quarta-feira, 29 de maio de 2013

AS AÇÕES COLETIVAS E AS DEFINIÇÕES DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Por Rizzato Nunes
(artigo publicado no Migalhas do dia 03/3/2011)

No artigo de hoje apontarei a importância das ações coletivas, no que respeita à proteção processual inaugurada com a lei 8.078/90 – O Código de Defesa do Consumidor e, especialmente, no âmbito das definições de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos por ela trazidos ao sistema jurídico brasileiro.

1. O Caráter Coletivo da Proteção Processual do CDC
1.1. A Defesa do Consumidor em Juízo

Um dos mais marcantes aspectos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), apesar de regrar uma série de direitos subjetivos individuais dos consumidores, é o de sua preocupação especial com a proteção coletiva, isto é, de toda a coletividade de consumidores. Isso é significativo na lei 8.078/90.

Se observarmos o título III da lei, "Defesa do Consumidor em Juízo", perceberemos isso. Muito embora a proteção individual não esteja excluída — o que, aliás, era mesmo de esperar —, a natureza do regramento é claramente coletiva. Tanto que, como se sabe, o CDC acabou por ser o responsável, no Sistema Jurídico Nacional, por fixar o sentido de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.

1.2. A Proteção Coletiva

O CDC permite a proteção dos consumidores em larga escala, mediante ações coletivas e ações civis públicas. É por elas que o consumidor poderá ser protegido. E, o que se verifica é que, aos poucos, começa-se a descobrir a importância desse tipo de ação nos ajuizamentos feitos pelo Ministério Público ou pelas associações de defesa do consumidor. Mas, a lei consumerista, digamos assim, "quer mais", ela "gostaria" que existissem muitas ações coletivas, pois um de seus alicerces fundamentais na questão processual é exatamente este de controlar como um todo os atos dos fornecedores.

Além disso, é importante lembrar que as ações coletivas são, talvez, as únicas capazes de fazer cessar aquilo que eu chamo de "abusos de varejo": uma tática empresarial dolosa de impingir pequenas perdas a centenas ou milhares de consumidores simultaneamente.
Veja-se um exemplo disso, numa mala-direta enviada por um grande Banco:

"Prezado(a) Cliente,
Temos uma novidade que vai aumentar ainda mais a sua tranquilidade. O Serviço de Proteção do seu cartão de crédito (...) foi ampliado e, a partir do vencimento de sua próxima fatura, você contará com o novo Seguro Cartão (...).
Agora, além da proteção contra perda e roubo de seu cartão de crédito, você terá a mesma proteção para saques feitos sob coação em sua conta corrente.
E mais: com o Seguro Cartão (...) você contará com um conjunto de coberturas e serviços, como renda por hospitalização e cobertura por morte acidental e invalidez permanente em consequência de crime, além de serviços de táxi, despachante, transferência inter-hospitalar e transmissão de mensagens.
Por apenas R$ 3,50 mensais, somente R$ 1,00 a mais do que você paga atualmente, você terá acesso a todos esses benefícios.
Esta é uma segurança da qual você não deve abrir mão. Porém, caso você queira manter apenas a cobertura atual, basta que nos próximos 30 dias você entre em contato com o (...) por telefone.
Cordialmente,"

Perceba o abuso: o Banco já lançou o valor de R$ 1,00 na fatura do consumidor. Se este não tiver interesse no novo produto/serviço enviado/lançado, terá que tomar a iniciativa de telefonar para o banco para cancelar o que nunca pediu. Some-se a isso a eventual dificuldade de ligar para o banco e, se apesar da "desistência", acabar sendo cobrado, provar que telefonou.

Agora, como trata-se de apenas R$ 1,00 ao mês, muito provavelmente os consumidores nada farão, nem reclamarão. Individualmente não compensa. Mas, o banco terá enorme vantagem com seus milhares de clientes.

Somente uma ação coletiva teria eficácia na resolução desse tipo de problema.
Lembre-se, também, de um outro exemplo vergonhoso, o da maquiagem de pesos e medidas feita diversas vezes pelas grandes indústrias de alimentos, na qual os produtos tiveram seu peso líquido diminuído sem que os consumidores soubessem. Manteve-se o preço e diminuiu-se o peso ou a medida dos produtos em pequenas quantidades e metragens, de modo que não só os prejuízos foram individualmente pequenos, como por isso mesmo, demorou em ser notado!

Apesar dos avanços, a área jurídica ainda não respira uma atmosfera cultural de ações coletivas. Uma explicação possível para isso, diz respeito ao ponto da história em que as mesmas foram trazidas para as relações de consumo.

O CDC surgiu no cenário jurídico nacional com muitos anos de atraso, gerando um problema típico de memória. Explico: quase todos aqueles que militam na área jurídica formados até 1990 não entendiam as inovações que a lei trouxe, porque foram estudar relações de consumo com base no aprendizado obtido no Direito Privado. E mesmo depois dessa data, ainda demorou muitos anos até que os conceitos introduzidos no sistema jurídico pelo CDC pudessem começar a ser entendidos.

O prestígio de nosso Código Civil de 1916 impregnou o modo de percepção dos estudiosos do Direito que, com base no seu acervo mnemônico, acabavam interpretando - e ainda o fazem - as normas a partir do clássico modelo privatista. O vetusto Código Civil, que entrou em vigor em 1917, recebeu forte influência do Direito Privado europeu do século anterior, e que já não tinha plena relação com a nossa realidade. Ora, esse Direito Civil não estava aparelhado para atender as demandas típicas do processo de industrialização capitalista do século XX e seu modo de produção estandartizada, seus esquemas de oferta e marketing, sua capacidade de distribuição etc.. Por influência, em parte, dessa legislação e a interpretação que dela se fez, têm-se até hoje dificuldade para se compreender muitos aspectos da sociedade de massas, dentre os quais o sentido das ações coletivas. É por isso que ainda existe, por exemplo, discussões a respeito da legitimidade do Ministério Público para propor ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos1.

De todo modo, para prosseguir, deixo consignado esse ponto: a proteção processual no CDC tem forte caráter coletivo.

2. Os Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos e a Constituição Federal

A Constituição Federal faz referência aos direitos difusos e coletivos (inciso III do art. 1292), mas não os define. Foi a Lei 8.078/90, que tratou de apresentar os parâmetros definidores de direitos difusos e direitos coletivos, o que fez no seu artigo 81.

E a guisa de explicitar o sentido de cada um, acabou por trazer uma nova espécie, a dos direitos individuais homogêneos.

Diga-se, desde já, que a definição legal está em perfeita consonância com o sistema constitucional, não havendo nada que possa macular suas disposições. Ou seja, o CDC, como lei principiológica que é, concretizador dos princípios e regras constitucionais, também aqui designa os limites e o modo de aplicação dos direitos postos e definidos. Para fazermos uma análise adequada, leia-se primeiramente o que diz a lei:

"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."

Na sequência, examinarei cada um dos tipos.

Para facilitar o entendimento do sentido implantado pelo sistema legal, apresento para cada um dos tipos estudados, os tópicos que permitem o estudo das relações jurídicas em geral. Apontarei assim, os elementos da relação jurídica: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto (elementos subjetivos e objetivos).

3. Os Direitos Difusos
3.1. Sujeito ativo indeterminado

Os chamados direitos difusos são aqueles cujos titulares não são determináveis. Isto é, os detentores do direito subjetivo que se pretende regrar e proteger são indeterminados e indetermináveis.

Isso não quer dizer que alguma pessoa em particular não esteja sofrendo a ameaça ou o dano concretamente falando, mas apenas e tão-somente que se trata de uma espécie de direito que, apesar de atingir alguém em particular, merece especial guarida porque atinge simultaneamente a todos.

Por exemplo, se um fornecedor veicula uma publicidade enganosa na televisão, o caso é típico de direitos difusos, pois o anúncio sujeita toda a população a ele submetido. De forma indiscriminada e geral, todas as pessoas são atingidas pelo anúncio enganoso.
Digamos que um vendedor de remédios anuncie um medicamento milagroso que permita que o usuário emagreça cinco quilos por dia apenas tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento à sua saúde. Seria um caso de enganação tipicamente difusa, pois é dirigida a toda a comunidade.

Agora, é claro que uma pessoa em particular pode ser atingida e enganada pelo anúncio: ela vai à farmácia, adquire o medicamento, ingere o comprimido e não emagrece. Ou pior, toma o comprimido e fica intoxicada.

Nesse caso, esse consumidor particular, tem um direito individual próprio, que também, obviamente, está protegido. Ele, como titular de um direito subjetivo, poderá exercê-lo plenamente com base na Lei 8.078/90. Poderá, por exemplo, ingressar com ação de indenização por danos materiais e morais.

