terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Colocar escritório em "nuvem" pode reduzir investimentos


Colocar escritório em "nuvem" pode reduzir investimentos



Quais ferramentas e aplicações um escritório jurídico pode utilizar — desde sua fundação, pequeno e com poucos sócios, até se transformar em uma corporação com centenas de pessoas ligadas ao seu cotidiano?

Dois conceitos precisam ser antes apresentados: 1) computação em nuvem (cloud computing) e 2)Software como um serviço (SaaS).

A nuvem já é um termo comum em nosso dia a dia, designando que um programa ou aplicação é acessado pela rede mundial de computadores, por meio de uma interface cujo processamento computacional está se realizando, essencialmente, em outra máquina que não seu computador. Os arquivos em uso não estão “salvos” em seu computador e, sim, em algum centro de dados (data center), o qual, provavelmente, nem fisicamente está instalado em nosso país.

Para além das questões jurídicas que desta situação derivam — como as ligadas ao Marco Civil da Internet e às responsabilidades consequentes — o intuito aqui é verificar como isso funciona e como pode ser útil ao operador jurídico.

A grande vantagem da nuvem é a possibilidade de se reduzir o investimento para uso de ferramentas atualizadas, além do aumento da segurança conferida aos dados armazenados. Menor investimento porque não será necessário adquirir servidores próprios para sua organização; maior segurança porque o investimento individual em proteção, possivelmente, será menor do que o feito por um centro unificado mundial de computadores. Claro que estas afirmações são relativas ao valor de sua informação mas, regra geral, seria mais fácil um cracker (hacker do mal) atacar e invadir seu sistema do que o da Microsoft, do Google ou do seu banco.

O segundo conceito listado é o de software como um serviço. “Antigamente”, era comum adquirirmos uma licença perpétua de um editor de texto (por exemplo o MS Word); a cada nova versão lançada, adquiria-se um upgrade. Nesse modelo, um Microsoft Office Professional 2013 (com Outlook, Word,Excel, Access e Publisher) custa hoje, em média, R$ 1,5 mil. 

Ocorre que, hoje, diversas empresas fabricantes de programas para computadores, como a própria Microsoft e a Adobe com seu Photoshop, oferecem seus softwares como um serviço, ou seja, os alugam para que sejam utilizados por demanda. Neste modelo o mesmo pacote Office listado acima custa em média US$ 20 por mês, ao qual é agregada a uma série de funcionalidades que serão comentadas mais à frente.

A junção dos conceitos Cloud e SaaS desloca a concentração de investimento — dos programas, máquinas e equipe de suporte em tecnologia para o acesso à internet com estabilidade e velocidade. O link do escritório — aqui em visão abrangente, englobando a acepção privada da advocacia e a pública do gabinete ou da vara — precisa ter uma boa configuração, fibra ótica de preferência e com redundância — ou seja, dois provedores se possível. O acesso à internet deve permitir que todos na organização acessem vídeos ao mesmo tempo, por exemplo. Estar na nuvem é poder fazer download e upload em velocidades que não deixem ninguém desesperado para quebrar o computador. Uma boa largura de banda (medida de acesso à rede) não é um luxo e, sim, uma necessidade.

Passando para o campo empírico, como exemplo de uma plataforma baseada na nuvem com a disponibilidade de serviços cita-se o Microsoft Office 365. Na tela abaixo está apresentada a interface do usuário para as ferramentas disponíveis como base. As licenças de toda a suíte de escritório do Office podem ser instaladas em cinco computadores diferentes por usuário, inclusive em sua residência. A integração com dispositivos móveis já foi assunto de uma de nossas colunas.


Os planos de assinatura contemplam diversas funcionalidades. A central de controle, representada na figura abaixo, gerencia boa parte da tecnologia disponível para o escritório.


Duas aplicações se destacam nessa central: o Exchange e o SharePoint. OExchange é o programa servidor de correio eletrônico e trabalho em grupo, no qual se unifica o gerenciamento integrado de e-mails, agendas e tarefas de toda a organização. Já o SharePoint é o programa que gerencia o conteúdo produzido, contemplando a definição de pastas para armazenamento dos arquivos, a criação de sites de trabalho em equipe e ferramentas como murais e linhas de tempo de tarefas em projetos.

O Office 365 permite que todos os arquivos e sites de colaboração sejam localizados por uma única ferramenta de busca. Cada arquivo ou site poderá ser visualizado e localizado apenas por quem tem acesso a ele, podendo ser definidas senhas e perfis de acesso para cada um deles.

As utilidades e funcionalidades desses programas levou a Microsoft a criar configurações especificas para a área jurídica. O sistema Matter Center, referente ao logotipo ao lado, provê um pacote desenhado para escritórios, especialmente no tocante ao espaço para armazenamento, gestão eletrônica de documentos e trabalho em conjunto na construção de peças processuais e outros textos. Alguns escritórios early adopters (que são os primeiros a adotarem tecnologias novas) no Brasil já o estão testando.

Para não ficarmos só com um exemplo, o Google também disponibiliza toda uma plataforma com aplicações semelhantes. Com valor médio mais baixo, mas com a proporcional redução de funcionalidades, o Google Apps, representado pela figura abaixo, permite gerenciar, na nuvem, usuários, acessos a documentos, pastas e sites.


As duas plataformas apresentadas permitem que o escritório gerencie tudo isso utilizando seu próprio domínio na Internet (exemplo: www.seu_escritorio.com.br), tornando-se a central de gerenciamento até da comunicação com os clientes, por meio da qual se compartilham e recebem arquivos e se gerenciam sites com conteúdo externo, sempre utilizando a marca do escritório.

Grandes empresas utilizam uma ou outra plataforma, conforme suas conveniências e necessidades de funcionalidades específicas. O escritório pode utilizar, desde pequeno, uma solução de tecnologia que acompanhe seu crescimento, mas que não perca em nada, desde o início, para organizações maiores.

PS: Alguns leitores têm perguntado se ganho algum ‘jabá’ para descrever ferramentas aqui na coluna. Esclareço que não e que vou continuar escrevendo sobre ferramentas de tecnologia da informação úteis para os operadores jurídicos.

Marcelo Stopanovski é Diretor de Produção da i-luminas — suporte a litígios e consultor do escritório FeldensMadruga. Professor da FGV in Company com a disciplina Engenharia do Conhecimento Jurídico. É mestre em Inteligência Aplicada na Engenharia de Produção e Bacharel em Direito, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina.



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2014, 12h05

Juízes e membros do MP também devem passar por detector de metais, decide CNJ


Juízes e membros do MP também devem passar por detector de metais, decide CNJ



Todas as pessoas que entram em prédios do Judiciário devem passar por detectores de metais e por outras medidas de segurança. Inclusive os juízes, desembargadores, ministros e membros do Ministério Público. Foi o que decidiu, nesta segunda-feira (1º/12), o Conselho Nacional de Justiça, em sua 22ª sessão extraordinária.

Os detectores de metais na entrada de prédios forenses vêm desagradando advogados desde que começaram a ser implantados, em 2010, a partir da edição das resoluções 104 e 124 do CNJ. Em julho de 2012 a possibilidade foi repetida na Lei 12.694/2012. E ela fala especificamente na “instalação de detectores de metais, aos quais devem se submeter todos os que querem ter acesso aos seus prédios”.

A reclamação dos advogados é que os detectores só foram instalados nas entradas comuns, que não são usadas pelos magistrados e membros do MP. Normalmente eles têm entradas especiais, ou podem acessar os prédios pelo estacionamento, o que não é permitido aos demais cidadãos. Ou seja, só advogados e “cidadãos comuns” é que são obrigados, hoje, a passar pelo detector de metais.

Com a decisão desta segunda do CNJ, foi aplicado o princípio da isonomia. Os detectores devem ser instalados em todas as entradas que o tribunal entender haver necessidade de maior controle de segurança.

O conselheiro Emmanoel Campelo, voto vencedor na discussão, entendeu que, se ficou decidido sobre a necessidade do uso de detector, todos devem se submeter a ele, não só advogados. “Quanto mais exceções, mais vulnerabilidade”, completou o conselheiro Flávio Sirangelo.

