quarta-feira, 24 de abril de 2013

A PEC 37 E OS PRESSUPOSTOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO



I. A importância e as precauções da atividade legislativa
Há muito se acentua, no âmbito da teoria da legislação, a importância e “a delicadeza da tarefa confiada ao legislador”[1]. Diante do caráter abstrato e genérico dos atos normativos editados pelo Poder Legislativo, não se pode desconsiderar, na sábia advertência do ministro Gilmar Mendes, as gravíssimas consequências que deverão ser suportadas por toda comunidade quando políticas e programas são concretamente convertidos em normas legais vinculantes, sem que, no entanto, sejam consideradas adequadamente todas as implicações daí resultantes.

Graças ao seu caráter genérico e abstrato, mas sempre de efeito vinculante, qualquer mudança legislativa — sobretudo na forma de Emenda Constitucional — deveria realçar em todos nós o mais honesto sentido de prudência, especialmente, com seus imprevisíveis efeitos colaterais, já que são eles, com frequência, os mais deletérios. Pela mesma razão, Victor Nunes Leal recomendava absoluta prudência ao Poder Legislativo, porquanto "tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As consequências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis"[2].
É por isso também que, segundo advertência internacionalmente reiterada, especialmente nas nações mais sérias, o afazer legislativo revela-se sempre de caráter residual, devendo o legislador atuar apenas e tão somente quando, de forma incontornável, se mostre necessária alguma inovação de caráter legislativo. No dizer do ministro Gilmar Mendes, em sua ilustrada pena, “a despeito dos cuidados tomados na feitura da lei (os estudos minudentes, os prognósticos realizados com base em levantamentos cuidadosos etc.), não há como deixar de caracterizar o seu afazer como umaexperiência. Trata-se, porém, da mais difícil das experiências, a ‘experiência com o destino humano’”[3].
Pois bem, não obstante todas as implicações históricas e a apreensão social que a medida suscita,tem curso no Congresso Nacional, convertido em poder constituinte derivado, a Proposta de Emenda Constitucional 37, a já famosa PEC 37, mediante a qual, segundo sua própria ementa, pretendem seus autores “definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal”.
É importante ressaltar, para uma correta avaliação da oportunidade e conveniência de uma tal proposta de Emenda ao texto constitucional, que a defesa mais recente de sua aprovação pelo Congresso se verifica quando o Supremo desenvolve relevante esforço hermenêutico e jurisprudencial para delimitar os poderes investigatórios do ministério. Além disso, é de se anotar que, mesmo acentuando a necessidade de controles procedimentais à investigação do Parquet — aliás, como qualquer investigação do Estado —, todas as vezes que o Supremo enfrentou a matéria, jamais lhe ocorreu negar a possibilidade de investigação criminal por membros do Ministério Público.
Assim, apenas para ficar num dos melhores exemplos de sua jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal não só confirmou — mais uma vez — a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, como estabeleceu uma série de pressupostos e condições dessa específica atuação ministerial, já que, obviamente, ninguém pode discordar que, à semelhança de qualquer poder estatal, também “o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais” (HC 84.965 / MG — relator ministro Gilmar Mendes).
Pois bem, retornando à PEC 37, não obstante todo o esforço hermenêutico do Supremo, descontadas algumas alterações que o texto vem sofrendo e ainda possa sofrer em sua peregrinação pelo Congresso, o que se busca com a referida proposta de Emenda, na essência, mais do que o seu objetivo declarado de “definir a competências para a investigação criminal da polícia federal e das polícias civis dos Estados”, é subtrair do Ministério Público o poder de investigação de fatos criminosos.
De fato, todos os pareceres favoráveis que foram produzidos, no âmbito do Congresso, não deixam a menor dúvida de que, mais do que organizar competências policiais, o que ali se pretende é excluir de nossa realidade constitucional a possibilidade de investigação criminal direta pelo Ministério Público.
De regra, o que se infere das discussões havidas na Casa do Povo é que os nossos representantes eleitos parecem ressentir-se de um certo protagonismo por parte de membros do Ministério Público, o que seria bem traduzido por certo temor de que, ao investigar, promotores de Justiça e procuradores da República, estejam, em verdade, “selecionando seus alvos, definindo seus adversários e escolhendo suas vítimas ao sabor de opções que não têm caráter técnico”, no preciso resumo de um admirado articulista nacional.
Por exemplo, em passagem de parecer exarado no âmbito da própria Câmara dos Deputados, repete-se a mesma ideia, para acentuar a posição de determinado representante da classe dos delegados de polícia, que manifestou a posição de sua entidade “no sentido da aprovação da PEC por entender que a investigação policial produzida a latere pelo MP, numa persecução penal sem regras legais e sob critério de seletividade, significa uma grave preocupação pela ofensa que pode causar aos direitos individuais”. Acrescenta-se ainda a ideia de que o monopólio da investigação criminal busca atender a um direito do cidadão de “ser investigado por uma instituição isenta, imparcial, cuja atividade de investigação visa a trazer à tona todos os atos, autoria e materialidade, permitindo ao MP, a Justiça, a defesa e a acusação que atuem conforme o foi apurado”.
II. A PEC 37 e a realidade dos fatos
Aqui, entretanto, começam, precisamente, os graves problemas de incongruência lógica entre as boas intenções da PEC 37 e os pressupostos de onde partem as entidades que a promovem de forma tão viva e honestamente.

