros procedimentos. Pediu ainda que o estado seja obrigado a divulgar na internet os Registros de Eventos de Defesa Social (REDs) que geram inquéritos policias, assim como o número de pessoas presas e vagas existentes por unidade prisional.

O MP argumentou que a Promotoria responsável pelo controle externo da atividade policial tem tido dificuldade para acompanhar as notícias-crime oriundas das ocorrências registradas na delegacia de Araguari. Destacou que nem todas resultam em inquéritos e que, em razão da falta de informações, o órgão tem sido procurado por cidadãos interessados em saber as providencias tomadas nas suas demandas.

Segundo o MP-MG, a negativa da polícia em lhe dar acesso ao sistema impede o controle externo da atividade policial e dificulta o efetivo controle da criminalidade, já que muitos registros deixam de ser encaminhados aoparquet ou ao Judiciário.

Já a Polícia Civil argumentou que o controle externo que a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público não pode ser negado, mas encontra limites normativos, uma vez que nem toda atividade está sujeita ao domínio do MP por estar alicerçada na autonomia administrativo-funcional, também concedida por lei à autoridade policial. Para a polícia, o controle externo do MP não lhe dá poder disciplinar nem o autoriza a conduzir investigações ou procedimentos policias, assim como fiscalizar e gerenciar atos de natureza administrativa interna.

Ao analisar o caso, a juíza deu razão à Polícia Civil. De acordo com ela, o controle externo do MP sob a atividade policial tem como fundamento a defesa da ordem jurídica e do regime democrático a fim de salvaguardar a sociedade de quaisquer medidas que possam resultar em violação dos direitos constitucionais sociais e individuais indisponíveis.

“Todavia, esta atribuição dada ao parquet deve ser analisada com parcimônia, dada sua incidência limitada a certos atos perpetrados pela polícia. O controle externo não incide sobre toda e qualquer atividade policial, mas apenas se verifica em relação aos atos que digam respeito à chamada ‘polícia judiciária’ e à apuração de infrações penais, quando exercidas pela Polícia Civil”, destacou.

Para a juíza, o controle externo exercido pelo MP não implica em subordinação por parte dos membros da Polícia Civil. “Por certo, não é intuito do legislador criar verdadeira hierarquia ou disciplina administrativa, subordinando a autoridade policial e seus funcionários aos agentes do Ministério Público”, destacou.

Na avaliação da juíza, as regras para o controle externo pelos ministérios públicos dos estados constam na Lei Orgânica do MP da União, que nessa questão é aplicado de forma subsidiária. A norma estabelece as medidas à disposição do Ministério Público para exercer essa atribuição.

“Há disposição legal que dispõe acerca do acesso a estabelecimentos e documentos, possibilidade que o promotor fiscalize a legalidade da atuação policial e exerça um limitado controle formal do inquérito. Contudo, continua faltando um dispositivo que diga de forma clara que o Ministério Público exercerá o controle externo da atividade policial, dando instruções gerais e específicas para a melhor condução do inquérito policial, as quais estarão vinculados os agentes da polícia judiciária. E, diante da ausência de regulamentação no sentido de se permitir o acesso do Ministério Público aos dados existentes nos sistemas da Polícia Civil, outro caminho não resta que a improcedência dos pedidos inicias, visto a ausência de previsão legal”, decidiu.

O Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, mas o caso ainda não foi julgado.

Processo 0092152-37.2014.8.13.0035


Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.



Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2015, 17h48

Contestação do cumprimento de sentença exige garantia prévia e prazo inicia com intimação do devedor



A garantia de pagamento da indenização, a chamada garantia do juízo, é requisito necessário para que seja admitida impugnação ao cumprimento de sentença. Somente a partir da intimação do executado a respeito da penhora realizada nos autos é que se inicia o prazo para questionar os cálculos arbitrados.

Esse foi o entendimento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto pelo banco Panamericano S/A, condenado a pagar indenização por dano moral a uma cliente por inscrevê-la indevidamente nos órgãos de proteção ao crédito.

Na fase de execução, a instituição financeira contestou os cálculos, mas o juiz rejeitou a impugnação com o fundamento de que, como o banco não tinha realizado o depósito do valor tido por incontroverso, não teria direito de questionar os valores.

Preclusão

No mesmo despacho, foi determinada a penhora de valores, e o banco apresentou nova impugnação para discutir o excesso no cálculo. Dessa vez, entretanto, o juiz da causa rejeitou a impugnação apresentada por entender ter ocorrido preclusão, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve o mesmo entendimento.

Segundo o acórdão, “do auto de penhora o devedor é intimado para apresentar impugnação, desde que não verse sobre o excesso, que depende de depósito voluntário da parte incontroversa”.

