segunda-feira, 19 de outubro de 2015

NJ Especial: TRT-MG edita Súmula 38 sobre limites à flexibilização de jornada em turnos ininterruptos de revezamento



O Tribunal Pleno do TRT de Minas Gerais, em Sessão Ordinária realizada no dia 14/05/2015, em cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado de ofício, pelos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, relatores dos RR-11697-88.2013.5.03.0087 e RR-10426-44.2013.5.03.0087, e com base no entendimento majoritário de seus membros, determinou a edição de Súmula de jurisprudência uniforme nº 38, com a seguinte redação:
"TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. JORNADA SUPERIOR A OITO HORAS. INVALIDADE. HORAS EXTRAS A PARTIR DA SEXTA DIÁRIA. I - É inválida a negociação coletiva que estabelece jornada superior a oito horas em turnos ininterruptos de revezamento, ainda que o excesso de trabalho objetive a compensação da ausência de trabalho em qualquer outro dia, inclusive aos sábados, sendo devido o pagamento das horas laboradas acima da sexta diária, acrescidas do respectivo adicional, com adoção do divisor 180. II - É cabível a dedução dos valores correspondentes às horas extras já quitadas, relativas ao labor ocorrido após a oitava hora".
Histórico do IUJ
A matéria tratada no processo que deu ensejo ao incidente de uniformização de jurisprudência refere-se a questão já amplamente discutida na Justiça do Trabalho: a alegação de invalidade dos acordos coletivos celebrados pela empresa Fiat Automóveis S.A. e o sindicato da categoria profissional, no tocante a adoção de jornada superior a oito horas para empregados que cumprem jornada em regime de turnos.
Constatando que essa possibilidade de pactuação coletiva de jornada superior a oito horas diárias para os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento tem sido alvo de decisões conflitantes pelas Turmas do TRT-MG, o Ministro da 7ª Turma do TST, Cláudio Brandão, com base nos parágrafos 3º e 4º do artigo 896 da CLT, determinou o retorno dos autos ao Regional mineiro para que se procedesse à uniformização da jurisprudência quanto ao tema.
Aqui, a Comissão de Uniformização de Jurisprudência constatou a existência de novo IUJ suscitado no TST, versando sobre matéria conexa (IUJ 10426- 44.2013.5.03.0087), qual seja, a possibilidade de compensação da jornada máxima semanal mediante acordo coletivo, para empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento. Assim, foi determinada a reunião dos processos. E, considerando que o parecer da Comissão de Uniformização de Jurisprudência já havia abrangido expressamente o objeto deste último incidente de uniformização, ambos foram examinados expressamente em conjunto.
Em parecer, o Ministério Público do Trabalho manifestou-se pelo conhecimento do incidente e pela consolidação da jurisprudência, em conformidade com o verbete sugerido pela Comissão de Uniformização.
Seguindo-se os trâmites do IUJ, foi determinada a suspensão do andamento dos processos que tratam da mesma matéria, até que fosse julgado o incidente.

Matérias apreciadas
1 - Caracterização do Turno Ininterrupto de Revezamento
A primeira questão discutida na comissão foi se o labor dos empregados, em horários alternados a cada semana, quinzena ou mês, abrangendo horários diurno e noturno, é suficiente para caracterizar o trabalho em regime de turnos ininterruptos de revezamento. E, nesse aspecto, prevaleceu na maioria das Turmas do Tribunal mineiro o entendimento de que o trabalho, estendido aos períodos diurno e noturno, mesmo que em parte, configura o regime especial de turnos de revezamento a que se refere a OJ n. 360 da SDI-1 do TST. A maioria dos magistrados componentes da 1ª à 8ª Turmas posiciona-se nesse sentido.

2 - Flexibilização da jornada em Turno Ininterrupto de Revezamento por meio de negociação coletiva - Limites - Teses divergentes
O ponto central da questão jurídica controvertida no RR-11697- 88.2013.5.03.0087 versa sobre a validade e os efeitos da negociação coletiva que permite a ampliação da jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento, no que tange ao cômputo de horas extras.
Por sua vez, a matéria discutida no RR-10426-44.2013.5.03.0087 refere-se à validade da negociação coletiva que majora a jornada em turno ininterruptos de revezamento para além de oito horas, respeitada a duração semanal de 44 horas de labor, mesmo que o excesso de trabalho objetive a compensação da ausência de jornada em qualquer outro dia, inclusive aos sábados.
O acórdão que apreciou os IUJ¿s reunidos pela conexão das matérias, sintetizou os posicionamentos divergentes sobre as matérias. Vejamos as 3 correntes apontadas no parecer da Comissão de Jurisprudência, cujos fundamentos foram adotados pelo desembargador relator do IUJ, Marcelo Lamego Pertence.

Corrente majoritária: invalidade da norma que permite elastecimento da jornada de oito horas
A primeira e majoritária corrente entende pela invalidade da fixação de jornada de trabalho que extrapole o limite de oito horas para o labor em turnos ininterruptos de revezamento. O fundamento, em síntese, é a existência de vários precedentes do TST sobre a mesma matéria, taxativos quanto ao reconhecimento de nulidade dos Acordos Coletivos que preveem labor acima da oitava hora, bem como dos acordos individuais de compensação semanal.
Ao negar ao negar validade à negociação coletiva, o relator argumenta que o artigo 7º, inciso XIV, da Carta Magna é literal ao fixar "jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos de revezamento, salvo negociação coletiva", com escopo de proteger a saúde do trabalhador em decorrência do maior desgaste físico e mental advindo da agressão ao relógio biológico. Ele enfatiza a importância de se observarem fielmente as limitações impostas pela jurisprudência consolidada, sobretudo quanto ao limite diário de oito horas, previsto expressamente pela Súmula 423 do TST, não sendo admitida qualquer forma de mitigação. A Súmula 423 do TST assim dispõe:
"TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1) Res. 139/2006 ¿ DJ 10, 11 e 13.10.2006) Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras". Essa posição é sustentada pela 1ª Turma, em sua unanimidade, e pela maioria da 2ª, 3ª, 4ª, 6ª, 7ª e 8ª Turmas.

Segunda corrente: validade da norma coletiva (minoritária)
Já a segunda corrente, minoritária, considera, em síntese, válida a norma coletiva que estabelece a flexibilização da jornada nos turnos ininterruptos de revezamento em períodos que extrapolem as oito horas diárias, desde que não ultrapassado o limite imposto pela compensação semanal.
O argumento aqui é de que a interpretação que se extrai da Súmula n. 423 do TST não impede que as partes celebrem acordo individual ou coletivo para elastecimento da jornada, de segunda à sexta-feira, objetivando a compensação do trabalho aos sábados.
Posicionam-se nesse sentido alguns integrantes da 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Turmas.

Terceira corrente: validade dos acordos coletivos firmados pela FIAT (minoritária)
A terceira linha interpretativa, por sua vez, também minoritária, entende válidos os Acordos Coletivos celebrados pela empresa FIAT AUTOMÓVEIS S.A e o sindicato da categoria profissional, no tocante à adoção de jornada superior a oito horas para empregados que laboram em regime de turnos.
Entre os adeptos estão os julgadores da 9ª Turma, que entendem como válida a compensação de jornada, mesmo que evidenciado o labor esporádico aos sábados. Em consequência, julgam pela improcedência do pleito referente ao pagamento de horas extras.

