Novo CPC não deve adotar conceito sobre condições para a ação
Com a proximidade da aprovação do projeto do novo Código de Processo Civil no Congresso Nacional, passaremos a veicular, nesta coluna, predominantemente textos relacionados à nova lei que se avizinha.
Teremos por foco pontos que consideramos chavedo novo Código (que chamaremos, por comodidade, de NCPC), aspectos que repercutam, de modo mais rente, na vida daqueles que atuam no dia a dia do foro. Procuraremos, também, responder às questões que nos forem enviadas — para saber como enviar suas dúvidas, cliqueaqui. Esperamos, com isso, que os textos por nós publicados nesta coluna continuem a ser úteis a advogados, defensores públicos, juízes, promotores de Justiça, professores, estudantes, enfim, a todos que se interessam por esse tema.
Daremos início a esta série comentando algo sobre aquilo que se convencionou chamar de condições da ação. Valemo-nos da fórmula por comodidade, pois assim o assunto é conhecido entre nós, tendo esse termo, inclusive, sido expressamente referido, no CPC de 1973 (artigo 267, inciso VI).
O NCPC não utiliza tal expressão — há ótimo quadro comparativo, elaborado pelo Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal, disponível para download aqui. No artigo 495, inciso VI, do projeto (na versão Câmara dos Deputados; artigo 472, inciso VI, na versão do Senado) há apenas menção à hipótese em que o juiz se manifesta sobre a ausência de legitimidade ou interesse processual — sobre a possibilidade jurídica, confira o que se diz infra.
Essa opção do projeto, tomada, desde o início, pela comissão que elaborou o anteprojeto do novo CPC, nos parece a mais acertada. A lei, em princípio, não deve adotar um determinado conceito ou concepção doutrinária. O projeto, em outros casos, opta por “definir” institutos jurídico-processuais, aparentemente seguindo determinada concepção doutrinária, algo que não nos parece correto. Restará à doutrina e à jurisprudência definir se, à luz do NCPC, fará, ainda, sentido falar em “condições da ação”, ou se legitimidade e interesse processual seriam matérias que poderiam se inserir entre os pressupostos processuais ou no mérito.
A possibilidade jurídica não é mencionada pelo NCPC. Os casos em que, à luz do CPC de 1973, considera-se a demanda juridicamente impossível, devem se ajustar, à luz do NCPC, à improcedência do pedido ou, eventualmente, à falta de interesse processual — a respeito, confira texto que escrevemos há bom tempo, mas que ainda mostra-se atual, intitulado “Possibilidade jurídica do pedido e mérito”, publicado em 1999 na Revista de Processo, v. 93.
Embora sem adotar um nome para tais figuras (como “condições da ação”), ou inseri-las em determinada categoria processual, parece certo que o NCPC deu a elas tratamento singular. Diz o texto do projeto, como antes se observou, que, no caso, se está diante de hipótese em que o juiz não se pronuncia sobre o mérito. Tal decisão faria coisa julgada? Costuma-se dizer, tradicionalmente, que não. O artigo 268 do CPC de 1973, a propósito, dá a entender que, caso o processo seja extinto sem resolução do mérito por falta de uma das condições da ação, a mesma ação poderia ser reproposta (e extinta pelo mesmo motivo) indefinidamente. Essa não parece ser uma solução adequada — confira a respeito o que escrevemos no texto antes referido, e ampla doutrina ali citada.
O NCPC dá tratamento diverso ao tema, ao dizer que, em caso de extinção do processo por falta de legitimidade e interesse processual, “a propositura da nova ação depende da correção do vício” (artigo 496, parágrafo 1º, versão Câmara dos Deputados; artigo 473, parágrafo 1º, versão Senado). A confirmar essa ordem de ideias, o projeto admite o ajuizamento de ação rescisória contra “decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito” (artigo 978, parágrafo 2º, versão Câmara; sem correspondente, na versão do Senado).
Há, aí, algo similar àquilo que se convencionou chamar de efeito negativo da coisa julgada — em estudo dedicado à possibilidade jurídica, antes referido, sustentamos que se deve admitir que há, no caso, coisa julgada.
O tema a que nos referimos no presente texto é, evidentemente, muito complexo, a merecer exame mais demorado e aprofundado. Nós mesmos pretendemos fazer isso em outros estudos. Embora saibamos que muitos não cultivam esse modo de pensar, parece-nos possível tratar de temas complexos sem complicá-los ainda mais. Especialmente nessa “fase” de transição entre o CPC de 1973 e o NCPC, devemos tentar ser precisos, mas com leveza, com a máxima simplicidade possível, embora sem cair em simplismos.
Esse é o nosso propósito. Que os textos já publicados e os que seguirão nesta coluna o alcancem, é o que mais desejamos.
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2014, 10:57
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