quinta-feira, 24 de março de 2016

Cobrança indevida só gera indenização se dano moral for comprovado, diz STJ



Em casos de cobrança indevida no cartão de crédito, é necessária a comprovação de danos imateriais, como inscrição em cadastro de inadimplentes, protesto ou publicidade negativa perante a comunidade, para que se possa requerer responsabilização por danos morais. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que não acolheu pedido de indenização de um consumidor que teve seu cartão usado indevidamente, gerando um débito no valor de R$ 835,99 por um serviço que não foi contratado por ele.

O colegiado entendeu, seguindo voto da ministra Isabel Gallotti, que a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes configura dano moral in re ipsa. Isso porque a publicidade decorrente de tais cadastros desabonadores atinge direito da personalidade (imagem e honra), não havendo necessidade de se questionar sobre as características subjetivas do lesado para que se imponha o dever de indenizar.

Evitar onerosidade 
Em seu voto, a ministra Gallotti destacou que, no caso, cabia ao consumidor tão somente o ressarcimento pelo dano patrimonial. Ocorre que não se demonstrou o pagamento, somente a cobrança indevida.

Além disso, a ministra ressaltou que não se trata de cartão expedido sem solicitação do consumidor, como igualmente não se alegou que a empresa ou o banco emissor do cartão tenha insistido na cobrança, nos meses seguintes, quando informados da impugnação àquele lançamento.

“Penso que a banalização do dano moral, em caso de mera cobrança indevida, sem repercussão em direito da personalidade, aumentaria o custo da atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor”, afirmou a relatora. Com informações da Assessoria de Imprensa STJ. 

REsp 1.550.509



Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2016, 14h44

Petrobras indenizará família de trabalhador carbonizado em explosão em estação de tratamento


 





A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve condenação solidária da Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras) ao pagamento de indenização por danos morais para família de um servente terceirizado vítima fatal de explosão em plataforma. O valor da indenização foi de R$ 300 mil, sendo R$ 150 mil para o pai e R$ 150 mil para a viúva.

O servente era empregado da Normatel Engenharia Ltda. e prestava serviço na numa estação de tratamento de óleo e gás natural da Petrobras em São Miguel dos Campos (AL). Seu corpo foi encontrado carbonizado depois de uma forte explosão numa das tubulações da estação em setembro de 2008, na qual morreram mais três trabalhadores. Segundo relatado no processo, ele trabalhava em local distante, mas precisou buscar ferramenta nas proximidades do local onde ocorreu a explosão, considerada de grande escala.

De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL), a perícia constatou violações às normas de segurança e condições inseguras que punham em risco a integridade física e a saúde das pessoas e a própria segurança das instalações e equipamentos. Concluiu, assim, pela responsabilidade da Petrobras pelo ocorrido, por expor os trabalhadores ao risco de acidente. A Normatel, real empregadora, foi condenada solidariamente.

TST

Na tentativa de trazer a discussão para o TST, as duas empresas questionaram a aplicação da teoria do risco e da responsabilidade objetiva. Para a Petrobras, não havia prova de sua conduta dolosa ou culposa que tenha contribuído para a ocorrência do acidente, cabendo aos autores da ação apresentar provas nesse sentido. A Normatel, por sua vez, sustentava a ausência de nexo causal entre o trabalho do servente e o acidente, que teria ocorrido "exclusivamente em razão da negligência e imprudência" da Petrobras e de uma terceira empresa, responsável pela operação do local.

O relator do agravo, ministro José Roberto Freire Pimenta, destacou que a legislação vigente tende a adotar a responsabilidade objetiva em tema de reparação civil especialmente quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco inerente, com no caso do processo (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil). Ele ressaltou ainda que houve comprovação cabal da conduta culposa da tomadora dos serviços (Petrobras), "que não observou sequer as suas próprias normas de segurança".


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte:TST

8ª Turma decide: remunerar motofretista pelo número de entregas é ilegal por estimular aumento de velocidade (24/03/2016)





*Publicada originalmente em 03/03/2016 




A 8ª Turma do TRT de Minas deu provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho, em sede de Ação Civil Pública, para determinar que uma rede de pizzarias de Belo Horizonte se abstenha de remunerar os entregadores motofretistas com base no número de entregas realizadas. Acompanhando o voto do desembargador José Marlon de Freitas, os julgadores entenderam que a prática estimula o aumento de velocidade, o que é proibido pela Lei nº 12.436/11.

Em seu voto, o relator lembrou que o trabalho dos motofretistas constitui atividade perigosa de elevado risco à integridade física e à vida desses trabalhadores. Tanto que foi inserida no parágrafo 4º do artigo 193 da CLT pela Lei 12.997/2014 a previsão de que "são também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta". A decisão destacou também que a Lei 12.436/11 proibiu práticas que estimulem o aumento de velocidade. Segundo o julgador, o objetivo foi reduzir os riscos inerentes à profissão, atendendo à determinação constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CR).

Para o relator, ao adotar sistemática de remuneração dos motofretistas diretamente vinculada ao número de entregas, a reclamada estimula o aumento de velocidade como fator diretamente relacionado à majoração dos ganhos. Ele não acatou a tentativa da ré de provar que a cooperativa de trabalho adota providências no sentido de minimizar os efeitos dessa forma de remuneração. Por fim, o magistrado não considerou relevante o fato de as unidades da pizzaria não mais realizarem entregas. Isto porque, segundo explicou, a medida se volta para o futuro, sendo no sentido de se impedir que a empresa implemente novamente a prática nociva vedada pela Lei 12.436/11.

Nesse contexto, a Turma deu provimento ao recurso para determinar que a reclamada: "por qualquer de suas unidades, se abstenha de instituir prêmio por produção, taxa de entrega ou comissão, em caráter individual ou coletivo, como forma de pagamento de salário ou remuneração, não permitindo que os ganhos de produtividade dos motofretistas, sejam aqueles diretamente contratados, sejam aqueles terceirizados por meio de cooperativa, se deem com a intensificação do trabalho ou aumento de carga de trabalho, nos termos do art. 1º da Lei 12.436/11, sob pena de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais), por cada trabalhador encontrado em situação irregular, reajustável pelos índices de correção dos débitos trabalhistas, acrescidos dos juros legais até a data do efetivo pagamento, reversível ao FAT".( 0001278-15.2014.5.03.0009 ED )
Fonte: TRT3

quarta-feira, 23 de março de 2016

"No processo penal, o Ministério Público não fala em favor da sociedade"





Por Maurício Cardoso e Marcos de Vasconcellos


O Brasil vive uma dicotomia, na qual quem critica atitudes arbitrárias do Judiciário é tachado como alguém “a favor da corrupção”. A partir do momento em que promotores e procuradores promovem na imprensa uma campanha “contra a corrupção”, passam a justificar tudo o que fazem (mesmo seus erros) como um objetivo nobre. E quem vai contra eles — inclusive advogados no exercício de sua função — é automaticamente visto como inimigo da sociedade.

