segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Pensou-se no STF e no STJ, mas faltou ouvir o povo sobre o novo CPC





[Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 17/12]

Melhorar a legislação do País é sempre providência salutar e bem­vinda, pois a todos interessa a existência de leis constitucionais e adequadas à realidade brasileira e, no caso específico do processo civil, que atendam às garantias constitucionais da celeridade processual e da razoável duração do processo.

Equívoco muito comum entre nós é pretender modificar a legislação como se, num passe de mágica, essa mudança fosse capaz de alterar a natureza e a realidade das coisas. Não é com mudança de legislação, apenas, que serão melhoradas as condições da Justiça brasileira e o tempo de duração dos processos, bem como a qualidade da prestação jurisdicional pelos juízes e tribunais do País.

Leis nós temos muitas. E boas. O CPC vigente, de 1973, é uma lei excelente. O novo, que foi aprovado pelo Senado, não foi feito porque a lei anterior era ruim, mas para tentar equacionar o problema do estoque dos processos nos escaninhos dos órgãos do Poder Judiciário, principalmente nos tribunais superiores.

A aplicação dessas leis e/ou sua efetividade é que sofrem das mazelas culturais, econômicas e sociais próprias de País em desenvolvimento e que está caminhando a passos lentos para a estabilização das instituições democráticas.

O Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública são dois exemplos excepcionais, que têm prestado relevantes serviços à cidadania brasileira, mas que, por outro lado, não têm sido tão efetivos em virtude da utilização inadequada por todos aqueles que devem se servir dessas leis. Falamos de advogados, membros do Ministério Público, Magistrados em geral, órgãos da Administração Pública e Procuradores Públicos. Essa é a razão pela qual se pretende a reforma do CDC e da LACP. O problema não é de deficiência da lei, mas sim sua aplicação e efetividade. Em suma, o problema é cultural.

No caso do CPC, o cenário é um pouco diferente, mas a gênese é semelhante. Há um problema grave de acúmulo de processos no Poder Judiciário, o que vale dizer que há demora excessiva na solução dos casos submetidos ao exame dos juízes e tribunais.

Apesar da versão aprovada pelo Senado Federal ser muito melhor do que a de 2010, originariamente aprovada pelo mesmo Senado e que era extremamente ruim, pensou­se num novo CPC que privilegiasse a questão do estoque de processos e a hierarquia dos tribunais superiores sobre os tribunais regionais federais e estaduais e, destes, sobre os juízos singulares.

Essa visão, em meu modo de ver é, em princípio, distorcida, porque ataca o efeito mas não a causa. Há um número excessivo de processos, então tomam­se medidas para solucionar a questão. O problema é de outra ordem, nomeadamente, de natureza cultural. O exemplo vem de cima, pois o primeiro a descumprir a Constituição e as leis é o Poder Público. Ele não cumpre as leis e, com esse mau exemplo, os particulares também não cumprem, gerando a judicialização dos problemas originados por esse descumprimento. Se o Poder Público cumprisse a Constituição e as leis, tomando a iniciativa de decidir com responsabilidade questões cristalinas sobre as quais não há dúvida, a diminuição de demandas seria sensível e ocorreria automaticamente.

O projeto aprovado pelo Senado obedece a pauta dos tribunais superiores. Vale dizer, foi elaborado para desafogar os escaninhos principalmente do STF e do STJ, sem que se tivesse privilegiado o jurisdicionado, o povo, destinatário final da prestação jurisdicional.

Não se perguntou à população se ela quer a extinção de recursos ou a dificuldade em admitir­se recurso para qualquer tribunal. Ou seja, se deseja que seu direito constitucional de ação seja impedido por decisão liminar que julga improcedente sua pretensão, e colocando um ponto final na discussão se essa contraria súmula de tribunal!

Em meu entender, a população deveria ter sido consultada, de nada valendo a afirmação de que o projeto foi aprovado na "Casa do Povo", que é a Câmara dos Deputados. Estou falando de democracia verdadeira e não de democracia formal. Não se faz um Código de Processo Civil para atender interesses apenas de tribunais.