Mas, o só fato de alguém em particular ter sido atingido pelo anúncio não só não elide os demais aspectos formadores dos direitos difusos em jogo, como ao contrário, exige uma rápida atuação dos legitimados para a tomada das medidas capazes de impedir a violação a esses direitos difusos (no caso, feita pelo anúncio enganoso).

Aliás, diga-se que é exatamente essa característica da indeterminabilidade da pessoa concretamente violada um dos principais aspectos dos direitos difusos.

O termo "difuso" significa isso: indeterminado, indeterminável. Então, não será preciso que se encontre quem quer que seja para proteger-se um direito tido como difuso.

Ou, em outros termos, ainda que não se possa encontrar um único consumidor enganado concretamente por uma publicidade enganosa, ela poderá ser qualificada de enganosa assim mesmo.
Portanto, quer se identifique um consumidor que foi violado no seu direito — individual —, quer não se encontre nenhum, trata-se sempre de direitos difusos. Aliás, ao contrário: essa é que é sua marca, a não determinação do sujeito.

Diga-se mais: sempre que surgir, ao mesmo tempo, questão que envolva direitos difusos e outra que envolva direito individual, ambas ligadas pelo mesmo objeto — no exemplo, a publicidade enganosa —, ter-se-á dois tipos de direito em jogo, e ambos protegidos pelo regime legal consumerista: os direitos difusos e o direito individual.

3.2. Sujeito passivo

Os obrigados a respeitarem os direitos difusos são todos aqueles que direta ou indiretamente vendem, produzem, distribuem, comercializam etc., produtos e serviços, isto é, são todos os fornecedores, cuja definição está estabelecida no artigo 3º do CDC.

3.3. A relação jurídica

Em matéria de direitos difusos, inexiste uma relação jurídica base. São as circunstâncias de fato que estabelecem a ligação.

Entenda-se bem: são os fatos, objetivamente postos, os elos de ligação entre todas as pessoas difusamente consideradas e o obrigado.

Assim, utilizando-se o mesmo exemplo daquele anúncio enganoso, tem-se que da veiculação do anúncio projete-se sobre toda a coletividade sua influência real, efetiva e objetiva. Eis as circunstâncias de fato: o anúncio e sua projeção objetiva e significativa sobre toda a população. O elemento de comunicação do anúncio projeta-se, lança-se por toda a coletividade, difusamente, atingindo a todos3.

3.4. Objeto indivisível
O objeto ou bem jurídico protegido é indivisível, exatamente por atingir e pertencer a todos indistintamente. Por isso, ele não pode ser cindido.

Faça-se uma ressalva esclarecedora: o fato do mesmo objeto gerar dois tipos de direito, não muda a natureza de indivisibilidade do objeto nos direitos difusos. Isto é, se um anúncio enganoso atingir um consumidor em particular, esse direito individual identificado não altera em nada a natureza indivisível do fato objetivo do anúncio.

É que na ação judicial de proteção aos direitos difusos, o caráter da indivisibilidade do objeto faz a ligação com a titularidade difusa, sem alterar o quadro da proteção particular.

3.5. Exemplos

Eis alguns exemplos de fatos de direitos difusos: a publicidade em geral, a distribuição e venda de medicamentos, a poluição do ar e as questões ambientais em geral etc.

4. Os Direitos Coletivos
4.1. Sujeito ativo indeterminado, mas determinável

Nos chamados direitos coletivos, os titulares do direito são também indeterminados, mas determináveis. Isto é, para a verificação da existência de um direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real. Todavia, esse titular é facilmente determinado, a partir da verificação do direito em jogo.

Assim, por exemplo, a qualidade de ensino oferecida por uma escola é tipicamente direito coletivo. Ela — a qualidade oferecida — é direito de todos os alunos indistintamente, mas, claro, afeta cada aluno em particular.

4.2. Sujeito passivo
Os obrigados a respeitarem os direitos coletivos são os fornecedores envolvidos na relação jurídica base ou aqueles que se relacionam com o grupo de consumidores que formam uma relação jurídica base entre si (ver explicações da relação jurídica, a seguir). No exemplo acima, é a escola.

4.3. A relação jurídica

Em matéria de direito coletivo são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo:

a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos pertencentes à Associação de Pais e Mestres; os associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe etc.;
b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc..

4.4. Objeto indivisível

O objeto ou bem jurídico protegido é indivisível. Ele não pertence a nenhum consumidor individual em particular, mas a todos em conjunto e simultaneamente. Se for divisível é individual ou individual homogêneo e não coletivo.

O Direito Coletivo tem objeto que diz respeito à coletividade de consumidores como um todo. Nos exemplos já dados, a qualidade do ensino oferecido por uma escola é indivisível; o tratamento da água conferido pelo prestador do serviço público afeta toda a água a ser entregue.

4.5. Distinção dos direitos individuais homogêneos

Note-se bem: às vezes se faz uma confusão entre direitos coletivos e direitos individuais homogêneos, o que exige uma elucidação que será feita no próximo item, mas há que se fazer desde já uma ressalva.

Como se viu, o objeto do direito coletivo é indivisível. O que vai acontecer é que o efeito da violação a um direito coletivo gere também um direito individual ou individual homogêneo. Assim, por exemplo, o mau tratamento da água fornecida aos usuários é típico caso de direito coletivo com objeto indivisível, mas simultaneamente seu fornecimento e consumo pode gerar dano à saúde de um consumidor individualmente considerado ou a mais de um consumidor.

Daí que, no caso, ambas as situações se configuram.

Já o inverso não é verdadeiro: nem todo direito individual homogêneo é coletivo típico conforme se verá no próximo item, mas é uma espécie de direito coletivo (o caráter de divisibilidade do direito individual homogêneo remanesce dividido quando ele for puramente direito individual homogêneo).

4.6. Exemplos

São exemplos de direito coletivo: a boa qualidade do fornecimento de serviços públicos essenciais como água, energia elétrica e gás; a segurança do serviço de transporte público de passageiros prestado pelas empresas de ônibus; a qualidade oferecida pela escola dos serviços educacionais por ela prestados etc.

5. Os Direitos Individuais Homogêneos
5.1. Sujeito ativo determinado e plural
Aqui os sujeitos são sempre mais de um e determinados. Mais de um, porque em sendo um só, o direito é individual simples, e determinado porque neste caso, como o próprio nome diz, apesar de homogêneos, os direitos protegidos são individuais.

Mas, note-se: não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo; quando se trata de direitos individuais homogêneos, a hipótese é de direito coletivo — o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no artigo 82 da lei consumerista.

É verdade que a ação individual ou a ação proposta por litisconsórcio facultativo não estão proibidas, como também, não está proibido o ingresso de tais ações no curso da ação coletiva de proteção aos direitos individuais homogêneos. Porém, não se pode confundir os institutos, que tem natureza diversa: no litisconsórcio o que há é reunião concreta e real de titulares individuais de direitos subjetivos no caso, no polo ativo da demanda; na ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, o autor da ação é único: um dos legitimados do artigo 82 do CDC4.

5.2. Sujeito passivo

Os responsáveis pelos danos causados aos sujeitos ativos são todos aqueles que direta ou indiretamente tenham causado o dano ou participado do evento danoso, ou ainda, que tenham contribuído para tal.

5.3. A relação jurídica

O estabelecimento do nexo entre os sujeitos ativos e os responsáveis pelos danos, se dá numa situação jurídica — fato, ato, contrato etc. — que tenha origem comum para todos os titulares do direito violado.

Isto é, o liame que une os titulares do direito violado há de ser comum a todos.
Apesar disso — isto é, apesar de ser de origem comum — não se exige, nem se poderia exigir, que cada um dos indivíduos atingidos na relação padeçam do mesmo mal. Aliás, não só o aspecto do dano individualmente considerado será oportunamente apurado em liquidação de sentença, como o fato de serem tais danos diversos em nada afeta a ação coletiva de proteção e apuração dos danos ligados aos direitos individuais homogêneos.

5.4. Objeto divisível

Aqui o objeto é divisível. A origem é comum e atingiu a todos os titulares determinados dos direitos individuais homogêneos, mas o resultado real da violação é diverso para cada um, de tal modo que se trata de objeto que se cinde, que é divisível.

5.5. Espécie de Direito Coletivo

Apontamos no item anterior aspectos dos direitos individuais homogêneos diante do direito coletivo. Reexaminemos a questão.

Primeiramente, anote-se, como já adiantando, que os direitos individuais homogêneos são também uma espécie do direito coletivo.