Tese vencedora - fundamentos
Expostas as teses e com base no pensamento da corrente majoritária, firmou-se o entendimento cristalizado na Súmula nº 38 do TRT-MG, que considera inválida a negociação coletiva permitindo a extensão da jornada para além das 8 horas diárias em turnos ininterruptos de revezamento.
Segundo exposto pelo relator, constatou-se a prevalência no Tribunal do entendimento segundo o qual, uma vez reconhecida a invalidade da pactuação coletiva e dos acordos de compensação de jornada, a empresa deve ser condenada ao pagamento, como hora extra acrescida do adicional, de todas as horas trabalhadas excedentes á 6ª diária. Nesses casos, em conformidade com a jurisprudência do TST, adota-se o divisor 180, em harmonia ao que dispõe a OJ 396 da SDI-1 do TST e da Súmula 2 do TRT-MG. Essa vertente sustenta a tese de que não se pode cumular o permissivo contido na Súmula 423 do TST, de fixação de jornada em turnos ininterruptos de revezamento no limite de 08 horas, com a compensação das horas destinadas aos sábados nos demais dias da semana. Até porque era usual o desrespeito às folgas compensatórias aos sábados. Para essa corrente, mesmo considerada a hipótese de obediência ao módulo semanal de 44 horas, mediante a compensação do trabalho aos sábados, não há como limitar a condenação somente ao adicional de horas extras, na forma prevista no item III da Súmula 85 do TST. Argumentam, em síntese, que não se trata de mero descumprimento das exigências para compensação de labor extraordinário e sim, de labor em jornada não autorizada por lei. E sustentam a aplicação, ao caso, do entendimento previsto na OJ 275 da SDI-1 do TST.
Esse entendimento ¿ de que a ré deve ser condenada ao pagamento das horas trabalhadas além da 6ª diária, acrescidas do adicional de horas extras e aplicação do divisor 180 - é partilhado pela maioria dos integrantes das 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 6ª Turmas e, ainda, a unanimidade da 7ª e 8ª turmas. Nesse sentido, forma citados acórdãos da SDI do TST.

Extensão da Súmula
Por fim, o desembargador Marcelo Lamego Pertence, ressaltou que, nos termos legais, os Tribunais Regionais do Trabalho deverão proceder obrigatoriamente à uniformização de sua jurisprudência, visando-se imprimir concreção à legislação trabalhista, adotada a perspectiva interpretativa de que o fortalecimento dos precedentes jurisprudenciais possibilitaria maior previsibilidade às decisões proferidas por esta Justiça Especializada. E registrou que, mediante os ricos debates ocorridos no Tribunal Pleno, firmou-se o consenso de que o presente IUJ não se circunscreveria apenas à empresa FIAT, abarcando a uniformização também a hipótese de compensação em qualquer dia da semana, inclusive o sábado.

Processos 11697-2013-087-03-00-3-IUJ e 10426-2013-087-03-00-0-IUJ - Acórdão publicado em 28/05/2015

Notícias jurídicas anteriores sobre o tema:

03/08/2015 06:00h - Turnos de revezamento não podem ultrapassar 8 horas diárias nem com autorização coletiva e compensação 19/11/2014 06:05h - Negociação coletiva que autoriza turno ininterrupto de 11 horas tem de observar restrições legais
17/11/2014 06:05h - Turno ininterrupto se caracteriza mesmo quando mudança de turnos se dá em intervalos maiores
05/02/2014 06:03h - Falta de norma coletiva prevendo prorrogação em turno ininterrupto leva empresa a pagar horas excedentes à 6ª diárias
19/05/2010 06:01h - Prorrogação de turno de revezamento de minerador não pode ser autorizada por mero acordo escrito entre as partes 09/12/2008 06:10h - Turnos de revezamento: são devidas horas extras excedentes à 6ª em período não abrangido por norma coletiva
03/12/2007 06:01h - Prorrogação de turno de revezamento só pode ser autorizada por negociação coletiva
01/12/2006 06:07h - Autorização coletiva para ampliação da jornada reduzida não retira o direito a horas extras

Clique nos LINKS abaixo para ler os acórdãos que deram origem ao IUJ:

Processo nº 11697-2013-087-03-00-3-RR

Processo nº 10426-2013-087-03-00-0-RR

Clique AQUI e confira o acórdão que determinou a edição da Súmula nº 38

Clique AQUI e confira a relação de todos os INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA suscitados

Clique AQUI e confira decisões anteriores do TRT mineiro sobre a matéria:

Pedido de demissão não gera projeção do aviso prévio

 

Um auxiliar de serviços gerais ingressou com reclamação na Justiça do Trabalho contra sua ex-empregadora, uma empresa do ramo de cerâmica, alegando diversos descumprimentos de obrigações trabalhistas. Apontou que teria sido dispensado em 12/08/2010, com aviso prévio indenizado. Já a ré, ao se defender, sustentou que o reclamante é que teria pedido demissão, não cumprindo o aviso prévio. Como a ação foi ajuizada na data de 06/09/2012, a empresa arguiu a prescrição bienal.
O caso foi analisado pelo juiz Paulo Eduardo Queiroz Gonçalves, à frente da 1ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas, e envolveu a seguinte questão: Será que o empregado que pede demissão tem direito à projeção do aviso prévio, para fins de integração do período respectivo ao contrato de trabalho? Com base nas provas examinadas, o magistrado entendeu que a resposta é não e acolheu a prescrição arguida.
A alegação da empresa foi no sentido de descumprimento do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, segundo o qual o trabalhador tem até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho para reclamar direitos na Justiça do Trabalho. Em seu benefício, o reclamante invocou a OJ 82 da SDI-I do TST, que dispõe que a "A data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado". Para o trabalhador, esse entendimento deve prevalecer ainda que se considere que a iniciativa na rescisão do vínculo partiu do empregado.
Mas o magistrado ficou com a versão da reclamada. Ao examinar os documentos, constatou que a data de 12/08/10 constava na carteira de trabalho e no termo de rescisão do contrato. Verificou também que o reclamante comunicou por meio de documento devidamente assinado que não mais prestaria serviços a partir daquela data e que a empresa poderia descontar o aviso prévio dele, nos termos do artigo 487 da CLT. Por fim, registrou o julgador que o próprio trabalhador confirmou, ao ser interrogado, que não cumpriu o aviso prévio na empresa.
Diante desse contexto, o juiz sentenciante não teve dúvida de que a rescisão do contrato de trabalho ocorreu na modalidade pedido de demissão. Neste caso, conforme explicou, não há lugar para a projeção do aviso prévio. "Nos termos do art. 487, parágrafo 1º da CLT, a integração do período do aviso prévio ao tempo de serviço do trabalhador é garantida somente no caso de sua dispensa pelo empregador. Não é o caso de aplicação da OJ 82 da SDI I do TST", destacou.
O magistrado citou jurisprudência amparando o entendimento, uma delas destacando a razão pela qual o artigo 487, parágrafo 1º, da CLT, que trata da rescisão contratual por iniciativa do empregador, prevê expressamente a projeção do aviso prévio. O objetivo é proteger o empregado em caso de dispensa arbitrária. Já o parágrafo 2º, que trata do aviso prévio a ser dado pelo empregado no caso de demissão a pedido, não prevê a referida projeção.
Por tudo isso, o juiz reconheceu que a reclamação, de fato, foi apresentada mais de dois anos após o dia 12/08/2010, quando o contrato de trabalho terminou. Assim, considerou prescritas todas as verbas pleiteadas na reclamação e extinguiu o processo, com resolução do mérito, nos termos do que dispõe o inciso IV do art. 269 do CPC.
Houve recurso, mas o TRT de Minas manteve a decisão. Após rejeitar a tese do autor de que a OJ 82 da SDI-1 do TST seria aplicável ao caso, a Turma de julgadores ponderou que o aviso prévio foi descontado, por autorização do empregado. Desse modo, considerou não haver motivo lógico para que o contrato seja prorrogado para além do último dia efetivamente trabalhado. Os julgadores também frisaram que apenas o parágrafo 1º do artigo 487 da CLT, que versa sobre a dispensa do empregado por iniciativa do empregador, faz referência à integração do aviso prévio. Direito este que alcança também os casos em que o empregador opta por dispensar o empregado do trabalho no período do aviso prévio, preferindo indenizá-lo.
( 0001870-37.2012.5.03.0039 RO )