O cenário é traçado pelo advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, que completa 35 anos de carreira este ano. À frente do Toron Advogados, com 28 profissionais do Direito, ele faz questão de dizer, com humor ferino, que é o maior escritório criminal em número de pessoas, mas não em faturamento. Ele é conhecido por sua atuação em casos com grande repercussão nacional, como a Ação Penal 470, o processo do mensalão, a operação satiagraha, a operação “lava jato” e, recentemente, entrou no caso do sítio em Atibaia (SP), que o Ministério Público aponta como sendo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente ele defende Fernando Bittar, o dono do sítio de Atibaia que o Ministério Publico diz que é de Lula. E foi o advogado de defesa do empresário Ricardo Pessoa, presidente da construtora UTC, citada na "lava jato".

Por ter atuado em grandes casos, Toron consegue traçar paralelos entre outros processos e a operação que levou o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba às manchetes dos jornais. Para o criminalista, é claro que a mídia vem sendo, cada vez mais utilizada e de forma deliberadamente ordenada. “Eles usam a imprensa com vazamentos seletivos para criar uma legitimação social de práticas que não são lá muito ortodoxas.”

As mudanças no que diz respeito à Justiça criminal não vêm só da primeira instância. O novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que passou a aceitar que penas sejam cumpridas antes do trânsito em julgado das decisões, também é alvo das críticas de Toron. “Achei bacana o STF promulgar, pontualmente, uma nova Constituição. Só fiquei na dúvida se ele tem legitimidade para isso”, alfineta.

Nem toda novidade é malvista, no entanto, para o criminalista. A delação premiada, criticada por muitos de seus colegas, é vista com bons olhos por Toron. Assim como serve como meio de prova, serve também como forma de defesa para quem decide colaborar, afirma.

Toron começou sua carreira de criminalista como estagiário de Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, morto em novembro de 2014. Hoje, já conta nos dedos os escritórios formados por profissionais que foram seus estagiários.

Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo desde junho de 2014, Toron já foi também conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente, entre a atuação na área criminal e na corte eleitoral, escreve um livro sobre Habeas Corpus.

Leia a entrevista:

ConJur — Como o senhor vê os últimos acontecimentos relativos à condução coercitiva do presidente Lula, autorizada pelo juiz Moro, e o pedido de prisão preventiva feito pelo MP de São Paulo?
Alberto Toron — O pedido de prisão preventiva contra o presidente Lula é técnica e politicamente tão absurdo que teve o único mérito de unir a oposição e a situação no Congresso a criticá-lo. Fiquei emocionado outro dia ao ver o nosso querido professor Miguel Reale Jr., peessedebista militante e ácido crítico do PT em pleno Jornal Nacional não só criticar o pedido de prisão preventiva, mostrando sua inconsistência e ilogicidade, como também defendendo o direito de o presidente Lula externar sua indignação, como cidadão e político que é. Já a justificativa dada para legitimar a condução coercitiva do presidente Lula chega a causar arrepios, menos pela inconsistência técnica e mais pelo cinismo. É duro dizer o óbvio, mas o caldo de cultura da violência estatal, pseudo legitimada pelo combate ao crime organizado e a corrupção, assusta. Sim, foram mais de 100 conduções coercitivas e ninguém falou nada! Ninguém falou nem uma vírgula. Como bem escreveu na Folha de S.Paulo meu querido amigo e grande advogado Luis Francisco Carvalho, (12/3), ninguém reclamou antes porque a condução coercitiva é menos grave que a prisão... Mas a ilegalidade é a mesma: só se conduz coercitivamente quem, devidamente intimado, não comparece para prestar depoimento. Depois, no caso do ex-presidente Lula, houve, com ou sem intenção, uma nítida ação desmoralizadora; uma ação que humilha a pessoa. Isso é inaceitável. Advirta-se, porém, é a cara da "lava jato". As pessoas, salvo o almirante [Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear], que cuidaram de proteger bem — ufa, ao menos um —,foram expostas pela mídia em seus deslocamentos; é o escracho como se fazia na Santa Inquisição. É uma reedição moderna dos Autos de Fé. Minha mulher que é arquiteta, tem preferido assistir o Jornal Nacional, porque ele está parecendo mais uma novela do que as novelas. Sou de opinião que, sim, é preciso combater a criminalidade e com rigor, mas respeitado o devido processo legal e, sobretudo, a dignidade humana.

ConJur — O juiz Sergio Moro poderia determinar a interceptação do advogado de Lula, Roberto Teixeira?
Alberto Toron — Houve dupla violência no caso. Não só à garantia do sigilo do advogado, mas também à letra da Lei 9.296, que não permite a divulgação das conversas interceptadas. Elas são sigilosas. Ainda que o juiz queira abrir o sigilo do inquérito, ele jamais poderia tê-lo feito em relação às interceptações. Essa divulgação me parece marcada por flagrante ilegalidade. É mais uma decisão que causa profunda preocupação. Parece-me muito espúrio que um juiz divulgue isso e permita causar comoção popular. É mais uma prova de que o juiz Sergio Moro busca sua legitimação no movimento popular. Sua aceitação não parece vir da lei, mas da mobilização popular, o que é uma característica do fascismo. O que estamos vendo é um juiz militando pra derrubar o governo, isso parece merecer a atenção do Conselho Nacional de Justiça.

ConJur — Quais foram as causas e quais serão as consequências da decisão do STF de admitir o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado do processo penal?
Alberto Toron — Achei bacana o STF promulgar, pontualmente, uma nova Constituição. Só fiquei na dúvida se ele tem legitimidade para isso. (risos) Não entro no mérito de saber se o sistema penal estava disfuncional. Talvez estivesse mesmo, não nego. Mas é de um autoritarismo ímpar fazer justiça com as próprias mãos. O sistema republicano não outorga ao Poder Judiciário tanto poder. Interpretar as leis e a Constituição não é pouco; agora, legislar, francamente, por mais bem intencionados que os juízes sejam, não é, definitivamente, seu papel. Como escrevi na ConJur no artigo Conversa de um criminalista com o ministro Barroso, parafraseando o professor Eros Grau: se os argumentos funcionalistas (excesso de processos, leia-se, de trabalho), prevalecerem sobre os normativos, “o perigo de juízos irracionais aumenta”. Hoje, se corrige a Constituição reintroduzindo a sistemática do CPP de 1941, que no artigo 669, I [. Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança], de franca inspiração fascista, tanto quanto a prisão preventiva obrigatória. Amanhã, acabam com o HC no STF a pretexto de que a corte é constitucional. Enfim, se o que vale é “dane-se a Constituição” e viva a interpretação de plantão dos juízes de turno, vamos mal, muito mal. Saímos da ditadura militar, mas não para cairmos na do Judiciário. Ave Maria! — e olha que para um judeu como eu falar Ave Maria, é porque a coisa tá preta (risos).

ConJur — Como o senhor chegou ao caso do sítio em Atibaia, apontado como sendo do ex-presidente Lula?
Alberto Toron — Pelos jornais.

