STJ admite recurso e anula decisão de juizado especial considerada "teratológica"
Considerada "teratológica", uma decisão de juizado especial que condenou um banco a pagar danos sociais, sem que isso tivesse sido pedido na ação, foi anulada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Por se tratar de uma ação de juizado especial, não cabe recursoao STJ. Entretanto, a corte aplicou pela primeira vez, por analogia, o rito dos recursos repetitivos (previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil).
Ajuizada pelo Bradesco, a reclamação contra acórdão de turma recursal dos juizados especiais traz uma controvérsia identificada em grande número de processos, principalmente nos juizados vinculados ao Tribunal de Justiça de Goiás. Por isso, a seção decidiu firmar sua posição conforme o artigo 543-C. Assim, as turmas recursais que tratarem do tema devem se alinhar ao entendimento do STJ.
No caso, a 2ª Seção firmou a tese de que, por configurar julgamento extra petita (além do pedido), é nula a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro que não faz parte do processo.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que, somente no juizado especial contra o qual foi apresentada a reclamação, já foram proferidas cerca de 200 condenações ao pagamento de danos sociais em ações individuais nas quais havia sido pedida apenas indenização por dano moral. Para a Febraban, isso permite antever a multiplicação de condenações desse tipo contra os bancos.
Identificada a questão como repetitiva, a seção determinou a suspensão de todos os processos idênticos em trâmite nos juizados especiais e nas turmas recursais exclusivamente na parte em que fosse discutida a condenação de instituições financeiras, sem pedido da parte, ao pagamento de danos sociais em favor de terceiros estranhos à lide.
O caso
O processo julgado trata do caso de uma cliente que ajuizou ação no juizado especial pedindo indenização por danos morais e materiais em decorrência de débitos em sua conta corrente realizados pelo Bradesco em 2011. O valor se referia à cobrança de anuidade de cartão de crédito não solicitado por ela.
A sentença condenou o banco à devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, ao pagamento de indenização de R$ 5 mil para a cliente, como reparação pelos danos morais. Além disso, deveria pagar R$ 10 mil para o Conselho da Comunidade de Minaçu (GO), município de residência da cliente, a título de reparação de danos sociais, ainda que a ação individual não trouxesse nenhum pedido expresso quanto a isso.
O Bradesco recorreu à turma recursal, que manteve a decisão de pagamento da indenização suplementar ao argumento de que “agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos dos consumidores geram danos à sociedade”, que configuram ato ilícito por exercício abusivo do direito.
Reclamação
Apesar de não caber recurso especial ao STJ, o banco apresentou reclamação para adequar a decisão da turma recursal à jurisprudência sobre o assunto. Alegou que houve violação dos limites objetivos da ação proposta pela cliente. Disse que o juiz decidiu além do que foi pedido ao dar uma indenização suplementar não requerida e por fatos que não embasaram a petição inicial, mas “decorrentes da experiência pessoal do magistrado em ações de natureza idêntica”.
Inicialmente, o ministro relator destacou que o caso não configura nenhuma das duas hipóteses de cabimento de reclamação contra decisão de turma recursal: violação a enunciado de súmula ou a tese definida em recurso repetitivo. No entanto, trata-se de “decisão teratológica”, o que justifica a análise pelo STJ.
Extra petita
O ministro Raul Araújo, relator, reconheceu que a doutrina moderna tem admitido, diante da ocorrência de ato ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social. Seria uma categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, uma espécie de dano reparável por conta de comportamentos socialmente reprováveis, a ser pedido pelos legitimados para propor ações coletivas.
No entanto, o ministro constatou que a indenização por dano social não poderia ser aplicada na hipótese. A comparação do pedido da ação com o provimento judicial deixa claro, para o ministro do STJ, que houve julgamento extra petita – quando a decisão proferida dá algo diferente daquilo que foi requerido pela parte. Seu voto foi seguido por unanimidade.
“Ao concluírem pela condenação do reclamante [o banco] ao pagamento de danos sociais à entidade que não figura como parte na lide, dissociaram-se dos pedidos formulados pela autora da ação, exarando provimento jurisdicional não requerido e sobre questão nem sequer levada a juízo por qualquer das partes envolvidas na demanda”, criticou o relator ao falar da decisão da turma recursal.
Ilegitimidade
Para Raul Araújo, a decisão extrapolou claramente os limites objetivos e subjetivos da demanda. Ele acrescentou que, mesmo que a cliente, autora da ação, falasse em condenação em danos sociais, o pedido não poderia ser julgado procedente, porque esbarraria em ausência de legitimidade para tanto.
“Os danos sociais são admitidos somente em demandas coletivas e, portanto, somente os legitimados para propositura de ações coletivas têm legitimidade para reclamar acerca de supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que não poderiam ser objeto de ação individual”, explicou.
A 2ª Seção reconheceu a nulidade da decisão na parte em que condenou o banco ao pagamento de indenização por danos sociais à entidade que não participou do processo, mas manteve o restante, quanto aos danos materiais e morais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler o voto.
Rcl 12062
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2014, 18h12
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