Um dos maiores erros dos agentes públicos ao concretizar os seus ideários políticos em atos legislativos, através dos quais pretendem enfrentar os mais graves problemas da sociedade, é julgar instituições, pessoas, políticas e programas por suas intenções, e não em consideração a seus resultados e à realidade em que deverão se desenvolver. De fato, as leis, inspiradas mais nas boas intenções daqueles que as produzem do que num exame frio dos fatos, com mais frequência do que o desejável, tendem a alcançar resultados absolutamente diversos — muitas vezes opostos — daqueles que, honesta e expressamente, ostentavam por ocasião do processo legislativo do qual originaram.
O legislador, portanto, mais do que qualquer agente público, pela gravidade das funções que desempenha, não tem o direito de desconsiderar os fatos sociais que envolvem a decisão política que pretende converter em lei, assim como não pode menosprezar a possibilidade de consequências não almejadas pela concretização de seu afazer legislativo. De fato, quem quer enfrentar a sério problemas humanos não pode dar-se ao luxo de ser incoerente ou contraditório consigo mesmo e com a realidade dos fatos sociais.
Dizendo-o de uma forma teoricamente mais elaborada, Robert Alexy estabelece, como uma das principais regras de um catálogo de pressupostos de todo discurso normativo, o dever de coerência e de honestidade. De fato, se alguém pretende que, num embate discursivo, em que se pretenda produzir normas de condutas humanas, prevaleça a força da verdade e não a força de suas convicções, deve impor-se pelo menos três regras de argumentação: (1) a primeira afirma que todo falante que busca participar de uma discussão séria “só pode afirmar o que ele próprio acredita”, (2) a segunda regra dispõe que todo falante que afirma de um objeto “a” um predicado F deve estar disposto também a aplicar o mesmo predicado F a qualquer outro objeto “x”, que se assemelhe a “a” em todos os seus aspectos relevantes e (3) afirma a terceira regra que “nenhum falante pode contradizer-se”[4].
Ora, por tudo o que se conhece de investigações e ações policiais em nosso país, só um total descompromisso com a realidade dos fatos, de quem efetivamente não parece acreditar no que afirma, permitirá dizer que, de regra, a polícia em nosso país, ou em qualquer lugar do mundo, é uma instituição mais “isenta e imparcial”, ou que garante mais os direitos dos investigados, do que o Ministério Público.
Nesse ponto, pelo respeito que dedico à instituição policial, gostaria de ser bem entendido. Com essa conclusão, não quero e não posso enunciar qualquer juízo de valor absoluto em relação às instituições e aos agentes policiais. Tenho em meu rol amigos, com indisfarçável orgulho, um sem-número de delegados e agentes da Polícia Federal. Servidores públicos de indiscutíveis virtudes cívicas e relevantíssimos serviços prestados à nação. Entretanto, não se pode desconsiderar o fato de que, por sua própria natureza e vocação, instituições policiais, preocupam-se antes com o resultado de suas ações do que com a “imparcialidade ou isenção” de seu trabalho. Instituições policiais, em qualquer lugar do mundo, ao organizarem-se — sem exceção — pelo princípio da hierarquia, estão comprometidas invariavelmente — e não digo que deva ser diferente — com a política criminal do poder a que se subordinam.
A relativa e elogiosa independência que o Departamento de Polícia Federal tem ostentado nos últimos anos é, como sabemos, muito mais fruto de uma por assim dizer liberalidade republicana dos sucessivos presidentes e presidenta da República, bem como dos ministros que estiveram à frente da pasta da Justiça, do que da existência de qualquer imperativo legal ou constitucional que lhe assegure alguma independência, imparcialidade ou isenção na persecução e desenvolvimento de suas elevadas atribuições. Tanto é verdade, que uma das mais antigas reivindicações das entidades representativas dos delegados de polícia é, precisamente, a independência em relação ao Poder Executivo. De outro lado, como sabem todos, de regra não se vê em governos estaduais (não digo em todos) a mesma independência verificada no nível federal.
De qualquer sorte, e dizendo da forma mais honesta que posso dizê-lo, nenhuma polícia do mundo sai às ruas para encontrar inocentes. A prova da inocência de um investigado, conquanto possa resultar de uma investigação policial, não é, por óbvio, a preocupação primeira da autoridade policial ao investigar um crime e, sim, os elementos de convicção de autoria e materialidade. Pela mesma razão, ao contrário das elogiáveis intenções ostentadas pela PEC 37, caso de fato se consagre o eventual monopólio da atividade investigatória às autoridades policiais, a nenhum ingênuo é dado esperar que, no dia seguinte à sua promulgação, sejamos confrontados com a implausível realidade de delegados de polícia preocupados em colher provas que “inocentem” o investigado, ao invés de encontrar as provas que certifiquem o autor e o fato criminoso. Obviamente, isso não indica que a polícia tenha como propósito “fabricar” a autoria de crimes, mas tão somente que a sua preocupação está voltada à elucidação do fato criminoso e a descoberta de sua autoria, e não a certificação da inocência de quem quer que seja. Isso tampouco é uma característica apenas da polícia brasileira.
Evidentemente, não caio na armadilha lógica de comprometer-me com o sentido contrário da uma outra ingenuidade, aquela de acreditar que, só porque desenvolvida por membro do Ministério Público, a investigação criminal estaria protegida de abusos e parcialidades. Membros do Ministério Público, de regra, também estão comprometidos com a busca de provas que elucidem fatos criminosos e que, por conseqüência, assegurem — ato contínuo — uma ação penal vitoriosa. Contudo, o que, de regra assegura, ao meu sentir, uma maior isenção — não uma isenção absoluta — do membro do Ministério Público é, sobretudo, suas prerrogativas constitucionais, que garantem sua independência em relação a qualquer outra autoridade ou vontade de poder. Mas, sendo intelectualmente honesto, devo novamente acentuar que nem mesmo essas garantias protegerão o membro do Ministério Público de, ao final, acabar-se envolvido pelo resultado da investigação que autonomamente desenvolva.
Em síntese, como tem acentuado o próprio Supremo Tribunal Federal (como veremos adiante), nem a investigação do Ministério Público, nem a investigação da polícia, nem a investigação de quem quer que seja, está livre de parcialidades ou abusos. Já fui membro do Ministério Público e hoje integro a magistratura. E para afastar qualquer nota corporativa, mesmo agora devo dizer que também o magistrado, nas ocasiões que por lei deve presidir investigações, não estará livre de abusos e parcialidades.
III. Das garantias do investigado nas investigações criminais
Não será, portanto, excluindo do Ministério Público o poder de investigação criminal que se eliminará, nem mesmo se diminuirá, a possibilidade de alguém ser vítima de abusos resultantes de investigações estatais. De fato, a possibilidade de abusos e arbitrariedades não resulta essencialmente da instituição onde se desenvolve a investigação, mas da ausência de garantias que protejam o investigado no momento em que é submetido à força investigatória do Estado.