E, também conforme dito acima, não se deve confundir com litisconsórcio facultativo (ou necessário). Quando duas ou mais pessoas reúnem-se no polo ativo de uma ação judicial, elas formam litisconsórcio facultativo ou necessário. Na hipótese dos direitos individuais homogêneos a ação judicial é coletiva, não intervindo o titular do direito subjetivo individual. Se este quiser promover ação judicial por conta própria para a proteção de seu direito individual pode à vontade, não afastando em nada a ação coletiva.

5.6. Exemplos
São exemplos de direitos individuais homogêneos: as quedas de aviões, como o da TAM no Jabaquara em São Paulo; o naufrágio do barco "Bateau Mouche" no Rio de Janeiro etc.

6. Conclusão

Vê-se, pois, por aquilo que foi exposto que, há no sistema jurídico nacional regras que permitem a proteção coletiva dos direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos. Quanto mais as pessoas tomarem consciência de sua existência e de sua possibilidade de eficácia muito ampla, mais poder-se-á no Brasil incrementar-se os chamados direitos coletivos "lato sensu", o que trará enorme economia não só para o Poder Judiciário – na correspondente diminuição das ações individuais --, como maior eficácia, posto que as decisões nessas ações acabam por beneficiar todos os atingidos, quer tenham ingressado em juízo ou não.
__________
1Mas, o fato é que o Ministério Público pode ingressar com ações para proteção desse tipo de direito. (Para um exame completo desse tema, ver nosso "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", 5ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010: comentários ao art. 82).
2"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;"
3Aliás, no que respeita à publicidade, esse caráter de expansão da mensagem sobre toda a coletividade é sua razão mesma de ser, já que, como diz o jargão, "a publicidade é a alma do negócio". Não é à toa que se gaste tanto dinheiro com ela.
4É verdade que se mais de um dos legitimados ingressar no polo ativo da demanda haverá litisconsórcio facultativo, mas ainda assim diverso daquele que liga os consumidores individuais.



INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF 702



Informativo STF


Brasília, 15 a 19 de abril de 2013 - Nº 702.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.




SUMÁRIO



Plenário
1ª Turma
2ª Turma
Transcrições


PLENÁRIO


AP 470/MG: litisconsórcio multitudinário e prazo recursal - 1


O Plenário, por maioria, deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Joaquim Barbosa, proferida em ação penal da qual relator, em que indeferira pleito da defesa. Neste, pretendia-se que os votos da referida ação fossem disponibilizados, bem como que houvesse intervalo de 20 dias entre essa disponibilização e a publicação do acórdão decisório. Alternativamente, requeria-se dilação para 30 dias dos prazos para quaisquer recursos cabíveis. Concedeu-se prazo em dobro, a totalizar 10 dias, para a oposição de embargos declaratórios, reconhecida a aplicação do art. 191 do CPC (“Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”), combinado com o art. 3º do CPP (“A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”). Deliberou-se, ainda, estender ao Ministério Público o mesmo prazo de 10 dias para impugnar eventual oposição de embargos com efeitos modificativos. Conferiu-se eficácia extensiva dessa decisão aos demais réus que não formularam o pedido, nos termos do art. 580 do CPP.

AP 470/MG: litisconsórcio multitudinário e prazo recursal - 2


Prevaleceu o voto do Min. Teori Zavascki. De início, anotou que a regra inscrita no CPP preveria prazo de 2 dias para a oposição de embargos declaratórios (art. 619). Entretanto, haveria disposição no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF no sentido de que o prazo seria de 5 dias para essa espécie recursal (art. 337, § 1º), o mesmo previsto no CPC (art. 536). Asseverou não haver previsão explícita, entretanto, no que diz respeito a litisconsórcio. Lembrou que a espécie trataria de litisconsórcio passivo multitudinário, com procuradores distintos, de modo que seria razoável a aplicação da regra do art. 191 do CPC. O Min. Celso de Mello destacou precedentes da Corte no sentido de validar a possibilidade da contagem em dobro de prazo recursal para defensores públicos. Frisou não se tratar de construção casuística de prazo especial, mas de entendimento apoiado em critério de ordem jurídica, objetiva e impessoal, aplicável a outras situações em que houvesse formação litisconsorcial passiva multitudinária. Explicou que a norma regimental em comento teria sido editada sob a égide da CF/69, quando o STF era investido de competência para legislar materialmente em tema próprio de sua competência originária. Assim, as regras da Corte a consubstanciar normas materialmente legislativas teriam sido recebidas pela ordem constitucional vigente com força, autoridade e eficácia de lei. Sublinhou que o prazo de 2 dias, previsto no CPP, não seria aplicável aos casos do STF, portanto. Salientou ser incoerente admitir-se a duplicação de prazo recursal no âmbito do processo civil — onde não estaria em jogo a liberdade — e não fazê-lo em sede processual penal. Invocou, ainda, o princípio da paridade de armas, a implicar a duplicação do prazo recursal ao órgão acusador, inclusive, para a hipótese de embargos de declaração com efeito infringente. O Min. Luiz Fux considerou haver omissão — para as situações de litisconsórcio — no CPP e no RISTF. Reputou que, em matéria recursal, o princípio maior seria o que evitasse a prodigalidade e infirmasse a duração razoável dos processos. Destacou que, dada a excepcionalidade da espécie, a Corte já decidira pela flexibilização do período para sustentação oral.

AP 470/MG: litisconsórcio multitudinário e prazo recursal - 3


Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator e Presidente, e Marco Aurélio. O Presidente negava provimento ao agravo. Fundamentava que os votos teriam sido amplamente divulgados durante o julgamento e que o conteúdo do acórdão, embora não divulgado, seria de conhecimento de todos, o que permitiria a preparação de eventual recurso pelos interessados. Ademais, o prazo recursal previsto no RISTF seria mais benéfico à defesa do que aquele disposto no CPP. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, dava provimento ao recurso, em parte, mas em maior extensão. Aludia ao § 7º do art. 96 do RISTF (“O Relator sorteado ou o Relator para o acórdão poderá autorizar, antes da publicação, a divulgação, em texto ou áudio, do teor do julgamento”) como um direito da defesa e firmava a publicidade como tônica da Administração. Além do prazo recursal em dobro, implementava intervalo de 20 dias entre o acesso das partes aos votos e a publicação do acórdão.

AP 470/MG: litisconsórcio multitudinário e legitimidade recursal


O Plenário, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida pelo Min. Joaquim Barbosa, Presidente, nos autos de ação cautelar da qual relator. Na cautelar, condenado nos autos da AP 470/MG pretendia conferir efeito suspensivo a agravo regimental por ele interposto na ação penal, de decisão em que indeferido pedido de divulgação dos votos escritos antes da publicação do acórdão. Requeria, também, a concessão de intervalo razoável entre a disponibilização dos votos e a publicação do acórdão, tendo em vista a suposta complexidade do feito e a exiguidade do prazo para oposição de embargos. O Relator, entretanto, negara seguimento à ação cautelar, o que ensejara o presente agravo regimental apresentado por corréu. Preliminarmente, assentou-se a ilegitimidade do ora agravante, porquanto questionaria decisão proferida em ação cautelar proposta por outro condenado na mesma ação penal. No mérito, frisou-se que o pleito de fixação de “prazo razoável” configuraria inovação indevida, pois o recurso de agravo não poderia ir além do pedido que ensejara a decisão agravada. Ademais, o ajuizamento de ação cautelar com a finalidade de conferir efeito suspensivo a agravo regimental seria excepcional, a demandar periculum in mora e fumus boni iuris. No caso, o objeto da ação cautelar não seria plausível. Pretender-se-ia a manipulação de prazo processual legalmente previsto. Sucede que o hipotético acolhimento do pleito de divulgação dos votos, com antecedência razoável, ampliaria o prazo para a oposição de embargos declaratórios indefinidamente. Asseverou-se, ainda, que os votos proferidos quando do julgamento da AP 470/MG teriam sido amplamente divulgados durante as sessões plenárias. Vencido o Min. Marco Aurélio, que provia o agravo. Reconhecia a legitimidade do agravante para recorrer, embora não fosse autor da cautelar, uma vez se tratar de condenados em idêntica situação, conforme o art. 580 do CPP. Além disso, considerava não haver inovação indevida, pois o segundo pedido estaria compreendido no primeiro.

Reclamação e revisão de decisão paradigma - 1


Ao apreciar reclamação ajuizada pelo INSS para garantir a autoridade de decisão da Corte proferida na ADI 1232/DF (DJU de 9.9.98), que declarara a constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - Loas), o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido por considerar possível revisão do que decidido naquela ação direta, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Assim, ao exercer novo juízo sobre a matéria e, em face do que decidido no julgamento do RE 567985/MT e do RE 580963/PR, confirmou a inconstitucionalidade do: a) § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes e; b) parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) [“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas”]. Na espécie, o INSS questionava julgado de turma recursal dos juizados especiais federais que mantivera sentença concessiva de benefício a trabalhador rural idoso, o que estaria em descompasso com o § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93. Alegava, ainda, que a Loas traria previsão de requisito objetivo a ser observado para a prestação assistencial do Estado. Asseverou-se que o critério legal de “renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo” estaria defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Destacou-se que, a partir de 1998, data de julgamento da mencionada ADI, outras normas assistenciais foram editadas, com critérios mais elásticos, a sugerir que o legislador estaria a reinterpretar o art. 203, V, da CF (“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”).