Fonte: TRT3

A metadogmática do direito comercial brasileiro (parte 2)






Por Walfrido Jorge Warde Jr e Jose Luiz Bayeux Neto


Na semana passada, incumbidos da tarefa de definir o objeto e a função do direito comercial, afirmamos que é o direito privado externo da empresa, explicando-nos. Continuaremos essa reflexão hoje, de modo a distinguir o direito comercial do societário.

II) O que é e para que serve o direito comercial

3. O direito comercial como “direito privado externo da empresa” – em razão de todo o direito de empresa que, sob intenso dirigismo e especialização, foi-lhe expurgado – é a parte especial do direito privado[1] que contempla, ao lado do direito civil (parte geral), muito do direito privado e, portanto, dos atos de configuração autônomo-privada de relações jurídicas.[2]

O “direito privado externo da empresa” disciplina o exercício da empresa, a atividade empresarial externa. Essa assertiva pressupõe que a organização seja um dos sentidos da empresa, que corresponde, por certo, à “empresa de dentro”[3], à estrutura de que decorre uma organização voltada ao exercício de um tipo de atividade econômica, a atividade econômica empresarial (“empresa de fora”). O direito comercial não disciplina a “empresa-organização” (a “empresa de dentro”), mas regra, exclusivamente, parte da empresa-atividade (a “empresa de fora”).

A disciplina da empresa-atividade corresponde ao regramento de algumas condutas do empresário em sentido amplo (o seu registro, o nome empresarial, a expressão contábil do estado da empresa, a representação do empresário, os contratos empresariais de exercício[4], a garantia e a titularização de direitos creditórios etc.), mas também ao tratamento da empresa como bem econômico e como objeto de direito em si (e.g, a transferência, a compra e venda e o arrendamento de empresa)[5], de sua proteção (por meio da tutela (de interesses privados) da concorrência, dos elementos imateriais de produção e da identidade empresarial) e de sua continuidade (e.g., nos casos de mudança de titular e de crise) etc.

O direito comercial disciplina, contudo, apenas parte da empresa-atividade. Expurgos, governados pela política do direito e por sucessivas especializações regulatórias, submeteram – sob intenso dirigismo estatal – importantes porções do objeto programático do direito comercial a outras ramas, a exemplo do direito do trabalho (que disciplina a apropriação do trabalho como elemento de empresa)[6], do direito de consumo (que impõe drástica intervenção regulatória sobre os contratos empresariais de exercício)[7] e mesmo do direito da propriedade industrial (que provê tutela (de interesses privados) à concorrência, a elementos imateriais de empresa e à identidade empresarial)[8].

4. As sociedades são a forma prevalente de organização jurídica da empresa. E, por isso, o direito societário (ou, ainda, o direito societário interno[9]) corresponde a quase todo o “direito privado interno da empresa”.

O direito comercial não disciplina a organização jurídica da empresa-societária, que se especializou à afirmação histórico-dialética do direito societário, rama autônoma e especialíssima do direito privado.[10]

A disciplina das sociedades aparece e se desenvolve sob a inspiração de valores e de finalidades cambiantes. É possível distinguir vários momentos de inflexão no desenvolvimento do direito societário, que se firma como instituição, alinhada à caracterização de uma modelo de civilização ocidental capitalista. Todos esses momentos são marcados por um evento, por uma invenção ou por uma prática emblemática singular, que influem drasticamente à afirmação do direito societário como disciplina jurídica autônoma, submetida a princípios e a regras próprios.[11]

O direito societário não é, portanto, parte do direito comercial.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).



[1] Cf. CANARIS, C.-W. Handelsrecht. 24. Auflage. Munique: Verlag C. H. Beck, 2006, §1 I 10, p. 4.


[2] Cf. FLUME, W. Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, Das Rechtgeschäft, Zweiter Band, Berlin / Heidelberg / New York / Tokyo, Springer-Verlag, 1992, pp. 1 ss.


[3] Os fundamentos de um conceito moderno de organização – dos quais o direito ainda se mantém distanciado – foram lançados pelos primeiros estudos sociológicos dedicados à descrição do fenômeno. Nesse sentido, merecem atenção os trabalhos seminais produzidos entre os anos 1940-1960. Cf. SELZNIK, P. TVA and the grass roots. Berkeley: University of California Press, 1949; Simon, H. A. Organizations. New York: John Wiley, 1958; PARSONS, T. A sociological approach to the theory of organizations. In: PARSONS, T. Structure and process in modern societies. Glencoe, IL: Free Press, 1960. (Original work published 1956), Id. Some Ingredients of a general theory of formal organization. In: PARSONS, T. Structure and process in modern societies. Glencoe, IL: Free Press, 1960. (Original work published 1956); MARCH, J. G. Handbook of organizations. Chicago: Rand MacNally, 1965. Para além desses trabalhos, e depois deles, muitos outros poderiam ser citados a destacar a seriedade das pesquisas conduzidas no campo da sociologia das organizações. É lamentável, contudo, o desprezo dos operadores do direito, especialmente daqueles dedicados ao estudo da empresa e de suas formas de organização jurídica, ao conhecimento produzido por essa parte da sociologia, tão importante à compreensão dos fenômenos que, particularmente o direito societário, mas também o direito comercial pretende disciplinar. São, de todo o modo, mais conhecidas entre os juristas algumas vertentes do institucionalismo organizacional, sujeitas a filtros analíticos monotemáticos e unidimensionais (mas não por isso menos importantes), a exemplo da chamada theory of the firm. Cf. Coase, R. H. The nature of the firm (1937). In: WILLIAMSON, O. E.; WINTER, S. G. (Ed.). The nature of the firm: origins, evolution, and development. New York; Oxford, Oxford University Press, 1933. p. 18-33.