Portanto, aqueles que estejam preocupados com a possibilidade de arbitrariedades e abusos eventualmente perpetrados contra os investigados devem buscar protegê-los com acréscimos de garantias, pouco importando, pois, a instituição que desenvolva a investigação.
Apenas para ficar em exemplo absolutamente fora de discussão, ao contrário de outros países democráticos, o nosso Código de Processo Penal, na fase do inquérito policial, fruto de seu contexto histórico, basicamente desconhece — pelo menos de forma séria — a garantia de produção de prova em favor ou por solicitação do investigado. Vejamos.
De fato, nesse particular, devemos convir que no artigo 6o, do CPP, os incisos I, II e III muito pouco dizem a favor do investigado, quando impõem à autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, o dever de tomar as seguintes providências: “I — dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II — apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais e   III — colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”. Por sua vez, o artigo 14, do mesmo CPP, não obstante possibilite ao investigado requerer diligências, conclui, sem maior fundamento, por estabelecer que a diligência assim requerida “será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.
Como se sabe, em outras democracias, cuja história dos direitos fundamentais se revela mais consistente que a nossa, a legislação processual penal confere um amplo rol de garantias ao investigados, que se impõem a qualquer investigação criminal, não importa se desenvolvida pelo Ministério Público ou por instituição policial. Vejamos.
Deixemos de lado, por já ser amplamente conhecido de todos, o caso dos Estados Unidos, onde a Suprema Corte, na sequência do caso Miranda vs. Arizona — 384 U.S. 436 (1966) —, desenvolveu uma série de direitos e garantias em favor do investigado (Miranda rights) que se impõem ao Ministério Público e à autoridade policial antes mesmo de instaurada a instância judicial.
Na Itália, exemplo dos maiores processualistas que inspiraram nossa produção legislativa e jurisprudencial, sua Corte Constitucional, na sentença 88/1991, diante do inegável poder do Ministério Público para produzir investigação criminal, deixou todavia assentado que, “mesmo no novo processo, o Ministério Público é obrigado a realizar investigações (indagini) completas e buscar todos os elementos necessários para uma decisão justa, incluindo aqueles favoráveis ​​ao acusado” (favorevoli all'imputato)[5]. Por isso mesmo conclui Paolo Barille, “o novo código de processo penal, em harmonia com essa visão de magistrado do Ministério Público, isto é, órgão imparcial, sanciona o poder-dever do Ministério Público para realizar investigações sobre a base do exercício da acusação e da apreciação dos fatos específicos, incluindo as provas favoráveis ​​ao 'réu”[6].
Na Alemanha, não é diferente. No parágrafo 160 de seu Código de Processo Penal (Strafprozessordnung), em sua frase (2), o legislador alemão entendeu por bem deixar expressamente disposta a obrigação de o Ministério Público (Die Staatsanwaltschaft), ainda na fase da investigação, “verificar não só as circunstâncias incriminatórias (Belastung), mas também as que servem para exonerar (Entlastung), assim como tomar o cuidado de recolher as provas que se possa recear sejam perdidas”[7].
Além disso, no parágrafo 163-a, frase (2), o Código alemão, expressamente, dispõe que “requerida pelo inculpado (Beschuldigte) a coleta de provas para a sua exoneração ou liberação (Entlastung), então elas devem ser colhidas quando se revelem importantes”.
Além desses expressivos exemplos, todo o Segundo Capítulo do Segundo Livro do Código de Processo Penal alemão está dedicado expressamente à “Preparação da ação (penal) pública”. Nesse complexo normativo, além dos dispositivos já referidos, em sua maior parte, o que se ali se contem é um conjunto de normas a impor um poder-dever de investigação que, vinculando o Ministério Público e a autoridade policial, criam um procedimento de investigação criminal que visa assegurar tanto um correto esclarecimento do fato delituoso, como exonerar de responsabilidade — e da indevida atuação do Estado — o cidadão que, pelas provas que devem ser também colhidas pelas autoridades públicas, tem o direito de provar sua inocência.
Tudo considerado, se podermos nos espelhar na experiência hoje quase unânime de antigas e consolidadas democracias, muito melhor andaria o legislador pátrio se, ao invés de tomar partido de interesses acentuadamente corporativos, ficasse ao lado do cidadão e, sem comprometer a possibilidade de investigação do Ministério Público, cuidasse de regular o procedimento investigatório criminal, pouco importando se a investigação fosse desenvolvida pela polícia, pelo Ministério Público ou por qualquer outra autoridade do Estado, para prestigiar o mais possível os direitos e garantias fundamentais do investigado.
Veja que essa é precisamente a mesma conclusão que o STF, no referido HC 84.965, ao afirmar a investigação criminal pelo Ministério Público, acabou por consagrar. Ao confirmar a prerrogativa investigatória do MP, o STF estabeleceu algumas condições e pressupostos que, além de tudo, deveriam informar, em futura disciplina legal, qualquer forma de investigação criminal (cito, destacando): “A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial — simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, artigo 58, parágrafo 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo ministro Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações pena(is)”.
Em resumo conclusivo, ao meu sentir, a energia de nossos legisladores deveria ser consagrada em garantir uma adequada persecução criminal, mas de ordem a resguardar sempre e sempre, não importa se em inquérito policial ou em investigação pelo Ministério Público, os mais amplos direitos fundamentais do cidadão.