A questão da hierarquia é ainda mais aguda. Quer­se instituir o autoritarismo do processo com o denominado "direito jurisprudencial", termo que coloco entre aspas porque entendo ser pejorativo, já que não pode existir num País que adota como fundamento o estado constitucional, jurisprudência vinculante, seja de que tribunal partir essa determinação. O CPC de 1973, aprovado durante o regime da ditadura militar era e é ideologicamente democrático; o novo CPC, com a instituição de obediência hierárquica dos juízos aos tribunais, com a instituição de súmula vinculante, súmula impeditiva de recurso e outros expedientes assemelhados, será um código ideologicamente autoritário. Mais uma vez estaremos diante de um "estado democrático de direito" virtual, de uma democracia com punhos de renda.

No mais, naquilo que o projeto traz de melhoria dos institutos processuais, só pode receber elogios, pois, repito, ninguém pode colocar­se contra a melhoria da legislação. Mas isso é varejo. No atacado, o Código será autoritário, instalará a ditadura dos tribunais e descumprirá o já tão menosprezado direito de ação, garantia constitucional que deverá ser tratada como cláusula de algodão, porque de pétrea parece que não terá mais nenhum vestígio.

Boa sorte ao jurisdicionado brasileiro. É o quer posso humildemente desejar.


Nelson Nery Jr. é parecerista, professor titular das Faculdades de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC­-SP) e da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp) e sócio do Nery Advogados



Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2014, 13h16

O novo CPC e o processo judicial eletrônico

O novo CPC e o processo judicial eletrônico




O novo Código de Processo Civil pouco se ateve a tramitação processual por meio eletrônico, mesmo apesar dos sete anos de existência da Lei que instituiu o processo judicial informatizado.

A Lei 11.419/2006 se traduz em texto reduzido de 22 artigos, que delegou aos órgãos do Poder Judiciário sua regulamentação, no âmbito de suas respectivas competências.

Desde março de 2007 o exercício da advocacia em meio eletrônico se condiciona ao conhecimento da regulamentação concretizada por cada um dos 27 Tribunais de Justiça, pelos cinco Tribunais Regionais Federais, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça, além da Justiça Trabalhista, absolutamente díspares.

Invariavelmente a regulamentação protagonizada pelos Tribunais adentra a seara alheia, instituindo regras e exigências inexistentes no ecossistema do Direito Processual, fato que vem causando grave insegurança jurídica.

O novo CPC não trouxe a tão desejada unificação das regras e procedimentos da tramitação judicial por meio eletrônico. Perdeu-se rara oportunidade de exterminar essas dezenas de ilhas isoladas de normas internas.

Caberá ao Conselho Nacional de Justiça a competência de regulamentar supletiva aos tribunais quanto a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico, cabendo velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinar a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais do novo CPC.

Muito ainda será comentado e analisado. Viver para ver os resultados!

Selecionamos os artigos do novo CPC que fazem referência direta ao meio eletrônico. Clique aqui para ler. 


Ana Amelia Menna Barreto é advogada do Barros Ribeiro Advogados Associados e diretora de inclusão digital da OAB-RJ.



Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2014, 9h53

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Proposta para o Novo CPC: Juiz pode fazer penhora online se houver fundamento






Se é verdade que a primeira versão do CPC, aprovada pelo Senado em 2009, institucionalizava um poder judicial quase sem limites para a decretação da penhora on line, e se é verdade também que a Câmara dos Deputados, após longos debates, resolveu restringir enormemente tais poderes, condicionando-os à existência de “decisão de tribunal”, o que resta agora aos senadores que se reúnem em sessão plenária na terça-feira (16/12) é encontrar uma solução de equilíbrio que favoreça e torne razoável o trânsito processual.

Para esse fim, lembramos que existe uma solução intermediária no substitutivo apresentado à Câmara pelo Deputado Miro Teixeira, de nossa lavra, e que pode constituir uma saída para o dilema da penhora on line sem ferir a norma regimental que impede a construção de novos textos, além dos aprovados em cada uma das casas legislativas.