Reclamação e revisão de decisão paradigma - 2


Aduziu-se ser possível que o STF, via julgamento da presente reclamação, pudesse revisar o que decidido na ADI 1232/DF e exercer nova compreensão sobre a constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93. Obtemperou-se que, hodiernamente, o STF disporia de técnicas diversificadas de decisão para enfrentar problemas de omissão inconstitucional. Se fosse julgada hoje, a norma questionada na ADI 1232/DF poderia ter interpretação diversa, sem necessidade de se adotar posturas de autocontenção por parte da Corte, como ocorrera naquele caso. Frisou-se que, no atual contexto de significativas mudanças econômico-sociais, as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais teriam trazido critérios econômicos mais generosos, com consequente aumento do valor padrão da renda familiar per capita. Consignou-se a inconstitucionalidade superveniente do próprio critério definido pelo § 3º do art. 20 da Loas. Tratar-se-ia de inconstitucionalidade resultante de processo de inconstitucionalização em face de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado). Pontuou-se a necessidade de se legislar a matéria de forma a compor um sistema consistente e coerente, a fim de se evitar incongruências na concessão de benefícios, cuja consequência mais óbvia seria o tratamento anti-isonômico entre os diversos beneficiários das políticas governamentais de assistência social. Vencido o Min. Teori Zavascki, que julgava o pleito procedente. Sublinhava que a decisão proferida na ADI teria eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Considerava que, ao se mudar o quanto decidido, estar-se-ia a operar sua rescisão. Ponderava não caber, em reclamação, fazer juízo sobre o acerto ou o desacerto das decisões tomadas como parâmetro. Arrematava que, ao se concluir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade em âmbito de reclamação, atuar-se-ia em controle abstrato de constitucionalidade. Vencidos, ainda, os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, Presidente, que não conheciam da reclamação.

Resposta à acusação e foro por prerrogativa de função - 1


O Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada em ação penal, deliberou pelo prosseguimento do feito nos termos do art. 397 do CPP, com a consequente intimação regular das partes, incluído o processo em pauta para apreciação do tema. No caso, denunciado, na justiça comum, pela suposta prática do crime de recusa, retardamento ou omissão de dados técnicos (Lei 7.347/85, art. 10) fora, posteriormente, diplomado Senador, sem que, nesse intervalo, fosse-lhe oportunizado o oferecimento de resposta à acusação (CPP, artigos 396 e 396-A) e sua respectiva análise pelo juízo (CPP, art. 397). Ademais, não teria apresentado resposta escrita (Lei 8.038/90, art. 4º), haja vista que, quando oferecida a exordial acusatória, o processo ainda não seria de competência do STF. O acusado requeria, então, a nulidade do recebimento da denúncia. Considerou-se que, uma vez esta Corte tendo reputado válido o recebimento da inicial ocorrido no juízo de 1º grau, seria possível analisar a resposta à acusação — para a qual o juízo de piso já haveria citado a parte —, com os fins de absolvição sumária. Anotou-se a semelhança entre a regra inscrita no diploma processual penal e a disposição da Lei 8.038/90 para essa finalidade. Registrou-se precedente no Plenário nesse mesmo sentido (AP 630 AgR/MG, DJe de 22.3.2012), embora, naquele caso, a defesa houvesse apresentado resposta à acusação perante o juízo comum. Invocou-se o princípio tempus regit actum, a significar que os atos praticados validamente, por autoridade judiciária então competente, subsistiriam íntegros. Assim, seria válido o procedimento até o instante em que, com a superveniência da diplomação, deslocara-se a competência para o STF. Consignou-se que, transitoriamente, a Corte adotaria o rito previsto no CPP — exclusivamente para essa finalidade — e, em seguida, o procedimento previsto na Lei 8.038/90.

Resposta à acusação e foro por prerrogativa de função - 2


Vencido o Min. Marco Aurélio, que resolvia a questão de ordem no sentido de acolher a nulidade suscitada. Considerava, ainda, que o termo “recebê-la-á” contido no art. 396 do CPP [“Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”] referir-se-ia à mera entrega da denúncia ao juízo, visto que a resposta à acusação voltar-se-ia contra esta peça. Não haveria lógica em se receber a inicial, com os efeitos jurídicos próprios, e oportunizar à defesa que impugnasse o ato que ensejara esta decisão. O recebimento da denúncia deveria ocorrer, portanto, em momento posterior à manifestação do acusado. Registrava que interpretação distinta implicaria afronta à isonomia, pois a Lei 8.038/90 permitiria ao denunciado — detentor de foro por prerrogativa de função — que se defendesse antes do recebimento da denúncia, e o Código de Processo Penal, voltado ao cidadão comum, não. Isso violaria o princípio do contraditório.


REPERCUSSÃO GERAL
Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 11


O Plenário, por maioria, negou provimento a recursos extraordinários julgados em conjunto — interpostos pelo INSS — em que se discutia o critério de cálculo utilizado com o intuito de aferir-se a renda mensal familiar per capita para fins de concessão de benefício assistencial a idoso e a pessoa com deficiência, previsto no art. 203, V, da CF — v. Informativo 669. Declarou-se a inconstitucionalidade incidenter tantum do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 [“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família ... § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”] e do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003.

Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 12


Prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator do RE 580963/PR. Ressaltou haver esvaziamento da decisão tomada na ADI 1232/DF — na qual assentada a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 —, especialmente por verificar que inúmeras reclamações ajuizadas teriam sido indeferidas a partir de condições específicas, a demonstrar a adoção de outros parâmetros para a definição de miserabilidade. Aduziu que o juiz, diante do caso concreto, poderia fazer a análise da situação. Destacou que a circunstância em comento não seria novidade para a Corte. Citou, no ponto, a ADI 223 MC/DF (DJU de 29.6.90), na qual, embora declarada a constitucionalidade da Medida Provisória 173/90 — que vedava a concessão de medidas liminares em hipóteses que envolvessem a não observância de regras estabelecidas no Plano Collor —, o STF afirmara não estar prejudicado o exame pelo magistrado, em controle difuso, da razoabilidade de outorga, ou não, de provimento cautelar. O Min. Celso de Mello acresceu que, conquanto excepcional, seria legítima a possibilidade de intervenção jurisdicional dos juízes e tribunais na conformação de determinadas políticas públicas, quando o próprio Estado deixasse de adimplir suas obrigações constitucionais, sem que isso pudesse configurar transgressão ao postulado da separação de Poderes.

Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 13


O Min. Gilmar Mendes aludiu que a Corte deveria revisitar a controvérsia, tendo em conta discrepâncias, haja vista a existência de ação direta de inconstitucionalidade com efeito vinculante e, ao mesmo tempo, pronunciamentos em reclamações, julgadas de alguma forma improcedentes, com a validação de decisões contrárias ao que naquela decidido. Enfatizou que a questão seria relevante sob dois prismas: 1º) a evolução ocorrida; e 2º) a concessão de outros benefícios com a adoção de critérios distintos de 1/4 do salário mínimo. O Min. Luiz Fux considerou que, nos casos em que a renda per capita superasse até 5% do limite legal em comento, os juízes teriam flexibilidade para conceder a benesse, compreendido como grupo familiar os integrantes que contribuíssem para a sobrevivência doméstica. No tocante ao parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, o Min. Gilmar Mendes reputou violado o princípio da isonomia. Realçou que, no referido estatuto, abrira-se exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Asseverou que o legislador incorrera em equívoco, pois, em situação absolutamente idêntica, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem.

Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 14


No RE 567985/MT, ficaram vencidos, parcialmente, o Min. Marco Aurélio, relator, que apenas negava provimento ao recurso, sem declarar a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, e os Ministros Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski, que davam provimento ao recurso. O Min. Teori Zavascki salientava que a norma teria sido declarada constitucional em controle concentrado e que juízo em sentido contrário dependeria da caracterização de pressuposto de inconstitucionalidade superveniente, inocorrente na espécie. Além disso, se presentes mudanças na legislação infraconstitucional, tratar-se-ia de revogação de lei. O Min. Ricardo Lewandowski acrescentava que a matéria em discussão envolveria políticas públicas, com imbricações no plano plurianual. De outro lado, vencidos, no RE 580963/PR, os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que, por não vislumbrarem inconstitucionalidade no art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, davam provimento ao recurso. O Min. Teori Zavascki, no presente apelo extremo, fizera ressalva no sentido de que a decisão do juízo de origem estaria em consonância com o posicionamento por ele manifestado.