[1] Brasil. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República / Gilmar Ferreira Mendes e Nestor José Forster Júnior. – 2. ed. rev. e atual. – Brasília : Presidência da República, 2002, p. 76.
[2] LEAL, Victor Nunes. Técnica Legislativa. In: Estudos de direito público. Rio de Janeiro, 1960. p. 7-8, apud Brasil. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República / Gilmar Ferreira Mendes e Nestor José Forster Júnior. – 2. ed. rev. e atual. – Brasília : Presidência da República, 2002, p. 76.
[3] No texto, o festejado constitucionalista brasileiro e magistrado de nossa Suprema Corte, refere a célebre passagem de Herman Jahrreiss: “Legislar é fazer experiências com o destino humano", cfe. JAHRREISS, Hermann. Groesse und Not der Gesetzgebung. 1953. p. 5, apud Brasil. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República / Gilmar Ferreira Mendes e Nestor José Forster Júnior. – 2. ed. rev. e atual. – Brasília : Presidência da República, 2002, p. 76.
[4] Como se sabe, na sua Teoria da Argumentação Jurídica, o autor enumera uma série de outras regras ínsita à argumentação e ao discurso normativo, tudo cfe. Robert Alexy. Theorie der juristischen Argumentation: die Theorie des rationalen Diskurses als Theorie der juristischen Begründung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, p. 361.
[5] Paolo Barile et al. Istituzioni di Diritto Pubblico. 8ª. ed, Padova: Cedam, 1998, p. 431.
[6] Paolo Barile et al. Istituzioni di Diritto Pubblico. 8ª. ed, Padova: Cedam, 1998, p. 431/2.
[7] (2) Die Staatsanwaltschaft hat nicht nur die zur Belastung, sondern auch die zur Entlastung dienenden Umstände zu ermitteln und für die Erhebung der Beweise Sorge zu tragen, deren Verlust zu besorgen ist.
Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2013

terça-feira, 23 de abril de 2013

GABARITO OFICIAL DA PROVA DE DIREITO EMPRESARIAL I - UNILAVRAS 2013/1


GABARITO OFICIAL DA PROVA DE  DIREITO EMPRESARIAL I – UNILAVRAS 2013/1




1.       C – 2. A – 3. D – 4. B  - 5.  A – 6.  D – 7.  B -  8.  D -  9. D -  10. D -  11. D -  12.  C -  13.  B- 14.  C - 15. A - 16. B -  17. B -  18. D - 19. D - 20. C - 21. A - 22. A - 23. A -  24. C - 25. C.