[4] Correspondem ao que alguns autores italianos chamam de rapporti commerciali di attuazione[4] . A expressão é empregada, por exemplo, por Ferri, para designar as relações que “sorgono dai singoli atti in cui l’attività intermediaria si concreta” e para distingui-las das relações comerciais de organização. Cf. Ferri, G. Manuale di diritto commerciale. 4. ed. Torino: UTET. 1976.


[5] Aqui, o objeto é o controle empresarial, que é um poder do empresário.


[6] Para uma descrição da afirmação histórica do direito do trabalho a partir do direito corporativo medieval, cf. Rossi, G. Sul Profilo della ‘Locatio Operarum’ nel Mondo del Lavoro dei Comuni Italiani Secondo la Legislazione Statutaria. In: SARTI, Giovanni & SARTI, Nicoletta (a cura di). Studi e Testi di Storia Giuridica Medievale. Milano: Giuffrè, 1997.


[7] Cf. Duggan, A.J. The Economics of Consumer Protection: A Critique of the Chicago Law School Case Against Intervention. Adelaide Law Review, Adelaide, SA: Adelaide Law Review Association, Research Paper n. 2, [s.d].


[8] É bastante questionável, contudo, que o direito da propriedade industrial caracterize disciplina autônoma.


[9] O direito alemão propõe uma separação entre direito societário interno e externo. Isso se explica, em grande medida, porque o modelo alemão de cogestão ampliou o objeto programático do direito societário, que passou a disciplinar importantes relações externas com eficácia interna. É certo que o crescente tratamento societário de interesses dos vários constituencies também contribui para prover fundamentos à distinção. A disciplina das relações internas, que correspondem (entre as sociedades empresárias) ao direito interno da empresa, nesse contexto, é tarefa do direito societário interno (ou direito interno das sociedades). Cf. SCHMIDT, Karsten. Handelsrecht..., op. cit., §1, II, 2.


[10] Para uma descrição desse processo, mesmo limitada a eventos até a virada do século XIX, cf. Goldschmidt, L. Storia Universale del Diritto Commerciale. Torino: UTET, 1913. A exponencial e progressiva especialização do direito societário, que, por si, fundamenta a sua autonomia, pode-se acessar pela compreensão de suas atuais feições e complexidades, exemplarmente descritas em KRAAKMANN, R., DAVIES, P., HANSMANN, H., HERTIG, G., HOPT, K., KANDA, H., ROCK. E. The Anatomy of Corporate Law: A Comparative and Functional Approach. Oxford/NewYork: Oxford University Press.


[11] A redução de um conjunto intrincado de fenômenos, em fluxo e transformação constantes, à caracterização de momentos inflexivos, é, de todo o modo, uma técnica de descrição por aproximação. O estabelecimento desses padrões despreza regionalismos e aceita a supremacia de uma modelo ocidental e capitalista de direito societário, para o qual, pressupõe-se, converge a esmagadora maioria dos ordenamentos nacionais. A passagem de uma fase a outra não importa, por certo, uma completa ruptura. Muitos elementos estruturantes (que definem o direito societário como ramo autônomo do direito) sobrepõem-se, em camadas, fase a fase, para formar um amálgama em que devem predominar os traços da última fase. Seria impertinente, aqui, descrever detalhadamente cada uma dessas etapas. Uma referência superficial é útil, contudo, para esclarecer a especialização que aparta direito comercial e societário. A evolução do direito societário pode ser rememorada por alusão: (i) ao proto-direito societário: compropriedade afetada por fins econômicos. Cf. Dalla, D.; Lambertini, R. Istituzioni di Diritto Romano. 2. ed. Torino: Giappichelli, 2001, p. 269; (ii) a uma fase privatista. Cf. Montanari, M. Impresa e Responsabilità. Sviluppo Storico e Disciplina Positiva. Milano: Giuffrè, 1990; (iii) à fase de gestão pública de externalidades: limitação de responsabilidade e privilégio. Cf. ABBOTT, H.; SPRINGER, F. M.; EUGENE, A. G. Corporation law: a comprehensive treatise on federal and State legislation relative to private and public service corporations and interstate commerce. Chicago: American School of Correspondence, 1913, p. 34, 79; Cooke, C. A. Corporation, Trust and Company; an Essay in Legal History, Manchester: Manchester University Press, 1950; (iv) ao financiamento massivo da macroempresa societária e o aparecimento do princípio majoritário. Cf. DUNLAVY, C. A. Corporate governance in late 19th – Century Europe and U.S. The Case of Shareholder Voting Rights. In: HOPT, K. J. et al (Eds.). Comparative corporate governance: the State of the art and emerging research. Oxford: Oxford University Express, 1998. p. 17; (v) à “popularização societária” com a criação da pequena anônima. cf. BARROS DE Mello. História e Constituição das Sociedades de Responsabilidade Limitada. Recife: Diário da Manhã, 1950; Peixoto, C. F. C. As Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada: Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Prática. V. 1, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956; (vi) à de tutela de interesses trans-societários. Cf. Riechers, A. Das “Unternehmen an Sich”. Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1996; e (vii) à fase de regulação de mercados. Cf. BERLE, A.; MEANS, G. The modern corporation and private property. Chicago: Commerce Clearing House, Inc. 1932. p. 86 et seq.; DOUGLAS, W. O. directors who do not direct. Harvard Law Review, v. 47, n. 8, p. 1315, 1934.



Walfrido Jorge Warde Jr é advogado, bacharel em Direito pela USP e em filosofia pela FFLCH-USP, LLM pela New York University School of Law e doutor em Direito Comercial pela USP

Jose Luiz Bayeux Neto é advogado, bacharel e mestre em Direito Civil pela USP e professor de Direito Comercial do Mackenzie

Revista Consultor Jurídico, 19 de outubro de 2015, 8h00

Falsas denúncias de abuso sexual devem ser preocupação do operador de Direito




Por Giselle Câmara Groeninga


O tema toca a mais extrema e sombria realidade da alienação parental — as falsas denúncias de abuso sexual. E, como tenho feito neste espaço da ConJur, o objetivo é o de buscar algum esclarecimento, com os aportes da psicanálise, da (in)compreensão dos processos familiares levados ao Judiciário. São intrincadas, no limiar entre objetividade e subjetividade, as questões que envolvem o Direito de Família e seus operadores, sobretudo nestes casos.

As denúncias de abuso sexual têm um efeito bombástico que precisa ser compreendido por parte daqueles que devem interpretá-las e tomar medidas de proteção e de reequilíbrio do sistema familiar. Sejam aquelas falsas ou verdadeiras, a realidade é uma só: a de violência nas relações familiares. E a esta não se pode fazer eco.

O foco aqui é o das denúncias falsas de abuso sexual mas, por chocante que o seja, elas sempre guardam um tanto de verdade em relação a desejos e fantasias infantis que, de alguma forma, povoam a mente inconsciente de todos nós. E disto decorre, em parte, a grande dificuldade em sua abordagem.

A psicanálise enfrentou em sua origem o tabu da sexualidade com a candente questão em, justamente, diferenciar o que seria o trauma devido à sedução sexual por familiares, uma questão da realidade objetiva, do que seriam fantasias inconscientes. Estas foram descobertas por Freud por meio do método psicanalítico. Verificou ele que, a despeito dos relatos, não necessariamente teria havido um abuso sexual, uma sedução, e sim que tais fantasias emergiriam como sintomas, levando a confundir a realidade subjetiva com a ocorrência de acontecimentos objetivos.