A proposta de solução é a seguinte: a supressão dos §§ 9º e 10º do art. 870 que vieram da Câmara e que sujeitam a penhora on line à “decisão de tribunal” – supressão objeto de emenda recente de alguns senadores para fortalecer o juiz de primeiro grau em favor dos credores –, mas com o acréscimo ao caput do mesmo art. 870 da exigência de fundamentação cautelar (o condicionamento à ocorrência de “perigo na demora da prestação jurisdicional”) e de expressa justificação das “razões de seu convencimento de modo claro e preciso”, por parte do juiz ao decidir, tudo para assegurar o direito de não agressão liminar ao patrimônio dos devedores sem um motivo sério.

Observe-se que o acréscimo de fundamento cautelar ao caput do art. 870 nada mais significa do que a explicitação da razão da necessidade do bloqueio liminar e da justificativa da própria cláusula “sem dar ciência prévia do ato ao executado” que consta do texto. Em outras palavras, a exigência de periculum in mora apenas explica o cabimento do bloqueio on line que o texto original do Senado, de 2009, não fazia, mas também atende à preocupação da Câmara de não permitir bloqueios levianos.

O acréscimo proposto é o meio-termo entre o fortalecimento excessivo do poder do juiz (do Senado, de 2009) e o enfraquecimento excessivo do poder do juiz (da Câmara, de 2013). Trata-se do ponto de equilíbrio entre a vontade das duas casas legiferantes e a mera explicitação do que o Senado, em 2009, podia e devia ter dito, mas não disse. Afinal de contas, o bloqueio on line serve para situações perigosas e para executados perigosos (os que estão fugindo, escondendo bens, esvaziando contas) e não para quaisquer executados.

Além disto, a solução por nós cogitada também acaba justificando a emenda que propõe a supressão da cláusula final do parágrafo único do art. 298 do texto da Câmara que regula a tutela de urgência (“vedados o bloqueio e penhora de dinheiro, de aplicação financeira e outros ativos”), porque se o juiz pode liminarmente bloquear on line em sede executiva, é natural que ele possa bloquear on line em sede de tutela cautelar, sob a forma de arresto, como previsto pelo art. 301, §3º, do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em 2013.


Antônio Cláudio da Costa Machado é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco, coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito, mestre e doutor em Direito pela USP.



Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2014, 12h02

Bem de família do fiador em contrato de aluguel é penhorável





É possível penhorar bem de família de fiador apontado em contrato de locação. Esse foi o entendimento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Especial afetado como recurso repetitivo — ou seja, todos os recursos que tratam da mesma questão jurídica que estavam sobrestados no STJ, nos tribunais de Justiça dos estados e nos tribunais regionais federais terão, agora, andamento.

De acordo com o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Com unanimidade, o colegiado seguiu a jurisprudência já firmada pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal. Relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que, conforme o artigo 1º da Lei 8.009, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da norma.

“Infere-se, pois, que a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a impossibilidade de se impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fiador em contrato de locação, permitindo que tal gravame seja lançado sobre o imóvel”, afirmou Salomão.

“A jurisprudência desta corte é clara no sentido de que é possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei 8.245/91, que alterou o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009”, concluiu o ministro.

Entretanto, o ministro ressaltou que há divergência na doutrina sobre o tema em discussão. De um lado, autores como José Rogério Cruz e Tucci e Carlyle Popp entendem que o bem de família do fiador não pode ser penhorado para satisfação de débito em contrato de locação. Por outro lado e em conformidade com a jurisprudência do STJ e do STF, doutrinadores como Álvaro Villaça Azevedo, Alessandro Segalla e Araken de Assis defendem ser legítima a penhora, com base no artigo 3º da Lei 8.009.

O caso
No caso julgado pelo STJ, a ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios foi ajuizada por um espólio. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e declarou rescindido o contrato de locação, decretou o despejo e condenou todos os réus, solidariamente, ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel.