A discussão começou no CNJ em março de 2013, mas foi interrompida por pedido de vista dos conselheiros Campelo e Sirangelo. O caso foi levado ao CNJ em pedido de providências feito pelo advogado Marcos Alves Pintar começou a ser julgado. Ele reclamava da prática em fóruns de São José do Rio Preto (SP) e levou o caso ao conselho, onde foi apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil, que entrou no caso como terceiro interessado.

O relator original do pedido era o conselho Jorge Hélio. E os votos-vista discutidos nesta segunda seguiram seu entendimento, de que as medidas de segurança se aplicam a todos. Também votaram nesse sentido a vice-presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, e os conselheiros Paulo Teixeira, Gilberto Valente, Guilherme Calmon, Maria Cristina Peduzzi e a corregedora nacional, ministra Nancy Andrighi. Além deles, os ex-conselheiros Bruno Dantas e Silvio Rocha.

A ministra Cármen Lúcia, ao final do julgamento, comentou que “não é possível, em uma República que tenha tantas falas sobre igualdade, desigualar justo em segurança pública, que é uma garantia de todos”. Ela presidiu a sessão desta segunda.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, considerou a decisão “acertada e contundente”. “Assim como os advogados, juízes e promotores de Justiça devem, por igual, serem submetidos a tratamento da mesma natureza para fins de segurança”, declarou.

Para Marcelo Knopfelmacher, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), a decisão é exemplar e assegura a justa aplicação do princípio da igualdade. "Não há hierarquia entre juízes, membros do Ministério Público e advogados como reza a lei ordinária. E a razão disso é a indispensabilidade do advogado à administração da justiça e, mais ainda, o princípio da isonomia previsto pelo artigo 5º da Constituição".

Pedido de Providências 0004482-98.2012.2.00.0000



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2014, 20h44

Definidos requisitos para decretação de indisponibilidade de bens em execução fiscal

Definidos requisitos para decretação de indisponibilidade de bens em execução fiscal


Para obter a decretação de indisponibilidade de bens em execuções fiscais, a Fazenda Pública terá de comprovar ao juiz o esgotamento de diligências em busca de bens penhoráveis. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, em julgamento de recurso repetitivo, que entre as diligências da Fazenda devem estar o acionamento do Bacen-Jud (penhoraon-line) e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio executado e ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual (Denatran ou Detran) para que informem se há patrimônio em nome do devedor.

A tese passa a orientar as demais instâncias do Judiciário que tratarem do tema e sinaliza que, havendo decisão em acordo com o que foi definido pelo STJ, recurso contra ela não será mais admitido na corte superior.

O centro da controvérsia é a interpretação do artigo 185-A do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos.

O ministro Og Fernandes, relator do recurso repetitivo, destacou que a ordem judicial para decretação da indisponibilidade é, portanto: citação do executado; inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.

Quanto ao último requisito, o ministro relator observou que a decisão define as diligências que podem ser consideradas suficientes para permitir que se afirme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis.

Recusa

No caso julgado como recurso repetitivo, mesmo diante dos requisitos previstos nesse dispositivo (citação do devedor, ausência de pagamento, não apresentação de bens à penhora e infrutífera tentativa de localizar bens penhoráveis), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou pedido formulado pela Fazenda para bloquear bens e direitos do devedor para fins de indisponibilidade.

No recurso, a Fazenda sustentou que realizou diligências que estavam ao seu alcance, sendo elas, contudo, infrutíferas. Por essa razão, entende ser o caso do bloqueio cautelar de bens previsto no artigo 185-A do CTN, ante a não localização de bens passíveis de penhora.

O caso

Em 2004, o INSS ajuizou execução fiscal contra uma empresa para saldar dívida tributária no valor de R$ 346.982,12. Com a notícia de decretação da falência da empresa, o juiz incluiu os dois sócios no polo passivo da execução. Foi pedida, então, a indisponibilidade dos bens dos executados, até o limite do débito acrescido de custas processuais e demais encargos, atualizados monetariamente.

O juiz negou o pedido, e o TRF3 ratificou a decisão sob o argumento de que “não houve esgotamento das diligências para localização de bens passíveis de penhora, especialmente com relação aos coexecutados [sócios]”, o que não autorizaria a adoção da “medida excepcional e extrema” de decretação da indisponibilidade dos bens e direitos dos executados.

Recurso

Ao analisar o recurso repetitivo, o ministro Og Fernandes ressaltou que esse artigo foi inserido no código tributário como medida para aumentar a probabilidade de pagamento do devedor, por razões de interesse público. Por isso, a leitura do dispositivo legal, no seu entender, deve ser feita sob essa perspectiva.

No recurso analisado, o ministro relator verificou que, apesar de o TRF3 ter considerado não haver o esgotamento das diligências, não há indicação a respeito das medidas já adotadas pela Fazenda Nacional, nem daquelas que o tribunal regional entenderia como suficientes para caracterizar o esgotamento das diligências e, por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.

Por isso, no caso concreto, a Primeira Seção determinou o retorno dos autos ao TRF3 para que reanalise a questão, agora com base nos critérios definidos pelo STJ no recurso repetitivo.

Fonte: STJ

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

JEFERSON CARVALHO: A conduta do homem deve ser fundada na razão


Jeferson Carvalho: A conduta do homem deve ser fundada na razão


O homem é um ser que racionalmente vive em sociedade pois, por sua natureza, tem necessidade de convívio social. Para bem viver na relação interpessoal e na busca do bem comum o homem não pode dispensar os conhecimentos.

De tão imprescindível o conhecimento na vida humana surgiu a Teoria do Conhecimento, considerando-se seu fundador o filósofo inglês John Locke. Mas na filosofia continental, Immanuel Kant aparece como o verdadeiro fundador.

Das explicações de Johannes Hessen[1] podemos concluir que a obra de Kant não procura gênese psicológica do conhecimento, mas sua validade lógica. Preocupa-se como é possível o conhecimento, sobre quais fundamentos e sobre quais pressupostos ele repousa. É através dos vários métodos criados pelo homem, baseados sempre na auto-reflexão que há um evoluir constante para o conhecimento.

A palavra filosofia possui origem grega e significa de maneira simplista “amor à sabedoria”, aspiração ao saber. A essência da filosofia está voltada para o todo e não para uma especialidade, tendo um caráter universal, pois se preocupa com o conhecimento e não com particularidades. À partir da filosofia que podemos partir para outros conhecimentos.

Intuitivamente, o Direito aparece como agir conforme a lei, ou seja, é o que está inserido na lei. No entanto, este conhecimento intuitivo não satisfaz para se pensar em Filosofia do Direito.

Após afirmar a existência de dificuldades para conceituar os direitos do homem e que a expressão é sempre muito vaga, Noberto Bobbio afirma queDireitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização.etc.,etc..[2]

Direito, o jus romano, tem a idéia de proteção e salvação definidas como a arte do bom e do equitativo. Se apresenta com um conceito bem diverso do mostrado de forma simplista, que se resume no cumprimento de norma obrigatória.

Já a Filosofia do Direito na conceituação de Jacy de Souza Mendonça é a disciplina que busca a formulação da idéia universal do Direito, determina seu valor ou natureza e estuda sua origem e evolução através da História.[3]

Para Cabral de Moncada entende-se Filosofia do Direito como: É uma actividade mental ou ramo da Filosofia que se ocupa do direito; é uma parte, um capítulo particular, se quisermos assim chamar-lhe da Filosofia.[4]

Então, Filosofia do Direito é a auto-reflexão sobre o Direito concebido como a arte do bom e do equitativo. Possibilita o homem conhecer o dever ser em busca do bem comum que é também o bem individual. E, através das correntes filosóficas de conhecimento ao homem é permitido conhecer o Direito visto como um dever ser, visto como a arte do bom e do justo.

Dogmatismo significa doutrina estabelecida, para então aceitar a tese de que o homem passa a conhecer em função de algo já pré-estabelecido, o que afasta a necessidade de uma relação sujeito-objeto. Impõe o dogmatismo o conhecimento pela aceitação, que na verdade não significa conhecimento, mas sim uma simples apreensão sem que haja movimento racional de compreensão essencial. A critica que se pode fazer é que o dogmatismo elimina o trabalho intelectual, colocando o sujeito em mera posição de aceitante de algo pré-estabelecido.