A questão é atual: teria ocorrido um abuso, que fere a lei fundamental de constituição da família — o tabu do incesto — ou a crença em sua ocorrência seria produto de um sintoma de um transtorno mental, de tentativa de alienação e mesmo de um erro de avaliação? O resultado de tais indagações foi, à época, o descortinar da epistemologia psicanalítica sem, obviamente, desconsiderar a realidade objetiva. E é neste terreno pantanoso, da realidade e da fantasia, da objetividade e da subjetividade que caminha a investigação psicanalítica.

Na situação em pauta é de todo evidente a necessidade em compreender as denúncias com o instrumental epistemológico aportado pela psicanálise. Neste sentido é que trago aqui estas breves considerações.

Os impasses levados ao Judiciário são vistos pela psicanálise como sintomas de relações disfuncionais, i.e., os integrantes da família não estão podendo exercer suas funções, ocupar seus lugares — um desequilíbrio quanto ao exercício do Poder Familiar. Os vínculos familiares são formados por afetos que têm qualidades de agregar, no caso dos sentimentos de amor, e qualidades de desagregar, no caso dos sentimentos de agressividade. Os sentimentos de amor promovem o conhecimento de si e do outro, e a empatia. Já os sentimentos de agressividade e ódio desagregam e promovem o desconhecimento do outro e de si próprio.

Certo é que amor e ódio não existem puros, mas sempre em combinação, dosados em diferentes proporções. Mas, quando muito desbalanceados para o lado da agressividade, não só são afetos que desagregam, e que promovem o desconhecimento, como são afetos que pervertem as relações familiares. Relações que devem pautar-se pelo cuidado sobretudo com os mais vulneráveis, inclusive quanto à expressão da sexualidade adulta.

A lei fundamental de constituição da família, o que define o que é proibido e o que é permitido, é o tabu do incesto. Ela marca a diferença entre gerações e as possibilidades e impossibilidades quanto à expressão dos afetos e manifestações da sexualidade. Uma lei que define o estado — de pai, de mãe, de filho — e que delimita as condições para o livre desenvolvimento da personalidade e para o exercício dos direitos da personalidade — as funções materna, paterna, parental, filial, fraterna. Uma diferença objetiva quanto ao exercício das funções e essencial para a constituição da personalidade.

No entanto, antes de se chegar ao estágio adulto de clareza e objetividade quanto à diferença entre gerações, e entre o que é permitido e o que é proibido, há a infância e sua alta dose de subjetividade. A mente infantil é povoada de legítimas fantasias, ternamente românticas em formar um par com a mãe e/ou com o pai, e surpreendentemente agressivas em ao outro excluir. Fantasias que são reprimidas já muito cedo, no processo de formação da mente, mas que habitam de forma latente o inconsciente de todos nós. Fantasias que podem estar em camadas mais ou menos profundas do psiquismo, mas que são susceptíveis de emergir em crises quando, então, pode se perder a diferença entre o que é fantasia e o que é realidade, entre o que é subjetivo e o que é objetivo, entre o adulto e a criança.

E a questão é ainda mais complexa pois as situações de separação e crise familiar podem ser particularmente férteis à confusão entre a realidade e as fantasias mais próprias à infância. Isso porque, neste contexto, em que os lugares e funções dos adultos devem ser redefinidos, é até certo ponto natural que emerjam nestes fragilidades mais próprias à infância, somadas a sentimentos de exclusão e mágoa. Os lugares de adultos e crianças, até então relativamente claros, podem ser confundidos. Não raro os adultos deslocam afetos para os filhos que, transitoriamente, ocupam amorosamente o lugar do par perdido ou o lugar de rival para aquele que se sente excluído.

Neste contexto, podem ter lugar as mais diversas fantasias. Muitas vezes, se aqueles afetos deslocados para a relação com os filhos estiverem acompanhados de fantasias relativas à sexualidade adulta, o que podia ser apenas ciúmes, ressentimento e exclusão, para citar alguns sentimentos, pode ser confundido com manifestações reais, e não em fantasia, da sexualidade adulta.

Assim, por exemplo, meros cuidados com a higiene são transformados em denúncias de aproximação de cunho sexual, verbalizações das crianças, absolutamente naturais, de desejos em formar um par romântico com um dos genitores podem ser tomadas como relatos de fatos acontecidos, ecoando no que seria a porção inconsciente infantil que habita a mente dos adultos.

Lamentavelmente, não raro tais fantasias fazem eco nas fantasias inconscientes dos profissionais. Nessa situação, pode se perder a questão central em diferenciar a realidade objetiva da subjetividade e da fantasia, e a denúncia pode ser tomada de pronto como verdadeira.

As denúncias de abuso sexual causam comoção, fazem eco àquelas fantasias latentes em todos nós causando horror e, muitas vezes, reações descontroladas e violentas. O primeiro impulso deve ser o de proteção, mas que, no mais das vezes, fere a presunção de inocência com as medidas de afastamento daquele que foi identificado como abusador o que, de alguma forma, legitima a denúncia.

A necessária parcimônia demanda que, instalada a questão, cabe apurar se há confusão entre objetividade e subjetividade, entre realidade e fantasia, por difícil que isto possa ser. Como dito, as denúncias de abuso sexual, sejam falsas ou verdadeiras, denotam vínculos pautados pela violência. E a estes os operadores do direito não podem fazer eco, cabendo-lhes, pelo contrário, com a colaboração dos operadores da saúde, resgatar o conhecimento do contexto e das relações para, então, buscar meios de restabelecer o exercício das funções.

Aqueles que, erroneamente, interpretam a situação, colocando-se rapidamente em defesa da criança e da infância, sem questionar e ter consciência das dificuldades e possibilidades de erros de avaliação, e mesmo da violência e da agressividade neles contida, em muito contribuem para a alienação não só do adulto alvo da falsa denúncia.

Nos casos em questão não há atalhos dados pela mera objetividade. A eleição de tais caminhos pode levar à desagregação, ao desconhecimento e a temíveis curto-circuitos, alienando-se a própria subjetividade — justamente o que nos faz humanos.





Giselle Câmara Groeninga é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.

Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2015, 8h00

Construtora que atrasa entrega de imóvel deve pagar aluguel e dano moral




Por Fernando Martines


Fatos externos que atrasam a construção de um imóvel são risco do negócio das construtoras e, por isso, não podem ser repassados aos clientes. Assim entendeu a juíza Ana Rita de Figueiredo Nery, da 5ª Vara Cível do Foro da Comarca de Guarulhos (SP), ao determinar que uma empresa indenize um consumidor por ainda não ter entregado apartamento que estava previsto para o dia 31 de dezembro de 2013, com prorrogação de 180 dias.

A sentença determina que a ré pague danos morais e materiais e ainda restitua quantias gastas pelo cliente com taxas de corretagem e condomínio. O atraso na entrega do imóvel, na visão da juíza, provocou “abalo psicológico e moral” e justifica a indenização por danos morais em R$ 15 mil.