A sentença transitou em julgado, e o espólio iniciou o seu cumprimento, tendo sido penhorados imóveis dos fiadores, que apresentaram exceção de pré-executividade. Entre outras questões, sustentaram a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 8.009. O juízo, no entanto, rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família em vista dos precedentes judiciais.

Os fiadores recorreram, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul tornou insubsistente a penhora que recaiu sobre um dos imóveis, por ele ser bem de família. A decisão, no entanto, foi revertida pelo STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2014, 20h00

Imóvel que serve de residência para família não pode ser penhorado





Para ser enquadrado no conceito de “bem de família”, e, com isso, ser impenhorável, basta que o imóvel sirva de residência à família. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho anulou penhora da casa onde uma senhora de 89 anos, sócia da empresa condenada, vivia há mais de 50 anos, que havia sido feita para a quitação de dívida trabalhista.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP) havia mantido a penhora pelo fato de a proprietária não ter comprovado que o imóvel era o seu único bem residencial. No entanto, ao acolher recurso da mulher contra a decisão do TRT-15, o ministro Walmir Oliveira da Costa, relator do processo no TST, destacou que o entendimento da Corte é no sentido de que o imóvel que serve de residência ao devedor é coberto pela impenhorabilidade constante do artigo 1º da Lei 8.009/1990.

Para o ministro, a lei exige apenas que o imóvel sirva de residência da família, "e não que o possuidor faça prova dessa condição mediante registro no cartório imobiliário ou que possua outro imóvel". De acordo com ele, o bem de família goza da garantia de impenhorabilidade da lei, e o artigo 6º da Constituição da República assegura o direito social à moradia, que prevalece sobre o interesse individual do credor trabalhista.

Assim, ao manter a penhora do imóvel residencial, o TRT-15 teria decidido contra a jurisprudência pacificada do TST, "violando, em consequência, o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República", concluiu o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Recurso de Revista 2600-08.1995.5.15.0040


Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2014, 14h48

Terceirização ilícita desobriga empresa de manter registros de funcionários






O registro de funcionários terceirizados de uma empresa de economia mista que presta serviços para a administração pública não pode ser regularizado por imposição. A decisão é da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho ao anular auto de infração e multas administrativas aplicadas a uma empresa de transporte goiana por terceirização ilícita.

A empresa opera o principal corredor do sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia e foi autuada em 2006, por auditor fiscal do trabalho, por manutenção de trabalhadores sem registro. O processo começou a ser julgado pela SDI-1 e foi concluído em dezembro deste ano.

Para o ministro Guilherme Caputo Bastos, relator, apesar de ter sido reconhecida a terceirização ilícita, não há, no caso, como impor à empresa a obrigação de manter o registro dos trabalhadores em situação irregular. "Nessas situações, exigir-se da empresa tomadora o cumprimento do artigo 41 da CLT [manutenção dos registros profissionais], quando ela ostenta a condição de sociedade de economia mista, é o mesmo que impor-lhe o cumprimento de uma obrigação impossível", ressaltou.

Autuação e recursos
O fiscal considerou nula a terceirização firmada pela Metrobus, sociedade de economia mista, com a Multcooper (Cooperativa de Serviços Especializados). De acordo com o auto de infração, a empresa admitiu e manteve sem registro 413 empregados, de março de 2005 a outubro de 2006. Eles estavam como controladores de fluxo de passageiros, monitores de plataforma de embarque e desembarque, e gestor de serviços de plataforma, assistente de RH, auxiliar técnico e diarista de limpeza e motorista.

Em ação anulatória contra a União, a empresa de transporte alegou que não existia relação de emprego e, portanto, a terceirização era lícita, pois se tratavam de atividades meio, e não atividades fim da empresa. O argumento foi rejeitado em primeira e segunda instância, o que levou a empresa a recorrer ao TST.