Benefício de prestação continuada: tutela constitucional de hipossuficientes e dignidade humana - 15


Por fim, não se alcançou o quórum de 2/3 para modulação dos efeitos da decisão no sentido de que os preceitos impugnados tivessem validade até 31.12.2015, consoante requerido pela Advocacia-Geral da União. Votaram pela modulação os Ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Min. Gilmar Mendes rememorou a inconstitucionalidade por omissão relativamente ao art. 203, V, da CF e afirmou a razoabilidade do prazo proposto. Obtemperou que devolver-se-ia ao Legislativo a possibilidade de conformar todo esse sistema, para redefinir a política pública do benefício assistencial de prestação continuada, a suprimir as inconstitucionalidades apontadas. A Min. Rosa Weber adicionou ser salutar que o Supremo, ainda que sem sanção, indicasse um norte temporal. O Min. Luiz Fux ressaltou que o STF, em outras oportunidades, já exortara o legislador para que ele cumprisse a Constituição. O Min. Celso de Mello esclareceu que o objetivo seria preservar uma dada situação, visto que, se declarada, pura e simplesmente, a inconstitucionalidade, ter-se-ia supressão do ordenamento positivo da própria regra. Criar-se-ia, dessa maneira, vazio legislativo que poderia ser lesivo aos interesses desses grupos vulneráveis referidos no inciso V do art. 203 da CF. Em divergência, votaram contra a modulação os Ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa (Presidente) e Dias Toffoli. Este último apenas no que se refere ao RE 580963/PR. O Min. Teori Zavascki mencionou que, se o Supremo fixasse prazo, deveria também estabelecer consequência pelo seu descumprimento. O Min. Ricardo Lewandowski observou que o postulado da dignidade humana não poderia ficar suspenso por esse período e o que o STF deveria prestigiar a autonomia do Congresso Nacional para fixar a própria pauta. O Presidente sublinhou que estipular prazo ao legislador abalaria a credibilidade desta Corte, porque, se não respeitado, a problemática retornaria a este Tribunal. O Min. Marco Aurélio abstivera-se de votar sobre esse tópico, pois não concluíra pela inconstitucionalidade dos dispositivos. O Min. Dias Toffoli não se manifestou no RE 567985/MT, porquanto impedido.



PRIMEIRA TURMA


Denúncia: erro na tipificação e Lei 9.099/95


A 1ª Turma, ante a inadequação da via eleita e por não vislumbrar ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia a justificar a concessão da ordem, de ofício, julgou extinto, por maioria, habeas corpus que pretendia substituir recurso ordinário constitucional. Na espécie, o paciente fora denunciado pela suposta prática dos crimes de falsidade documental e ideológica e uso de documento falso (CP, artigos 297, 299 e 304). Buscava a concessão da ordem para corrigir a capitulação jurídica da denúncia — para tentativa de estelionato — a possibilitar o benefício da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89). Destacou-se jurisprudência da Corte no sentido de não ser possível, na via do habeas corpus, discutir-se a correta tipificação dos fatos imputados ao paciente na ação penal. Ponderou-se, ainda, não ser lícito ao magistrado, quando do recebimento da denúncia, em mero juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. O momento adequado para fazê-lo seria na prolação da sentença, ocasião em que poderia haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem de ofício. Precedentes citados: HC 98526/RS (DJe de 20.8.2010) e HC 87324/SP (DJe de 18.5.2007).



SEGUNDA TURMA


Crime cometido com violência e substituição de pena


Não cabe a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito quando o crime for cometido com violência. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou habeas corpus em que se pretendia o restabelecimento de acórdão do tribunal de justiça local que substituíra a pena cominada de 3 meses de detenção, em regime aberto, por limitação de fim de semana. No caso, o paciente fora condenado pela prática de delito previsto no art. 129, § 9º, do CP, combinado com a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Reputou-se que, embora a pena privativa de liberdade fosse inferior a 4 anos, o crime fora cometido com violência contra pessoa, motivo suficiente para obstaculizar o benefício, nos termos do art. 44, I, do CP [“As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo”].

HC e decisão monocrática no STJ


A 2ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se requer a prevalência da atenuante da confissão espontânea, por se tratar de atributo de personalidade, sobre a reincidência. Na espécie, Ministro do STJ assentara, em decisão monocrática, que a circunstância da reincidência seria preponderante sobre a confissão espontânea, a teor do art. 67 do CP. O Min. Teori Zavascki, relator, não conheceu da impetração. Aduziu que não haveria ilegitimidade na decisão do STJ, do ponto de vista formal, já que os artigos 38 e 39 da Lei 8.038/90 permitiriam ao relator decidir monocraticamente, quando o pedido fosse manifestamente improcedente por contrariar a jurisprudência do STF e do STJ, o que seria o caso dos autos. Ressaltou que os referidos dispositivos estariam reproduzidos no regimento interno desta Corte, bem como no daquele Tribunal Superior. Afirmou que caberia atacar a decisão por meio de agravo interno no STJ e não diretamente no Supremo, tendo em vista que o habeas não seria substitutivo de recurso interno previsto na própria lei. Consignou que não se alegara nulidade da decisão, mas se discutiria o mérito. Por fim, afirmou que seria a hipótese de se aplicar, por analogia, o entendimento do Enunciado 691 da Súmula do STF. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.


Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 17.4.2013 18.4.2013 12
1ª Turma 16.4.2013 — 147
2ª Turma 16.4.2013 — 139





R E P E R C U S S Ã O G E R A L


DJe de 15 a 19 de abril de 2013

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 734.169-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RFFSA. SUCESSÃO PELA UNIÃO. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA PREVISTOS NO ART. 1º-F DA LEI 9.494/1997. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisões Publicadas: 1



C L I P P I N G D O D J E


15 a 19 de abril de 2013

HC N. 115.151-SP
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. LIMINAR DEFERIDA. REAVALIAÇÃO PELO JUÍZO DE ORIGEM. GRAVIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. CONCESSÃO DE OFÍCIO.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional.
2. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes e arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores. Pertinente à dosimetria da pena, encontra-se a aplicação da causa de diminuição da pena objeto do §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Cabe às instâncias anteriores decidir sobre a aplicação ou não do benefício e, se aplicável, a fração pertinente, não se mostrando hábil o habeas corpus para revisão, salvo se presente manifesta ilegalidade ou arbitrariedade.
3. No julgamento do HC 111.840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, em sessão realizada em 27.6.2012, este Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/07, que instituiu a obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado para o cumprimento da pena de crimes hediondos e equiparados.
4. Para a substituição da pena aplicada por restritiva de direitos devem ser consideradas todas as circunstâncias do crime e pessoais do condenado, com observância dos parâmetros do art. 44, inclusive inciso III, do Código Penal. Caso cujas circunstâncias não autorizam a substituição da pena.
5. A fixação do regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, deverá atender os critérios estabelecidos no art. 59 do Estatuto Repressivo – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime.
6. Carece de motivação idônea a imposição de modalidade inicial mais severa de cumprimento da pena do que o permitido pelo quantum da pena aplicada, amparada exclusivamente na gravidade da conduta. Precedente.
7. À falta de indicação de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente, bem como constatada sua primariedade, adequado se mostra o regime semiaberto para início de cumprimento de pena.
8. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, mas com concessão de ofício para fixar o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena, mantendo, no mais, a pena fixada pelo Tribunal de Justiça.

AG. REG. NA AÇÃO CAUTELAR N. 2.596-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: AÇÃO POPULAR – AJUIZAMENTO CONTRA O PRESIDENTE DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL - AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - AÇÃO POPULAR DE QUE NÃO SE CONHECE - AGRAVO IMPROVIDO.
O PROCESSO E O JULGAMENTO DE AÇÕES POPULARES CONSTITUCIONAIS (CF, ART. 5º, LXXIII) NÃO SE INCLUEM NA ESFERA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- O Supremo Tribunal Federal - por ausência de previsão constitucional - não dispõe de competência originária para processar e julgar ação popular promovida contra o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou contra qualquer outro órgão ou autoridade da República, mesmo que o ato cuja invalidação se pleiteie tenha emanado do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou, ainda, de qualquer dos Tribunais Superiores da União. Jurisprudência. Doutrina.
- A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida -, não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em “numerus clausus”, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política. Doutrina. Precedentes.