“Quem compra um imóvel, para fins de moradia, constrói um projeto de vida, faz programações familiares e financeiras. Destaca-se, ainda no que diz com a condenação por danos morais, que a aquisição de bem imóvel com finalidade residencial carrega em si expectativas sociais para além do empenho econômico-financeiro”, afirmou.

Por outro lado, independentemente se o apartamento seria para moradia ou não, ela considerou que o cliente foi prejudicado na possibilidade de utilizá-lo para obter lucro. Por isso, determinou o pagamento de 0,5% do valor do imóvel, a título de danos materiais.

“Em razão do atraso na entrega do imóvel, ficou a parte autora privada de fruí-lo economicamente. Daí porque patente o dano material que se pretende: pelo que razoavelmente a autora deixou de ganhar (lucros cessantes) no período de atraso da entrega do bem imóvel”, diz a sentença.

A defesa da empresa alegou que o atraso na entrega ocorreu por motivo de "força maior". Citando o jurista Arnoldo Wald, a juíza ressaltou que o ônus de provar a força maior é da empresa e que, ao celebrar contrato, a companhia está assumindo riscos econômicos.

“Não aproveitam às rés os argumentos expendidos em contestação, mormente porque as justificativas pelo atraso se enquadram como "fortuito" ou "força maior", mas sim fatos totalmente previsíveis dado vulto do empreendimento e o knowhow da empreendedora. Afora isso, percalços no andamento das obras decorrem do risco da atividade empresarial realizada pela ré”, avaliou a juíza.

A defesa do cliente foi feita pelo advogado Antonio Marcos Borges Pereira, do Borges Neto Advogados Associados.

Clique aqui para ler a decisão.



Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2015, 9h13

"Diferentes sistemas de valores impedem criação de uma Constituição global"




Por Marcos de Vasconcellos


Apartheid, em africâner, significa “separação”. Desde a década de 1940, no entanto, a palavra ganhou, aos olhos do mundo, um novo sentido, que expõe como a questão racial pode ser usada como pretexto para um grupo ser subjugado socialmente e politicamente. Foi em 1948 que a África do Sul oficializou a política de segregação racial, com a chegada do Novo Partido Nacional (NNP) ao poder. O apartheid se baseava na falsa premissa de que bastava separar brancos de um lado e negros do outro para eliminar a violência inter racial. Nesse sentido, proibiu-se , por exemplo o casamento entre negros e brancos. Outras restrições aos negros, como as de votar e de adquirir terras em grande parte do país, mostraram que o objetivo real da segregação era proteger a minoria branca e oprimir a maioria negra.

Foi desse cenário que emergiu Nelson Mandela, líder político que passou 27 anos preso por se rebelar contra o apartheid e que, posteriormente, presidiu a África do Sul e ganhou o prêmio Nobel da Paz. Solucionar um conflito desse porte não é tarefa para um homem apenas (mesmo que seja Mandela) e a abordagem da questão não pode ser simplesmente a afirmação do óbvio, de que pessoas não podem ter menos direitos por conta da cor da sua pele.

Coube ao professor Don Edward Beck, da Universidade do Texas, identificar que as questões da África do Sul nunca foram sobre raça, mas sobre sistemas de valores. Ele assessorou diretamente Mandela no trabalho de união do país dividido, tendo viajado mais de 60 vezes para a África com esta finalidade. O próprio Beck conta que havia publicado alguns artigos sobre o apartheid quando recebeu a ligação de Mandela, recém saído da prisão, dizendo “eu li o que você escreveu sobre o meu povo e quero que você venha me ajudar a melhorar as coisas por aqui”.

Com carreira como consultor organizacional e geopolítico para diferentes governos (Beck se diz amigo do também texano George W. Bush, ex-presidente dos EUA), o professor busca compreender em profundidade os diferentes valores de indivíduos e grupos. Hoje, ele repete o mantra ao comentar a questão palestina: “Não se trata de religião, mas de sistemas de valores”.

Segundo a teoria de Beck, denominada Spiral Dynamics Integral (Integral da Dinâmica em Espiral) — desenvolvida a partir do trabalho do professor Clare W. Graves —, a partir do momento em que os sistemas de valores são mapeados, é possível compreender a forma pela qual as pessoas se relacionam consigo mesmas e com os outros, facilitando processos de conexão.

Marcello Rodante, advogado brasileiro e estudioso do trabalho de Don Beck resume: “Os sistemas de valores funcionam como filtros, como estruturas de pensamento, como matrizes de comportamento. Cada um dos sistemas mapeados representa um determinado modelo existencial e cada modelo possui suas características e limites”. Ele esclarece que diferentes pessoas necessitarão receber diferentes abordagens, para obter diferentes resultados, diante de um determinado conflito, para que a solução mais adequada seja alcançada.

Rodante foi um dos responsáveis por trazer Beck ao Brasil em agosto deste ano, para dar um curso sobre soluções de conflitos para advogados especializados em mediação. Foi durante sua estadia que Beck concedeu entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, à beira da piscina do hotel que o hospedava, em Higienópolis, em São Paulo.

Ao comentar a situação brasileira, o professor texano explica que a dimensão geográfica e as diferenças sociais do país tornam ainda mais necessário buscar novos modelos de organização, em vez de simplesmente tentar encaixar pessoas que estão em sistemas de valores diferentes em um mesmo modelo. “Você jamais poderá mudar as coisas lutando contra a realidade existente. Para mudar algo construa um novo modelo que torne o modelo existente obsoleto”, diz sua obra.

O problema destas diferenças deságua no Judiciário, conta. Por isso, a Justiça deve estar a par desta visão, que transita entre a sociologia, a psicologia e a comunicação. Ao comentar o Direito Penal do Inimigo, que tem se mostrado forte no país, e cria uma categoria de “inimigos do Estado”, para quem os direitos são relativizados, Beck é categórico: “É preciso aprender a amenizar o espaço entre os grupos e reduzir o egocentrismo envolvido nesses conflitos, de forma que a sociedade emerja disso de um jeito mais pacífico e em um modelo mais positivo”.

Leia a entrevista:

ConJur — Gostaria de começar com o senhor explicando um pouquinho do seu trabalho neste momento.
Don Beck — Essa não é a minha primeira viagem ao Brasil. Já estive aqui umas sete ou oito vezes. Sou fascinado pela cultura. Primeiramente, notei todas as pontes e como elas são necessárias por aqui. É uma cultura de “bridging” (de ligação, de união).

ConJur — Pontes como a Rio-Niterói?
Don Beck — Sim. Eu vim o caminho inteiro do aeroporto para cá contando o número de pontes. Cada uma delas é única. Para mim, isso é uma metáfora para a mistura de pessoas. Desde os portugueses até os imigrantes de outros países, essa mistura deles aqui e os nativos... É uma mistura única. O que faz do Brasil tão único é essa mistura. Aqui existe uma oportunidade única de estabelecer um modelo global.

ConJur — Como é esse modelo?
Don Beck — Um dinâmico processo enquanto sistema vivo, porque são organismos, não é algo estático. Isso acontece muito rápido. Cada vez mais há pessoas que não se enquadram no modelo anterior. Tem os outsiders, os refugiados... Se não formos cuidadosos o suficiente, podemos perturbar o equilíbrio entre as culturas que fazem do Brasil o que ele é. Especialmente no que diz respeito às taxas de criminalidade.