Oposto ao dogmatismo, o ceticismo firma posição no sentido de que o sujeito não é capaz de apreender o objeto. O ceticismo, ensina Jacy de Souza Mendonça, duvida da possibilidade de o sujeito atingir o objeto através de uma imagem conforme ao objeto.[5] Em si é contraditório, pois se nada é possível conhecer, não se pode ter esta própria afirmativa, que conhece que nada é possível conhecer. 

Já para o subjetivismo a verdade existe e por isso o conhecimento é possível, mas há limitação restringida ao sujeito que conhece. Está o conhecimento atrelado a capacidade do sujeito que apreende, por isso a subjetividade. O relativismo está bem próximo porque admite a verdade e o conhecimento mas de forma relativa; isto é não há verdade absoluta. O que é para um sujeito pode não ser para outro.

Da mesma maneira que o ceticismo, o subjetivismo e o relativismo se contradizem. Se toda verdade é subjetiva ou relativa, a própria afirmação não pode ser aceita como absoluta. A contradição é imediata, para poder pensar que a verdade é, existe de forma absoluta. O juízo é verdadeiro para todos ou não. 

Para entender o criticismo é bom conhecer, ao menos superficialmente, a vida de seu verdadeiro fundador, Kant. Vida extremamente metódica, mas com movimento intelectual intenso, o que nos mostra suas idéias. Filósofo alemão, nascido em Koenigsberg (atual Kaliningrado), de família pobre de origem escocesa, quando adulto ele se afastou da religião, licenciou-se em Filosofia, Matemática e Física, teve uma vida extremamente regular, cada coisa tinha seu tempo certo. Toda sua vida foi dominada pelo método e reflexão. Consta que aos 22 anos decidiu: “Já tracei a linha que pretendo seguir. Vou começar minha carreira e nada me impedirá de continuá-la”. Trabalhou mais de 15 anos na sua obra filosófica: as duas Críticas. Consta que escrevia em folhas soltas e sem sequência, para depois juntá-las e formar e o todo.

Nos parece existir alguma contradição ter uma vida pessoal extremamente metódica e determinada e uma vida de escrever com a imaginação solta e método extremamente livre, no sentido de escrever partes e partes sem sequência e depois juntar. Isto mostra que para pensar e conhecer cada um pode e deve se socorrer de todos os meios possíveis, deixando principalmente a imaginação solta no universo.

A palavra tem o significado de examinar, por a prova ( krínein). Criticismolato sensu corresponde a um estudo metódico prévio do ato de conhecer e dos modos de conhecimento, ou uma disposição metódica do espírito no sentido de situar, preliminarmente, o problema do conhecimento em função da correlação “sujeito-objeto”.

A distinção do criticismo é a determinação a priori das condições lógicas da ciência. Declara que o conhecimento não pode prescindir da experiência, a qual fornece material cognoscível. De outro lado sustenta que o conhecimento na base empírica não pode prescindir de elementos racionais, pois só adquire validade universal quando os dados sensoriais são ordenados pela razão.

Para Kant há uma funcionalidade essencial entre aquilo que entende por a priori e os elementos da experiência, porque somente se pode afirmar algo a priori no ato mesmo de pensar, se essa asserção é feita em função da experiência, e só é possível experiência condicionada a conceitos admitidosa priori. Esse momento é visto como transcendente.

Compreende-se a explicação critico-transcedental quanto o pólo negativo (objeto ou elemento empírico) se encontra com o pólo positivo (entendimento), fechando o circuito de conhecimento.

Na Critica da Razão Pura partiu Kant da indagação acerca da possibilidade dos juízos sintéticos a priori.

O conhecimento está sempre conformado pela medida humana, é subjetivo. O sujeito configura a representação a partir de exigências inatas nele existentes, denominadas categorias a priori do conhecimento e formas a priori da sensibilidade. Está sempre subordinado a uma série de medidas que são, ou as formas a priori da sensibilidade, ou os conceitos ou categoriasa priori do entendimento.

Ao lado dos juízos analíticos, que são sempre a priori, e dos juízos sintéticos a posteriori, colocam-se como condição das construções cientificas, os juízos sintéticos a priori. Juízos analíticos são a priori, dotados de validade universal e necessária, independente da experiência. Sujeito e predicado são uma identidade. Juízos sintéticos, que são, naturalmente hic et nunc, são considerados sempre a posteriori, sendo sua validade particular e contingente.

Completando, Kant entende a existência dos juízos sintéticos a priori, que corresponde à possibilidade de formular juízos, com base na experiência, mas de uma validade que a transcende. O a priori, para Kant, corresponde ao que é independente da experiência individual. Representa ao mesmo tempo, a forma legal ou constitutiva da experiência mesma, pois é consciência cognoscente, criando de certa forma os objetos, segundo leis que são anteriores e próprias.

E ainda, para Kant, é o sujeito que constrói seu próprio objeto, não sendo a coisa em si algo realmente existente, embora incognoscível, mas sim mero limite negativo do conhecimento.

O conhecimento está sempre subordinado a medida do ser humano, sendo tudo subjetividade, até mesmo o espaço e o tempo, que não existem fora de nós, ao contrário, são formas de nossa sensibilidade interna ou externa. Tempo e espaço são condições do conhecimento do homem, que não pode perceber as coisas senão no espaço e no tempo, que são assim, de ordem transcendental.

O espírito humano quando, apreende as coisas, só pode fazê-los através de seus crivos espácio-temporais.

A doutrina do espaço e do tempo está desenvolvida na Critica da Razão Pura, na parte denominada Estética Transcendental. Assim, tempo e espaço são condições subjetivas da sensibilidade, imposições da consciência na natureza de todos os seres humanos.

Na Critica da Razão Prática, Kant indaga acerca da existência da lei moral. Deduz a lei moral, a norma fundamental de agir, da razão, despida de elementos concretos. Pretende fazer do conjunto das regras morais um sistema exclusivamente racional, unicamente fundado sobre princípios a priori e, portanto, universais e necessários.

Quando agimos tem-se em vista uma ordem, um imperativo. Há dois tipos de imperativo - um categórico e o outro hipotético. O imperativo categórico é ditado pela razão de forma universal: “Age segundo a máxima que possa converter em lei universal”. Daí a consequência de ser considerada justa toda ação compatível com o grau de liberdade de cada uma deve gozar, segundo a lei universal que regule sua medida conforme a natureza e ao destino do homem. Por sua vez o imperativo hipotético há uma ordem condicionada a uma hipótese.

Da Critica da Razão Prática pode-se deduzir quanto a lei moral que ela demonstra realidade e por isso dá realidade objetiva, vinculada a liberdade e a razão.

Direito para Kant, é uma série de condições que possibilitam a convivência dos homens, segundo um principio de liberdade. Justa, para ele, é a ação que, por si ou por sua máxima subjetiva, não seja um obstáculo à conformidade da liberdade de todos com a liberdade de cada um, segundo leis universais.

A questão de saber se o que uma lei prescreve é justo ou não, nunca será resolvida, segundo ele, a não ser que se deixe à parte esses princípios empíricos e se busque a origem desses juízos apenas na razão. Não se apreende a juridicidade, portanto na natureza do homem, porque esta é incognoscível, é inculcada no homem através do juízo ético e se afirma no imperativo categórico, que é aquele em que não há hipótese.

O Direito somente com conteúdo axiológico é fenômeno.

Saber o que é justo em uma prescrição legal exige não o conhecimento do conteúdo da lei nela mesma, mas sim a origem de justiça e injustiça na razão do homem.

A razão do homem voltada ao seu fim é que pode mostrar se o conteúdo de uma lei é justo ou não.

Para Del Vecchio o conceito criticista de Direito é formal, sem conteúdo ontológico, absolutamente neutro, não cabendo analisar se a ação é em si mesma boa ou má; basta à forma jurídica.

É impossível apreender a essência do Direito sem captar-lhe ao mesmo tempo o valor. O Direito seria a coordenação objetiva das ações possíveis entre os sujeitos, segundo um princípio ético que as determina, excluindo todos os impedimentos. O principio ético seria a presença do conteúdo valorativo

Segundo Gustav Radbruch, o conceito de Direito não se deriva, indutiva ou empiracamente, de fatos jurídicos; é antes, o conceito que permite conceber esses fatos como jurídicos. O Direito é formal, a experiência não entra em sua formação.