HC N. 113.990-SC
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Alteração do regime prisional estabelecido e negativa de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Impetração dirigida contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu medida liminar requerida pelo impetrante. Incidência da Súmula nº 691 desta Suprema Corte. Superveniência de julgamento definitivo pelo Superior Tribunal de Justiça. Substituição de título. Precedentes. Writ prejudicado. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, arts. 44 e 33, § 3º, c/c o art. 59). Constrangimento ilegal patente. Ordem concedida de ofício.
1. Impetração dirigida contra ato do Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a liminar no HC nº 244.445/SC impetrado àquela Corte de Justiça.
2. Supervenientemente, o writ impetrado ao Superior Tribunal de Justiça foi levado a julgamento definitivo. Dele não se conheceu; concedeu-se, porém, ordem de ofício para que a impetração antecedente fosse levada a julgamento perante o Tribunal estadual.
3. O julgado proferido, em casos como esse, substitui a decisão liminar que o precedeu, a qual, por isso, não pode mais produzir efeitos jurídicos (HC nº 101.571/RJ, de minha relatoria , DJe de 9/8/10).
4. Com o advento da nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), vedou-se, por efeito do que dispõe o seu art. 44, a possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos precisamente em casos como o ora em exame, relativos à prática de tráfico ilícito de entorpecentes. Dita vedação foi afastada pelo Plenário da Suprema Corte no HC nº 97.256/RS, da relatoria do Ministro Ayres Britto (DJe de 16/12/10), com declaração incidental de inconstitucionalidade da proibição da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
5. A Corte Constitucional, no julgamento do HC nº 108.840/ES, da relatoria do Minitro Dias Toffoli, igualmente removeu o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”, declarando, de forma incidental, a inconstitucionalidade da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para o início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.
6. Ordem concedida de ofício para determinar ao juízo da execução que i) analise os requisitos necessários à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, ou pela conjugação dessa com a de multa, nos moldes do que alude o art. 44 do CP, e ii) fixe, à vista do que dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, o regime inicial condizente.
7. Writ prejudicado. Ordem concedida de ofício.

HC N. 112.762-MS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRETENSÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RAZÃO DA ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA MATÉRIA SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, DENEGADA.
1. Pelo que se tem no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, a alegação de que a conduta dos Pacientes estaria abrangida pela causa extintiva de punibilidade temporária definida nos art. 30 e 32 da Lei 10.826/03 não foi submetida àquele Superior Tribunal. Impossibilidade de apreciação dessa questão, sob pena de supressão de instância.
2. Sem adentrar no mérito, mas para afastar o alegado constrangimento ilegal, não há falar em abolitio criminis na espécie, pois consta dos autos que as armas de posse dos Pacientes foram compradas de adolescentes, que as teriam subtraído do interior do fórum local em procedimento criminal
3. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, ou seja, consuma-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, e a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Além disso, o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ou não. Precedentes.
4. Habeas corpus conhecido em parte e, na parte conhecida, ordem denegada.

HC N. 112.957-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTINÇÃO PREMATURA DE AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a extinção de ação penal de forma prematura somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da punibilidade.
2. Denúncia que contém a adequada indicação da conduta delituosa imputada ao paciente, apontando os elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação, o que lhe permite o pleno exercício do direito de defesa.
3. Ordem denegada.

HC N. 113.189-RS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CAUTELAR IDÔNEA E DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL: NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. Decreto de prisão preventiva devidamente fundamentado na garantia da ordem pública, considerada a possibilidade objetiva de reiteração delituosa, que não é desmentida pelos elementos constantes dos autos.
2. A pluralidade de réus, a expedição de cartas precatórias, o ajuizamento de inúmeras medidas liberatórias e a existência de outros processos criminais em andamento tornam mais lenta a instrução do processo e podem constituir-se em um fator determinante para o alongamento dos prazos, nos limites do razoável.
3. Este Supremo Tribunal assentou que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, está superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo da prisão. Precedentes.
4. Habeas corpus denegado.

HC N. 115.024-MS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PACIENTE CONDENADO PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL DEVIDAMENTE JUSTIFICADA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA (205 KG). WRIT DENEGADO. PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO. LEI 8.072/1990. DISPOSITIVO QUE IMPUNHA O REGIME INICIAL FECHADO PARA CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS. INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
I – A sentença condenatória que fixou a pena-base acima do mínimo legal não merece nenhum reparo, pois, além de considerar desfavoráveis os antecedentes criminais e a conduta social do agente, fez preponderar no cálculo a expressiva quantidade e a qualidade da droga apreendida (205 kg de maconha), em observância ao que dispõe o art. 42 da Lei 11.343/2006.
II – O quantum de pena fixado pelo magistrado sentenciante encontra-se devidamente motivado, além de mostrar-se proporcional ao caso em apreço, sendo certo que não se pode utilizar “o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente” (HC 94.655/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia). Precedentes.
III – Writ denegado.
IV - Concessão da ordem de ofício para determinar ao juízo da execução criminal que, superada a obrigatoriedade de imposição do regime fechado aos condenados por tráfico de drogas, avalie se o paciente preenche os requisitos para a fixação do regime semiaberto, ou, caso entenda pela imposição de regime mais grave do que o previsto para o quantum de pena, que o faça de forma fundamentada.

MS N. 31.835-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PORTADOR DE NEOPLASIA MALIGNA. BENEFÍCIOS (INTEGRALIZAÇÃO DA APOSENTADORIA, ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA, REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA). LAUDO PERICIAL COM PRAZO DE VALIDADE. REAVALIAÇÃO DO QUADRO CLÍNICO DO APOSENTADO. JUNTA MÉDICA OFICIAL. CONTROLE DA PATOLOGIA. CANCELAMENTO DOS BENEFÍCIOS. LAUDO PERICIAL DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. INOBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A alteração na aposentadoria do Impetrante foi efetivada por ato do Presidente do Tribunal de Contas da União, autoridade que figura dentre aquelas arroladas na al. d do inc. I do art. 102 da Constituição da República: exclusão da Secretária de Gestão de Pessoas da Secretaria Geral de Administração do Tribunal de Contas da União do pólo passivo da impetração.
2. O reconhecimento da condição de portador de neoplasia maligna ao Impetrante gerou presunção juris tantum de manutenção desse quadro no prazo estipulado no Manual de Perícia Médica da Área de Saúde do Tribunal de Contas da União (cinco anos): imprestabilidade de mera declaração de ausência de evidências clínicas de sinais e sintomas dessa enfermidade.
3. O prazo de validade do laudo pericial no qual constatada a doença (§ 1º do art. 30 da Lei n. 9.250/1995) exige o comparecimento do servidor perante junta médica oficial para reavaliação do seu quadro de saúde, para atestar o controle ou a cura da doença por laudo fundamentado, a fim de se garantir o contraditório e a ampla defesa do interessado.
4. Mandado de segurança concedido.
*noticiado no Informativo 700

RHC N. 116.066-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. 1. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, INC. VI, DA LEI N. 11.343/2006. QUESTÃO APRECIADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. DEVOLUTIVIDADE DA MATÉRIA COM A INTERPOSIÇÃO DA APELAÇÃO DA DEFESA. 2. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA ADOTADAS PARA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM.
1. A questão da causa de aumento prevista no art. 40, inc. VI, da Lei n. 11.343/2006 foi apreciada pela Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, não podendo a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça deixar de conhecer do habeas corpus na parte referente a essa matéria.
2. A apelação da defesa, salvo limitação explícita no ato de sua interposição, devolve ao Tribunal todas as questões relevantes do processo, independentemente de terem sido arguidas nas razões de apelação. Precedentes.
3. O fundamento relativo à natureza e à quantidade do entorpecente foi utilizado tanto na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, como na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em 1/6. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado.
4. Recurso provido para determinar que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça conheça do Habeas Corpus n. 169.660, Relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, na parte relativa à causa de aumento prevista no art. 40, inc. VI, da Lei n. 11.343/2006, e aprecie a matéria, e, de ofício, ordem concedida para determinar que o juízo da Primeira Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais/DF, com o trânsito em julgado do novo acórdão a ser proferido no Superior Tribunal de Justiça, reduza a pena imposta ao Recorrente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços.

HC N. 108.159-RO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei nº 8.137/90). Delito de natureza material. Impossibilidade de realização de atos persecutórios antes da formação definitiva do crédito tributário. Entendimento consolidado na Súmula Vinculante nº 24. Ordem concedida.
1. Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo-se, para a sua tipificação, a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal.
2. Carece de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal de responsabilidade do contribuinte.
3. No caso em exame, é incontroverso que não houve a constituição definitiva do crédito, uma vez que o próprio Tribunal Administrativo de Tributos Estaduais do Estado de Rondônia/RO reconheceu a inexistência do ilícito tributário apontado pelo fisco.
4. Constrangimento ilegal reconhecido.
5. Ordem concedida.