ConJur — Nós temos taxas de criminalidade muito altas. Como isso influencia sua visão do modelo brasileiro?
Don Beck — Nós tínhamos um índice muito alto de criminalidade na África do Sul, porque muitas pessoas eram desses grupos que não se enquadram. Elas tinham expectativas muito altas e a sociedade não era capaz de corresponder a elas, no sentido de prover trabalhos decentes e casas decentes, por exemplo. Uma sociedade que está sob esse tipo de estresse produz pessoas que não se encaixam mais como costumavam, pessoas excluídas. Nesta situação, a ansiedade é grande, o estresse é alto. Isso se torna notável no sistema Judiciário, na parte criminal. É nele que os conflitos aparecem. Ser capaz de diminuir esses conflitos é, certamente, uma questão do futuro. O Brasil está numa posição muito mais favorável a isso, porque há uma vastidão de terra e céu para abraçar as pessoas. Vocês podem esperar uma imigração em massa para o Brasil. Vai acontecer. E o país precisa se preparar para isso.

ConJur — Como o senhor explica essa previsão?
Don Beck — Na globalização, as barreiras nacionais já não são mais tão importantes. O Brasil tem fácil acesso a matérias primas e potencial ilimitado para produção de diversos produtos (como já fazem com a cana-de-açúcar). Os seus únicos inimigos naturais são os argentinos (risos).

ConJur — E qual é o papel da Justiça neste passo que estamos dando agora?
Don Beck — Justiça se define com uma série de princípios aos quais as pessoas estão atreladas e uma lista de consequências para o caso de as pessoas não seguirem tais princípios. A Justiça decide quem vai para a prisão ou não. Eu moro no Texas, onde há um complexo gigante de prisões privadas que, assim como os hotéis, precisam de pessoas para encher as celas. Ou seja, precisa de um Judiciário que gere um fluxo de pessoas enclausuradas. O que aconteceu no nosso sistema prisional privado é que temos muitos leitos para preencher. Então as companhias fazem pressão nos legisladores sobre quem vai para a prisão. Nós temos toda uma geração de jovens negros enclausurados, que não se casam, não aprendem um ofício e dificilmente terão filhos legítimos, porque estão presos. Isso apesar dos esforços do presidente [Barack] Obama para libertar pessoas que não apresentam uma ameaça séria.

ConJur — Juntando a questão das pessoas que não se enquadram ao sistema à questão penitenciária, qual é a sua opinião sobre o presídio de Guantánamo?
Don Beck — Desde que os EUA reconheceram Cuba — e Cuba quer aquela terra de volta —, Obama prometeu que mandaria todo mundo para fora de Guantánamo. Mas o que vamos fazer com esses prisioneiros? Guantánamo é um bom lugar — como prisão —, eles comem bem, podem rezar, mas são uma ameaça. Então não podemos simplesmente enviá-los para uma comunidade local, que não consegue lidar com eles. São terroristas e esse é um problema real.

ConJur —Como pode o Judiciário agir para mudar esse problema que é visto como um problema social.
Don Beck — Obviamente, há muitos conflitos no sistema em relação à maturação dos jovens pobres e negros, por conta de famílias destruídas, por causa da ausência do pai, do impacto das gangues, e, certamente, também por causa de drogas. Então o desenvolvimento normal desses jovens não acontece. Não existe esse problema, por exemplo, com a população negra da África do Sul, pois os negros de lá não foram escravos e ainda têm ciência da própria tribo. O que aconteceu no Brasil é que os escravos foram separados de sua terra natal, ficando longe da influência de suas tribos, tudo ficou fragmentado. Faltam princípios organizados. É uma coisa que existia com o Mandela, que agia como uma espécie de chefe de tribo. Mas uma população se torna caótica se é jogada nas ruas sem qualquer tipo de estrutura ou tradições que os deixe em conformidade com as leis e que os faça ter uma vida significante. Existe um ditado que diz: “É preciso todo um vilarejo para se criar uma criança”. É isso mesmo. Mas também precisamos de trabalhos disponíveis. Então, o sistema precisa criar vantagens em impostos, por exemplo, e incentivos para criar oferta de trabalhos mais braçais para esses jovens. Porque senão eles não são empregáveis.

ConJur — Como é possível recriar esse laço histórico perdido?
Don Beck — Um jovem em Chicago se junta a uma tribo porque ele quer ser amado. E por ser amado ele vai ter funções. Isso dá estabilidade à vida deles. As gangues são, então, substitutas das tribos. Certamente, pode haver um crescimento da influência de times esportivos, por exemplo. Mas no final das contas, o que eles precisam é de emprego, porque é isso que gera receita. Então precisamos de um plano muito maior. Eu estava numa convenção de finanças no Caribe na qual se discutiu a possibilidade de trabalhos em tecnologia para os palestinos. Só que eles não querem isso. Querem fábricas de cimento, que é trabalho braçal. Porque isso dá a eles um trabalho estável, das 8h às 5h, porque eles não precisam passar pelos postos de checagem israelenses, por exemplo. Aí podem vender muito concreto no Oriente Médio, que é um mercado grande. Então a decisão foi de não levar a Cisco, mas fábricas de cimento. Isso é um exemplo de como adaptar as oportunidades comerciais em comunidades para absorver os trabalhos para os tipos de pessoas que precisam deles. É simplesmente um exemplo do que precisa ser feito.

ConJur — Em seu trabalho, o senhor fala de espirais de desenvolvimento, tanto pessoal quanto coletivo. A questão dos jovens é importante nisso.
Don Beck — O que eu fui capaz de identificar com os anos de pesquisa pesada é que há estágios de desenvolvimento. Isso é o que segue nosso programa da juventude. A ideia principal é encontrar jeitos naturais de desenvolvimento dentro da mente. Estruturas necessárias para lidar com as complexidades do mundo. Fizemos uma cobertura disso durante muitos anos em projetos ao redor do mundo. E foi assim que eu consegui trabalhar na África do Sul. Os problemas da África do Sul nunca foram sobre raça. São sobre sistema de valores.

ConJur — Até o apartheid?
Don Beck — Sim. Da mesma forma que os problemas no Oriente Médio não são por causa da religião.

ConJur — Israel tem sido acusado de promover uma espécie de apartheid no século 21. Essa é a uma palvra apropriada para o que ele vem fazendo?
Don Beck — Apartheid é a palavra africana para “segregação”. Foi o que aconteceu quando os europeus chegaram a Cape Town, em 1652. Eles trouxeram suas armas e sua Bíblia. Sua entrada numa sociedade de tribos não foi boa. Todos os problemas raciais — dos quais o apartheid foi uma manifestação — foram por conta de diferentes níveis de desenvolvimento ao redor do mundo, não eram todos iguais. Por isso, não é um sistema racial. Ainda assim, as condições de vida e os códigos genéticos, por exemplo, ajudam no jeito como as sociedades se densolvem. Sociedade não é um sistema permanente, é uma adaptação evolutiva das condições de vida.