Por sua vez Kelsen reduz o Direito a mera exigência de pensar a realidade social.

O Direito expressa uma exigência de pensar a empiria social, uma categoria relativamente apriorística, um juízo hipotético e condicional com a seguinte estrutura: se A existe então deve existir B. Cria a norma jurídica vinculando a situação A com a sanção B, vinculação subjetiva e desprovida de juridicidade.

Para Kant, o direito são as condições para convivência fundadas na liberdade e conformando a liberdade individual com a coletiva. A justiça de cada ação será encontrada através da razão e não da simples natureza humana.

O criticismo se apresenta como um terceiro ponto de vista entre o dogmatismo e o ceticismo, na medida em que posiciona certo conhecimento, afastando-se do conhecimento por dogma e da impossibilidade de conhecimento.

A divergência está em que o dogmatismo aceita o conhecimento de forma impensável. A verdade existe e é, porque assim é. Para o criticismo, ao contrário, aceita o conhecimento, mas se exige o ato de pensar, e a possibilidade de conhecimento está limitada, por isso o homem conhece a aparência, isto é, como o objeto lhe aparenta ser.

O cético não admite a possibilidade de conhecimento, enquanto o criticista acredita nesta possibilidade, mas com desconfiança.

Para Kant, o ser em si mesmo é inacessível ao espírito, é incognoscível. Só conhecemos a aparência, o fenômeno das coisas, não sua essência. O conhecer é uma construção que o sujeito faz, impondo suas leis, suas condições de pensar aos dados da experiência. A conduta do homem depende de seu subjetivo, podendo agir conforme a lei moral, que seve ser fundada na Razão, observando sua vontade livre.

BOBBIO,Norberto – A Era da Direito, Editora Campus

CABRAL DE MONCADA,L – Filosofia do Direito e do Estado, Coimbra Editora

HESSEN, Johannes-Teoria do Conhecimento, Martins Fontes

JOLIVET, Regis, Agir.

KANT, Immanuel – Crítica da Razão Pura, Edições 70

Crítica da Razão Prática, Edições 70

Duas introduções à Crítica do Juízo, Iluminuras.

MENDONÇA, Jacy de Souza – O Curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara, Sergio Antonio Fabris Editor

RADBRUCH, Gustav – Introducción a la Filosofia del Derecho,Fondo de Cultura Económica

WALKER, Ralph – Kant e a Lei Moral, Unesp



[1] HESSEN, Johannes-Teoria do Conhecimento, Martins Fontes, 1999, SP, p.15


[2] BOBBIO, Norberto, A era dos Direito, Ed.Campus, 1990, SP, p.17


[3] MENDONÇA, Jacy de Souza- O Curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre RS 199, p.31.


[4] MONCADA L. Cabral-Coimbra Editora, Vol.1º Portugal, 1995, p.1


[5] O.C. p.76
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Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2014, 13h05

Alimentação fornecida pela empresa não configura salário in natura se ha pequena participação do empregado




Alimentação fornecida pela empresa não configura salário in natura se há pequena participação do empregado 

O salário "in natura", também conhecido como salário utilidade, é toda parcela, bem ou vantagem fornecida pelo empregador ao empregado pelo trabalho realizado. Ele se traduz em uma utilidade essencial à vida, como, por exemplo, alimentação, água, educação ou assistência médica, oferecida como um adicional à remuneração. Mas, para que a vantagem fornecida pelo empregador configure salário "in natura" é necessário que o empregado não tenha qualquer participação no benefício, ainda que em valores ínfimos. Do contrário, não haverá salário "in natura".

Foi com esse entendimento que o juiz Daniel Cordeiro Gazola, em atuação na 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade, rejeitou o pedido de um trabalhador de que fosse considerado salário in natura a alimentação que lhe foi fornecida no restaurante industrial da empresa, durante todo o período do contrato. Com isso, o trabalhador pretendia que o valor correspondente à alimentação integrasse o salário, para todos os efeitos legais, gerando reflexos nas demais parcelas salariais. Mas o magistrado constatou que o próprio empregado, através do pagamento de uma pequena quantia mensal à empresa, contribuía para o recebimento da alimentação, o que impede a caracterização da utilidade como salário "in natura".

Ressaltou o julgador que a habitualidade do fornecimento do bem ou serviço e a sua gratuidade são requisitos essenciais à caracterização do salário "in natura".E, no caso, apesar de haver habitualidade no fornecimento da alimentação, os recibos salariais revelaram a existência do desconto de um valor ínfimo mensal no salário, como forma de participação do empregado no custeio do benefício. Isso, para o juiz, impede o reconhecimento do salário in natura, pois revela a natureza indenizatória da utilidade. "Esta participação, mesmo de pequeno valor, descaracteriza a gratuidade no fornecimento da parcela e, consequentemente, afasta o seu caráter salarial", destacou.

Por essas razões, o juiz sentenciante rejeitou a incorporação ao salário da parcela da alimentação fornecida ao reclamante, indeferindo os reflexos pretendidos. Houve recurso das partes que se encontram em trâmite no TRT/MG.( 0000045-12.2014.5.03.0064 RO )
Fonte: TRT3

STF confirma entendimento do TST sobre intervalo para mulher previsto na CLT


STF confirma entendimento do TST sobre intervalo para mulher previsto na CLT






O Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 658312, e firmou a tese de que o artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. O dispositivo, que faz parte do capítulo que trata da proteção do trabalho da mulher, prevê intervalo de no mínimo 15 minutos para as trabalhadoras em caso de prorrogação do horário normal, antes do início do período extraordinário.

Como o recurso extraordinário teve repercussão geral reconhecida, a decisão se aplica a todos os demais casos sobre a matéria atualmente sobrestados ou em tramitação na Justiça do Trabalho.

A decisão confirma a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade contido no artigo 5º da Constituição Federal. A posição do TST foi consolidada em 2008, no julgamento de incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista.

O recurso julgado nesta quinta-feira (27) pelo STF foi interposto pela A. Angeloni & Cia. Ltda. contra decisão da Segunda Turma do TST que manteve condenação ao pagamento, a uma empregada, desses 15 minutos, com adicional de 50%, imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). A argumentação da empresa era a de que o entendimento da Justiça do Trabalho contraria dispositivos constitucionais que garantem a igualdade entre homens e mulheres (artigos 5º, inciso I, e 7º, inciso XXX) e, consequentemente, fere o princípio da isonomia, pois não se poderia admitir tratamento diferenciado apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular a discriminação no trabalho.

Tratamento diferenciado

O relator do recurso do STF, ministro Dias Toffoli, citou o voto do relator do incidente de inconstitucionalidade no TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, e lembrou que a Constituição de 1988 admite a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a "histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho"; a existência de "um componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da mulher"; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho – "que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma", afirmou.

Ele afastou ainda os argumentos de que a manutenção do intervalo prejudicaria o acesso da mulher ao mercado de trabalho. "Não parece existir fundamento sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a amparar essa tese", afirmou. "Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em virtude dessa obrigação".

Leia aqui íntegra do voto do ministro Dias Toffoli.

(Carmem Feijó/Foto: Nelson Jr.-STF)

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Fonte: TST

O direito dos indivíduos transexuais de alterar o seu registro civil

O direito dos indivíduos transexuais de alterar o seu registro civil


O nome é mais que um acessório. Ele é de extrema relevância na vida social, por ser parte intrínseca da personalidade. Tanto que o novo Código Civil trata o assunto em seu Capítulo II, esclarecendo que toda pessoa tem direito ao nome, compreendidos o prenome e o sobrenome.

Ao proteger o nome, o CC de 2002 nada mais fez do que concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Essa tutela é importante para impedir que haja abuso, o que pode acarretar prejuízos e, ainda, para evitar que sejam colocados nomes que exponham ao ridículo seu portador.

Uma realidade que o Poder Judiciário brasileiro vem enfrentando diz respeito aos indivíduos transexuais. Após finalizar o processo transexualizador – com a cirurgia de mudança de sexo -, esses cidadãos estão buscando a Justiça para alterar o seu registro civil, com a consequente modificação do documento de identidade.

Sem legislação

Entretanto, não há no Brasil uma legislação que regulamente e determine a alteração imediata do registro civil. Assim, resta ao transexual pleitear judicialmente a alteração.