ConJur — Que diferenças o senhor vê entre a Ação Penal 470, o processo do mensalão, e a operação “lava jato”?
Alberto Toron — O mensalão foi um processo conduzido por um colegiado, embora tivesse um relator muito voluntarioso, que dissesse coisas assustadoras do ponto de vista da defesa, seguiu padrões mais tradicionais que os da “lava jato”. A segunda grande diferença é que no processo do mensalão, nós não tivemos réus presos preventivamente. E, muito menos, réus presos para forçá-los a fazer delação premiada. O ministro Teori Zavascki disse, no Habeas Corpus que ganhei (127.186), que é inadmissível utilizarem-se de prisões preventivas — que têm um caráter processual e devem objetivar garantir a ordem pública e evitar problemas na instituição criminal — instrumentalmente para forçar pessoas a falar, num desvirtuamento inadmissível. E esse desvirtuamento foi fundamental para a operação “lava jato”. Enquanto as provas do mensalão eram essencialmente documentais, uma ou outra escuta telefônica, as provas da “lava jato” são essencialmente documentais e decorrentes de delações.

ConJur — As delações estão levando a provas documentais ou são apenas a palavra do delator?
Alberto Toron — Em muitos casos, estão levando a novas provas, inclusive documentais. O que está errado, no meu modo de ver, é a utilização da prisão preventiva para forçar a obtenção das delações. E pior, isso não é uma coisa do juiz Moro, isso é uma coisa que contou com o aval do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça. Foi só no Supremo que se discutiu isso. E fora o HC que a Corte concedeu ao Renato Duque, parece que o STF quis se blindar atrás da Súmula 691, para não conhecer de nenhum Habeas Corpus que questionasse a prisão antes de o julgamento. Mesmo que se diga que muitas delações foram feitas por réus soltos, não é menos verdadeiro que tiveram como inspiração as inúmeras prisões e o tempo que duraram.

ConJur — O Supremo tem se anulado?
Alberto Toron — Isso tem a ver com o Supremo querer se resguardar, não querer botar a mão na cumbuca. Eu achei que o Supremo talvez tenha se acovardado em enfrentar essas questões. O Supremo quis enfrentar os diferentes temas no tempo em que ele entendeu devido. Isso o enfraquece como guardião da Constituição e, particularmente, dos Direitos Fundamentais de caráter processual. Essa é outra diferença marcante entre esse caso e o mensalão.

ConJur — O senhor acha que haveria mesmo eficácia nas delações sem as prisões?
Alberto Toron — Seguramente nós não teríamos tantas delações não fossem as prisões. Mas a delação, tanto quanto o interrogatório, tem uma dupla face. A delação é um meio de prova, mas ela também é um meio de defesa. Veja que o empresário Ricardo Pessoa depois de solto continuou o processo de delação, ele podia ter parado, mas continuou mesmo depois de solto. Ou seja, há circunstâncias que fazem a pessoa optar pelo caminho da delação porque é um meio de defesa para ela, antes de ser uma estratégia da acusação. O acusado quer fazer a delação porque ele não vê outro caminho de ter uma pena mais branda, senão por essa via.

ConJur — A atuação do Ministério Público Federal tem sido diferente?
Alberto Toron — No mensalão havia uma denúncia enorme, que tinha vários capítulos. Por exemplo, o então deputado João Paulo Cunha, por razões óbvias, não tinha nada a ver com o caso de corrupção a deputados para que estes votassem projetos do governo. As acusações contra ele foram muito específicas, mas estavam lá naquele conjunto. Na “lava jato” foi completamente diferente. Havia uma massa enorme de informações que não constavam do processo. Estavam dispersas em vários outros feitos. Em uma das defesas preliminares que oferecemos no caso do Ricardo Pessoa, a primeira coisa destacada foi o cerceamento de defesa, por falta de acesso a documentos imprescindíveis para responder à acusação. Documentos que estavam referidos na denúncia e não estavam nos autos. Havia referência a delações às quais, a pretexto de não estarem homologadas, não tínhamos acesso. Como é que vou fazer a defesa do meu cliente, já tendo sido intimado para isso, sem acesso a documentos referidos pela denúncia, delações sobretudo. Além de tudo isso, as narrativas, embora interligadas, estavam repartidas em diferentes denúncias. Essa fragmentação artificial também cerceou as defesas. Mas nossos reclamos não foram ouvidos. Nem os nossos e nem o dos outros advogados. Só havia ouvidos para a importância da acusação e a beleza da atuação do juiz Moro.

ConJur — A denúncia já falava da delação que não tinha sido homologada?
Alberto Toron — Isso era muito grave. Também tivemos problemas com download de processos, atos processuais e eventos. Não faltaram problemas para subir arquivos no sistema. E os juízes só falavam que não tinham nada a ver com aquilo. Os advogados também não tinham, mas era preciso se resolver o problema para se ter um processo justo. Outra coisa que deu um problema enorme foi o seguinte: a montanha de informações era enorme e o prazo para defesa era de dez dias. Isso também cerceia a defesa, porque a investigação vinha de coisas de 2006 e perdurou até 2014 quando começou a fase ostensiva da operação. O Ministério Público está acompanhando aquilo em tempo real desde o início, mas o advogado não. Houve casos em que o download de arquivos levou oito dias, de tão pesados que eram. Então como é possível fazer a defesa em dez dias? O tempero da razoabilidade indica que o que fez o Supremo no mensalão, dando mais tempo para o procurador-geral da República fazer a sustentação oral, deveria ser feito em relação ao prazo da defesa para apresentar sua peça. Mas, para a defesa o prazo é peremptório.

ConJur — O STF também ampliou o prazo para apresentar a defesa.
Alberto Toron — Sim, apontando que no Processo Civil a previsão normativa de que quando há mais de um litisconsorte passivo — leia-se corréus no Processo Penal — o prazo conta em dobro. O juiz Moro nem esse prazo em dobro deu. Ele não queria dar mais tempo. Eu acho que é porque ele estava fazendo um jogo — inclusive argui a suspeição dele mais de uma vez — de cartas marcadas. A defesa era chamada só para cumprir tabela. Tanto faz como será a defesa, ele já está pronto para receber a denúncia do mesmo jeito. Já estava tudo pronto.

ConJur — Esse jogo combinado já foi apontado em outros momentos?
Alberto Toron — Tem um exemplo concreto importante: o Ministério Público dizia, no início de 2015, que o acusado atuava em organização criminosa, associando-se com administradores das empreiteiras da Odebrecht e OAS, de forma ordenada e permanente com divisão de tarefas com o objetivo de praticar os crimes de cartel e fraude ao caráter competitivo da licitação. Acontece que ninguém da Odebrecht estava denunciado no começo de 2015. Essas outras pessoas referidas não haviam sido denunciadas por falta de prova? Então eu tenho que entender que é uma referência inócua, sem valor, anódina. Ou que, embora existam elementos, por razões particularíssimas o Ministério Público não as denunciou. Então eu quero saber quais são essas razões particularíssimas. Questionamos isso e a resposta que tivemos foi, em resumo: “Não te interessa”. Não deram a mínima. O plural é porque vale para o TRF da 4ª Região, em Porto Alegre.