ConJur — O problema na África não foi raça. Na Oriente Médio, não é religião. O problema no Brasil também é uma questão de valores? E como entendê-los e ajustá-los?
Don Beck — Eu vejo os mesmo padrões na África e Oriente Médio, lugares onde o sistema de valores é o problema. Eles continuam a criar problemas e bagunça. Muita gente, muita oportunidade, muita complacência.

ConJur — O senhor acredita que possamos ter uma Constituição global?
Don Beck — Ainda não. No futuro certamente. Mas até mesmo a Organização das Nações Unidas agora é uma entidade muito fraca. A gente vai ter que esperar um tempo, porque ainda há muitos grupos em diferentes estágios de desenvolvimento.

ConJur — Essa ideia de uma constituição global não é uma ideia de uma sociedade centrada no ser humano? Não partiria daí criar uma mesma lista de valores para a comunidade mundial?
Don Beck — São os mesmo valores. Mas uma sociedade é constituída por tipos de pessoas diferentes e em estágios diferentes de desenvolvimento. O olhar mais humano é uma chance de reconhecer essas diferenças e amenizar os conflitos entre eles.

Conjur — A ideia do Direito Penal do Inimigo, que cria uma relação de “nós contra eles”, é um ponto muito importante na atual conjuntura do Direito brasileiro.
Don Beck — É preciso aprender a amenizar o espaço entre os grupos e reduzir o egocentrismo envolvido nesses conflitos, de forma que a sociedade emerja disso de um jeito mais pacífico e em um modelo mais positivo. É o que fizemos na África do Sul. Apesar de muitos acharem que teríamos uma nova guerra, não tivemos.

ConJur — Nós temos visto no Brasil a aprovação de punições maiores para crimes específicos, como se isso fosse determinante para a redução da criminalidade. A punição é, em si, uma solução?
Don Beck — Há sempre jeitos de punir alguém. Muitas vezes o isolamento é o último recurso. Mas sou inclinado a acreditar que, baseados em estudos de DNA e em dimensões biológicas do cérebro, podemos começar a identificar o desequilíbrio químico em algumas pessoas. Estudos que provam isso no campo da Neurologia.

ConJur — Esse pensamento biológico sobre a criminalidade não é um retrocesso?
Don Beck — Há diferentes tipos de dinâmicas e muitas são provocadas quimicamente. Há novas técnicas para lidar com casos radicais. Eu pesquiso a família, a comunidade local e os problemas sociais para chegar a essa conclusão.

ConJur — Os tribunais internacionais deveriam ter mais poder?
Don Beck — Todos os países têm prioridades em valore internos. Americanos são pessoas peculiares. Nós não gostamos de nos submeter às regras de ninguém mais. Mas eu acho que é preciso haver cortes internacionais.

ConJur — Como as decisões dessas cortes podem ser cumpridas ou reforçadas?
Don Beck — É preciso ter mais casos. Eu passei um tempo trabalhando na Sérvia, e muitas daquelas pessoas não temiam as consequências dos tribunais internacionais. Acho que é preciso haver alguns resultados, para que os tribunais sejam notados e entrem no radar mundial.

ConJur — Por que o senhor veio se reunir com advogados no Brasil?
Don Beck — Eu venho de uma família de advogados, então sou muito sensível a habilidades pragmáticas. Tive muito prazer em trabalhar com profissionais da área no Brasil. A maioria entre 30 e 40 anos de idade, com um jeito moderno de pensar, sem tanta “raiva”, sem aquele ponto de vista que imagina o outro lado como um inimigo. Nós temos um conjunto de condições mais colaborativas na Justiça hoje, todo mundo fala sobre isso. É um sinal de que os profissionais estão tendo um senso melhor e diferente de mediação. Tenho um bom amigo em Los Angeles que trabalha com divórcio de forma diferente. É um divórcio consciente em vez de um modelo imposto.

ConJur — Nelson Mandela foi preso como terrorista e foi solto majoritariamente por opinião pública. Como podemos lutar contra os terroristas sem sermos preconceituosos?
Don Beck — Ele era um caso único. Eu costumava falar com os policiais da cadeia antes de ele ser solto. E eles falavam que ele era o ser humano mais incrível que eles já tinham conhecido. Eu escrevi no jornal na África do Sul como o país poderia mudar com ele. E quando ele saiu da prisão, me ligou perguntando o que eu estava fazendo e se eu queria ajudá-lo. Ele controlava seu próprio caminho. Sabia, por exemplo, que era melhor não ser solto em um determinado momento porque era perigoso para ele.

ConJur — Não conseguimos pensar nele como terrorista...
Don Beck — Ele não era. Ele era um advogado. Mas a África do Sul classificou todo mundo como terrorista. Com certeza eu também era considerado um. O problema era a falta de habilidade para entender as diferenças entre os africanos e os europeus. Nos EUA, houve uma guerra civil por causa da dificuldade em entender as diferenças entre brancos e negros, entre o Norte e o Sul.


Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2015, 8h25

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Turma isenta doméstica autônoma e sua contratante de pagarem contribuição previdenciária



A União perdeu no Tribunal Superior do Trabalho recurso julgado pela Quarta Turma contra decisão que impediu a incidência de contribuições previdenciárias sobre valor de acordo judicial em relação a trabalho doméstico sem vínculo de emprego. Manteve-se entendimento de que a prestação de serviços domésticos autônomos afasta a aplicação de contribuições sociais na forma pretendida pela União.

Após o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Jandira (SP) homologar o acordo, a Fazenda Nacional recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo-SP) para pedir descontos previdenciários sobre o valor ajustado, R$ 12 mil. Segundo a União, a contratante neste caso se insere entre os financiadores da seguridade social listados no artigo 195, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, que aborda as empresas, as entidades a elas equiparadas e os empregadores.

O Regional julgou improcedente o pedido, visto que a tomadora de serviços não empregava a doméstica tampouco era contribuinte individual assemelhada a uma empresa. Diante dessa constatação, o TRT a considerou isenta das contribuições sociais.

A Fazenda Nacional ainda pediu o desconto da contribuição que, segundo ela, deveria ter sido paga pela doméstica. O TRT de São Paulo-SP indeferiu a pretensão, ao concluir que, nessas circunstâncias, o recolhimento precisa ocorrer por iniciativa própria da trabalhadora, de acordo com o artigo 30, inciso II, da Lei 8.212/1991.

TST

A relatora do recurso da União ao TST, desembargadora convocada Cilene Ferreira Santos, entendeu que a decisão do Regional não violou o artigo 195, inciso I, alínea "a", da Constituição. Ela ratificou a avaliação de que a receptora dos serviços não empregava a doméstica nem era empresa ou entidade similar. Também disse ser ilegal impor à contratante o recolhimento de contribuição previdenciária, porque ela é pessoa física, contribuinte individual e inexiste prova de que exerça atividade econômica.

Por fim, a desembargadora convocada também rejeitou o item do recurso pelo qual a União pretendia o desconto previdenciário sobre o valor que a trabalhadora recebeu. Cilene Santos julgou improcedente esse pedido, já que a Fazenda Nacional não atendeu a pressuposto recursal obrigatório.

A decisão foi unânime.

(Guilherme Santos/RR)

Processo: RR-60-59.2010.5.02.0351

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...