HC N. 114.711-MT
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional. Artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal. Inadequação da via eleita ao caso concreto. Precedente da Primeira Turma. Writ extinto, em face da inadequação da via eleita. Tráfico e associação para o tráfico. Prisão preventiva. Excesso de prazo na conclusão da instrução criminal. Custódia que se arrasta desde 10/7/09. Dilação processual injustificada não imputada à defesa do paciente. Ocorrência de flagrante constrangimento ilegal. Ordem concedida de ofício.
1. Impetração manejada em substituição ao recurso ordinário constitucional prescrito no art. 102, inciso II, alínea a, da Carta da República, a qual esbarra em decisão da Primeira Turma, que, em sessão extraordinária datada de 7/8/12, assentou, quando do julgamento do HC nº 109.956/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, a inadmissibilidade do habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário.
2. Nada impede, entretanto, que a Suprema Corte, quando do manejo inadequado do habeas corpus como substitutivo (art. 102, inciso II, alínea a, da CF), analise a questão de ofício nas hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, o que se verifica no caso em exame.
3. A complexidade da ação penal, bem como a necessidade da expedição de cartas precatórias, à luz das circunstâncias demonstradas na espécie, não são causas suficientes a relevar o desmensurado prazo de mais de 3 (três) anos em que o paciente permanece sob custódia cautelar.
4. Writ extinto por inadequação da via eleita. Ordem concedida, de ofício, para revogar a custódia cautelar do paciente, sendo facultado ao juízo de origem aplicar qualquer das medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal.

Acórdãos Publicados: 251



T R A N S C R I Ç Õ E S



Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Quinto Constitucional – Lista Tríplice – Votação Aberta e Nominal – Publicidade (Transcrições)

MS 31923 MC/RN*

RELATOR: Min. Celso de Mello


EMENTA: “QUINTO CONSTITUCIONAL” (CF, art. 94). ELABORAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, EM OPOSIÇÃO À PRÁTICA DOS “ARCANA IMPERII”, COMO FATOR DE LEGITIMAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS DELIBERAÇÕES DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO. APARENTE VALIDADE DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE CONSAGROU, EM TAL HIPÓTESE, A NECESSIDADE DE “votação aberta, nominal e fundamentada”. IMPORTÂNCIA DA TRANSPARÊNCIA DOS ATOS ESTATAIS COMO ELEMENTO VIABILIZADOR DO ESCRUTÍNIO PÚBLICO. A RUPTURA DOS CÍRCULOS DE INDEVASSABILIDADE DAS DELIBERAÇÕES DO PODER. INSTITUIÇÃO DO REGIME DE SIGILO FORA DAS HIPÓTESES CONSTITUCIONALMENTE AUTORIZADAS: MEDIDA QUE TRANSGRIDE O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E QUE VULNERA O ESPÍRITO DA REPÚBLICA. A QUESTÃO DO REPÚDIO A ATOS INCONSTITUCIONAIS E A DEFESA DA INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO POR ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE (MATÉRIA SOB RESERVA DE JURISDIÇÃO) E RECUSA DE APLICABILIDADE DE ATOS REPUTADOS INCONSTITUCIONAIS. PRETENSÃO MANDAMENTAL APARENTEMENTE DESVESTIDA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por ** contra decisão monocrática, posteriormente referendada pelo Plenário do E. Conselho Nacional de Justiça, que determinou, nos autos do Procedimento de Controle Administrativo nº 0000.692-72.2013.2.00.0000, a suspensão dos “(…) efeitos da votação realizada no dia 15/2/2013, que culminou na elaboração da lista tríplice encaminhada ao Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Norte, até decisão deste Conselho em sentido contrário” (grifei).
Sustenta-se, na presente sede mandamental, em síntese, o que se segue:

“(...) O PCA em questão foi apresentado perante o CNJ pela advogada ** e impugnou o procedimento adotado pelo TJRN destinada a elaboração da lista tríplice encaminhada ao Poder Executivo para escolha do novo membro do Tribunal visando a ocupar a vaga do quinto constitucional (doc. Anexo).
Segundo entendimento do CNJ materializado no ato coator, os requisitos para o deferimento da medida acauteladora requerida no PCA estariam presentes por duas razões: (1) a votação levada a cabo pelo TJRN para formação da lista teria sido secreta, ao passo que a jurisprudência do CNJ exigiria votação aberta e fundamentada; (2) não teria sido observado o quórum da maioria absoluta dos membros do Tribunal, conforme exigência prevista no § 2º, do art. 61, do RITJRN.
4. Não se controverte no presente ‘mandamus’ quanto às premissas fáticas do ato coator. A votação para escolha da lista foi, realmente, secreta – mas em sessão aberta e com proclamação pública do resultado – e não houve maioria absoluta porque o TJ estava desfalcado por tempo indefinido, ante o afastamento de um de seus membros e duas vagas decorrentes de aposentadoria, razão pela qual foi observada a maioria absoluta possível.
5. Daí já se pode ver que o presente mandado de segurança limita-se a atacar a compreensão jurídica do CNJ, materializada no ato coator, de que a votação secreta, mas em sessão pública, para formação de lista tríplice, assim como de que a votação feita pela maioria absoluta possível – porque dois estavam aposentados e um afastado por tempo indeterminado –, violariam o devido processo legal.
…...........................................................................................................................
O direito líquido e certo do impetrante de que o ato complexo tenha curso e não seja sobrestado ilegalmente pelo CNJ, decorre diretamente da higidez do procedimento de formação da lista tríplice – tida pelo CNJ como ilegal – e encontra respaldo, precipuamente, na norma do Regimento Interno do TJRN que prevê a votação secreta, em sessão pública, para fim de elaboração da lista tríplice:

‘Art. 61. Quando a vaga no Tribunal de Justiça deva ser preenchida por Advogado ou membro do Ministério Público, a eleição será precedida de lista sêxtupla, encaminhada pelos órgãos de representação da respectiva classe.
§ 1º. Ocorrida a vaga, o Tribunal Pleno, na primeira sessão subseqüente, deliberará sobre seu preenchimento e solicitará à respectiva classe o encaminhamento da lista sêxtupla.
§ 2º. Recebida a lista sêxtupla, o Tribunal Pleno, em sessão pública e VOTAÇÃO SECRETA, por voto da maioria absoluta de seus membros, formará lista tríplice a ser encaminhada ao Governador do Estado.
§ 3º. Não sendo possível formar-se a lista em até três escrutínios, suspender-se-á a votação, que prosseguirá na sessão subseqüente.
§ 4º. Em caso de empate, renovar-se-á a votação, e se ainda persistir, figurará na lista o candidato mais idoso.’

…...........................................................................................................................
Trata-se de norma regimental cuja competência do TJRN para editá-la decorre diretamente do art. 96, I, ‘a’, da CF, pois versa sobre ‘competência e funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’, e que possui ‘status’ de lei material e formal, conforme já teve a oportunidade de assentar este eg. STF no julgamento da ADI n. 1105, de relatoria do em. Min. Paulo Brossard (Tribunal Pleno. DJ 27.04.01):
…...........................................................................................................................
Portanto, o art. 61, § 2º, do Regimento Interno do TJRN, que materializa o direito líquido e certo do impetrante e que foi afastado pelo CNJ, implicando em declaração de inconstitucionalidade de forma indireta, consubstancia norma com estatura de lei em sentido formal e material, com presunção de validade e eficácia, e deveria ter sido observada por aquele órgão, a quem não seria dado, jamais, afastá-la, muito menos em apreciação sumária, em sede de liminar.
Em outras palavras, a liminar concedida pelo Conselheiro Jefferson e referendada pelo plenário do CNJ, sob o pretexto de observância do devido processo legal e do art. 37, da CF, implicou em afastamento e, por conseguinte, em declaração de inconstitucionalidade da norma do regimento interno que prevê votação secreta, em sessão pública, para escolha da lista tríplice.
…...........................................................................................................................
Indague-se se o CNJ teria competência para declarar a inconstitucionalidade de lei e a resposta será desenganadamente negativa. Nesta caso haveria, como de fato ocorreu, usurpação da competência deste eg. STF e ofensa à natureza administrativa daquele órgão, prevista no art. 103-B, § 4º, II, da CF, conforme já teve a oportunidade de assentar esta Corte no seguinte julgado:
…...........................................................................................................................
Há por fim, a questão da suposta não observância do quórum da maioria absoluta dos membros do Tribunal, conforme exigência prevista no § 2º, do art. 61, do RITJRN.
Tal assertiva encampada no ato coator não está correta, porque, efetivamente, o TJRN só não observou a maioria absoluta de 8 votos em 15 – a votação foi levada a efeito com 7 votos – em razão de se encontrar o Tribunal, à época, com nada menos do que 3 Desembargadores afastados em caráter não eventual, como se infere das informações prestadas pelo TJRN ao CNJ (doc. 4).
É dizer: o Tribunal encontra-se desfalcado por tempo indeterminado e indeterminável de parte (três) dos seus membros efetivos.
Então a maioria absoluta possível, daqueles que efetivamente tinham voto – os membros efetivos – era de 12, e não de 15, razão pela qual a votação da lista tríplice observou, sim, a disposição do regimento interno que estabeleceu a exigência de maioria absoluta.
…...........................................................................................................................
Em face do exposto, requer o impetrante o deferimento da liminar, sem a oitiva da parte contrária, para suspender a decisão do CNJ proferida no Processo de Controle Administrativo n. 0000692-72.2013.2.00.0000 e permitir o prosseguimento do processo de escolha do novo membro do TJRN.
…...........................................................................................................................
Ao final, demonstrada a violação ao direito líquido e certo do impetrante, requer seja deferida a ordem de segurança para, confirmando a liminar, declarar a nulidade do ato coator, de sorte a permitir que o ato complexo de escolha de Desembargador para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte se ultime.” (grifei)