ConJur — E isso se repete?
Alberto Toron — A denúncia sustenta que a dita organização criminosa era constituída, entre outras, pelas empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez. Ocorre que não se vê nenhum controlador ou mesmo executivo dessas empresas no polo passivo dessa ação penal. Temos aí o mesmo problema. E depois, ao tratar da imputação de organização criminosa, diz: “O colaborador Júlio Camargo afirmou que houve pagamento de propina no consórcio TUC, do qual participava a UTC na obra da Comperj, tendo o colaborador intermediado o pagamento da propina para a diretoria de serviço”, leia-se, para o Renato Duque. Só que o Renato Duque não estava denunciado, então o acusado praticou corrupção, corrompeu o Renato Duque, mas o próprio não estava denunciado. E mais, fez isso por meio de um funcionário da Odebrecht e que também não estava denunciado. A operação envolvendo a Odebrecht eclodiu muito tempo depois. Mas até lá, eu tinha referências a essas pessoas na denúncia e elas não estavam denunciadas. Então é um processo penal que estão chamando de eficientista, mas, na verdade, acaba com pressupostos mínimos que garantem a um acusado o exercício da defesa. A fragmentação do todo permitiu ao Ministério Publico criar uma dificuldade quase intransponível para a defesa.

ConJur — Haveria a possibilidade de se fazer como no mensalão, uma ação penal só para todo o caso?
Alberto Toron — Talvez não houvesse a possibilidade de fazer uma só ação penal, mas não poderiam ter feito como fizeram. E o tribunal chancelou isso. Não se pode denunciar corruptor e corrupto em processos diferentes, porque a corrupção é um ato bilateral. Outra coisa que esse fatiamento criou é a possibilidade de uma pessoa ser acusada de associação criminosa e, depois, de cartel. Mas o cartel é uma modalidade de associação criminosa. Então, facilita-se o bis in idem e dificulta-se a discussão da consunção. Jogo bruto, mas não somos tão burros. Embora impotentes, víamos as coisas e as denunciávamos.

ConJur — Atuar como advogado ficou mais malvisto pela opinião pública durante a “lava jato”?
Alberto Toron — Sim. O advogado, obrigatoriamente, tem um papel de se contrapor à acusação. Isso significa que eu vou apontar erros, segurar a marcha do processo para entender melhor, para ir atrás de provas... À medida que condutas típicas da defesa são apontadas como chicanas, somos retratados como profissionais do diabo, péssimos para a sociedade... E na “lava jato” manipulou-se muito as opiniões para apontar tudo aquilo que a defesa fazia como uma coisa ruim, que queria encobrir a corrupção, e tudo aquilo que o juiz fazia era exaltado como uma ação cívica, para reprimir a corrupção que desvia dinheiro de hospitais, escolas etc.

ConJur — Qual exemplo o senhor citaria disso?
Alberto Toron — Tem um interessante: Ricardo Pessoa e os executivos da Camargo Correa já estavam presos há uns cinco meses. A [revista] Veja publicou, então, uma história dizendo que os advogados foram até o José Eduardo Cardozo, [então] ministro da Justiça e meu colega de turma, para que ele intercedesse junto aos ministros do Supremo para revogarem a prisão preventiva. Primeiro: isso é uma bobagem, é ilusório pensar que o ministro da Justiça vai fazer isso; ainda mais acreditar que advogados tenham ido até o ministro para pedir isso. Mas foi com base nessa notícia, sem nenhuma comprovação, que o juiz Moro decretou uma segunda prisão preventiva daqueles que já estavam presos há mais de cinco meses. Aliás, é uma característica desse juiz, ele sempre decreta uma nova prisão preventiva quando o Supremo está prestes a julgar a anterior, que é uma forma de manter o acusado preso. Mas, voltando ao caso da Veja, não tinha provas de que aquilo ocorreu. Em segundo lugar, se tivesse ocorrido qualquer infração ou crime, teria sido do advogado, não do cliente dele. Então não poderiam punir quem estava preso. Na semana seguinte, a Veja refaz a história, dizendo que o ministro é que foi até os advogados, para pedir que eles evitem delações de seus clientes. Passaram-se 20 dias até o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que nunca dá nada para os réus da “lava jato”, conceder a ordem e revogar a prisão preventiva, que era uma excrescência. Mas, dessa vez, todo mundo que deu a notícia da prisão, como o Jornal Nacional, a Folha de S.Paulo, o Estado de S. Paulo, ficou calado. Não publicaram uma linha sobre a revogação.
Só é publicado na imprensa o que exalta a figura desse herói nacional que é o juiz Sergio Moro.

ConJur — O mensalão começou com uma denúncia do Roberto Jefferson na Folha de S.Paulo. Mas parece que a “lava jato” aparece mais na imprensa do que o mensalão. A imprensa tem sido mais usada?
Alberto Toron — A mídia tem sido muito mais utilizada e de uma forma seletiva e ordenada. Eles usam a imprensa com vazamentos seletivos para criar uma legitimação social de práticas que não são lá muito ortodoxas. Eu vejo aqui um desprezo solene por garantias processuais, como é o caso que a Dora Cavalcanti [advogada da Odebrecht] mostrou, de que informações da Suíça foram obtidas sem que se cumprisse o figurino legal, o procedimento adequado — que era uma cooperação judicial. Esse caso da Suíça é um exemplo de desobediência ao figurino, mas que, para o grande público, passa como uma questiúncula. Bem, ou respeitamos as formulas do processo ou nem precisamos do processo! E voltamos para a barbárie. Na decisão sobre isso, o juiz Moro diz que o Ministério Público brasileiro “não pode ser responsabilizado por medidas falhas de órgãos públicos suíços”. Ele esqueceu que quem pediu isso foi o Ministério Público Federal daqui. Quem trouxe a prova foi o MP brasileiro. Isso mostra como ele, juiz, prejulga certas coisas. Ele já tem o processo todo formatado na cabeça.

ConJur — Mas, para a opinião pública, ele passa uma imagem de eficiência.
Alberto Toron — Na imprensa, colocam como se houvesse uma contraposição entre eficientismo e garantismo. E que, a pretexto de sermos eficientes, rompam-se com todas as garantias. Isso é muito ruim para o Brasil, um país que já tem uma tradição de truculência. Procuradores da República fazendo diligência como se fossem investigadores de polícia, ouvindo pessoas, intimidando, é algo muito ruim. E a partir do momento em que os procuradores fazem uma campanha contra a corrupção, quem falar contra o procurador está a favor da corrupção. Nesse “pacote anticorrupção”, eles propõem o estreitamento do Habeas Corpus e, na grande mídia, quem falar contra a proposta é porque é a favor da corrupção. É aquela ideia absurda de dicotomia, “ame-o ou deixe-o”.

ConJur — Na “lava jato”, o Alberto Youssef, que é apontado como operador, parece que vai ficar com uma pena menor que os outros acusados, enquanto o Marcos Valério que era apontado como o operador do mensalão, ficou com a pena maior do que todos os acusados (40 anos). Por que essa diferença?
Alberto Toron — Aí são opções de defesa. O Marcos Valério não fez delação, o outro fez. É parte do jogo. E isso não pode ser apontado como incentivo ao crime. Teve delator que, no acordo, teve que pagar multa de R$ 55 milhões. Isso não incentiva ninguém. A delação é um meio de prova na investigação, mas é também uma estratégia da defesa. A pessoa sofre consequências também. Ela mostra que a Justiça pode ser mais eficiente.

