Importância do pensamento de Hugo Preuss na Constituição de Weimar
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Hugo Preuss (1860-1925) foi um dos principais mentores da Constituição de Weimar. Em 15 de novembro de 1918 foi alçado ao posto de Secretário do Interior (Staatssekretär des Inneren), nomeado pelo presidente Freiderich Erbert. Tinha a responsabilidade de redigir o núcleo do texto constitucional que se discutiria. A empreitada envolveu outros nomes importantíssimos do direito público alemão, a exemplo de Erich Kauffmann e de Max Weber.
Kauffmann era nacionalista e monarquista. Max Weber defendia uma maior aproximação entre o governo e a maioria parlamentar. A Alemanha vivia o fim da primeira guerra mundial e a transição de uma ditatura militar para um sistema parlamentar que então se esboçava. Em janeiro de 1919 convocou-se uma Assembleia Nacional que discutiria o novo texto constitucional, engendrado a partir das postulações de Preuss.
Hugo Preuss era um social-democrata, defensor da soberania dos órgãos locais e comunais. Burguês identificado com a esquerda liberal, Preuss afeiçoava-se a ideias liberais, democráticas e socialistas. Defendia o fim do Estado autoritário (Obrigkeitsstaat) e pregava um Estado republicano (Volksstaat). Questionava a existência dos pequenos Estados alemães, cuja legitimidade era apenas dinástica. Seu interesse central estava em um modelo de auto-organização de uma cidadania livre, cujas diretrizes politicas seriam fixadas por comandos locais[1].
Hugo Preuss era de uma família de judeus. Sua mãe enviuvou quando Preuss ainda era criança, tendo posteriormente se casado com um cunhado, um bem sucedido negociante. Estudou Direito em Berlim e em Nuremberg. Sua fonte de inspiração intelectual fora o juspublicista Otto Von Gierke. Doutorou-se pela Universidade de Göttingen, onde apresentou tese sobre a evicção, que compôs com base em estudo de textos do Direito Romano. Sua tese de Habilitationsschrift (mais alto nível título acadêmico conferido na Alemanha, que guarda semelhanças com a tese de livre-docência que há no Brasil) tratou sobre as relações federativas, a partir da hipótese de que municípios, unidades federadas e unidade central funcionariam como corporações territoriais. A tese foi defendida na Universidade de Berlim, em 1890, carregado com o pomposo título “Gemeinde, Staat und Reich als Gebietskörperschafen” (“Municipalidade, Estado e União como Corporações Territoriais”).
Hugo Preuss casou-se com a filha de um professor de química. Teve três filhos. Ao que consta, por ser judeu e liberal, teria enfrentado muita resistência para obter uma cátedra. Em 1906 foi acomodado na Berliner Handelschochshule, um colégio de comércio, que não detinha o prestígio das grandes universidades alemãs. Em 1915 publicou “Das deustche Volk und die Politik” (“O povo alemão e a política”). No fim da monarquia afiliou-se ao“Deutsche Demokratische Partei- DDP”, o partido democrático alemão.
Muito influenciado pelo liberalismo alemão que remontava à Constituição de Frankfurt (1848), Preuss rejeitava o conceito clássico de soberania, reputando-o como “uma relíquia da tradição monárquica-burocrática-absolutista”[2]. Lutava pela mudança da sociedade alemã valendo-se das armas que possuía: caneta, estudo e pesquisa[3].
Obstinado com o tema do auto-governo (Selbstverwaltung), Hugo Preuss pregava o localismo contra a centralização que marcou o direito público alemão desde o movimento pela unificação, conduzido por Bismarck, e concluído ao fim da guerra franco-prussiana em 1871. A pequena burguesia e os trabalhadores industriais, insistia Preuss, deveriam participar da gestão da política local, com forte inspiração nos princípios de autonomia municipal. Em 1899 Preuss havia defendido uma professora judia de uma escola municipal a quem o Ministério da Educação pretendia dispensar. Invocava na defesa da professora que a autonomia educacional local não poderia ser desrespeitada por intrusão das autoridades centrais.
Preuss entendia que o direito público decorria do momento no qual a vontade do Estado deveria ser diferenciada da vontade de um soberano particular; isto é, para o nascimento do direito público fora necessário aoposição a senhores feudais que governavam seus territórios do mesmo modo que conduziam negócios e propriedades particulares. Foi ministro até 1919, quando o gabinete ao qual pertencia renunciou, protestando contra os termos e a aceitação do Tratado de Versalhes.
Hugo Preuss morreu em 1925. Não viveu os inúmeros problemas que a Constituição de Weimar suscitou na Alemanha, e que de alguma forma levaram ao triunfo do nacional-socialismo em 1933. Foi quando começou mais uma longa noite da história.
[1] A propósito de Hugo Preuss, conferir Stolleis, Michael, A History of Public Law in Germany- 1914-1945, Oxford and New York: Oxford University Press, 2008, pp. 53 e ss. Tradução de Thomas Dunlap. Schoemberger, Cristoph,Hugo Preuss, in Jacobson, Arthur J. e Schlink, Bernhard (ed.), Weimar- A Jurisprudence of Crisis, Berkeley: University of California Press, 2002, pp. 110 e ss. Tradução de Belinda Cooper. Sosa Wagner, Francisco, Maestros Alemanes del Derecho Publico, Madrid e Barcelona: Marcial Pons, 2005, pp. 420 e ss. O presente ensaio foi concebido e redigido tendo essas três obras como fontes.
[2] Cf. Schoemberger, Cristoph, cit.
[3] Cf. Sosa Wagner, Francisco, cit.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.Topo da página
Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2014, 08:00h
Nenhum comentário:
Postar um comentário