SÓ GESTÃO DEMOCRÁTICA LEVARÁ JUDICIÁRIO AO SÉCULO XXI


Já está refletido e maduro que o Judiciário e suas ações precisam, urgentemente, melhorar e se modernizar, especialmente em sua gestão e na prestação desse serviço público especializado e cidadão chamado Justiça.
Ainda estamos distantes do Judiciário do século XXI, que queremos e idealizamos e que a própria sociedade demanda. Muito há o que fazer e, sem democracia, não há como avançar. Se os magistrados querem e descobriram a importância do fazer política associativa e institucional, não podem progredir sem vivenciar e praticar a democracia interna, seja nos fóruns, nos tribunais e com a própria sociedade.
A melhoria e modernização do Judiciário devem estar vinculadas às demandas da sociedade. Há muito, ficaram superadas a concepção e a prática do poder que distanciam e distinguem, ou afastam, o Judiciário do cidadão.
Democracia se pratica por inteiro, razão pela qual a magistratura brasileira defende, historicamente, a proposta de eleições diretas para a direção dos tribunais de modo que todos os magistrados possam contribuir pelo aperfeiçoamento do Poder Judiciário.
As eleições diretas representam um largo passo à frente pela possibilidade de transparência, de eficiência e um avanço no modelo de gestão do Poder Judiciário. Os tribunais carecem de um planejamento estratégico, e o gestor maior precisa ter esse comprometimento e propostas, permitindo uma Justiça mais próxima do cidadão.
Além da eficiência administrativa, outra razão nos move é a participação dos juízes e das juízas na escolha da direção, do futuro e dos rumos do Judiciário. Afinal, são eles que estão na ponta do atendimento e, por essa mesma razão, sabem o que é melhor para o cidadão e o que fazer para tornar a Justiça mais útil e mais ágil. São eles também os responsáveis diretos pelas mais democráticas e mais ágeis eleições do mundo. Se são agentes políticos como os desembargadores, não há razão para serem excluídos do mesmo direito de seus colegas do 2º grau na hora de escolher a direção.
Ainda hoje, 28 anos após a redemocratização do País e 25 da promulgação da Carta Magna, estranhamente só 7% da magistratura elegem o comando das Cortes. Coincidentemente ou não, é o mesmo período no qual defendemos a criação de um novo estatuto da magistratura à luz da Constituição cidadã e do aperfeiçoamento democrático.
Nesse momento em que o Congresso Nacional se debruça sobre o tema, é fundamental que o debate seja ampliado para todos os magistrados e, principalmente, para a sociedade. Tramitam, hoje, duas PECs no Congresso (nº 187/2012, na Câmara, e nº 15/2012, no Senado), dispondo sobre a participação de juízes no processo de escolha de seus representantes nos tribunais estaduais, regionais federais e do Trabalho.
A democracia deve permear também o Poder Judiciário, conferindo-lhe aquilo que já existe nos Poderes Executivo e Legislativo, que é a escolha direta de seus representantes. A medida é um passo fundamental para legitimar outras reivindicações históricas do Judiciário e da sociedade, como a revisão da ultrapassada Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e a conquista de sua plena autonomia financeira e orçamentária.
São temas que afligem a magistratura e o judiciário como um todo. A proposta se incorpora a outras que pretendem inovar dentro da Justiça brasileira, fazer com que ela seja mais célere, valorize os juízes e as comarcas longínquas, com condições de trabalho e recursos adequados, para que eles possam atender melhor ao cidadão.
A magistratura já é, em si mesma, bastante politizada e inexistem motivos para que fique de fora das principais decisões do Judiciário. Os juízes querem participação e transparência, pois sequer são consultados na hora da definição do orçamento das comarcas que atuam e dirigem e da destinação dos recursos públicos, a serem aplicados nos fóruns e na segurança deles.
Já passou da hora de os juízes serem integrados ao tribunal do qual fazem parte, apesar de se submeterem ao mesmo presidente que os desembargadores. Trata-se de uma mudança mais ampla do que um mero desejo classista, corporativo ou associativo. Somente por meio de um projeto de gestão democrática é que o Poder Judiciário alcançará condições de melhorar sua capacidade de trabalho.
Herbert de Almeida Carneiro é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).
Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2013

segunda-feira, 22 de abril de 2013

GABARITO OFICIAL DA PROVA DE DIREITO DO CONSUMIDOR - 1ª ETAPA - UNILAVRAS/2013-1






GABARITO DA PROVA - DIREITO DO CONSUMIDOR - UNILAVRAS




1 . C  - 2. B - 3. D - 4. C - 5. A - 6. D - 7. C - 8. D - 9. B - 10. D - 11. C - 12. D - 13. D - 14. D  

15. C - 16. A - 17. C - 18. C - 19. D - 20. D - 21. C - 22. E - 23. C - 24. C - 25. B.
































SÉRIE DECISÕES JUDICIAIS - A GARANTIA HIPOTECÁRIA NÃO AFASTA A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA




Luiz Cláudio Borges
Mestre em Constitucionalismo e Democracia, pela FDSM; Especialista em Direito Civil e Processo Civil, CPG-FADIVA; advogado e professor.


TJMG - Embargos Infringentes Nº 1.0024.09.647304-6/004  - rel. Des. VERSANI PENNA – Dje 08/11/2012[i] – Área do Direito: CONSTITUCIONAL - CIVIL

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO. IMÓVEL RESIDENCIAL. GARANTIA HIPOTECÁRIA EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA. BEM DE FAMÍLIA. PROTEÇÃO LEGAL. IMPENHORABILIDADE. RENÚNCIA AO PRIVILÉGIO. EXEGESE DO ART. 3º, INCISO V, DA LEI FEDERAL N. 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE DE CONDICIONAMENTO CONTRA LEGEM.
- A teor do disposto no art. 3º, inciso V, da Lei Federal n. 8.009/90, o imóvel dado em garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar resta excluído da proteção legal ao bem de família.
- Em observância ao princípio do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva, não se pode desconsiderar ato volitivo do devedor que oferece o bem em que reside com sua família em garantia hipotecária para a obtenção de financiamento para sua empresa, configurando, com isso, renúncia ao privilégio legal da impenhorabilidade.
- Não se pode ir além da intenção do legislador e criar condição contra legem no sentido de que o negócio, assegurado pela garantia hipotecária, tenha sido realizado em prol da entidade familiar.