A 4ª Turma do TST ratificou a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), que concluiu pela validade do auto de infração, devido à inobservância do artigo 41 da Consolidação das Leis do Trabalho pela tomadora de serviços, que não mantinha o registro dos empregados por ela contratados em terceirização ilícita.

A Metrobus, então, interpôs embargos à SDI-1. Para o ministro Guilherme Caputo Bastos, relator, apesar de ter sido reconhecida a terceirização ilícita, não há, no caso, como impor a obrigação de manter o registro dos trabalhadores em situação irregular. Ele apontou que o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal prevê a necessidade de concurso para a contratação de funcionários da administração pública direta e indireta.

O ministro Bastos explicou que a multa administrativa aplicada pelo auditor-fiscal do trabalho com base no descumprimento do artigo 41 da CLT, para ser válida, pressupõe a possibilidade de livre contratação de empregados pela empresa autuada, o que não se verifica no caso, devido à natureza jurídica da empresa.

O relator concluiu, então, que devia ser invalidado o auto de infração, uma vez que foi baseado em descumprimento de preceito de lei que não se aplica ao caso. "Isso porque, como visto, a falta de registro dos trabalhadores pela empresa decorre do fato de não haver entre eles vínculo de emprego, mas apenas uma terceirização de serviços, que, conquanto ilícita, não impõe à empresa tomadora a obrigação de cumprir o disposto no artigo 41 da CLT, em virtude da regra constante do artigo 37, II, da Constituição Federal".

O processo começou a ser julgado na SDI-1 em setembro de 2010, quando, após o voto do relator, o ministro Ives Gandra Martins Filho pediu vista regimental. Ao trazer o processo de novo a julgamento, o ministro Ives Gandra seguiu o relator e destacou que o auto de infração incluía registro de trabalhadores como diarista de limpeza, típica atividade meio, cuja terceirização é permitida.

Divergiram do entendimento do relator os ministros Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta,Hugo Carlos Scheuermann e Lelio Bentes Corrêa, que negaram provimento ao recurso e ficaram vencidos. Os outros nove ministros seguiram o entendimento do relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.



Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2014, 19h12

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

É verdade que é tudo mentira... Mitos cotidianos e jurídicos!





Extra, extra! Polêmica nacional: o picolé Dilleto e o suco Do Bem estão sendo “investigados” porque teriam mentido em suas propagandas. O suco não é feito com laranjas da Fazenda X e o picolé não é feito com a receita inventada pelo avô do dono da fábrica, que, no máximo, sabia capinar na lavoura nas montanhas da Itália.

Questão: pode a publicidade mentir? Céus. E... céus! Depois de ter frouxos de riso, recuperei-me do choque provocado pela “polêmica” neo-farisaica. Minha tese: vamos fechar a fábrica de picolés. Onde se viu inventar um avô que não sabia fazer picolés? Que pilantras. Ora, inventar um avô.

E acrescento, a título de colaboração: Vamos fechar o McDonalds, cujo sanduíche não é nem parecido com o que está na fotografia. Exijam o sanduíche das fotos! Processemos os hotéis e agência de propaganda que vendem estadias, porque mostram fotos de quartos que, quando lá se chega, nem de perto são o que aparece nas fotos. E vamos processar as pessoas do Facebook.

Veja as fotos dos facebookeanos... Encontre-os na rua e verá: a foto não tem nada a ver com a figura “ao vivo”. E o que dizer da propaganda da Vivo? Vivo tudo ou total por R$ 6,90 por mês. Internet por seis e noventa! Sim! Tudo verdade! Assine a Sky: você não imagina que barato. Tudo por R$ 59,90 (na prática, paga-se três ou quatro vezes mais ou os canais são reduzidíssimos em relação aos demais “pacotes”, combos, etc; ou o preço só vale por três meses)! Eu tenho um celular 4G (Vivo) e posso mostrar para qualquer um que só aparece na tela 3G. Fui à loja da Vivo e nem lá dentro o sinal de 4G apareceu. Tudo verdade! Não estou mentindo. Ah: Em Porto Alegre tem uma propaganda de funerária que diz que a tal funerária nem parece funerária. Tudo verdade.

