segunda-feira, 9 de junho de 2014

Em contrato posterior à Lei 10.931, purgação da mora exige pagamento integral da dívida

Em contrato posterior à Lei 10.931, purgação da mora exige pagamento integral da dívida

9 de junho de 2014 às 12:01
“Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/04, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária."

O entendimento foi fixado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso repetitivo em que se analisava a possibilidade de purgação da mora pelo pagamento somente das parcelas vencidas. Milhares de ações que tratam do tema foram suspensas nas instâncias inferiores depois que o recurso passou a tramitar como repetitivo, no rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil.

A parte recorreu de decisão que permitiu ao devedor depositar as prestações vencidas, sem considerar as demais parcelas do contrato.

Nova regra

As instâncias inferiores entenderam que, para a purgação da mora em ações de busca e apreensão fundadas em pacto objeto de alienação fiduciária, seria suficiente o pagamento das parcelas vencidas, acrescidas dos encargos moratórios até a data do depósito.

No recurso interposto, alegou-se que a decisão divergia da jurisprudência do STJ, já que, com o advento da Lei 10.931/04 – que alterou o artigo 3º, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 911/69 –, não existiria mais a possibilidade de purgação da mora pelo pagamento somente das parcelas vencidas, devendo ser paga a integralidade do débito.

Salomão: nova lei impõe pagamento de toda a dívida para restituição do bem.
Salomão: nova lei impõe pagamento de toda a dívida para restituição do bem.


O entendimento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, é que, com as alterações trazidas pela lei, deixou de existir a purgação da mora prevista anteriormente pelo decreto. Pela nova regra, cinco dias após executada a liminar de busca e apreensão será consolidada a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, ressalvada a possibilidade, dentro do prazo, de pagamento integral da dívida pendente.

Súmula 284

O artigo 3º, parágrafo 8º, do Decreto-Lei 911 dispõe que a busca e apreensão constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. Segundo o relator, trata-se de ação especial, com elementos tanto de cognição como de execução, instituída para a execução de garantia real sobre coisas móveis sob a modalidade de alienação fiduciária, e por meio da qual o credor consegue consolidar a posse e o domínio sobre o bem gravado.

Anteriormente à Lei 10.931, a Súmula 284 do STJ orientava que a purgação da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só era permitida quando já pago pelo menos 40% do valor financiado. Entretanto, com a vigência da nova lei, a matéria passa a ser tratada de forma diferente. O relator afirmou que o texto atual do Decreto-Lei 911 é claro no que se refere à necessidade de quitação de todo o débito, inclusive das prestações vincendas.

“A redação vigente do artigo 3º, parágrafos 1º e 2º, do Decreto-Lei 911, segundo entendo, não apenas estabelece que o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, como dispõe que, nessa hipótese, o bem será restituído livre de ônus – não havendo, pois, margem à dúvida acerca de se tratar de pagamento de toda a dívida, isto é, de extinção da obrigação relativa à relação jurídica de direito material (contratual)”, disse o ministro.

Com a vigência da Lei 10.931, inclusive, fica mitigado o princípio da conservação dos contratos, especialmente pelo afastamento, para esta relação contratual, do artigo 401 do Código Civil.

Esta notícia se refere ao processo: REsp 1418593 
http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1418593

Fonte: STJ

sexta-feira, 6 de junho de 2014

GABARITO OFICIAL PROVA OBJETIVA DIREITO EMPRESARIAL I TURMA B - UNILAVRAS

GABARITO OFICIAL DA PROVA DE DIREITO EMPRESARIAL I - TURMA B




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JUIZ COM FOME OU QUE ALMOÇOU MAL DEVE JULGAR NOSSAS CAUSAS?


Juiz com fome ou que almoçou mal deve julgar nossas causas?




Advertências necessárias I
De novo advirto como se faz em bula de remédio: se o leitor não simpatiza com o colunista ou com os assuntos tratados, não leia. Faça outra coisa mais útil. Os haters da coluna se equiparam aos néscios que Voltaire (o da tolerância) detestava. Por isso, sou um misan-néscio (e aqui o Google não ajudará!).

Advertências necessárias II
Poderia chamar a esta coluna de “Dez receitas balanceadas para os juízes julgarem bem em terrae brasilis”. Mas, neste caso, “receitas” teriam que ser não modelos de decisão, e, sim, receitas colunarias... Portanto, advirto que esta coluna é uma crítica bem humorada às teses que acreditam que o almoço (ou a fome) de juízes pode influenciar no (bem ou mal) decidir. Não esqueçamos da pesquisa recente dando conta de que os juízes israelenses da execução penal negam mais os pedidos de soltura quando estão com fome...e libertam os acusados depois do café da manhã. Minha tese: dê-se aos juízes de Israel — objetos da tal pesquisa — uma bolsa-alimentação. Ou tickets do McDonald’s. Ou um livro do Dworkin. PS: a coluna de hoje é uma homenagem aos juízes que não acreditam nesse tipo de coisa. Homenageio, pois, os juízes que julgam conforme o Direito. Agentes políticos que são, sabem suspender seus pré-juízos, para não causar, assim, prejuízos à sociedade. 

O erro do jornalista-filósofo
Há muitos anos venho sustentando que uma decisão judicial não pode ser uma escolha — e daí a minha crítica ao livre convencimento e teses “aliadas”. No campo do direito, diz-se que “não adianta”, “isso é assim mesmo”... Aliás, que a decisão judicial seja (simples) escolha voluntário-ideológica parece ser uma tese que é também recebida com “naturalidade” no campo filosófico. Por isso, trago de novo um artigo do filósofo Helio Schwartsman, publicado na Folha de S.Paulo intitulado As cabeças dos juízes. Diz ele, depois de falar nos swing justices (juízes pêndulos) de que fala a literatura norte-americana: “Em tribunais, bem como em Parlamentos e na sociedade, a distribuição de opiniões costuma ser mais ou menos equilibrada. Formam-se dois grupos...”. E por aí vai.

Estranho que o filósofo Schwartsman pense que uma decisão judicial é uma (mera) opinião... Pior: parece que, para ele, uma decisão de tribunal tem o mesmo caráter de escolha política feita pelos parlamentos. Ora, uma decisão não é escolha. Há responsabilidade política do julgador. Há, no mundo, vasta literatura sobre isso. Aliás, a grande luta das teorias contemporâneas é encontrar modos de controlar as decisões judiciais, que, de modo algum, podem ser manifestações e produtos da razão prática... Schwartsman não andou bem nessa, ao “naturalizar” algo que temos que combater. Ou seja, a nação não pode ser refém da opinião pessoal de um ministro. Se ele decide conforme seu gosto, esta(re)mos lascados. Pode até ser que seja assim que acontece... Mas não deve ser assim! Não fosse isso, os franceses não teriam fundado a Escola da Exegese. E nem os alemães teriam fundado a Jurisprudência dos Conceitos. E nem Habermas teria escrito sua obra... E nem Dworkin... Bem, não é preciso continuar. 