Resenha

            Trata-se de acórdão em embargos infringentes versando sobre a impenhorabilidade ou não do bem de família, dado pelos pais (e proprietários do imóvel) em garantia hipotecária para assegurar pagamento de dívida contraída por sociedade empresaria (pessoa jurídica), da qual são sócios.

Em primeira instância, a filha do casal ingressou com embargos de terceiros objetivando, liminarmente, a suspensão do leilão e, no mérito a desconstituição da penhora. O pedido teve como fundamento a violação do artigo 1º, da Lei 8.009/1990, o qual dispõe que “o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filho que sejam seus proprietários e nele residam, salvo as hipóteses previstas nesta lei”.

E mais, arguiu-se ainda a inaplicabilidade do disposto no artigo 3º., inciso V, da Lei 8.009/1990, isto porque, embora o imóvel tivesse sido dado em garantia pelos pais da então embargante, o valor tomado não teria sido destinado ou revertido para a família ou entidade familiar.

Na respeitável sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, declarou a Magistrada que, não obstante o posicionamento do c. Superior Tribunal de Justiça, seu entendimento caminhava em sentido contrário, posto que o artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990 autoriza a penhora do bem de família.

Como fundamento, a i. Magistrada aponta o julgamento do RE 407688, veja:

[...].

Mutatis mutandis para o caso dos autos, o Supremo Tribunal Federal já decidiu no julgamento do RE 407688 que na exceção elencada no art. 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, o fiador não pode deduzir a tese do bem de família vez que a garantia prestada decorreu de livre expressão de vontade.

Vejamos o decidido pela Suprema Corte, in verbis:

“FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no artigo 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº. 8.009/90, com a redação da Lei nº. 8245/91 [...]”.

Argumenta, por fim, que o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado:

[...]
Por fim, um último argumento deve ser trazido. O novo Código Civil traz como postulado a teoria da boa-fé objetiva.

[...].
Esse princípio da boa-fé objetiva determina que haja uma coerência no cumprimento da expectativa alheia, independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído, representando, sob esse aspecto, a atitude de lealdade, de fidelidade, de cuidado que se costuma observar e que é legitimamente esperada nas relações.

[...].
Qualquer leigo de escassas luzes ou doutor da maior suposição tem plena ciência que, se determinado bem for dado em garantia, poderá posteriormente vir a ser penhorado. Assim, o proprietário do imóvel não pode posteriormente alegar que estava de boa-fé e, tampouco, um morador do imóvel que sequer é o proprietário, como no caso dos autos, vir por vias reflexas obter a impenhorabilidade pretendida.

O brocardo venire contra factum proprium veda que as partes assumam uma posição contraditória, para obter êxito pela sua própria conduta ilegal.

[...].”

Irresignada com a respeitável sentença, a então Embargante interpôs recurso de apelação, o qual, por maioria de votos, foi provido para reformar a decisão de primeiro grau.

            Fundado no voto do Desembargador Barros Levenhagen (voto vencido), o BDMG interpôs embargos infringentes, o qual, também por maioria de votos, foi provido para resgatar o voto vencido e, consequentemente, manter a respeitável sentença de primeira instância.

Na decisão de embargos infringentes, o Relator do recurso salientou que:

[S]em embargo da posição prevalente que, me antecedendo, concluiu que a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, inciso V, da Lei Federal n. 8.009/90 não se aplica à hipótese em que a hipoteca foi dada para garantia de financiamento contraído por empresa, entendo que houve um ato de livre disposição por parte do proprietário do imóvel.
A propósito, confira-se o disposto no art. 3º, inciso V da Lei Federal n. 8.009/90:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar (g.n.).

De certo, a ressalva contida no inciso V, do art. 3º de referido diploma legal permite expressamente que o imóvel dado em garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar seja excluído da proteção ao bem de família.
Ora, em observância ao princípio do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva, não se pode, aqui, desconsiderar ato volitivo do devedor que oferece o bem em que reside com sua família em garantia hipotecária para a obtenção de financiamento para sua empresa.
Não foi outro, aliás, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do REsp 1141732/SP, colacionado aos autos pelo embargante:

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE. 1. A exceção do art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. Precedentes. 2. A comunidade formada pelos pais e seus descendentes se enquadra no conceito legal de entidade familiar, inclusive para os fins da Lei nº 8.009/90. 3. A boa-fé do devedor é determinante para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite dos processos de cobrança. O fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família certamente é sopesado ao oferecê-lo em hipoteca, ciente de que o ato implica renúncia à impenhorabilidade. Assim, não se mostra razoável que depois, ante a sua inadimplência, o devedor use esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivaleria à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo. 4. Recurso especial a que se nega provimento (julgado em 09/11/2010)(g.n.).