Verdades e mentiras! Esse país é uma maravilha. Ligo o rádio e ouço um reclame governamental: “a segurança pública avançou no governo tal e tal”. E, em seguida, o noticiário: morreram tantas pessoas assassinadas, houve tantos assaltos... Tudo mentira e tudo verdade!

Emagreça tomando comprimidos de algas ou casca de árvore de pé-de-boi. Ou compre a TV X em 10x sem juros! Yes! Sem juros! Tudo verdade!!! E vamos fechar a fábrica dos picolés do avô inventado. Vamos expulsá-lo do país. Mentiroso. Onde já se viu mentir assim em um país em que a verdade é quase ontológica? Alugue um carro na AVIS e devolva-o no aeroporto de Confins sem o tanque completo. Bingo! Pagará R$ 5,50 por litro de álcool. Tudo verdade. Amo esse país. De verdade. Não é mentira, não!

Aristóteles perguntava: Que vantagem têm os mentirosos? E respondia: A de não serem acreditados quando dizem a verdade. E Millor: jamais diga uma mentira que não possa provar! E eu digo: eu posso provar a verdade acerca das mentiras ditas acima. Como também posso provar que são mentiras as verdades que se dizem por ai. Por isso posso provar que os 0800 das companhias telefônicas ou da SkyNet são para enganar trouxas. Aliás, posso demonstrar que os telefones nos quais uma gravação atende são danosos ao consumidor. As companhias devem atender a ligação em 1 minuto. Elas atendem...e deixam você pendurado por 15 minutos. Como a Azul, que cobra R$ 130 para alterar uma passagem, mesmo que seja para viajar uma hora antes. Mais: faça o teste e ligue, agora, para, assim por amostragem, o SAC da Samsung (ah, não é assistência técnica? Que pena...). Viva. Ou Vivo. Também é verdade a propaganda eleitoral em que os novos deputados diziam: “Pela ética, vote na renovação”! Beleza: desde que me pague a minha parte em dinheiro! Por exemplo, em troca de meu voto em determinado projeto de lei... Entenderam?

Vou colocar um adesivo no meu carro: Fora com o cara que inventou o avô! Onde se viu isso? Ou vou colocar no twitter (que não tenho): #A publicidade e a TV não mentem! Fora com o cara do picolé Dilleto que inventou um avôfake e cujo avô de verdade não sabia fazer picolé!#

E vou estocar comida. E picolés feito com receita de meu avô. O avô é meu e ninguém tasca. Ele nasceu no Afeganistão. Faz picolé de raspa de tijolo. Picolés Streck. Os melhores. E não é verdade que seja mentira a mentira que, de verdade, contaram na peça publicitária. Montanhas: aqui vou eu! Com o farnel cheio de picolés e laranjas da Fazenda do seu Francisco. Estocar e estocar! Eis a solução. O caos e o dilúvio vêm aí! Estou avisando.

As mentiras no direito e como Fragoso sabia de tudo
Mentiras estão ligados aos mitos. Mitos institucionalizam mentiras. Mitos são simplificações com o objetivo de dar, por meio da lógica, “conforto moral” àqueles que se sentem miseravelmente perdidos em meio ao caos da História. Mitos não são verdade nem pretendem sê-lo; servem somente para conferir sentido ao homem-massa, com bem diz o Professor em História da USP Marcos Guterman.

O jurista-massa sobre(vive) de mitos. A verdade real é um mito. O livre convencimento é um outro mito que conforta moralmente os juristas. Vende-se nas salas de aula que o “direito é uma questão de caso concreto”...e, “de verdade mesmo”, sabemos que isso é um mito, uma mentira que dizemos aos alunos. Até a Constituição mente, ao dizer que os tribunais examinarão “causas”. Os embargos declaratórios são outras das mentiras que são contadas cotidianamente. Se a Constituição exige fundamentação, como podemos admitir sentenças omissas, contraditórias ou obscuras? O Código Penal estabelece uma divisão em títulos e capítulos. O Direito Penal serve para “pacificar” a sociedade... Sim. Pura mentira. Todos são iguais perante a lei...mas no resto não. E assim por diante. Mitos e teorias sobre a lei, como diria Warat, há 40 anos.