Impugnação possível

No STJ, o relator, ministro João Otávio de Noronha, entendeu pela reforma da decisão. Segundo ele, garantido o juízo com a penhora nos autos, não se poderia ter obstado o direito do devedor de impugnar os cálculos apresentados pelo credor tidos por excessivos.

“Somente a partir da intimação do executado a respeito da penhora realizada nos autos é que se inicia o prazo para impugnação, a teor do que dispõe o parágrafo 1º do artigo 475-J do CPC. Assim, havendo a garantia do juízo ante a penhora realizada nos autos, surge o direito da parte de impugnar os cálculos ofertados pelo credor”, concluiu o ministro Noronha.

Fonte: STJ

Contrato celebrado com instituição de previdência privada não integra contrato de trabalho




“Dada a autonomia entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar, mesmo se eventualmente reconhecida a natureza salarial de determinada parcela, não se seguirá o direito à sua inclusão nos proventos de aposentadoria complementar se não integrante do benefício contratado”.

Esse foi o entendimento adotado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto pela Fundação Eletrosul de Previdência e Assistência Social (Elos), condenada a rever aposentadoria de um beneficiário que teve seus proventos aumentados em razão de diferenças de promoções por antiguidade conferidas pela Justiça do Trabalho.

Desequilíbrio atuarial

A sentença e o acórdão de apelação julgaram procedente o pedido do beneficiário sobre o fundamento de que os salários de contribuição considerados no cálculo do salário real de benefício do autor da ação (média aritmética dos últimos 36 meses) deveriam ser recalculados em decorrência das verbas salariais concedidas na ação trabalhista.

No STJ, a Elos alegou que o beneficiário já estava aposentado quando obteve o reconhecimento das diferenças salariais e que, como o pagamento do acréscimo pretendido não foi incluído no benefício contratado, o reconhecimento judicial da majoração salarial acarretaria desequilíbrio atuarial aos planos de benefícios por ela administrados.

Jurisprudência

A relatora, ministra Isabel Gallotti, votou pelo provimento do recurso. Segundo ela, a Constituição Federal, em seu artigo 202, parágrafo 2º, deixa claro que o contrato celebrado com instituição de previdência privada não integra o contrato de trabalho.

Gallotti citou ainda as Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001, que, segundo ela, revelam a criação do sistema de previdência complementar brasileiro como um modo de manter o equilíbrio econômico financeiro, e não de instituir a paridade de vencimentos entre empregados ativos e aposentados.

A ministra também lembrou que a Segunda Seção do STJ, “diante de diversos outros pedidos de inclusão de parcelas ditas salariais nos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidades fechadas de previdência privada, consolidou o entendimento de que, no regime de previdência privada, não se admite a concessão de benefício algum, seja oriundo de verba de natureza salarial ou indenizatória, sem a formação da prévia fonte de custeio, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial nos correspondentes planos de benefícios”.

Fonte: STJ

Banco que retirou proposta de acordo sem justificativa é condenado por litigância de má-fé




A Turma Recursal de Juiz de Fora, em voto de relatoria da desembargadora Paula Oliveira Cantelli, manteve a decisão de 1º grau que condenou um banco como litigante de má-fé, classificando a postura do réu como temerária. Isto porque, após propor acordo, oferecendo vultosa quantia, o banco retirou a proposta sem apresentar qualquer justificativa minimamente plausível.

Analisando o termo de audiência, a relatora verificou o registro de proposta formal de conciliação apresentada pelo banco, no importe de R$100.000,00. Mas, no encerramento da instrução, a procuradora do banco expressamente declarou que não mantinha nenhuma das propostas ofertadas, não tendo autorização para celebrar qualquer acordo. Essa atitude, na visão da julgadora, frustrou o principal intento do Judiciário, que é a conciliação.

Nesse contexto, acompanhando voto da relatora, a Turma, por sua maioria, manteve a decisão que condenou o banco a pagar multa de 1% sobre o valor da causa em prol da trabalhadora, bem como a indenização fixada no limite legal de 20% sobre o valor dado à causa (§2º do art. 18/CPC), diante da gravidade da conduta do réu. A juíza de 1º grau, entendendo que o direcionamento do valor integral da multa à empregada esbarraria no princípio que veda o enriquecimento sem causa, direcionou 15% do valor da multa para o Abrigo Santa Helena, estabelecimento local de beneficência, entendimento esse que também foi mantido pela Turma.

Houve interposição de recurso de revista, ainda pendente de julgamento.( 0001380-57.2013.5.03.0143 ED )
Fonte:; TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...