[...].
NoPENHORA - BEM DE FAMILIA - EXCEÇÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE NA LEI 8.009/90 - POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA GARANTIA OFERTADA. A lei não dispõe que se a hipoteca for decorrente de contratação de capital de giro para empresa daqueles que ofertaram o imóvel será ele inalienável; pelo contrário, estabelece que a impenhorabilidade NÃO SERÁ oponível em caso de execução de hipoteca de imóvel oferecido como garantia real pelo casal proprietário do mesmo - sendo exatamente esta a hipótese dos autos. Foram os próprios agravantes que ofereceram o imóvel como garantia à dívida, e não podem, agora, invocar a Lei 8.009/90 para se livrarem do pagamento.
 caso presente, bem se vê pela cédula de crédito comercial contraída em favor de pessoa jurídica, a empresa “Vidro Arte Comércio de Vidros Decorativos Ltda.” (fls. 11/18 do executivo principal), que o próprio proprietário do imóvel e sua esposa deram o bem em garantia hipotecária, evidenciando, assim, que houve um ato de livre disposição por parte do casal, ainda que a propriedade seja a única e residencial da entidade familiar.
Ademais, a disposição legal (art. 3º, inciso V, Lei Federal n. 8.009/90) não estabelece que se a hipoteca for decorrente de contratação de capital de giro para empresa daqueles que ofertaram o imóvel – in casu, financiamento para aquisição de máquinas, equipamentos e formatização (fls. 11 da execução apense) – será ele inalienável. Ao contrário, prescreve expressamente que a impenhorabilidade não será oponível em caso de execução de hipoteca de imóvel oferecido como garantia real pelo casal proprietário do mesmo.
Com efeito, não se pode ir além da intenção do legislador e criar condição contra legem no sentido de que o negócio, assegurado pela garantia hipotecária, tenha sido realizado em prol da entidade familiar; até porque é de se presumir que o financiamento em benefício da empresa da qual é sócio o proprietário do imóvel tenha resultado em proveito da família.
[...].
Com tais considerações, acolho os infringentes para que prevaleça o entendimento minoritário, que, confirmando a decisão singular, julgou pela improcedência dos embargos de terceiros opostos por [...].

            Em recentíssima decisão, o colendo Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de apreciar caso semelhante, veja:
11857957 - DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL COM HIPOTECA. IMÓVEL HIPOTECADO DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA. ÚNICO BEM A SERVIR DE MORADA À ENTIDADE FAMILIAR. LEI Nº 8.009/1990. IMÓVEL DADO EM GARANTIA EM FAVOR DE  TERCEIRA PESSOA JURÍDICA. INTERVENIENTES HIPOTECANTES NÃO BENEFICIÁRIOS DO EMPRÉSTIMO. BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. BENEFÍCIO QUE NÃO ADMITE RENÚNCIA POR PARTE DE  SEU TITULAR. CARACTERIZAÇÃO DO BEM, OBJETO DA EXECUÇÃO, COMO BEM DE FAMIÍLIA. CONVICÇÃO FORMADA COM BASE NO SUPORTE FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. "Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1º, da Lei nº 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem. " (RESP 1.178.469/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 18/11/2010, DJe 10/12/2010) 2. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que a incidência da proteção dada ao bem de família somente é afastada se caracterizada alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do art. 3º da Lei nº 8.009/1990. Precedentes. 3. O benefício conferido pela Lei n. 8.009/90 ao instituto do bem de família constitui princípio de ordem pública, prevalente mesmo sobre a vontade manifestada, não admitindo sua renúncia por parte de seu titular. A propósito, entre outros: RESP 875.687/RS, Rel. Ministro Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/8/2011, DJe 22/8/2011; RESP 805.713/DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 15/3/2007, DJ 16/4/2007 4. A firme jurisprudência do STJ é no sentido de que a excepcionalidade da regra que autoriza a penhora de bem de família dado em garantia (art. 3º, V, da Lei nº 8009/90) limita-se à hipótese de a dívida ter sido constituída em favor da entidade familiar, não se aplicando na hipótese de ter sido em favor de terceiros caso dos autos. (AGRG no AG 1.126.623/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 16/9/2010, DJe 6/10/2010; RESP 268.690/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 12/3/2001). 5. No caso, as instâncias ordinárias, com suporte no conjunto fático-probatório produzido nos autos, firmaram convicção de que o bem dado em garantia é a própria moradia da entidade familiar dos sócios da pessoa jurídica - proprietária do imóvel e interveniente hipotecante do contrato de mútuo celebrado -, situação que não desnatura sua condição de "bem de família". Com efeito, inviável, em sede de especial, desconstituir a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quanto à realidade fática do uso do imóvel - a de que o bem hipotecado é bem de família. 6. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-AREsp 264.431; Proc. 2012/0253270-0; SE; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Julg. 05/03/2013; DJE 11/03/2013) Exclusividade Magister: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009
            Em sentido oposto, o c. STJ demonstra que a jurisprudência daquela casa está a contrariar o entendimento exarado nos embargos infringentes ora em análise. O julgado aponta  que, para se reconhecer a impenhorabilidade prevista no artigo 1º, da Lei 8.009/90 basta apenas que o imóvel sirva de residência para a família, como é o caso dos autos. E mais, para afastar a aplicação do artigo 1º, e aplicar o disposto no inciso V, do artigo 3º, da Lei 8.009/90, é preciso que fique demonstrado que o valor tomado a título de empréstimo fora revertido em benefício da entidade familiar, pois a mera presunção de que os valores tenham sido destinados à entidade familiar não é capaz de elidir o disposto no artigo 1º, da Lei 8.009/90, sendo assim, qualquer decisão que caminha em sentido diverso estar-se-á, inafastavelmente, violando o referido dispositivo.
Em possível discussão em sede de recurso especial e/ou recurso extraordinário, os argumentos são muitos e variados, violação ou contrariedade de lei federal, divergência jurisprudencial e violação do direito à moradia, art. 6º, da Constituição Federal e, consequentemente, do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
            O debate é necessário, a matéria é polêmica, mas o resultado não pode ser outro: o direito à moradia e a dignidade da pessoa humana devem ser preservados.