O erro do jurista
Preocupa-me, de todo modo, que um jurista acabe perigosamente trilhando um caminho próximo ao do filósofo acima, confundindo decisão com escolha. Refiro-me ao estimado e emérito jurista e professor da FGV-SP, Oscar Vilhena Vieira, que, aliás, nesse particular, é reincidente. Explico: há alguns meses, em artigo sobre o julgamento do Mensalão, disse:

“Como todos os seres humanos, juízes têm intuições fortemente influenciadas pelas suas preferências conscientes ou inconscientes. Muitas vezes são influenciados por fatos aparentemente arbitrários, como a hora do almoço. Assim, embora não seja desejável que juízes deem atenção às ruas ou às suas consciências na hora da decisão, o fato é que tudo isso é levado em consideração”.

À época, assim respondi a essa manifestação:

“Preocupa-me não apenas a fala do ilustre e estimado Dr. Vilhena, que, surpreendentemente, relega a decisão jurídica a uma simples escolha produto da razão prática, como também passo a me preocupar com o almoço dos juízes (acrescento, nessa linha, o trânsito pelo qual passam os juízes, a bronca conjugal, o time de futebol que perdeu no domingo...). Segundo entendi, um almoço ruim pode mexer com a República...”.

Agora, antes do julgamento do caso da correção das cadernetas de poupança, o professor Vilhena Vieira[1] escreve:

“Como esse processo [da decisão] não se dá no nível da consciência, ele é fortemente contaminado por fatores como ideologia, traumas infantis ou preconceito, ou mesmo eventos fortuitos, como se o julgamento estiver ocorrendo antes ou depois do almoço”.

De minha parte — e minha contestação é feita com toda a lhaneza e respeito acadêmico — , espero que não precisemos depender de (tantos) fatores exógenos e endógenos para uma decisão jurídica. A teoria do direito deve ter condições para colocar à disposição dos juristas uma criteriologia apta a preservar a autonomia do direito (afinal, somos juristas, pois não?), ou seja, que uma decisão não dependa da subjetividade do intérprete. Ou seja, isto quer dizer que uma decisão judicial não-pode-depender-de-correções-morais e nem de argumentos meta-jurídicos. Enfim, esperamos que também não venhamos a depender de ágapes e cardápios dos restaurantes dos tribunais ou próximos a eles...

Permito-me ir mais longe nessa minha chatice epistêmica e perguntar: Se Schwartsman e Vieira tiverem razão, então para o que serve a teoria do direito, a doutrina e a jurisprudência, se tudo é tão “vontade de poder”? O direito seria, então, pura estratégia para descobrir como o juiz pensa? Para quem acredita que a decisão é um ato de vontade de poder, pode até ser... Eu não quero acreditar nisso. Eu não devo acreditar nisso. Sob pena de afirmar(mos) o fracasso do direito, da pós-graduação... Enfim, tudo vira política, análise econômica, consequencialismo, poder, jogo, estratégia, etc. Teimo em dizer que não! Teimo em não aceitar isso!

Mas, quero aprofundar. E avisar que há um problema filosófico no fenômeno da decisão jurídica que não pode, simplesmente, ser apanhado a partir de análises empíricas ou meramente factuais a respeito da atividade judicante, como parece querer Vilhena Vieira. Ou seja, quando tratamos da decisão judicial — ou da decisão jurídica, em um contexto ainda mais amplo — não estamos lidando com objetos. Não se trata da conduta do juiz “x” ou “y” na decisão do caso “a” ou “b”. Isso pode até fazer sentido no campo da sociologia ou da ciência política, mas, no caso da Teoria do Direito, a questão se coloca para além da experiência imediata. Uma decisão é um ato de responsabilidade política. Há elementos de eticidade que incorporam as dimensões basais dessa atividade. E aqui vem o busílis que Vieira esqueceu: o ambiente pré-reflexivo — que o texto faz referência como sendo um âmbito reservado à intuição (sic) e ao nível do inconsciente (sic) — não pode ser visto como um dado negativo na composição do ato. Se ele é o lugar de embaraçosos mal-entendidos (que podem ser o produto de atribuições arbitrárias de sentido, decorrentes de posições que podemos dar o nome de ideológicas, na falta de um melhor termo), é também nesse ambiente — que hermeneuticamente chamamos de pré-compreensão (Vorsverständnis) — que estão depositados projetos de sentido autênticos. O interprete-juiz tem o dever de apresentar em sua decisão uma interpretação que melhor se ajuste ao direito da comunidade política a que está inserido (e, porque não dizer, submetido democraticamente!). Excesso de trabalho e metas quantitativas de decisão podem até explicar parte do problema que temos diante de nós. Mas são apenas a ponta do iceberg. No contexto atual, aliás, representam álibis pretensamente irrefutáveis de jogar para debaixo do tapete o dever fundamental de fundamentar as decisões. Fundamentação essa que não depende de pequenas subjetividades, idiossincrasias, bons ou maus almoços, mas, sim, de uma conexão forte com-o-direito-da-comunidade-política.

Sigo para ainda acrescentar uma obviedade: é evidente que o juiz não é neutro. Ele não é uma alface ou um índio de tabacaria (permito-me não retomar esse ponto “da neutralidade” ou das “verdades apodíticas” que tanto já comentei aqui no ConJur e em meus livros). Veja-se que o subtítulo da matéria assinada por Vieira diz: “O Juiz é fortemente contaminado por fatores como ideologias, traumas ou mesmo eventos fortuitos”. E digo eu: E alguém duvida disso? Mas o busílis é que, se o almoço, traumas, intuições ou ideologias são fatores decisivos na sentença, passemos a escrever livros sobre estratégias de convencimento ou sobre “como devem se alimentar os magistrados” ou, na linha de best sellers como O Monge e o Executivo, escrevamos paródias sobre o “O Monge e o Juiz” ou “Salomão – o magistrado sábio”, “O Juiz e as Pirâmides”, “O juiz e o Barão de Munschausen: guia para superação do paradoxo”, “Quem é você, Juiz” (pensemos em John Green, esse chato do momento, estourando nas bancas com o livro Quem é você, Alasca?”) ou brinquemos com coisas do tipo “O juiz e o promotor que roubavam livros”... (o estagiário levanta diversas placas neste momento para informar que se trata de ironias e sarcasmos).

Para ser mais claro: se a democracia depender de coisas como almoços e circunstâncias pessoais do julgador, então teremos que parar de estudar mesmo. Sim, porque estaremos confessando que somos reféns de um paradigma ultrapassado como a filosofia da consciência (e/ou de suas inúmeras vulgatas voluntaristas). Ou os paradigmas filosóficos não servem para nada? Por que será que Habermas tem horror ao solipsismo (e olha que nem sou habermasiano, como já frisei na semana passada)?

Sendo mais específico ainda: se-o-sentido-da-lei-depende(r)-da-subjetividade-de-alguém é porque é ela mesma, a lei, ao fim e ao cabo, dispensável, despicienda. Ou seja, o juiz estaria a autorizado tomar certas liberdades com essa digníssima senhora, a lei. Ou mesmo toda a liberdade que desejar, a depender do seu próprio estado de espírito no dia do julgamento... Volta(ría)mos portanto ao realismo jurídico, onde o discurso de validade está na decisão. Positivismo fático, para dizer o menos. Pronto. Simples. Bingo! Direito é aquilo que o Judiciário diz que é. E nada resta aos pobres mortais que não-tem-o-poder-de-decidir. À patuleia, sequer o que resta das batatas. 