Alguns juízes permitem a mudança do prenome do indivíduo, com fundamento nos princípios da intimidade e privacidade, para evitar principalmente o constrangimento à pessoa. Outras decisões, por sua vez, não acatam o pedido, negando-o em sua totalidade, com base estritamente no critério biológico.

Há também decisões que, além da alteração do prenome, determinam que a mesma seja feita com a ressalva da condição transexual do indivíduo, não alterando o sexo presente no registro. Finalmente, há decisões que não só permitem a mudança do prenome como a do sexo no registro civil.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem autorizando a modificação do nome que consta do registro civil, bem como a alteração do sexo. Entretanto, consigna que a averbação deve constar, apenas do livro cartorário, vedando qualquer menção nas certidões do registro público, sob pena de manter a situação constrangedora e discriminatória.

Segundo o ministro da Quarta Turma do STJ Luis Felipe Salomão, se o indivíduo já realizou a cirurgia e se o registro está em desconformidade com o mundo fenomênico, não há motivos para constar da certidão.

Isso porque seria um opróbrio ainda maior para o indivíduo ter que mostrar uma certidão em que consta um nome do sexo masculino. Entretanto, a averbação deve constar do livro cartorário. “Fica lá no registro, preserva terceiros e ele segue a vida dele pela opção que ele fez”, afirmou o ministro.

Vida digna

Para a ministra Nancy Andrighi, quando se iniciou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os dois sexos era feita baseada na conformação da genitália. Hoje, com o desenvolvimento científico e tecnológico, existem vários outros elementos identificadores do sexo, razão pela qual a definição de gênero não pode mais ser limitada somente ao sexo aparente.

“Todo um conjunto de fatores, tanto psicológicos quanto biológicos, culturais e familiares, devem ser considerados. A título exemplificativo, podem ser apontados, para a caracterização sexual, os critérios cromossomial, gonadal, cromatínico, da genitália interna, psíquico ou comportamental, médico-legal, e jurídico”, afirma a ministra.

Para Andrighi, se o Estado consente com a possibilidade de realizar-se cirurgia de transgenitalização, logo deve também prover os meios necessários para que o indivíduo tenha uma vida digna e, por conseguinte, seja identificado jurídica e civilmente tal como se apresenta perante a sociedade.

Averbação no registro

O primeiro recurso sobre o tema foi julgado no STJ em 2007, sob a relatoria do falecido ministro Carlos Alberto Menezes Direito. No caso, a Terceira Turma do STJ, seguindo o voto do ministro, concordou com a alteração, mas definiu, na ocasião, que deveria ficar averbado no registro civil do transexual que a modificação do seu nome e do seu sexo decorreu de decisão judicial.

De acordo com o ministro Direito, não se poderia esconder no registro, sob pena de validar agressão à verdade que ele deve preservar, que a mudança decorreu de ato judicial nascida da vontade do autor e que se tornou necessário ato cirúrgico.

“Trata-se de registro imperativo e com essa qualidade é que se não pode impedir que a modificação da natureza sexual fique assentada para o reconhecimento do direito do autor”, afirmou o ministro, à época.

Livro cartorário

Em outubro de 2009, a Terceira Turma, em decisão inédita, garantiu ao transexual a troca do nome e do gênero em registro, sem que constasse a anotação no documento. O colegiado determinou que o registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente constasse apenas nos livros cartorários.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias.

“Conservar o ‘sexo masculino’ no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente”, concluiu a ministra.

Exposição ao ridículo

O mesmo entendimento foi aplicado pela Quarta Turma, em dezembro de 2009. O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, destacou que a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) estabelece, em seu artigo 55, parágrafo único, a possibilidade de o prenome ser modificado quando expuser seu titular ao ridículo.

“A interpretação conjugada dos artigos 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive”, disse o ministro.

Na ocasião, Noronha afirmou ainda que o julgador não deve se deter em uma codificação generalista e padronizada, mas sim adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas.

Quanto à averbação no livro cartorário, o ministro afirmou que é importante para salvaguardar os atos jurídicos já praticados, para manter a segurança das relações jurídicas e, por fim, para solucionar eventuais questões que sobrevierem no âmbito do direito de família (casamento), no direito previdenciário e até mesmo no âmbito esportivo.

Renascimento

Para a transexual Bianca Moura, 45 anos, a mudança do registro civil foi um renascimento. Servidora pública do Governo do Distrito Federal, a maranhense conseguiu a alteração em setembro de 2011, um ano e meio depois de dar entrada em toda a documentação.

“Procurei o Judiciário em fevereiro de 2010 com meus documentos, fotos, laudos, tudo. Um ano e meio depois, recebi uma carta comunicando a sentença. Ao conversar com o juiz, fui avisada que teria que ir até o Maranhão, estado onde nasci, para pegar a nova certidão. Fui até lá com minha mãe. O processo foi muito tranquilo”, disse.

Bianca começou sua transformação há 20 anos, em uma época que não se tinha nenhuma perspectiva de se fazer o processo de readequação de gênero, quanto mais no registro. Ela ainda está na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), aguardando a sua vez de realizar o procedimento. Mas isso não a impediu de ir atrás de seus direitos.

“Sempre quis ser reconhecida civilmente como uma mulher. É de extrema importância para mim que o estado reconheça a minha identidade. O não reconhecimento me causou inúmeros constrangimentos. Nem todo mundo aceita te chamar pelo nome social. Acredito que todos os transexuais desejem ter sua identidade reconhecida e respeitada”, afirmou Bianca.

Nome social é o nome pelo qual os transexuais e travestis são chamados cotidianamente, em contraste com o nome oficialmente registrado, que não reflete sua identidade de gênero.

Projeto de lei

Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.002/2013, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF), que trata da viabilização e desburocratização para o indivíduo ter assegurado, por lei, o direito de ser tratado conforme o gênero escolhido por ele.

A proposta obriga o SUS e os planos de saúde a custearem tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial.

De acordo com o PL, não será necessário entrar na justiça para conseguir a mudança do nome e toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem registradas na documentação pessoal sempre que não coincidam com a sua identidade de gênero autopercebida.

Segundo a proposta, mesmo um menor que não tenha consentimento dos pais poderá recorrer à defensoria pública para que sua vontade de mudança de nome seja atendida. Menores de 18 anos poderão ainda fazer cirurgia de mudança de sexo, mesmo sem a autorização dos pais, seguindo os critérios da alteração do registro civil.

O projeto de lei diz que a mudança do sexo não altera o direito à maternidade ou à paternidade. Também será preservado o matrimônio, se os cônjuges quiserem, sendo possível retificar a certidão do casamento, para constar a união homoafetiva.

Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

STJ admite recurso e anula decisão de juizado especial considerada "teratológica"




STJ admite recurso e anula decisão de juizado especial considerada "teratológica"



Considerada "teratológica", uma decisão de juizado especial que condenou um banco a pagar danos sociais, sem que isso tivesse sido pedido na ação, foi anulada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Por se tratar de uma ação de juizado especial, não cabe recursoao STJ. Entretanto, a corte aplicou pela primeira vez, por analogia, o rito dos recursos repetitivos (previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil).

Ajuizada pelo Bradesco, a reclamação contra acórdão de turma recursal dos juizados especiais traz uma controvérsia identificada em grande número de processos, principalmente nos juizados vinculados ao Tribunal de Justiça de Goiás. Por isso, a seção decidiu firmar sua posição conforme o artigo 543-C. Assim, as turmas recursais que tratarem do tema devem se alinhar ao entendimento do STJ.

No caso, a 2ª Seção firmou a tese de que, por configurar julgamento extra petita (além do pedido), é nula a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro que não faz parte do processo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que, somente no juizado especial contra o qual foi apresentada a reclamação, já foram proferidas cerca de 200 condenações ao pagamento de danos sociais em ações individuais nas quais havia sido pedida apenas indenização por dano moral. Para a Febraban, isso permite antever a multiplicação de condenações desse tipo contra os bancos.

Identificada a questão como repetitiva, a seção determinou a suspensão de todos os processos idênticos em trâmite nos juizados especiais e nas turmas recursais exclusivamente na parte em que fosse discutida a condenação de instituições financeiras, sem pedido da parte, ao pagamento de danos sociais em favor de terceiros estranhos à lide.