Passo a examinar a postulação cautelar deduzida pela parte ora impetrante. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que não se acham presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência.
Ao analisar os presentes autos, vislumbrei aparente antinomia que existiria entre a regra inscrita no art. 13, VI, “c”, e aquela consubstanciada no art. 61, § 2º, ambas do Regimento Interno do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.
É que a primeira dessas normas regimentais (art. 13, VI, “c”) estabelece que a elaboração de lista tríplice referente ao “quinto constitucional” dar-se-á “por meio de votação aberta, nominal e fundamentada”, enquanto o outro preceito regimental (art. 61, § 2º) dispõe que essa lista tríplice será elaborada em “votação secreta”.
O ora impetrante e a E. Corte Judiciária local sustentam que a situação de antinomia resolver-se-ia pela aplicação do critério da especialidade.
É claro que esse critério representa meio legítimo de superação das denominadas antinomias de primeiro grau, consoante tem decidido o Supremo Tribunal Federal (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Ocorre, no entanto, que não posso ignorar a norma inscrita no art. 13, VI, “c”, do RI/TJRN, que estabelece que o Tribunal Pleno elaborará “a lista tríplice do quinto constitucional reservado para os membros do Ministério Público e da Advocacia, em sessão pública, por meio de votação aberta, nominal e fundamentada”, dispondo, por isso mesmo, de forma específica, sobre o “modus procedendi” na escolha dos integrantes da lista tríplice.
Tenho para mim, presente esse contexto, que deve prevalecer, no caso, segundo entendo, critério que – fundado em opção hermenêutica mais consentânea com o modelo constitucional – extrai a sua legitimidade da circunstância, em tudo relevante, de registrar-se, quanto a ele, maior adequação aos valores que informam os postulados da transparência e da publicidade, em ordem a romper os círculos de indevassabilidade das deliberações do Poder, os “arcana imperii”.
Cabe acentuar, por tal razão, que nada deve justificar, em princípio, deliberações secretas em torno de qualquer procedimento que tenha curso nos Tribunais, pois, ordinariamente, deve prevalecer a cláusula da publicidade, ressalvadas situações excepcionais de votação sigilosa, quando expressamente autorizadas pelo próprio texto da Constituição da República.
Não custa rememorar, tal como sempre tenho assinalado nesta Suprema Corte, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.
Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na expressiva lição de BOBBIO (“O Futuro da Democracia”, p. 86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”.
A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, rejeitando, em consequência, esses vínculos negativos (e excludentes) que tão fortemente haviam sido realçados sob a égide autoritária do regime político anterior.
Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.
Isso significa, portanto, que somente em caráter excepcional os procedimentos judiciais poderão ser submetidos ao (impropriamente denominado) regime de sigilo (“rectius”: de publicidade restrita), não devendo tal medida converter-se, por isso mesmo, em prática processual ordinária, sob pena de deslegitimação dos atos a serem realizados.
Não é por outra razão que as deliberações do Poder Judiciário submetem-se, ordinariamente, ao processo de votação ostensiva, sendo de exegese estrita, portanto, as normas – de índole necessariamente constitucional – que fazem prevalecer, em hipóteses taxativas, os casos de deliberação sigilosa.
O ordenamento constitucional brasileiro adotou, como regra geral, no campo das deliberações judiciárias, o princípio da votação ostensiva e nominal, indicando, taxativamente, em “numerus clausus”, as situações nas quais poderá ter lugar, legitimamente, sempre, porém, em caráter excepcional, o voto secreto (CF, art. 93, IX, segunda parte; art. 119, I, e art. 120, § 1º, I), não se achando contemplada, no entanto, dentre elas, a hipótese de elaboração da lista tríplice a que se refere o parágrafo único do art. 94 da Lei Fundamental.
Tenho para mim, no caso, que a Resolução nº 13/2007 do E. Conselho Nacional de Justiça e o Regimento Interno do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (art. 13, VI, “c”), ao consagrarem o modelo de votação aberta, nominal e fundamentada nos procedimentos de formação das listas tríplices para preenchimento de vaga referente ao quinto constitucional, nada mais fizeram senão prestar integral reverência ao princípio democrático, que tem, na transparência e na publicidade dos atos e deliberações que se formam no âmbito da comunidade estatal (inclusive no seio dos colégios judiciários), um de seus mais expressivos valores ético-jurídicos.
Também não me parece configurada a ocorrência, na espécie, ao menos em juízo de sumária cognição, da alegada usurpação da competência do E. Tribunal de Justiça local, pois a deliberação ora impugnada nesta sede mandamental apoiou-se na Resolução nº 13/2007 que o Conselho Nacional de Justiça editou com a finalidade precípua de conferir preeminência e precedência a valores consagrados na própria Constituição Federal.
Demais disso, a defesa da integridade da ordem constitucional pode resultar, legitimamente, do repúdio, por órgãos administrativos (como o Conselho Nacional de Justiça), de regras incompatíveis com a Lei Fundamental do Estado, valendo observar que os órgãos administrativos, embora não dispondo de competência para declarar a inconstitucionalidade de atos estatais (atribuição cujo exercício sujeita-se à reserva de jurisdição), podem, não obstante, recusar-se a conferir aplicabilidade a tais normas, eis que – na linha do entendimento desta Suprema Corte – “há que distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos Poderes do Estado” (RMS 8.372/CE, Rel. Min. PEDRO CHAVES, Pleno – grifei).
As razões que venho de expor, ainda que em caráter de estrita cognição, convencem-me de que os fundamentos da questionada deliberação do Conselho Nacional de Justiça parecem descaracterizar a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo ora impetrante.
É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)

É por tal motivo que não vejo como acolher a postulação cautelar ora em exame, por vislumbrar aparentemente descaracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Dê-se ciência ao eminente Senhor Advogado-Geral da União (Lei Complementar nº 73/93, art. 4º, III, e art. 38, c/c o art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009 e o art. 6º, “caput”, da Lei nº 9.028/95).
Publique-se.
Brasília, 17 de abril de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 22.4.2013.
** nome suprimido pelo Informativo

OUTRAS INFORMAÇÕES

15 a 19 de abril de 2013

Decreto nº 7.986, de 15.4.2013 - Altera o Decreto nº 7.963, de 15 de março de 2013, que institui o Plano Nacional de Consumo e Cidadania e cria a Câmara das Relações de Consumo. Publicado no DOU, Seção 1, p. 1 em 16.4.2013.

Decreto de 16.4.2013 - Convoca a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Publicado no DOU, Seção 1, p. 2 em 17.4.2013.

Decreto nº 7.988, de 17.4.2013 - Regulamenta os arts. 1º a 13 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que dispõem sobre o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica - PRONON e o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência - PRONAS/PCD. Publicado no DOU, Seção 1, p. 2 em 18.4.2013.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

Revogação do art. 2º da Resolução 458/2011 - Publicidade
Em sessão administrativa realizada em 10.4.2013, o Tribunal revogou, por maioria, o art. 2º da Resolução 458/2011 — que determina a identificação dos investigados apenas pelas iniciais dos nomes e sobrenomes na autuação de inquéritos —, para conferir publicidade ao nome completo dos investigados nos inquéritos em tramitação na Corte.

Expediente Forense - Feriado Forense - Prazo Processual 
Portaria nº 127, de 15 de abril de 2013 - Comunica que não haverá expediente na Secretaria do Tribunal no dia 1º de maio de 2013 (quarta-feira) e que os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesse dia ficam automaticamente prorrogados para o dia 2 subsequente (quinta-feira). Publicada no DJE/STF, n. 71, p. 148 em 18.4.2013. 








Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...