ConJur — Os advogados da “lava jato” estão sentindo falta de uma centralização para articular as defesas, como era feito pelo Márcio Thomaz Bastos no mensalão?
Alberto Toron — Márcio Thomaz Bastos não fazia isso no Mensalão. É um mito que se criou de que ele era um articulador. Ele tinha uma liderança natural, mas a única reunião geral que tivemos foi para decidir se faríamos a defesa oral no Plenário ou não. Nós até perguntávamos coisas para ele aqui e ali, mas não havia uma defesa central e organizada. Quem assistiu o julgamento pela TV e ouviu as diferentes defesas pode perceber o que digo com clareza.

ConJur — E hoje também não há qualquer centralização?
Alberto Toron — Não vou dizer que aqui ou ali os advogados não conversam sobre o processo, mas acho que estão muito mais focados nos seus próprios processos e clientes. Na minha opinião, até faltou na “lava jato” uma união maior — apesar de não saber se se isso teria qualquer eficácia. Juliano Breda, então presidente da OAB-PR teve um grande papel na assistência aos advogados de fora.

ConJur — A carta dos advogados apontando os problemas da “lava jato” teve o efeito esperado?
Alberto Toron — Não. Obviamente faço uma ressalva, pois é fácil falar depois que aconteceram as coisas, mas acho que a carta não teve o efeito desejado porque ela deveria ter sido escrita por um publicitário para atingir o grande público, não por um advogado.

ConJur — O senhor falou que o discurso da defesa está perdendo a guerra na opinião pública. Qual é a lição de casa a ser feita pelos advogados?
Alberto Toron — Em primeiro lugar, a OAB tem que ser mais atuante. Reconheço, sim, que a OAB também encontra dificuldades. Eu fui diretor da Ordem e sei que quando a entidade fala que o índio é massacrado e que os direitos humanos são desrespeitados, sua voz ecoa. Mas quando ela fala de um problema específico da advocacia, isso não interessa aos jornais. A OAB precisa fazer um programa de conscientização da importância do direito de defesa, até mesmo nas escolas. Do mesmo jeito que é importante ter segurança contra a criminalidade, é importante ter segurança contra o arbítrio dos agentes estatais, contra a prepotência dos agentes estatais. O papel do advogado é exatamente esse, conter o arbítrio.

ConJur — O drible do MPF para trazer as provas da Suíça, o contato direto da Polícia Federal com a BlackBerry no Canadá e as omissões nas transcrições de delações podem acabar anulando a “lava jato”?
Alberto Toron — São coisas vergonhosas, mas não anularão a operação. Anularão, quiçá, aqueles documentos, aquelas delações, e tudo que depender deles.

ConJur — O Judiciário brasileiro é paternalista com o Ministério Público?
Alberto Toron — Olha, o Ministério Público tem uma posição muito privilegiada em relação ao Judiciário. Primeiro, o cara senta ao lado do juiz, o que é um absurdo. Rompe-se no plano simbólico a ideia de igualdade. No Júri isso é fatal. Depois, os dois são funcionários públicos, seguem carreiras paralelas, eventualmente passam pelas mesmas comarcas. Há uma crença de que o Ministério Público é mais imparcial, não faz trapaça, e a “lava jato” está mostrando que, quando quer, faz sim. Exemplo disso foi a supressão do trecho da fala de uma testemunha em favor de Marcelo Odebrecht. O Ministério Público é encarado como defensor da sociedade. No processo penal, isso é uma falácia. No processo penal, o Ministério Público é parte, ele não fala em favor da sociedade, mas em favor da tese acusatória que ele defende. A se pensar ao contrário, toda vez que um juiz absolvesse um acusado, estaria julgando contra a sociedade — o que é uma bobagem. Essa ideia de que o MP é sempre o representante da sociedade precisa ser urgentemente revista. Ele está mais para representante do Estado, sem dúvida nenhuma, o que é uma coisa diferente, sem demérito.

ConJur — A “lava jato”, assim como o mensalão, está criando uma nova jurisprudência?
Alberto Toron — Estão criando um novo padrão de atuação. Eu vejo hoje juízes muito propensos a decretar prisões, a repetir o modelo da “lava jato”. Como me disse uma vez o atual ministro Barroso: Hard cases make bad Law [casos difíceis fazem leis ruins, em tradução livre], no sentido de jurisprudência ruim. Nunca esqueci isso.

ConJur — O comportamento do júri mudou?
Alberto Toron — Mudou muito. Outro dia, conversando com o ex-presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, Adib Casseb, ouvi que o júri tem absolvido muito mais PMs acusados de assassinatos, do que a Justiça Militar. Isso se explica porque o júri vê aquele como “o cara que mata bandido”. É um jogo a favor da segurança, mesmo que condenando um inocente (quando ele é “pobre e preto”, para usar um antigo jargão) ou absolvendo um culpado (quando ele é de um grupo de extermínio). Ou seja, é o punitivismo servindo para absolver alguém, mas aquele alguém que fez “justiça” da forma mais terrível possível.

ConJur — O senhor concorda que o Brasil vive a criminalização da riqueza?
Alberto Toron — Isso precisa ser melhor entendido. Eu chamo atenção desde os anos 1990 para o fato de que o modelo do sistema penal mudou. Classicamente, a visão marxista do Direito Penal é que ele é um instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado. Depois, se percebeu que o Direito Penal pode ser um instrumento eficaz, não apenas para perseguir “pretos, pobres e putas”, os três Ps, mas para perseguir outros segmentos sociais. Então, na redemocratização do Brasil, sobretudo a partir de 1988, o que nós temos é a utilização do Direito Penal para alcançar novas situações, como o crime do colarinho branco, crime fiscal, crime ambiental, concorrência desleal e outras tantas práticas. Mas não basta apenas a previsão normativa. É necessária a vontade política de perseguir esses crimes. Com a redemocratização assistimos isso. Também nos EUA e na Europa houve uma ascensão do Direito Penal para perseguir crimes de uma camada social que antes era infensa a persecução penal e que hoje se senta não apenas no banco dos réus, como vai para a cadeia também.
Eu vejo no Brasil, nessa operação “lava jato”, o cruzamento de uma estrutura político-econômica podre, que é o que propicia o tipo de corrupção noticiada, com a estrutura judicial e do Ministério Público absolutamente moderna e independente. Esse cruzamento de vetores das estruturas deu na repressão a que assistimos. Mas é preciso muito cuidado ao fazer previsões sobre o resultado disso. Quando se teve o processo do mensalão, alardearam que seria um marco contra a corrupção. E, aparentemente, quando o processo do Mensalão ocorria, as práticas noticiadas hoje, se elas realmente existiram, estavam acontecendo. Isso se dá porque a base real que permitia essas práticas não foi tocada. Então, se não se tocar nessa estrutura que é política e econômica, a repressão por si só não mudará o cenário brasileiro — talvez sofisticará a prática.

ConJur — A legislação penal é instrumento para mudar essa estrutura?
Alberto Toron — É, também. Mas é ilusório, é místico, é ingênuo até, pensar que a lei penal sozinha vai mudar isso. Não vai. Precisa ter uma vontade política de mudar a estrutura do Estado.