O caso
O processo julgado trata do caso de uma cliente que ajuizou ação no juizado especial pedindo indenização por danos morais e materiais em decorrência de débitos em sua conta corrente realizados pelo Bradesco em 2011. O valor se referia à cobrança de anuidade de cartão de crédito não solicitado por ela.

A sentença condenou o banco à devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, ao pagamento de indenização de R$ 5 mil para a cliente, como reparação pelos danos morais. Além disso, deveria pagar R$ 10 mil para o Conselho da Comunidade de Minaçu (GO), município de residência da cliente, a título de reparação de danos sociais, ainda que a ação individual não trouxesse nenhum pedido expresso quanto a isso.

O Bradesco recorreu à turma recursal, que manteve a decisão de pagamento da indenização suplementar ao argumento de que “agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos dos consumidores geram danos à sociedade”, que configuram ato ilícito por exercício abusivo do direito.

Reclamação
Apesar de não caber recurso especial ao STJ, o banco apresentou reclamação para adequar a decisão da turma recursal à jurisprudência sobre o assunto. Alegou que houve violação dos limites objetivos da ação proposta pela cliente. Disse que o juiz decidiu além do que foi pedido ao dar uma indenização suplementar não requerida e por fatos que não embasaram a petição inicial, mas “decorrentes da experiência pessoal do magistrado em ações de natureza idêntica”.

Inicialmente, o ministro relator destacou que o caso não configura nenhuma das duas hipóteses de cabimento de reclamação contra decisão de turma recursal: violação a enunciado de súmula ou a tese definida em recurso repetitivo. No entanto, trata-se de “decisão teratológica”, o que justifica a análise pelo STJ.

Extra petita
O ministro Raul Araújo, relator, reconheceu que a doutrina moderna tem admitido, diante da ocorrência de ato ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social. Seria uma categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, uma espécie de dano reparável por conta de comportamentos socialmente reprováveis, a ser pedido pelos legitimados para propor ações coletivas.

No entanto, o ministro constatou que a indenização por dano social não poderia ser aplicada na hipótese. A comparação do pedido da ação com o provimento judicial deixa claro, para o ministro do STJ, que houve julgamento extra petita – quando a decisão proferida dá algo diferente daquilo que foi requerido pela parte. Seu voto foi seguido por unanimidade.

“Ao concluírem pela condenação do reclamante [o banco] ao pagamento de danos sociais à entidade que não figura como parte na lide, dissociaram-se dos pedidos formulados pela autora da ação, exarando provimento jurisdicional não requerido e sobre questão nem sequer levada a juízo por qualquer das partes envolvidas na demanda”, criticou o relator ao falar da decisão da turma recursal.

Ilegitimidade
Para Raul Araújo, a decisão extrapolou claramente os limites objetivos e subjetivos da demanda. Ele acrescentou que, mesmo que a cliente, autora da ação, falasse em condenação em danos sociais, o pedido não poderia ser julgado procedente, porque esbarraria em ausência de legitimidade para tanto.

“Os danos sociais são admitidos somente em demandas coletivas e, portanto, somente os legitimados para propositura de ações coletivas têm legitimidade para reclamar acerca de supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que não poderiam ser objeto de ação individual”, explicou.

A 2ª Seção reconheceu a nulidade da decisão na parte em que condenou o banco ao pagamento de indenização por danos sociais à entidade que não participou do processo, mas manteve o restante, quanto aos danos materiais e morais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o voto.
Rcl 12062


Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2014, 18h12

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Decisão que reduziu indenização a cantor sertanejo em 97% é mantida no TJ-GO


Decisão que reduziu indenização a cantor sertanejo em 97% é mantida no TJ-GO


Para que se altere o valor de uma indenização arbitrada pelo Judiciário, é preciso que se aponte o erro na decisão que definiu a quantia. Por entender que o cantor Marrone (foto) — da dupla Bruno e Marrone — e sua mulher, Natália Ferreira Porte, não conseguiram mostrar erros do desembargador que reduziu uma indenização por danos morais a ser recebida por ambos de R$ 1,5 milhão para R$ 50 mil, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás manteve o chamado quantum indenizatório.

No caso, o jornal Extra terá que indenizar o cantor (cujo nome de batismo é José Roberto Ferreira) por ter publicado uma reportagem em seu site afirmando que o casal estava falido financeiramente.

Na primeira instância, 18ª Vara Cível e Ambiental de Goiânia arbitrou a indenização em R$ 1,5 milhão. No entanto, o desembargador Carlos Alberto França (foto), do TJ-GO, em decisão monocrática, entendeu que a quantia era “demasiadamente elevada” e baixou o valor em aproximadamente 97%. Marrone, receberá R$ 30 mil e Natália, R$ 20 mil. O cantor ficou com a maior fatia porque, segundo França, ele “é pessoa pública, mais conhecida e, portanto, sujeita a maior exposição da mídia”. 

Os dois recorreram, pedindo que o valor fosse majorado. No entanto, a 2ª Câmara Cível apontou que não havia motivo para aumentar o valor da condenação, uma vez que não foi indicado nenhum erro na decisão do desembargador França.

Ao analisar a reportagem, o colegiado entendeu que o jornal "excedeu os limites legais à propagação da notícia", considerando que houve a intenção do jornalista de difamar ou injuriar.

Carlos Alberto França, relator do caso, ressaltou que o jornalismo não tem caráter apenas informativo, mas também investigativo. Segundo ele, o jornalista “precisa buscar informações e repassá-las aos leitores, porém de forma séria e responsável”, o que não teria acontecido no caso. O desembargador destacou, inclusive, que a notícia não era de interesse público e visava, somente, ofender a honra do casal. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-GO

Clique aqui para ler a decisão.

Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2014, 20h27

Lei Maria da Penha ainda não está sendo aplicada devidamente


Lei Maria da Penha ainda não está sendo aplicada devidamente




Têm sido objeto de polêmica os projetos da Câmara dos Deputados PL 6.433/2013 e PL 7.376/2014 que propõem alterações na Lei 11.340/96 — Lei Maria da Penha. O primeiro pretende dar mais efetividade à proteção da vítima de violência doméstica, ao facultar à autoridade policial aplicar de imediato, em ato fundamentado, as medidas protetivas de urgência, comunicando em seguida ao Ministério Público e ao juiz competente, que poderá mantê-las ou revê-las; propõe ainda o referido PL que a autoridade policial (no caso, o delegado) deverá ter acesso às informações referentes aos processos judiciais envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive fora do horário de expediente forense, a fim de verificar a existência de medidas protetivas, as condições aplicadas e informações necessárias à efetiva proteção da vítima em situação de violência. O segundo projeto — PL 7.376/2014 — tipifica como crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. 

Saliente-se que as medidas protetivas de urgência são de grande relevância na proteção dos direitos de mulheres, vítimas de violência doméstica, mas seu descumprimento apenas acarreta as previstas no artigo 22, parágrafos 3º e 4º e no Código de Processo Penal — vale dizer, auxílio de força policial, multa civil e prisão preventiva, visto não ter o legislador disposto expressamente sobre o crime de desobediência. Esse tem sido o reiterado entendimento de vários tribunais na hipótese de descumprimento da ordem judicial relativa à medida de urgência.

Com efeito, nas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça, isso vem sendo consolidado no sentido de que há atipicidade da conduta, não se configurando crime de desobediência visto que, no dizer do próprio STJ “a previsão em lei de penalidade administrativa ou civil para a hipótese de desobediência à ordem legal afasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo ressalva expressa de cumulação, inexistente no caso” ( HC 285620 / RS - 2013/0420568-1 T5 - Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE j.07/08/2014 p. 15/08/2014).

Para afastar este entendimento reiterado[1] de tribunais brasileiros, urge tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, como propõe o PL 7.376/2014, ou incluir ressalva expressa em parágrafo do próprio artigo 22 da Lei Maria da Penha, no sentido da aplicação cumulativa das penas do delito de desobediência.

Por outro lado, não podem continuar a prosperar aqueles argumentos tão repetitivos de que se deve aplicar nessa matéria o respeito ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Este argumento demonstra que ainda o Estado brasileiro não tomou plena consciência deste mal que assola insidiosamente a família, pois cuida-se, sim, de grave problema que vem afetando a sociedade brasileira de maneira dramática.