Mas talvez o mito mais “contundente” seja o de que, em país como o nosso, a autoridade é algo que se herda, tanto é que sempre “tomamos posse”. Fulano tomou posse no cargo de...! A linguagem marca. Define. Palavra é pá-que-lavra. Veja-se o caso do juiz do Maranhão que deu voz de prisão — e efetivamente prendeu — funcionários de companhia aérea que, cumprindo procedimento previstos na legislação aérea, não permitiram que Sua Excelência embarcasse. Carregando o mito de que “faço parte de um estamento e por isso sou diferente dos patuleus”, manda prender quem faz exatamente aquilo que ele, juiz, deveria fazer: cumprir a lei. Aliás, ao que consta, o juiz já julgara ação em que a tese por ele albergada era exatamente a tese que os funcionários da TAM aplicaram no caso dele. Bingo.

Por isso, Hanna Arendt vai dizer que, em determinados casos, os mitos são uma “ofensa ao bom senso”. É o caso. Que sentido tem, em uma democracia, que alguém possa pensar que, ao não ser atendido em seu desejo individual — no caso, embarcar em um avião “fora de prazo” — tenha o direito de prender trabalhadores em flagrante? Aliás, quantos pleitos já foram indeferidos por Sua Excelência por estarem “fora de prazo”? O prazo e a pontualidade só valem para os mortais? Há, sim, havia esquecido. Embora já tenha transitado em julgado que “juiz não é Deus” (parece já ser uma Súmula Vinculante, conforme os brilhantes votos dos também juízes Alexandre Morais da Rosa e Néviton Guedes, com os quais concordei por escrito aqui na ConJur), ainda há alguns recalcitrantes. É o caso do Juiz do Maranhão.

Nestes tempos de deificações, surge até um novo problema: e os membros do Ministério Público, mormente os procuradores da República, também não se acham deuses? Bom, talvez a solução seja adotarmos o poleteismo. Assim, não brigamos.

Cito a seguir um belíssimo texto, com o propósito de desmi(s)tificar (o mito e o sacral) o imaginário jurídico de terrae brasilis, o insuspeito Heleno Fragoso, que, ao menos nesta parte deveria ser lido pelo juiz do Maranhão e pelo procurador da República que sustenta que “passarinho na gaiola canta melhor”.

“...o Poder Judiciário pode e deve ser criticado. É que estamos mal habituados a uma autêntica sacralização da justiça, pela qual os advogados são, talvez, os maiores responsáveis. Dos tribunais se costuma dizer sempre que são ‘egrégios’, ‘colendos’, ‘altos sodalícios”, e do Supremo Tribunal comumente se diz que é o ‘Excelso Pretório’.

Dos juízes, que são apenas funcionários do Estado encarregados de dirimir os conflitos judiciais, se diz sempre que são ‘eminentes’, ‘ínclitos’, ‘meritíssimos’, ‘doutos’, ‘ilustres’, etc.

As sentenças são sempre ‘venerandas’ e ‘respeitáveis’, por mais injustas e iníquas que possam ser. Nada disso tem sentido num regime democrático e republicano, no qual a justiça se faz em nome do povo, fonte primária de todo poder”. [1]

Na verdade, Fragoso vai mais longe ainda. Mas penso que é suficiente o que está dito acima. Os advogados, principalmente eles, deveriam recortar essa citação de Fragoso e coloca-la na parede ou na geladeira, para não esquecer jamais. Mas, é claro, juízes e procuradores também devem ler esse belo texto!

Pronto. Uma coluna bem curtinha. Acústica!



[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio – Advocacia da Liberdade, Forense, Rio de Janeiro, 1984, p. 199.
I

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2014, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...