ConJur — Como tem sido a experiência de ser juiz no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo?
Alberto Toron — O exercício de ser juiz é uma coisa muito árdua para mim, pois meu treino como advogado é de examinar as coisas pelo ângulo da parte. A advocacia, sobretudo a criminal, é uma profissão que exercita a visão unilateral. O advogado “escaneia” o processo procurando onde quer chegar, o que é defender. Já como juiz, o exercício é olhar todos os lados e ver o desfecho mais justo. Foi muito bom para mim, mas foi penoso. Ampliou minha visão. Uma das coisas que eu mais aprendi é: diga muito falando pouco. Escreva pouco. Quanto menos você escrever, será mais contundente. Saber expor os fatos é a coisa mais importante que tem para o juiz. Se você citar uma doutrina, um julgado, ok. Mas, o mais importante é expor bem os fatos. Eu aprendi também que a sustentação oral é uma coisa muito importante. A sustentação oral bem feita pode virar o caso. Eu já desconfiava disso como advogado e, como juiz, confirmei.

ConJur — O senhor concorda com a ideia do vice-presidente Michel Temer de importar o modelo português de semipresidencialismo?
Alberto Toron — Eu sou a favor do parlamentarismo. Acho que ele aliviaria muitas crises. Mas esse modelo “nem lá nem cá”, “café com leite”, tenho minhas dúvida. Parece uma solução meio golpista, como fizeram com o João Goulart para ceifar-lhe os poderes. Como quer que seja, o Brasil não pode ficar como está. É necessário um rearranjo político para que o governo volte a assumir as rédeas do país.

ConJur — O ministro Dias Toffoli defende a redução no número de partidos para ter representação no Congresso, com a imposição de uma cláusula de desempenho. O senhor concorda?
Alberto Toron — Concordo. Tem que ter um mínimo de representatividade para se constituir um partido. A gente saiu do oito para oitenta e hoje alcançamos uma coisa absolutamente irreal.

ConJur — Quando o Supremo estava julgando o fim das doações eleitorais por empresas, o ministro Gilmar Mendes disse que isso transformaria o Brasil em um laranjal, porque as empresas parariam de doar e poriam CPFs para doarem em nome delas. Estamos correndo esse risco?
Alberto Toron — Sim. Eu sou a favor da doação das empresas, com a imposição de limites. Acho errado não poder doar. Também entendo que a Lei da Ficha Limpa representa uma espécie de tutela indevida do Estado sobre o cidadão eleitor. Na minha opinião, cabe ao eleitor dizer: “esse cara está condenado, é ficha suja, não serve”. E não caberia ao Estado, a priori, impedir a candidatura desse ou daquele candidato por conta da ficha. O povo é que tem que ter discernimento para escolher quem irá representa-lo no Parlamento.

ConJur — O senhor é favorável à legalização das drogas?
Alberto Toron — Eu acho que tem que ser descriminalizado o consumo e, no futuro, que ainda está distante, a própria produção e comercialização também devem se subordinar a um modelo que não é o penal. Acho interessante a solução que o Uruguai deu. E estou firmemente convencido de que, ao contrário do que muitos apontam, a legalização não vai aumentar o número de usuários. Eu dou um exemplo simples: você bebe?

ConJur — Sim.
Alberto Toron — Eu também bebo. Você bebeu antes de vir para cá conversar comigo?

ConJur — Não.
Alberto Toron — Você não bebe normalmente durante seu trabalho? Eu também não. Mas nós poderíamos ter bebido. Ter tomado quatro uísques e vindo para esta entrevista completamente bêbados. Por que a gente não veio bêbado? Porque você tem um compromisso com o seu trabalho e com o seu nome e eu também.

ConJur — E não seríamos presos se estivéssemos bêbados...
Alberto Toron — O contraestímulo ao uso da droga lícita não é o encarceramento ou a ação penal. Contraestímulos são os vínculos que eu tenho com certos valores. O valor profissional e familiar e meus compromissos me obrigam a ter certos comportamentos que eu, naturalmente, desempenho. Isso muda o nosso foco.
O adultério foi descriminalizado e quantas vezes alguém falou: “Eu não vou ter um caso com aquela mulher, porque a pena é de um a seis meses de detenção?”

ConJur — Acho que nunca.
Alberto Toron — E podemos inverter esse pensamento. Ninguém diz “vou ter um caso com aquela mulher porque agora não dá mais cadeia”. O que impede (ou permite) a pessoa de ter um caso fora do casamento são os vínculos pessoais e compromissos sociais. Voltando ao caso das drogas, eu poderia ter comprado um baseado antes de vir para cá. É facílimo de conseguir maconha. Eu podia ter dado um tapa, dois, três... Não dei pelas mesmas razões que não vim bêbado.
Com a legalização, em um primeiro momento, haveria uma maior visibilidade, as pessoas iam “sair do armário”, mas não iria necessariamente aumentar o número de usuários. As pessoas continuariam trabalhando, continuariam fazendo suas coisas. Quem vai dirigir não pode usar droga, do mesmo jeito que é crime beber e dirigir. Mas para quem está na praia relaxando, qual é a diferença de tomar uma caipirinha ou fumar um baseado? Precisamos aprender a lidar com as diferenças e superar preconceitos. Do contrário, insistiremos em fórmulas inadequadas para enfrentar o grave problema que as drogas podem representar nos casos de dependência. O crack está e não nos deixa mentir. Mas uma coisa é a dependência, que tem que ser encarada como doença, e outra é a utilização recreativa. Em ambos os casos o Direito Penal, mais dificulta do que ajuda a encaminhar as situações. Digo isso, desde os anos 70, quando estava na faculdade e fico feliz quando vejo alguém como o presidente Fernando Henrique Cardoso defender a descriminalização do uso das drogas. “Estamos juntos” (risos).


Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2016, 6h55

O novo Código de Processo Civil e a segurança jurídica normativa





Por Luiz Fux


O Código de Processo Civil, como regramento sobre o instrumento de realização da justiça estatal, estabelece regras de processo conquanto relação jurídica de direito público e regras de procedimento, assentando como se deve proceder para obter o pronunciamento judicial.

Em geral, quanto à eficácia da lei no tempo, e considerando que a relação processual é complexa compondo-se de um suceder de atos, passível de incidência o entendimento outrora por mim esposado no livro Curso de Direito Processual, publicado pela Editora Forense. Verbis:


O Código de Processo Civil, seguindo a regra de ‘supradireito’ quanto à aplicação imediata da lei processual, dispõe, no seu artigo 1.211, que ele rege o processo civil em todo o território brasileiro e, ao entrar em vigor, suas disposições aplicam-se, desde logo, aos processos pendentes[1]. Idêntico preceito encontra-se no Código de Processo Penal, artigo 2º[2]. com um plus, qual o de que esclarece textualmente o respeito aos atos validamente praticados sob a égide da lei anterior.