O voluntarismo venceu?
Quando a vontade superou a razão — refiro-me aos movimentos que, dialeticamente, superaram o exegetismo do século XIX — não se poderia imaginar, por óbvio, que, mesmo em plena democracia (repito: mesmo em plena democracia!), as leis pudessem ser desprezadas em nome de voluntarismos interpretativos. Pior do que isso é a atuação pendular da doutrina e da jurisprudência, isto é, quando interessa à vontade de poder (ou à consciência individual do intérprete), a lei pode “valer tudo”... Mas já quando não interessa ao intérprete, a lei (lato sensu) pode nada significar. Fica fofa. Dúctil.

O problema é que o pobre do utente fica diante de uma situação inusitada, porque não sabe quando o Judiciário julgará respeitando os limites semânticos da legislação, e quando julgará a partir de argumentos outros, como, por exemplo, argumentos meta-jurídicos ou com base em valores que flutuam como “fatores ontológico-objetivistas de correção da lei”. Parada para um café e um necessário aviso: por favor, sem ingenuidades com relação ao que seja “limites semânticos”. Estes devem ser entendidos, à evidência, no sentido que explicito em livros como Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Digo isso só para que algum incauto não me confunda (de novo) com um exegeta do século XIX.

Isso tudo tem uma agravante. Explico. Também o pretenso exegetismo é uma forma de voluntarismo. Simples, porque, quando interessa, usa-se a “letra da lei”. Mas esse “quando interessa” já é um ato de voluntarismo, do que resulta que a interpretação foi transformada em “vontade de poder”, disfarçada em vários nomes e codinomes. 

As raízes do problema?
Bem, as raízes disso podem estar em cinco recepções equivocadas, feitas pela doutrina brasileira, as quais venho me dedicando em palestras, artigos e livros. Não vou explicitá-las aqui. Já o fiz. Mas, apenas para resumir, são elas: a primeira foi a Jurisprudência dos Valores alemã, importada de forma descontextualizada; a segunda foi a teoria da argumentação jurídica (Alexy), da qual pegamos apenas uma parte, a malsinada ponderação, gerando um paradoxo: Alexy elaborou-a para racionalizar a irracionalidade da jurisprudência dos valores... Só que, em Pindorama, juntamos as “facilidades interpretativas” de ambas as teses e fizemos uma gambiarra. A terceira foi o ativismo norte-americano, que lá não é um sentimento e, sim, fruto de contingências. Apaixonamo-nos pela tese e, hoje, pagamos o pato, ao ponto de judicilializarmos de tudo, até xampu para calvos e cremes para relações sexuais. Um sintoma disso tudo é o site do Ministério da Saúde, que tem um “manual” para exercitar o ativismo, ensinando como entrar em juízo contra a Viúva...

A quarta recepção equivocada (ou mal feita) foi a velha metodologia do século XIX, com alguns puxadinhos hermenêuticos do século XX. Resultado: aquilo que tinha um sentido na Escola Histórica, transformou-se em “modelo” para justificar qualquer decisão no século XXI, o que se pode ver recentemente na decisão do MS 32.326 (caso Donadon).

A quinta recepção equivocada foi o neoconstitucionalismo, ao menos na forma de aceitação acrítica do “poder” discricionário para superar o velho exegetismo. Setores do neoconstitucionalismo pensa(ra)m assim: se a moral está separada do direito no positivismo clássico, então coloquemos a moral para dentro do direito... E como fazemos isso? Com o poder discricionário e o uso de princípios, que, nesse sentido, são valores...

Consequência disso? Simples: como não conseguimos controlar – hermeneuticamente - as decisões, apostamos em um jogo de estratégias acerca de como pensam e como se comportam os juízes. Por isso, muitos juristas consideram a decisão judicial um mero ato de escolha político-ideológica, enfim, de mera subjetividade. E é contra isso que peleio. 

Teremos que nos conformar?
As perguntas que devemos fazer — e responder — são: sobra algo? Ou tudo é mesmo, “vontade de poder”? Não há fatos, só há interpretações? Nietzsche tinha razão? Não temos como controlar, nem a partir da lei e da Constituição, “os atos de vontade” dos julgadores? Até a refeição do juiz é determinante? E sua unha encravada, também é? E o que dizer de seu humor depois de ter brigado com a(o) esposa(o) ou namorada(o)?

Ora, ora. E ora. Vivemos tempos de relativismo? Tudo pode ser e tudo pode não ser? Cada um atribui os sentidos que quer? Mesmo que haja indícios formais apontando para determinado sentido, conformado pela tradição, surge alguém para dizer que “como tudo é relativo”, cada um tem a sua verdade... E como suportamos isso? Alienamo-nos a esse ponto? Afinal, o que é isto - “obedeço apenas a minha consciência”?

A questão é: e-o-que-eu-tenho-a-ver-com-a-sua-consciência?[2] Por que devo eu — ou a nação brasileira — depender da consciência isolada (solipsista) de um julgador? Ora, não haveria aí uma contradição insolúvel, isto é, se tudo é relativo, é exatamente por isso que não devo acreditar em uma decisão (ou escolha) feita a partir exatamente do... relativismo? Elementar, pois não? Se tudo é relativo, isso o que o emissor da mensagem acabou de dizer é relativizável... Isso é o que se chama de uma contradição performativa.

Somemos, ao relativismo, o senso comum e, bingo. Eis aí a fórmula para assentar o niilismo. Sim, porque a admissão do relativismo pode estar assentada exatamente no senso comum. Ou seja, é pelo senso comum que se sustenta que “isso é assim mesmo”. E, assim, vamos reproduzindo a vontade do poder... O espaço para a crítica é diminuto. Por isso o status quo é tão difícil de ser alterado.

E é por tudo isso que uma parcela (considerável) de nossos juristas acha que não precisamos de uma teoria da decisão. Basta que saibamos como os juízes pensam... Logo, não necessitamos estudar teoria do direito. Basta contratarmos detetives, carpinteiros, rackers, adivinhos, gestores, mestres em retórica, cozinheiros, matemáticos, estrategistas e psicólogos... Tudo para melhor argumentar, com o objetivo de convencer o juiz. Afinal, ele decide conforme a sua vontade... ou é influenciado pelo seu almoço. Tratemos de “cercar” Sua Excelência por todos os lados.

Post scriptum: Esta coluna foi escrita antes do almoço. Portanto, a parte azeda do texto deve ter sido motivada pela minha fome... Por isso, vou estocar comida! Para ser mais justo! Bingo de novo!

[1] Vilhena Vieira segue, ao que parece, um pensamento, nesse particular, similar ao de Richard Posner, para quem os juízes frequentemente atuam com liberdade e poder discricionário, aplicando o direito para satisfazer não raras vezes, e ainda que inconscientemente, sua orientação ideológica, suas preferências pessoais e seus próprios valores e preconceitos.

[2] Falando hegelianamente: quando pergunto "o-que-eu-tenho-que-ver-com-a-sua- consciência?", digo isso não porque o reconhecimento da autonomia moral individual seja errado. Ao contrário! O que minha frase mostra é que a moralidade pressupõe uma eticidade reflexiva e moderna da qual o Direito faz parte. Enfim: a intersubjetividade constitutiva de toda consciência.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.Topo da página


Revista Consultor Jurídico de  05 de junho de 2014, 08:00h

REPRESENTANTES DE ÓRGÃOS PÚBLICOS DISCUTEM SUSTENTABILIDADE NO PODER JUDICIÁRIO

Representantes de órgãos públicos discutem sustentabilidade no Poder Judiciário


Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) realiza nesta quinta-feira (5) o I Seminário “Planejamento Estratégico Sustentável do Poder Judiciário”. Participam do evento 17 convidados, que ao longo do dia estão apresentando palestras sobre sustentabilidade, ética, planejamento estratégico, preservação de recursos e eficiência nos gastos públicos.