Os números, dados e pesquisas mostram a grave dimensão do problema: o Brasil ocupa a sétima posição em feminicídios, no contexto dos 84 países do mundo com dados homogêneos da OMS compreendidos entre 2006 e 2010; e, segundo o Mapa da Violência 2012[2], vemos que em todas as faixas etárias, a relação doméstica é o que decididamente prepondera nas situações de violência vividas pelas mulheres. Vale lembrar que, nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse último período representa um aumento maior de 200%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país (Fonte: SIM/SVS/MS). Por outro lado, estudos mostram que o percentual de reincidência nas violências contra a mulher é extremamente elevada, principalmente a partir dos 30 anos de idade das vítimas, o que está a configurar um tipo de “violência anunciada” e previsível que não é erradicada.

Constata-se que esses projetos de lei buscam a necessária efetividade e celeridade quando em risco um bem jurídico maior a ser tutelado: a vida e integridade da saúde de mulheres, vítimas diuturnas do formalismo estéril de muitas de nossas instituições jurídicas, que se comprazem em “espiolhar” inconstitucionalidades, como se deu nos primeiros tempos da vigência da Lei Maria da Penha, em que a polêmica inicial sobre suas inúmeras inconstitucionalidades só foi superada com o julgamento pelo STF da ADC 19 e da ADI 4.424, quando os ministros consideraram que todos os artigos da lei que vinham “tendo interpretações divergentes nas primeira e segunda instâncias estavam de acordo com o princípio fundamental de respeito à dignidade humana, sendo instrumento de mitigação de uma realidade de discriminação social e cultural”.

A sujeição, discriminação e violência de milênios não se superam com facilidade. A abordagem da questão da violência nas relações domésticas como um fenômeno social que exige ações públicas enfrenta diversas resistências. Sem dúvida, “naturalizou-se” a violência contra a mulher. Primeiramente é importante considerar a ideia, ainda presente em nossa cultura, de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Além disso, ainda persistem compreensões limitadas na conceituação “das violências”: que tipos de comportamentos cada um dos parceiros nomeia como “violência”? O que os “outros” entendem como “violência”? Qual o seu limite em uma relação familiar?

É urgente desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a nossa sociedade, inclusive entre os operadores de direito. Vale observar que negligências e omissões das instituições, muitas vezes são justificadas com base nesses mitos. Ressalte-se ainda a legitimação das agressões que, muitas vezes, são atribuídas ao comportamento provocativo e sedutor da mulher. Todos nós conhecemos frases do tipo “mereceu o abuso”; “você não sabia que ele era assim?”; “isso é normal”, “foi assim também comigo e eu suportei, pois Deus é mais”. Precisamos entender que mitos geram distorções, silêncios e preconceitos...

Alguns desafios precisam ser superados para a efetivação do enfrentamento à violência de gênero, por exemplo, a dificuldade e instabilidade das mulheres, em situação de violência, para denunciar e manter a denúncia; a incompreensão e a resistência dos agentes sociais responsáveis pelos atendimentos e encaminhamentos; a falta de apoio efetivo para as mulheres em situação de violência, no âmbito privado e público; a falta de programa de atendimento ao homem autor da agressão, com medidas eficazes de intervenção socioterapêuticas.

Sem dúvida, faltam políticas públicas — a Lei Maria da Penha não está sendo aplicada devidamente, pois, de seu texto resulta claro que a violência doméstica contra a mulher não pode ser tratada apenas como problema de justiça criminal, pois é uma questão de múltiplas dimensões[3]. É preciso sempre repetir: as leis não bastam.

Entretanto, essa violência doméstica que, durante séculos, o espaço da casa privatizou, não pode ser ignorada pelo estado. Essas mortes anunciadas em vários pontos do Brasil, dão uma medida do que vem ocorrendo: são necessárias medidas eficazes para o enfrentamento adequado, inclusive de natureza penal, se necessárias. É urgente agilizar e garantir a eficácia das medidas protetivas. O Brasil ratificou a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW)[4] e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará[5] —, incluindo tais preceitos em seu ordenamento jurídico. Esta última Convenção, em seu artigo 7º estabelece que os Estados-Partes condenem todas as formas de violência contra a mulher e concordem em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em “incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher”, entre outras medidas.

Acrescente-se que a CF, em seu artigo 226, parágrafo 8º, estabelece que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

É preciso ter sempre presente que as intervenções do estado precisam ir muito além da responsabilização criminal do autor, enfatizando-se o exercício da cidadania das mulheres, as possibilidades de acesso à rede de serviços e à Justiça, buscando-se a implementação de ações educativas de prevenção, o fortalecimento das redes de atendimento e a capacitação de seus profissionais.

Entretanto, há de se buscar alternativas para que a efetivação plena da Lei Maria da Penha e, quando necessário, seu aprimoramento, com mecanismos que possam enfrentar a violência presente no cotidiano de milhares de mulheres brasileiras garantindo o estado, de modo eficaz, um bem jurídico altamente relevante: a vida e a integridade da saúde dessas vítimas, que continuam a morrer, muitas vezes, com a medida protetiva de urgência reduzida a um “mero pedaço de papel”.



[1] Dentre inúmeras decisões: STJ - AgRg no HC 292730 RS 2014/0086551-1; publicação: 05/06/2014; REsp 1477714/ 2014/0218656-0- j.23/10/2014; HC 298138 / RS HABEAS CORPUS 2014/0159212-3 (Processo T5 - QUINTA TURMA J.06/11/2014)


[2] Mapa da Violência 2012 Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil ; Coordenação: Julio Jacobo Waiselfisz- Centro Brasileiro de Estudos Latino--Americanos (CEBELA)/ Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais(FLACSO)-Brasil).


[3] Fixa a lei normas diretivas de políticas públicas em três eixos básicos: Proteção e assistência; Prevenção e educação; Combate e Responsabilização. Prevê a lei medidas multidisciplinares, com a adoção de políticas públicas necessárias para prevenir a violência contra as mulheres como ações educativas e culturais que interfiram nos padrões sexistas (educação como caminho indispensável para mudar comportamentos); planejamento adequado das ações, com base em dados e pesquisas ordenadas e racionais; Capacitação de profissionais envolvidos com a temática; assistência à mulher e à família em situação de violência e programas de intervenções socioterapêuticas em relação ao autor da agressão.


[4] A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW - Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women) foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução 34/180, em 18 de dezembro de 1979. Foi assinada pelo Brasil, com reservas na parte relativa à família, em 31 de março de 1981, e ratificada pelo Congresso Nacional, com a manutenção das reservas, em 1º de fevereiro de 1984. Em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção.


[5] Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 06 de junho de 1994 - ratificada pelo Brasil em 27.11.1995.


Adélia Moreira Pessoa é advogada, professora, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB-SE. Presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM.



Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2014, 6h37

terça-feira, 25 de novembro de 2014

STJ decidirá futuro de milhões de execuções fiscais

Julgamento sobre prescrição nesta quarta (26) afetará milhões de execuções fiscais
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará nesta quarta-feira (26) um recurso especial que terá importante reflexo sobre o andamento das execuções fiscais no Brasil – um universo de 27 milhões de processos, segundo o último relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Só no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a decisão a ser tomada pelos dez ministros do colegiado impactará 1,81 milhão de execuções fiscais atualmente suspensas.

No recurso, submetido ao rito dos repetitivos, o STJ vai definir a correta aplicação do artigo 40 e parágrafos da Lei de Execução Fiscal – LEF (Lei 6.830/80) e a sistemática para a contagem da prescrição intercorrente (prescrição após a propositura da ação). O entendimento a ser firmado abrangerá as execuções fiscais propostas por municípios, estados e pela União.

As execuções fiscais, segundo o CNJ, correspondem à maior fatia dos 95 milhões de processos que tramitavam no país no ano passado. O volume é tão expressivo que os próprios tribunais de segunda instância têm dificuldade em identificar a quantidade de ações atualmente suspensas em razão de previsão da LEF e que serão afetadas direta e imediatamente pelo julgamento do repetitivo.

Os Tribunais Regionais Federais da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, e da 5ª Região, em Recife, fizeram esse levantamento e apontaram, respectivamente, 111 mil e 171 mil execuções suspensas. Somado o TJSP, chega-se a 2,092 milhões em apenas três dos 32 tribunais sob jurisdição do STJ.