Em essência, o problema da eficácia da lei no tempo é de solução uniforme, porquanto toda e qualquer lei, respeitado o seu prazo de vacatio legis, tem aplicação imediata e geral, respeitados os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Muito embora a última categoria pareça ser a única de direito processual, a realidade é que todo e qualquer novel diploma de processo e de procedimento deve respeitar o ato jurídico-processual perfeito e os direitos processuais adquiridos e integrados no patrimônio dos sujeitos do processo. Assim, v.g., se uma lei nova estabelece forma inovadora de contestação, deve respeitar a peça apresentada sob a forma prevista na lei pretérita. O mesmo raciocínio impõe-se caso a decisão contemple ao vencedor custas e honorários e uma nova lei venha a extinguir a sucumbência nesta categoria de ações. Nesta hipótese, o direito subjetivo processual à percepção daquelas verbas segundo a lei vigente ao tempo da decisão não deve ser atingido.

Trata-se, em verdade, da transposição para todos os ramos de direito, do cânone constitucional da ‘irretroatividade das leis’ (arts. 5º, XXXVI, da CF, e 6º da LINCC)[3].

O tema singulariza-se no âmbito do processo em razão da natureza dinâmica da relação processual, que a cada evolver faz exsurgir novas etapas, novos atos, novos direitos, deveres, ônus e faculdades, impondo a aplicação da lei nova aos feitos ‘pendentes’[4]. Assim, por exemplo, a alteração de etapas procedimentais pode ser adaptada a feitos pendentes desde que não comprometa ‘os fins de justiça’ do processo.

Desta sorte, a inovação de previsão de inserção de novas audiências são alterações passíveis de serem procedidas caso o estágio do procedimento assim o permita.

A surpresa e o prejuízo como critérios vedados na exegese da aplicação de novel ordenação aos feitos pendentes impedem danosas interpretações.

A lei processual — e nisso não difere de nenhuma outra — dispõe para o futuro, respeitando os atos e os “efeitos” dos atos praticados sob a égide da lei revogada. É a consagração do princípio tempus regit actum que não impede que os atos processuais futuros e os fatos com repercussão no processo se subsumam aos novos ditames da lei revogadora. Assim, v.g., se a revelia ocorreu sob o pálio de lei que lhe atribuía como efeito processual impor o julgamento antecipado, o advento de lei nova não retira do autor o direito subjetivo àquele pronunciamento decorrente da inatividade processual do réu. Idêntico raciocínio nos conduz a vincular os efeitos da sentença à lei vigente ao momento da prolação do ato decisório final. Esse preceito do tempus regit actum tanto se aplica para as normas processuais tout court, como para aquelas que influem sobre o fenômeno processual, como sói ocorrer com as regras de procedimento e de organização e divisão judiciária. Assim, v.g., a nova lei que dispõe sobre competência aplica-se imediatamente para os feitos que se iniciarem sob a sua vigência, respeitando, entretanto, as ações propostas anteriormente e o efeito primordial da propositura das mesmas que é o de ‘perpetuar a competência’ (art. 87 do CPC)[5].

Deveras, o direito de recorrer acerca de uma decisão somente nasce quando ela é tornada pública na sessão de julgamento e, no seu teor, revela gravame e lesividade para parte. Nesse instante, surge o direito de o prejudicado recorrer, a ser exercido num determinado lapso de tempo, sob pena de preclusão”.

A realidade é que vários enfoques podem ser empregados para a solução dos problemas de direito intertemporal em matéria processual.

Entretanto, em função da principiologia do novo CPC, que acentua o respeito à segurança jurídica, a proposta que melhor atende esse desígnio fundamental é a que propugna pela “Aplicação do novo CPC aos recursos interpostos após a sua vigência e às etapas procedimentais futuras”.

Essa regra, mercê de simplificar os entendimentos antagônicos, permite que os processos em curso mantenham o seu status quo.

Outrossim, o novo CPC é um ordenamento lavrado à luz da novel axiologia constitucional que prevê como direito fundamental a “segurança jurídica” que se subdivide em segurança judicial e segurança legal.

Assim, por exemplo, se o novo CPC entra em vigor quando pendente um Recurso Extraordinário, o novel regime não atinge essa impugnação quanto a novos requisitos inexistentes à data da decisão recorrida; solução que melhor atende à segurança jurídica, ressalvada sempre a aplicação retroativa benéfica, como a fungibilidade recursal entre o recurso especial e o recurso extraordinário.

É verdade que muito já se especulou em matéria de eficácia da lei no tempo. Entretanto, nada impede que se erijam entendimentos diante de um novo tempo.

A regra, aparentemente simplista, da aplicação prospectiva do novo CPC tem a virtude de não infirmar a duração razoável dos processos atuais; princípio esse constitucional e que deve informar imediatamente o sistema jurídico, com a vantagem de permitir aos estudiosos lavrar ensinamentos sólidos sobre a ratio legis do novo CPC.

As premissas aqui assentadas permitem extrair algumas conclusões importantes para os tribunais. A saber:
Os recurso interpostos após o novo CPC submetem-se às suas regras. Assim, por exemplo, se houver embargos de declaração após proferida decisão sob a égide do CPC de 1973, esses embargos se submeterão ao novo CPC.
O mesmo princípio conduz à conclusão de que o recurso somente pode ser interposto diretamente no tribunal se a decisão recorrida for posterior à entrada em vigor do novo CPC.
Os recursos ainda não julgados pelas câmaras e turmas devem obedecer às novas regras recursais procedimentais, como os pedidos de vista, decisões não unânimes etc.
A sucumbência recursal só pode ser aplicada ao recurso interpostos após o novo CPC, porquanto a sanção inesperada viola a segurança jurídica.
Os prazos processuais são aqueles previstos à data da decisão somente utilizando-se do critério dos dias úteis aos recursos interpostos após o novo CPC (18 de março de 2016) obedecido o termo inicial da data da intimação da decisão.
O novo CPC só se aplica aos recursos previstos em lei especial se essa lei fizer remissão às regras do novo CPC. Assim, por exemplo, se a lei especial estabelecer: “Aplica-se aos recursos previstos nessa lei o CPC”, restará inequívoca a aplicação imediata do novo CPC.
Tema sobremodo instigante diz respeito aos poderes do relator do Recurso. É que o recurso submetido ao relator pelo regime do CPC de 1973 pode receber do mesmo qualquer das decisões então previstas antes de 18 de março 2016, como os pronunciamentos judiciais previstos no o artigo 557 do CPC.
Deveras, o novo CPC, no artigo 932, inciso VIII, dispõe que o relator exercerá outras atribuições previstas no Regimento Interno do seu tribunal. Nesse sentido, forçoso convir que a própria lei (novo CPC) admitiu que o Regimento Interno possa acrescentar outros casos de concessão de poderes ao relator:
O STJ e o STF incluirão no seu Regimento os poderes previstos no artigo 557 do antigo CPC de 1973, de sorte que nos Tribunais Superiores continuará sendo possível ao relator também dar ou negar provimento ao recurso consoante : a) a jurisprudência dominante no tribunal local em matéria local, b) a Jurisprudência dominante no STJ ou no STF com relação , respectivamente às matérias infraconstitucionais e constitucionais.