Na abertura do evento, o presidente do STJ, ministro Felix Fischer, destacou que o evento constitui uma das etapas do movimento de modernização e inovação do Poder Judiciário, instituição que se encontra em fase avançada de virtualização e integração socioambiental de suas atividades.

“Desejo êxito no processo de incorporação da sustentabilidade às atividades da administração pública”, afirmou o presidente do STJ, salientando que ela será realmente efetiva quando for inserida na rotina diária do trabalho, proporcionando mudanças culturais nas pessoas e nas organizações.

Na mesa: Luís Inácio Adams, Felix Fischer, Maria Cristina Peduzzi e Augusto Sherman.
Na mesa: Luís Inácio Adams, Felix Fischer, Maria Cristina Peduzzi e Augusto Sherman.


A mesa da cerimônia de abertura do evento foi composta pelo ministro Fischer e também por Maria Cristina Peduzzi, ministra do Tribunal Superior do Trabalho e conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams; e pelo ministro Augusto Sherman Cavalcante, do Tribunal de Contas da União (TCU).

Exemplo

Durante a apresentação do painel “A Sustentabilidade na Administração Pública”, o ministro do STJ Herman Benjamin ressaltou como a Justiça e os órgãos públicos podem internalizar a sustentabilidade no seu cotidiano. Ele mencionou como as boas práticas implementadas por instituições como STJ, Conselho Nacional de Justiça e Supremo Tribunal Federal podem incentivar toda a magistratura e outros órgãos da administração pública.

“Temos uma enorme responsabilidade não apenas de fazer, mas sobretudo de estimular as iniciativas dos outros tribunais, tanto federais como estaduais. Na medida em que eles fazem, os juízes e diretores de fóruns vão fazer. Cada um vai querer demonstrar que está cumprindo ou que está sensível a essa prioridade”, afirmou o ministro.

Segundo Herman Benjamin, no campo da sustentabilidade a hierarquia se transforma em horizontalidade. “O STJ está tão interessado em dizer o que faz como em saber o que os outros estão fazendo para aproveitar essas inciativas”, declarou.

Gabinete sustentável

O ministro do STJ Mauro Campbell Marques falou sobre o tema “O Magistrado e as Boas Práticas Socioambientais”. Ele esclareceu que o STJ coloca o seu comprometimento com as questões ambientais de maneira bem clara: “Nós só conseguiremos chegar a um nível de excelência em matéria socioambiental se houver uma interação entre o ministro e o gabinete.”

Ao falar sobre o selo Unidade de Consumo Consciente – que seu gabinete recebeu no mês de maio –, Campbell contou que a interação da equipe provocou a percepção da necessidade de adoção de novas atitudes. “Nós não nos programamos para isso, nós apenas mudamos os nossos hábitos, e a consequência foi alcançar esse nível de excelência, que trouxe ganho ambiental para a sociedade e ganho econômico aos cofres públicos”, explicou.

Em quatro anos (de 2009 a 2013), o gabinete do ministro Campbell reduziu cerca de 96% do gasto com material de consumo, mesmo com o aumento no número de processos julgados.

Ao finalizar sua palestra, o ministro desejou que essas ideias contaminem a sociedade e pediu para que não haja preconceito com as práticas ambientais. “Sustentabilidade não é coisa de bicho-grilo. Com racionalidade e razoabilidade é possível alcançar ótimos resultados”, concluiu.

Fonte: STJ

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Direitos transindividuais no processo coletivo