Quatro pontos

O recurso sobre a LEF (REsp 1.340.553) foi afetado à Primeira Seção como representativo de controvérsia repetitiva (artigo 543-C do Código de Processo Civil) pelo ministro Mauro Campbell Marques, tendo em vista a alta repercussão da matéria e o grande número de recursos que chegam ao tribunal para discussão do tema.

O colegiado definirá quatro pontos controversos: qual o pedido de suspensão por parte da Fazenda Pública que inaugura o prazo de um ano previsto no artigo 40, parágrafo 2º, da LEF; se o prazo de um ano de suspensão somado aos outros cinco anos de arquivamento pode ser contado em seis anos por inteiro para fins de decretar a prescrição intercorrente; quais são os obstáculos ao curso do prazo prescricional da prescrição prevista no artigo 40 da LEF; e se a ausência de intimação da Fazenda quanto ao despacho que determina a suspensão da execução fiscal (artigo 40, parágrafo 1º), ou o arquivamento (artigo 40, parágrafo 2º), ou para sua manifestação antes da decisão que decreta a prescrição intercorrente (artigo 40, parágrafo 4º) ilide a decretação da prescrição.

As teses firmadas pelo colegiado servirão de orientação às demais instâncias, e não mais serão admitidos recursos para o STJ quando os tribunais de segundo grau tiverem adotado esse mesmo entendimento.

O caso

No processo destacado pelo relator, a Fazenda Nacional recorreu contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que reconheceu de ofício a prescrição intercorrente e extinguiu a execução fiscal com base no artigo 40, parágrafo 4º, da LEF.

No recurso, a Fazenda Nacional alega que houve violação desse artigo, uma vez que não transcorreu o prazo de cinco anos exigido para a configuração da prescrição intercorrente, já que o TRF4 considerou como data para início da prescrição o momento em que foi determinada a suspensão do processo por 90 dias.

Sustenta que a falta de intimação da Fazenda quanto ao despacho que determina suspensão da execução fiscal (parágrafo 1º), ou arquivamento (parágrafo 2º), bem como a falta de intimação para sua manifestação antes da decisão que decreta a prescrição intercorrente (parágrafo 4º) não acarreta nenhum prejuízo à exequente, tendo em vista que ela pode alegar possíveis causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional a qualquer tempo.

Na decisão que afetou o recurso repetitivo, o ministro Mauro Campbell abriu oportunidade para manifestação das Procuradorias dos Estados, da Associação Brasileira de Secretarias de Finanças (Abrasf), da Confederação Nacional dos Municípios e do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal.

Imposto sobre férias

Também está na pauta da Primeira Seção para esta quarta-feira o julgamento, como repetitivo, do REsp 1.459.779, que trata da incidência do Imposto de Renda (IR) sobre o adicional de um terço de férias gozadas.

Nesse caso, o estado do Maranhão questiona acórdão do Tribunal de Justiça local que decidiu que o abono, no caso de férias gozadas, não está sujeito ao IR por ter natureza indenizatória.

O estado recorreu ao STJ, sustentando que o IR incide sobre o adicional por se tratar de verba remuneratória e enfatizando a necessidade de distinguir entre férias gozadas e indenizadas.

O ministro Mauro Campbell ressaltou que o caso é diferente do já enfrentado em julgamento anterior pela Primeira Seção, também em recurso repetitivo, quando foi firmada a tese de que não incide IR sobre adicional de um terço de férias não gozadas.

Neste novo julgamento, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atuará na condição de amicus curiae com a possibilidade de fazer sustentação oral. Segundo o relator, a participação da PGFN é relevante diante do evidente interesse da Fazenda Nacional no caso, por envolver um tributo de competência da União e que vem incidindo sobre o adicional de férias gozadas dos servidores públicos federais.Por causa da afetação desse tema como repetitivo, 750 recursos especiais estão sobrestados nas cortes de segunda instância aguardando a decisão do STJ.
Fonte: STJ

Seara é condenada em R$10 milhões por irregularidades trabalhistas


Seara é condenada em R$ 10 milhões por irregularidades trabalhistas





A unidade da Seara Alimentos S.A. em Forquilhinha (SC) foi condenada pela Justiça do Trabalho por danos morais coletivos devido a práticas consideradas atentatórias à dignidade humana de seus empregados. Entre elas, submetê-los a jornadas exaustivas e temperaturas extremamente baixas. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho arbitrou o valor da indenização em R$ 10 milhões, que reverterão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A condenação resultou de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 12ª Região (SC) a partir de denúncias de que a empresa teria demitido por justa causa, em maio de 2006, nove empregadas que se recusaram a prestar serviços no setor de corte de frangos, onde a temperatura ficava abaixo de 10°C.

O MPT instaurou procedimento investigatório, no qual representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Criciúma e Região (SINTIACR) afirmaram que eram comuns as queixas dos trabalhadores sobre a baixa temperatura do ambiente e dos produtos, "chegando, às vezes, a 1ºC".

Mas a apuração acabou revelando diversas outras queixas, como uniformes inadequados para o frio e o ritmo excessivo de trabalho. Segundo depoimentos, a máquina de transporte aéreo de aves (nória) levava para a sala de corte cerca de nove mil frangos por hora e, muitas vezes, o intervalo de almoço era reduzido para "desencalhar" o produto.

Na ação, o MPT chama a atenção para o porte econômico da Seara, que segundo o órgão figura entre as líderes de exportação de cortes de frango no mercado mundial. O lucro líquido da empresa, de R$ 115 milhões, e a receita livre de impostos, de R$ 1,1 bilhão, no primeiro semestre de 2007, justificariam, na avaliação do MPT, um valor de indenização de R$ 150 milhões.

Condenação

A 4ª Vara do Trabalho de Criciúma (SC) julgou procedente a ação civil pública e condenou a Seara ao pagamento de indenização de R$ 14,6 milhões. Além da determinação para o fim das horas extras na área de produção, o juízo determinou que a empresa concedesse aos trabalhadores pausas para recuperação térmica (20 minutos a cada 1h40min trabalhadas) sempre que a temperatura no local fosse inferior a 10°, limite estabelecido no parágrafo 253 da CLT. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), entendeu que "o valor fixado não merecia ser reduzido, mas ao contrário, majorado", e arbitrou a indenização em R$ 25 milhões.

TST

No julgamento de recurso da Seara contra a condenação, o relator, ministro Alexandre Agra Belmonte, assinalou que, embora os números indicados pelo TRT-SC em relação à empresa sejam expressivos, os valores fixados foram excessivos. Ressaltou ainda que, apesar de o grupo econômico do qual faz parte a empresa (A Seara pertencia ao grupo Marfrig, e foi posteriormente vendida à JBS-Friboi) ter "aproximadamente 90 mil funcionários", a apuração na ação civil pública atingiu apenas os trabalhadores de Forquilhinha, "pelo que é preciso reavaliar o valor imposto, que não é razoável, porque desproporcional nas circunstâncias".

Parâmetros

Agra Belmonte disse que para chegar ao valor de R$ 10 milhões aprovado pela Terceira Turma foram utilizados alguns parâmetros, como a extensão do dano imposto à coletividade. "É incontroversa a adoção de condutas que violaram as condições de trabalho dos empregados da Seara", assinalou.

Outro critério foi a avaliação do grau de culpa em relação ao dano (artigo 944 do Código Civil). A prova de ritmo frenético de trabalho, sem pausas regulamentares, em condições climáticas absolutamente desfavoráveis demonstram, segundo o magistrado, que não houve descuido e sim intenção deliberada quanto ao modo de desenvolver a atividade, sem preocupação com as consequências.

Quanto ao valor fixado, Agra Belmonte disse que o capital social da empresa, que em maio de 2014 era de R$ 4 bilhões, representa um valor proporcional ao capital social, "critério objetivo que atende o princípio da razoabilidade", afirmou. "Não se vislumbra valor em patamar inferior que possa compensar a coletividade pelos danos e ao mesmo tempo sensibilizar a empresa à revisão dos métodos de trabalho", concluiu.

A adequação do valor da indenização foi a única parte provida do recurso da Seara. A Turma, por unanimidade, não conheceu do apelo nos demais temas, mantendo a condenação.

(Carmem Feijó/RR)


Fonte: TST

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...