Essa fórmula atende à ideologia do NCPC que foi prestigiar a jurisprudência ao dispor no verbis: Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

O novo CPC poderá ser aplicado aos recursos interpostos sob a égide do CPC de 1973 toda vez que for benéfica a incidência para as partes, como por exemplo a fungibilidade entre o recursos especial e recurso extraordinário.

Outras questões surgirão e outros esclarecimentos advirão, para os quais estarei à disposição dos leitores da ConJur.

Por ora, impõe-se concitar o intérprete e os aplicadores do novo CPC que propugnem por soluções simples que privilegiem os dois pilares do novel código: A segurança jurídica e a duração razoável dos processos.

[1]Acerca do tema de direito intertemporal consulte-se Galeno Lacerda, Nova Lei Processual e os Feitos pendentes; Wellington Moreira Pimentel, Questões de Direito Intertemporal (RF, 251/125). “Art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.”

São consideradas regras de “superdireito” as que dispõem acerca do direito intertemporal, do direito no espaço, e ainda regras sobre “fontes e exegeses” distinguindo-se das regras de direito substancial, criadoras imediatas de situações jurídicas (Pontes de Miranda, Direito Internacional Privado, 1935, vol. I , pp. 10 e 30).

[2]“Código de Processo Penal

Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941 [Código de Processo Penal]
Art. 2° A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”.

[3]“Constituição da República Federativa do Brasil

Art. 5º (...)
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...)”.

“Código Civil
Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942 [Introdução ao Código Civil]

Art. 6° A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1° Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2° Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3° Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

[4]Como evidente a questão não se põe quanto aos processos findos, regulados pela lei ultrapassada, nem quanto aos feitos por se iniciar que se submeterão ao domínio legislativo da lei vigente à data da instauração da relação processual.

[5]“Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.”



Luiz Fux é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil.

Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2016, 16h06

Juiz pode reduzir multa contratual que considerar abusiva, decide STJ




Juiz pode reduzir multa contratual que considerar abusiva. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou um recurso da Petrobras Distribuidora, que buscava restabelecer a multa imposta a um posto de gasolina que não comprou o mínimo combinado de combustível e, por isso, teve o contrato rescindido.

Ao alegar o descumprimento do acordo, a distribuidora rescindiu o contrato, solicitou a entrega dos produtos em comodato e pleiteou a aplicação de uma multa de R$ 677 mil, em valores de 1997, data da ação de rescisão contratual.

Na sentença, o juiz reduziu o valor da multa para 20% do pleiteado. Após recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, a multa foi reduzida novamente, para 5% do lucro da média das operações comerciais apuradas no movimento do último ano.

Cobrança ilegal
Ao recorrer ao STJ, a Petrobras Distribuidora questionou se era possível o juiz reduzir o valor de uma multa prevista em contrato firmado de comum acordo entre as partes. No entendimento do ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso, existe essa possibilidade, caso a multa seja excessiva.

“Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é lícito ao julgador reduzir a multa convencional se evidenciada sua excessividade, ainda que se trate de contrato firmado sob a égide do Código Civil de 1916, desde que cumprida, de modo parcial, a obrigação acordada”, argumentou o magistrado.

Noronha lembrou que ao concluir pela incidência do princípio da boa-fé objetiva, o tribunal de origem não violou o princípio da irretroatividade das normas, visto que a decisão fora embasada na aplicação da teoria geral dos contratos para reconhecer ao réu (posto de gasolina) o direito à redução da multa imposta.

Por isso, explicou o ministro, “a mera adoção de fundamento legal diverso do invocado pela parte demandante não importa em nulidade no julgamento”.

Com a decisão, o posto de gasolina pagará multa no valor de 5% do total do contrato de exclusividade firmado com a Petrobras, que havia sido arbitrado pelo TJ-SP. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.334.034



Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2016, 14h41

Decisão de Moro sobre telefonemas de Lula foi inconstitucional, decide Teori




Por Pedro Canário


O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba envie para o STF todas as investigações que envolvem o ex-presidente Lula. Segundo Teori, o juiz Sergio Moro, titular da vara, ao constatar que conversas de Lula com autoridades com prerrogativa de foro foram gravadas e anexadas ao processo, deveria ter enviado os autos ao Supremo, para que a corte decidisse sobre a cisão ou não do processo. A decisão é desta terça-feira (22/3).

Teori ainda cassou a decisão de Moro que levantou o sigilo dos grampos telefônicos envolvendo Lula, por entender que o magistrado não tinha competência para tomá-la. Segundo o ministro, Moro decidiu “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”. Os grampos envolviam conversas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff e o então ministro da Casa Civil, Jacques Wagner, hoje chefe de gabinete da Presidência.

De acordo com o ministro, o decreto de fim do sigilo dos grampos foi ilegal e inconstitucional. Primeiro porque foi o resultado de uma decisão de primeiro grau a respeito de fatos envolvendo réus com prerrogativa de foro no Supremo. Depois porque, ao divulgar o conteúdo dos grampos, Moro violou o direito constitucional à garantia de sigilo dos envolvidos nas conversas.

Ainda segundo Teori, a Lei das Interceptações, "além de vedar expressamente a divulgação de qualquer conversa interceptada (artigo 8º), determina a inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal (artigo 9º)".

“Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que — repita-se, tem fundamento de validade constitucional — é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade.”

Sem relevância
Conforme mostrou reportagem da ConJur, Moro tomou uma decisão que não lhe cabia e acabou divulgando grampos ilegais. Isso porque, segundo professores ouvidos pela reportagem, ao constatar que autoridades com prerrogativa de foro aparecem nas conversas gravadas, a única decisão que ele poderia tomar era enviá-las ao Supremo, e não divulgar seu conteúdo para a imprensa, como fez.

A ilegalidade dos grampos também foi apontada pela ConJur, e depois reconhecida pelo próprio Moro. Às 11h13 da quarta-feira (16/3), Sergio Moro havia mandado suspender as interceptações. A conversa entre Dilma e Lula, divulgada pela 13ª Vara, aconteceu às 13h32.

O próprio juiz, no dia seguinte, reconheceu que divulgou conversas gravadas sem autorização, mas dizendo não ver “maior relevância” no fato.

Na decisão desta terça, é o ministro Teori quem reclama da decisão de Sergio Moro. “Embora a interceptação telefônica tenha sido aparentemente voltada a pessoas que não ostentavam prerrogativa de foro por função, o conteúdo das conversas passou por análise que evidentemente não competia ao juízo reclamado”, escreveu.

De acordo com o ministro, “jurisprudência reiterada” do STF diz que cabe “apenas ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro juízo, decidir sobre a cisão de investigações envolvendo autoridade com prerrogativa de foro na corte, promovendo, ele próprio, deliberação a respeito do cabimento e dos contornos do referido desmembramento”.

“No caso em exame, não tendo havido prévia decisão desta Corte sobre a cisão ou não da investigação ou da ação relativamente aos fatos indicados, envolvendo autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, fica delineada, nesse juízo de cognição sumária, quando menos, a concreta probabilidade de violação da competência prevista no artigo 102, inciso I, alínea b, da Constituição da República.”

Clique aqui para ler a decisão.
Rcl 23.457


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2016, 22h36

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...