PorDaniel Lopes Medrado

artigo publicado no sitio do lFG em 27/09/2008





INTRODUÇÃO
Hodiernamente, pode-se dizer estar superada a concepção liberal clássica que sempre primou o individualismo. No atual momento histórico, deixam-se pra atrás os conceitos estritamente individualistas para passar a entender o Direito, também, através de uma perspectiva transindividual.
A super evidenciação do indivíduo não mais reflete a atual realidade social dos novos tempos. Os conflitos modernos extrapolam o indivíduo, atingindo toda uma coletividade. A transindividualidade dos litígios passou a demandar novas formas de superar os "novos conflitos" apresentados ao poder jurisdicional. O velho embate entre Caio versus Tício não é mais capaz de retratar os conflitos atuais, os modernos conflitos de massas.
Percebe-se que os anacrônicos modelos processuais de tutela dos direitos se mostram ineficazes para a proteção dos "novos direitos". Com a modernização das relações sociais, decorrendo inúmeras novas complexidades, tornou-se cogente uma reestruturação do modelo processual até então vigente, que, historicamente, sempre primou pela proteção das relações eminentemente individualistas.
Nesta linha de intelecção, bem esclarece Pedro Lenza [1], vejamos:
"Pode-se dizer que os instrumentos processuais suficientes e adequados para a solução dos litígios individuais, marcantes na sociedade liberal, perdem a sua funcionalidade perante os novos e demasiadamente complicados conflitos coletivos.
Em uma sociedade de massa, industrialmente desenvolvida, é natural que, além dos conflitos individuais, existam e aflorem conflitos de massa, nunca antes imaginados, uma vez que a 'descomplexidade' social não produzia ambiente propício para a sua eclosão, nem tampouco dos conflitos difusos, transindividuais".
Neste contexto, iniciado com a Revolução Industrial, fazendo emergir os movimentos de massa, fez-se mister a preocupação em encontrar modernos mecanismos para assegurar a jurisdicionalização dos direitos coletivos em sentido amplo, resultando num enquadramento singular no ordenamento jurídico. Com efeito, estes "novos direitos" passaram a ser sistematizados pela ciência jurídica em: direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos.
Percorrendo a história legislativa dos direitos coletivos lato sensu, no cenário nacional, impende destacar o surgimento da Lei de Ação Popular (lei n. 4.717/65), considerada a primeira lei a tratar do tema de forma ampla.
Entretanto, percebe-se que apenas após a década de setenta as ações coletivas passaram a atrair interesses na doutrina brasileira, influenciada pelas discussões realizadas na Europa sobre o tema. "José Carlos Barbosa Moreira foi o pioneiro, com o artigo publicado em 1977. Waldemar Mariz de Oliveira e Ada Pelegrine seguiram esse caminho ainda naquela época, passando a divulgar essas idéias" [2].
Seguindo a evolução processual de tutela dos interesses coletivos surge a Lei da Política Nacional do Meio-Ambiente (lei n. 6.938/81), que trouxe a legitimidade do Ministério Público para a defesa do meio-ambiente.
No entanto, efetivamente, o maior avanço do processo coletivo veio com a Lei de Ação Civil Pública (LACP), lei n. 7.347/85, que ampliou consideravelmente a legitimidade para a proteção dos interesses coletivos.
A LACP apenas veio a dispor sobre aspectos processuais da tutela coletiva. "A LACP apenas regulou os aspectos processuais da tutela desses direitos, ficando para a lei material a disciplina dos aspectos de direito material dos bens protegidos pela LACP" [3].
Com a Constituição Federal de 1988 veio status constitucional aos direitos de massa, construindo atmosfera favorável à ampliação da tutela desses direitos; como é o caso das leis infraconstitucionais que lhe sucederam, quais sejam: lei n°. 7.853/89, lei n°. 7.913/89, lei n°. 8.069/90, dentre outras.
Importante, ainda, destacar a lei n. 8.078/90 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), trazendo consideráveis alterações na LACP. A sua importância foi vultosa, passando a considerar a LACP e o CDC como o arcabouço legal básico do processo coletivo.
Assim, observa-se que a jurisdicionalização dos direitos metaindividuais custou longos anos até chegar ao atual estágio. Hoje, indubitavelmente, a ACP representa um avanço significativo na garantia ao efetivo acesso à justiça. Não há que se negar o importante papel que representa e ainda pode representar no presente quadro de insatisfação pelo serviço jurídico prestado no Brasil.
1. DA IMPRESCINDIBILIDADE DA TUTELA COLETIVA.
Na feliz lição do professor Fredie Diddier Jr. as ações coletivas possuem dois pontos justificantes para sua tutela, são eles: as motivações sociológicas e as motivações políticas. [4]
Seguindo o proficiente magistério de Diddier [5], as motivações políticas se mostram patentes na redução dos custos; na prestação jurisdicional; na uniformização dos julgamentos evitando decisões contraditórias e no conseqüente aumento de credibilidade dos órgãos jurisdicionais; assim como, na benéfica conseqüência para as relações sociais com a garantia de previsibilidade e segurança jurídica na consecução dos fins constitucionais de uma justiça mais célere e efetiva.
Vale observar que, o que se está em jogo, em verdade, é a procura da instrumentalidade processual como meio a ser seguido pelo operador do direito, presente num novo momento do direito processual, onde se destaca a preocupação com "os resultados do processo para os consumidores da justiça e menos com a pesquisa dos conceitos dos diversos institutos" [6], como bem assenta Dinamarco, trazendo à baila a máxima chiovendiana: " na medida do que for praticamente possível o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter" [7].
O processo é a forma de realização do direito substancial, e, portanto, deve ansiar pela celeridade e pela efetividade da Justiça; estes são os verdadeiros escopos do processo, que não pode mais ser concebido como um mecanismo rígido e desatento às vicissitudes do direito material em proteção.
Ademais, aduz Diddier [8] que outro fator que fundamenta a tutela coletiva são as motivações sociológicas; nelas identificamos as crescentes conflituosidades das relações em massa, decorrentes das novas complexidades sociais no período pós-industrial. Na perspectiva de Diddier, o panorama trazido pelo fim da II Guerra Mundial levou o Direito a um novo patamar pós-positivista e principiológico, transpondo os limites da sua velha formulação, tutelando, efetivamente, os "consumidores" do direito as demandas individuais que não faz mais frente à nova realidade complexa da sociedade.
Destarte, a ação civil pública, como instrumento de tutela coletiva, revela-se um vetor para a prestação jurisdicional eficiente, de modo que pode ser sentida não apenas pelas partes em conflito, mas, ainda (rectius, sobretudo), por toda a coletividade de jurisdicionados.
Nesse sentido, bem esclarece Dinamarco:
"Curiosamente, ao mesmo tempo em que se amplia o número de jurisdicionado, o tratamento coletivo dos litígios individuais tem também o grande mérito de contribuir para o desafogamento do Poder Judiciário, trazendo um benefício indireto a toda a sociedade, na medida em que um único processo resolve problemas tradicionalmente diluídos em milhares deles. Conseqüentemente, contribui para a diminuição da morosidade geral da prestação jurisdicional. Como todo instrumento, o processo será tanto mais eficaz quanto mais rapidamente alcançar seu objetivo, mediante a menor utilização de esforços e de dinheiro"[9].
Contudo, não há que dizer que este modelo de tutela coletiva acaba por ocorrer de modo abusivo por parte de advogados, membros dos MPs, assim como por magistrados. Na realidade, o que se tem certo é que nenhuma forma de tutela está a salvo dos "litigantes perniciosos", ou de julgadores despreparados. Os pontos positivos da tutela coletiva, como se estar expondo, transpõem qualquer negatividade que ela nos possa trazer, até mesmo porque não há nada de incomum nela.
Com efeito, o novo, o diferente, sempre se torna incômodo para os que não estão preparados para as transformações no cotidiano da sociedade. O Direito deve acompanhar as mutações sociais, e, a partir delas, estabelecer novos mecanismos para orientar uma saudável convivência social.
2. DIREITOS TUTELÁVEIS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Insta frisar, neste primeiro momento, que no decorrer deste trabalho optaremos por utilizar a denominação "direitos coletivos" (lato sensu) em detrimento à arraigada nomenclatura "interesses coletivos" (lato sensu). Na legislação brasileira predomina a utilização conjunta das duas nomenclaturas, o que entendemos também não ser correta, porquanto nos leva a falsa idéia que não existem diferença entre os termos [10].
Deveras, o limitado objeto deste trabalho não possibilita tecermos maiores comentários a respeito da diferenciação entre direito e interesse, no entanto torna-se imperioso trazer à baila as palavras de Kazuo Watanabe superando as discussões no tocante:
"Os termos "interesses" e "direitos" foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que se passam a ser amparados pelo direito, os "interesses" assumem o mesmo status de "direito", desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica. Para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles". [11]
O direito positivo teve o cuidado de destacar as espécies de direitos metaindividuais tuteláveis pelo ordenamento jurídico brasileiro, e o fez no intuito de deixar assentadas suas premissas básicas para que não restasse discordância a respeito.
Sem dúvida, é certo que as conceituações legais transpõem a real função do legislador, contudo, neste respeito, nos parece que a intenção foi louvável.
No entanto, em que pese o esforço legislativo para dissipar as incongruentes conceituações das acepções do direito coletivo lato sensu, o resultado almejado, definitivamente, está longe de ser alcançado. As indefinições perduram, e buscaremos tentar identificá-las e superá-las doravante.
2.1 Definição Legal
A Lei nº 8.078 de 11 de março de 1991 instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), representando um dos esforços legislativos de maior relevo no nosso sistema processual coletivo. O CDC, ao tratar das relações consumeristas em seu art. 81, buscou dispor sobre os conceitos das espécies de direito coletivo em sentido amplo, e assim o fez:
"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum." [12]
Desta maneira, o legislador consumerista buscou assentar a natureza dos direitos supra-indivuduais presentes no ordenamento jurídico pátrio, conceituando, com alto grau de abstração, o alcance de cada uma desses direitos.
Abordando sobre o tema, esclarece Antônio Herman V. Benjamin:
"Assim, uma vez que não existe acordo doutrinário sobre a definição dos chamados direitos difusos, coletivo e individuais homogêneos, o legislador do CDC optou por, ele próprio, fixar um conceito, de modo a permitir um razoável grau de previsibilidade quanto a sua utilização. Inspiram-se nas class actions do direito norte-americano e vão determinar um significativo diálogo entre as normas do Código e a Lei da Ação Civil Pública". [13]
Como dito alhures, o CDC, mas precisamente o Título III que dispõe sobre a defesa do consumidor em juízo, surgiu para compor com a LACP um verdadeiro sistema processual coletivo. Seu alcance, como é cediço, perpassa os interesses meramente consumeristas para introduzir no sistema jurídico, dispositivos que visam à superação das falhas e lacunas identificadas na experiência de cinco anos de vigência da LACP.
É valido ressaltar que a conceituação legal, em que pese estabelecerem premissas relevantes para o aperfeiçoamento da tutela coletiva, passou ao largo de esgotar as contradições presentes no enfrentamento da matéria. O que se vê, sobretudo no que toca à jurisprudência dos tribunais, é uma verdadeira desordem na aplicação de tais conceitos ao caso concreto.
Tentaremos, portanto, a seguir, esclarecer o verdadeiro o alcance de cada direito metaindividual na ordem jurídica.
2.2 Direito Difuso
Os direitos difusos, como o próprio nome já demonstra, são caracterizados pela alta capacidade de dispersão. Sua titularidade não admite fruição de forma divisível, por esse motivo, percebe-se que a técnica individualista do Código de Processo Civil não se mostra hábil para garantir sua tutela, sobrelevando a importância da LACP.
Relevante atentarmos para o fato que não foi a LACP que introduziu em nosso ordenamento jurídico os direitos difusos; eles preexistem a ela. O que aconteceu na verdade é que a LACP foi a primeira a denominar esse tipo de direito como difuso, criando uma sistemática processual adequada para sua proteção.
Vale lembrar, outrossim, que não é correta a afirmação que a LACP foi o primeiro diploma legal a dispor sobre um mecanismo para tutela dos direitos difusos, pois impossível desconsiderar a Lei de Ação Popular (lei n. 4.717/65), pioneira nesta seara. Contudo, indubitavelmente, a LACP se revelou imprescindível na proteção dos direitos difusos.
A indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos são, sem sombra de dúvida, os pontos nodais para a identificação dos direitos difusos. Importa saber, por preciosismo, qual elemento efetivamente determina qual e, de outro modo, qual é o critério por excelência.
Nos parece que não podem existir grandes dúvidas a respeito. O principal elemento caracterizador do direito em comento é a indivisibilidade do objeto. Bem esclarece José Marcelo Vigliar, neste ponto:
"A dispersão dos interessados é uma conseqüência da dispersão do interesse. Nem poderia ser diferente: a natureza do interesse é que deve ditar a forma, o tipo da relação dos interessados com esse mesmo interesse. O quê determina a dispersão dos interessados é justamente a indivisibilidade, característica essencial dos interesses difusos. A indivisibilidade, determina que a fruição e a defesa do interesse se dê apenas e tão somente de forma coletiva, que leva, obrigatoriamente, ao ensinamento apresentado por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, destacado anteriormente (o prejuízo de um interessado, significará o prejuízo de todos; a defesa de um interessado, redundará na defesa de todos)". [14]
Assim, em seu aspecto objetivo, os direitos difusos possuem a característica da indivisibilidade, ou seja, não são suscetíveis de fracionamento, seja por pessoas, seja por grupos determinados; são direitos que pulverizam seus efeitos, atingindo um número indefinível de sujeitos [15].
Explica Lenza:
"Nestes termos, no tocante aos interesses difusos, a indivisibilidade é ampla e absoluta, na medida em que, como não se consegue determinar os seus sujeitos, não se pode falar em partição de algo que pertence a todos indistintamente, ou, em outras palavras, não se pode dividir algo que pertence a pessoas indefinidas". [16]
Da mesma forma, ensina Dinamarco:
"Nos interesses difusos, o objeto (ou bem jurídico) é indivisível, na medida que não é possível proteger um indivíduo sem que essa tutela não atinja automaticamente os demais membros da comunidade que se encontram na mesma situação. Ou atinge todos ou não atinge ninguém. Ela não é, portanto, mera soma de uma pluralidade de pretensões individuais". [17]
A indeterminação dos sujeitos, por sua vez, caracteriza-se pela titularidade difusa desses direitos; isto se ajusta, aliás, com a denominação: "direitos transindividuais". Para os direitos difusos, em contraponto aos direitos individuais, impõe-se que sejam protegidos por uma forma específica, em consonância com as vicissitudes do direito substancial em tutela.
Segundo Mancuso:
"Essa 'indeterminação de sujeitos' deriva, em boa parte, do fato de que não há um vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados por esses interesses: eles se agregam ocasionalmente, em virtude de certas contingências, como o fato de habitarem certa região, de consumirem certo produto, de viverem numa certa comunidade, por comungarem pretensões semelhantes, por serem afetados pelo mesmo evento originário de obra humana ou da natureza". [18]
A indeterminação dos sujeitos é um importante critério de distinção entre direitos difusos e os direitos coletivos stricto sensu. É neste sentido o magistério de Lenza:
"Em relação aos interesses difusos, a agregação dos sujeitos indeterminados, titulares de interesse subjetivos, decorre de uma determinada situação de fato, resultante de certas circunstancias e nunca em decorrência de uma relação jurídica-base, não se percebendo qualquer vínculo jurídico a associá-los". [19]
Com efeito, em existindo um vínculo jurídico anterior que agrupem determinados "interessados" num bem jurídico que foi ulteriormente lesado, estaríamos, então, diante de um direito coletivo stricto sensu e não mais de um direito difuso (como poderá ser melhor extraído à frente).
À guisa de exemplo, constituem-se, portanto, como difusos os direitos ao meio ambiente hígido sadio e preservado para as presentes e futuras gerações (art. 225 da CF); a defesa do erário público (súmula 329 do STJ); de todos não serem lesados por propagandas enganosas e abusivas (art. 170, V, da C.F., c/c art. 37 do CDC) dentre outros.
2.3 Direto Coletivo
No que tange aos direitos coletivos, em sua acepção estrita, sua principal característica assenta-se, também, na indivisibilidade do objeto. Aqui, da mesma forma que os direitos difusos, não há fruição individual do objeto litigioso, pois inconcebível, vez que, em se tratando de um bem jurídico indivisível, (ao menos em seu aspecto interno, dentro duma mesma coletividade),o fim jurídico almejado é um só para todos.
Vale esclarecer pelas palavras de Lenza:
"Já em relação aos interesses coletivos, a indivisibilidade dos bens é percebida no âmbito interno, dentre os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Assim, o bem ou interesse coletivo não pode ser partilhado internamente entre as pessoas ligadas por uma relação jurídica-base ou por um vínculo jurídico; todavia, externamente, o grupo, categoria ou classe de pessoas, ou seja, o ente coletivo, poderá partir o bem, exteriorizando o interesse da coletividade." [20]
Contudo, o que se percebe nos direitos coletivos é sua potencialidade de determinação dos sujeitos, através de um liame jurídico predisposto que unem os sujeitos titulares do direito coletivo stricto sensu; este decorre ou da relação jurídica travada entre os sujeitos, ou pelos vínculos jurídicos uníssonos estabelecidos com a parte contrária (consoante disposto no art. 81, parágrafo único, inciso II, in fine, do Codex Consumerista).
Insta destacar que a relação jurídica base precisa ser formada em momento anterior ao acontecimento da lesão ao direito. Assim, nos direitos difusos, também se evidencia uma ligação entre os lesionados; entretanto, esta ligação decorre em razão da própria lesão (circunstancia fática), não se podendo falar em vínculo jurídico pré-existente, tal como nos direitos coletivos propriamente ditos.
Portanto, imperioso esclarecer que a agregação dos sujeitos não é conseqüência de mera ocasionalidade; o liame jurídico é permanente e antecede a ocorrência da lesão. Entretanto, não se pode dizer que o vínculonecessariamente se caracteriza pela organização de um grupo determinado de pessoas. Sem dúvidas, a organização se faz presente quando o vínculo ocorre entre os próprios sujeitos do grupo, todavia, isso não acontece quando o vínculo se estabelece em função da relação jurídica travada com a parte contrária. Aqui, estar-se-á diante de uma coletividade estabelecida em razão do agressor do bem jurídico ser o mesmo, possuindo este um vinculo jurídico com os ofendidos.
De fato, a delimitação dos sujeitos é o fator distintivo dos direitos metaindividuais em tela,
"seja através da relação jurídica-base que as une entre si (membros de uma associação de classe ou ainda acionistas de uma mesma sociedade), seja por meio do vínculo jurídico que as liga à parte contrária (contribuintes de um mesmo tributo, contratantes de um segurador com um mesmo tipo de seguro, estudantes de uma mesma escola etc.)". [21]
2.4 Direito Individual Homogêneo.
Trata-se de uma categoria de direitos transindividuais decorrente de uma ficção jurídica, criada pelo legislador consumerista, tendo em vista uma proteção adequada a determinados bens jurídicos que, inobstante poderem ser protegidos pelos preceitos individualistas do Código de Ritos, sua defesa atomizada torna-se bastante difícil.
Ademais, os direitos individuais homogêneos são a concretização máxima dos escopos dos direitos metaindividuais que, como já abordados neste trabalho, além de garantir um adequado acesso à justiça, corrobora com a uniformização das decisões, bem como para a celeridade da prestação jurisdicional.
Assim, os direitos individuais homogêneos são reflexos da atual dinâmica do processo civil que, ultrapassando sua fase autonomista, na qual sempre buscou primar pela construção independente entre o direito substancial e o direito formal, agora revela a preocupação com seus resultados práticos, mantendo um dialogo constante e instrumental com o direito material.
Os direitos individuais homogêneos se caracterizam pela plena divisibilidade de seu objeto e clareza na determinação dos sujeitos. São verdadeiramente direitos individuais tomados circunstancialmente pela forma coletiva [22], que, decorrentes duma conflituosidade em massa, tornou-se imperativo tratá-los como direitos transindividuais.
É cediço que sua origem nos remontam às class actions norte-americanas, em especial à alínea (b)(3) da Regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure, vejamos:
"b)Prosseguimento da ação de classe: Uma ação pode prosseguir como ação de classe quando forem satisfeitos os pré-requisitos da subdivisão (a) e ainda:
1. o prosseguimento de ações separadas por ou contra membros individuais da classe poderia criar o risco de:
A) julgamentos inconsistentes ou contraditórios em relação a membros individuais da classe que estabeleceriam padrões de conduta incompatíveis para a parte que se opõe à classe;
B) julgamentos em relação aos membros individuais da classe que seriam dispositivos, do ponto de vista prático, dos interesses de outros membros que não são parte no julgamento ou que impediriam ou prejudicariam, substancialmente, sua capacidade de defender seus interesses; ou
2. a parte que se opõe à classe agiu ou recusou-se a agir em parâmetros aplicáveis à classe em geral, sendo adequada, desta forma, a condenação na obrigação de fazer ou não fazer (injunction) ou a correspondente sentença declaratória com relação à classe como um todo; ou
3. o juiz decide que os aspectos de direito ou de fato comuns aos membros da classe prevalecem sobre quaisquer questões que afetam apenas membros individuais e que a ação de classe é superior a outros métodos disponíveis para o justo e eficaz julgamento da controvérsia. Os assuntos pertinentes aos fundamentos de fato (findings) da sentença incluem: (A) o interesse dos membros da classe em controlar individualmente a demanda ou a exceção em ações separadas; (B) a amplitude e a natureza de qualquer litígio relativo à controvérsia já iniciada, por ou contra membros da classe; (C) a vantagem ou desvantagem de concentrar as causas num determinado tribunal; (D) as dificuldades que provavelmente serão encontradas na gestão de uma ação de classe."[grifo nosso] [23]
Como é possível depreender, a influência norte-americana na positivação dos direitos individuais homogêneo no Brasil é de saltar aos olhos. Da análise do dispositivo alienígena transcrito acima se percebe que, assim como no Brasil, a tutela coletiva norte-americana é um mecanismo de otimização processual.
Para uma melhor compreensão, trazemos à baila a análise feita por Ada Pelegrine Grinover a respeito:
"O espírito geral da regra está informado pelo principio do acesso à justiça, que no sistema norte-americano se desdobra em duas vertentes: a de facilitar o tratamento processual de causas pulverizadas, que seriam individualmente muito pequenas, e a de obter a maior eficácia possível das decisões judiciárias. E, ainda, mantém-se aderente aos objetivos de resguardar a economia de tempo, esforços e despesas e de assegurar a uniformidade das decisões.O requisito da prevalência dos aspectos comuns sobre os individuais indica que, sem isso, haveria desintegração dos elementos individuais; e o da superioridade leva em conta a necessidade de se evitar o tratamento de ações de classe nos casos em que ela possa acarretar dificuldades insuperáveis, aferindo-se a vantagem, no caso concreto, de não se fragmentarem as decisões". [24]
O tratamento molecular dos direitos individuais decorre, necessariamente, da homogeneidade dos direitos que se apresentam dentro de uma mesma origem. É valido ressaltar que, ao revés dos outros direitos tratados coletivamente, os direitos individuais homogêneos poderiam ser protegidos de forma individual sem perder sua substancia, mas, por conveniência, já que possui dimensão social, política e jurídica de grande relevância, [25] estes direitos devem ser tratados de forma coletiva.
Contudo, importante dizer que a tutela coletiva desses direitos individuais deve condicionar-se (aqui com maior razão) ao interesse de sua utilização para a obtenção de um provimento jurisdicional coletivo.
Esclarece Ada Pelegrine Grinover a respeito:
"Se o provimento jurisdicional resultante da ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não é tão eficaz quanto aquele que deriva de ações individuais, a ação coletiva não se demonstra útil à tutela dos referidos interesses. E, ademais, não se caracteriza como a via adequada à sua proteção". [26]
Assim, a despeito do direito individual homogêneo ser perfeitamente divisível, seu tratamento será uniforme até a sentença condenatória genérica, quando cada interessado poderá habilitar-se para liquidar e executar sua parcela.
2.5 Interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos: distinções, similitudes e convivência harmônica.
Não obstante os critérios utilizados para diferençar as três espécies de direitos metaindividuais, a confusão entre eles está longe de ser superada, em especial no que tange a jurisprudência dos tribunais. Os direitos coletivos possuem naturezas muito próximas e, muitas vezes, soem ser tutelados de forma conjunta em virtude de uma mesma lesão, o que realça a confusão.
Assim, a partir de um mesmo fato, podem originar o interesse na defesa de um direito difuso, coletivo, individual homogêneo, e, até mesmo, de um direito individual.
Os direitos difusos e os coletivos em sentido estrito são essencialmente coletivos, portanto, imperioso que se preste uma atividade jurisdicional adequadamente coletiva, a fim de que se resulte numa solução efetiva à situação conflituosa. Por outro turno, os direitos individuais homogêneos são direitos acidentalmente coletivos, de modo que sua tutela molecularizada ocorre não em virtude da essência do direito, mas sim da intenção do legislador em dirimir determinados conflitos de origem semelhante de forma também semelhante. [27]
Não é difícil perceber que muitas vezes a tarefa de definir que tipo de direito se está buscando torna-se muito delicada; cada um dos três tipos de direitos transindividuais possui características que, ora os confundem, ora os distinguem.
No que toca aos direitos difusos e coletivos stricto sensu, a indivisibilidade do objeto é um fator determinante para ambos. No que se refere à titularidade, enquanto o primeiro é caracterizado pela indeterminabilidade dos sujeitos, ligados por uma situação fática, o segundo é marcado pela determinabilidade dos sujeitos, que são ligados por uma relação jurídica-base travada entre os próprios sujeitos ou em função da parte contrária da relação jurídica.
Já os direitos individuais homogêneos possuem correlação com os direitos difusos pelo fato que ambos se originam a partir de uma situação fática. A diferenciação entre eles se assenta tanto na divisibilidade do objeto, quanto na titularidade dos sujeitos. Assim, enquanto no primeiro percebe-se a plena determinabibildade dos sujeitos e a convicta divisibilidade do objeto, no segundo o objeto litigioso é indivisível e os sujeitos são indetermináveis.
Ainda, é possível diferençar os direitos individuais homogêneos dos direitos coletivos, mais precisamente pela análise de seu objeto, já que ambos se referem a direitos que envolvem um número de pessoas determináveis. Assim, no primeiro o objeto é cabalmente divisível, enquanto que no segundo o objeto é indivisível, em que pese poder ser delimitado o objeto de interesse do grupo, em exclusão aos interesses externos à coletividade.
Assim é a lição de Nelson Nery Jr.:
"[...] da ocorrência de um mesmo fato podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais. O acidente com o 'Bateau Mouche IV', que teve lugar no Rio de Janeiro há alguns anos, poderia ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associações das empresas de turismo que teriam interesse na manutenção da boa imagem deste setor na economia, a fim de compelir a empresa proprietária de embarcação a dotá-la de mais segurança (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Publico, em favor da vida e segurança das pessoas, para que se interditasse a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso)". [28]
Contudo, ainda assim, a perfeita distinção dos direitos individuais pode permanecer nebulosa quando da análise do caso concreto. Em verdade, a reconhecida "pedra de toque" para o deslinde da questão está na análise de qual provimento jurisdicional pretende-se alcançar.
Entretanto, algumas críticas se mostram relevantes na utilização deste critério. De acordo com Antônio Gidi, não se pode conceber a adoção deste critério,
"Primeiro, porque o direito subjetivo material tem a sua existência dogmática e é possível, e por tudo recomendável, analisá-lo e classificá-lo independentemente do direito processual. Segundo, porque casos haverá em que o tipo de tutela jurisdicional pretendida não caracteriza o direito material em tutela." [29]
Outrossim, corroborando com este entendimento, afirma José Roberto dos Santos Bedaque em seu trabalho referenciado por Lenza:
"Bedaque, por seu turno, em extraordinário trabalho, pelo qual obteve o grau de doutor na Faculdade de Direito da USP, criticando o processualismo exarcebado, tendo em vista que "(...) a excessiva autonomia do processo frente ao direito material constitui um mal, pois desconsidera o objeto na construção do instrumento", critica parte da doutrina que destaca a tutela jurisdicional pretendida como 'pedra de toque do método classificatório' para a qualificação de um direito difuso, coletivo ou individual homogêneo . Segundo o mestre, não seria correto afirmar ser "(...) a tutela jurisdicional pleiteada o elemento a determinar a natureza do interesse deduzido em juízo. Ao contrario, é o tipo de direito que determina a espécie de tutela". [30]
Neste debate, elucidativo é a analise de Diddier e Zaneti a respeito:
"Ora, o CDC conceitua os direitos coletivos lacto sensu dentro da perspectiva processual, com o objetivo de possibilitar a sua instrumentalização e efetiva realização. Do ponto de vista do processo, a postura mais correta, a nosso juízo, é a que permite a fusão entre o direito subjetivo (afirmado) e a tutela requerida, como forma de identificar, na 'demanda', de qual direito se trata e, assim, prover adequadamente a jurisdição. Não por outro motivo reafirmamos a característica híbrida ou interativa de direito material e direito processual intrínseca aos direitos coletivos, um direito 'a meio caminho'".[31]
Avançando no tema, insta destacar que, quando se postula a proteção de um direito difuso, pode-se dizer que este será "essencialmente inibitório ou preventivo, ou seja, consistirá num fazer ou, mais freqüentemente, num não fazer" [32]. Em não sendo possível este tipo de tutela, se converterá em perdas e danos, devendo os valores indenizatórios serem encaminhados "a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados" [33], como disposto no art 13 da LACP.
No tocante aos litígios que trate de direitos coletivos, a situação se mostra semelhante, de forma que o pedido "consistirá essencialmente nem fazer ou não fazer. A diferença aqui é que a obrigação de fazer será mais freqüente que na defesa do interesse difuso". [34]
Por fim, nos direitos individuais homogêneos o pedido versar-se-á numa obrigação necessariamente pecuniária. Assim, nestes casos, a condenação numa ação civil pública será sempre genérica, devendo cada interessado proceder a liquidação e execução do quantum debeatur, na forma do quanto disposto na LACP.

1. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág.28.
2. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 37.
3. NERY JUNIOR, Nelson e NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e Legislação processual civil extravagante em vigor. 4º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 1309.
4. DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm, 2007, pág. 34-35.
5. Ibidem
6. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 41.
7. GIUSEPE CHIOVENDA apud DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 41.
8. DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm, 2007, pág. 35.
9. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 44.
10. DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm, 2007, pág. 85.
11. WATANABE, Kazue apud DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm. 2007, pág. 91.
12. BRASIL,Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Vade Mecum - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 869
13. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 974.
14. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ações Coletivas. Bahia: Juspodivm, 2007, pág. 31.
15. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesse Difuso: legitimação para agir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 89.
16. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág. 76.
17. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva. 2001, pág. 53.
18. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesse Difuso: legitimação para agir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 86
19. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, págs. 72-73.
20. Ibidem, pág. 76.
21. WATANABE, Kazue apud DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm. 2007, pág. 75.
22. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva. 2001, pág. 60.
23. GRINOVER, Ada Pelegrine. Da class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Disponível em: www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2001/dezembro/2112/ARTIGOS/A03.htm. Acesso em 19 de abril de 2007.
24. Ibidem.
25. Ibidem.
26. Ibidem
27. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001.
28. NERY JR, Nelson apud LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág 97.
29. GIDI, Antônio apud DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm, 2007.
30. BEDAQUE, José Roberto dos Santos apud LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, págs 97-98.
31. DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. Bahia: Juspodivm, 2007.
32. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva. 2001.
33. BRASIL, Lei nº 7.347. Vade Mecum - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 1.427.
34. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva. 2001.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ações Coletivas. Bahia: Juspodivm, 2007.

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...