INTEIRO TEOR DO ACÓRDÃO:

- A teor do disposto no art. 3º, inciso V, da Lei Federal n. 8.009/90, o imóvel dado em garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar resta excluído da proteção legal ao bem de família.
- Em observância ao princípio do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva, não se pode desconsiderar ato volitivo do devedor que oferece o bem em que reside com sua família em garantia hipotecária para a obtenção de financiamento para sua empresa, configurando, com isso, renúncia ao privilégio legal da impenhorabilidade.
- Não se pode ir além da intenção do legislador e criar condição contra legem no sentido de que o negócio, assegurado pela garantia hipotecária, tenha sido realizado em prol da entidade familiar.
Embargos Infringentes Nº 1.0024.09.647304-6/004 - COMARCA DE Belo Horizonte - Embargante(s): BDMG BANCO DESENVOLVIMENTO MINAS GERAIS S/A - Embargado(a)(s): TATIANA DI BLASI CHAVES


A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em conhecer e acolher os embargos infringentes.
DES. VERSIANI PENNA
Relator.

Des. Versiani Penna (RELATOR)
R e l a t ó r i o
Trata-se de embargos infringentes (fls. 275/282-TJ) interpostos pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S/A. – BDMG, por meio do qual objetiva a prevalência do entendimento calcado no voto minoritário da lavra do e. Vogal, Desembargador Barros Levenhagen, segundo o qual é defeso aos devedores que ofereceram imóvel em hipoteca se eximirem da obrigação em deliberada afronta aos princípios contratuais do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva.
O acórdão recorrido (fls. 256/267-TJ) deu, por maioria, provimento ao recurso de apelação e julgou procedentes os embargos de terceiros opostos por Tatiana di Blasi Chaves, para desconstituir a penhora sobre o imóvel situado na Avenida Brasil, Bairro Vila Pinto, em Varginha, dado em garantia hipotecária da cédula de crédito comercial, emitida em favor de “Vidro Arte Comércio de Vidros Decorativos Ltda.”, como se vê das fls. 11/18 da execução apensa – processo n. 0024.02.834881-1.
Sustenta o embargante, em síntese, que, ao considerar impenhorável o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, como fundamento a proteção da moradia e da família, o legislador ressalvou, expressamente, a impenhorabilidade, em sete hipóteses, dentre as quais aquela em que o casal ou entidade familiar, proprietários do imóvel, o ofertar em garantia real (art. 3º, inciso V, da Lei Federal n. 8.009/90).
Esclarece que o sócio da empresa tomadora do financiamento – “Vidro Arte Comércio de Vidros Decorativos Ltda.” – Calixto Carvalho Chaves, é quem oferecera, juntamente com sua esposa, Rosângela di Blasi Chaves, o imóvel residencial em garantia hipotecária, renunciando, assim, ao benefício da impenhorabilidade. Invoca o princípio da boa-fé objetiva para afastar a inexistente condição legal, criada no voto combatido, de que necessário que a dívida tenha sido contraída em benefício do casal ou da entidade familiar.
A embargada apresenta contrarrazões às fls. 302/312 e requer o desprovimento do recurso.
Admitido o processamento dos infringentes pela decisão de fls. 315-TJ.
É o relatório.
V O T O
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos infringentes.
Sem embargo da posição prevalente que, me antecedendo, concluiu que a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, inciso V, da Lei Federal n. 8.009/90 não se aplica à hipótese em que a hipoteca foi dada para garantia de financiamento contraído por empresa, entendo que houve um ato de livre disposição por parte do proprietário do imóvel.
A propósito, confira-se o disposto no art. 3º, inciso V da Lei Federal n. 8.009/90:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar (g.n.).

De certo, a ressalva contida no inciso V, do art. 3º de referido diploma legal permite expressamente que o imóvel dado em garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar seja excluído da proteção ao bem de família.
Ora, em observância ao princípio do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva, não se pode, aqui, desconsiderar ato volitivo do devedor que oferece o bem em que reside com sua família em garantia hipotecária para a obtenção de financiamento para sua empresa.
Não foi outro, aliás, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do REsp 1141732/SP, colacionado aos autos pelo embargante:

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE. 1. A exceção do art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. Precedentes. 2. A comunidade formada pelos pais e seus descendentes se enquadra no conceito legal de entidade familiar, inclusive para os fins da Lei nº 8.009/90. 3. A boa-fé do devedor é determinante para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite dos processos de cobrança. O fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família certamente é sopesado ao oferecê-lo em hipoteca, ciente de que o ato implica renúncia à impenhorabilidade. Assim, não se mostra razoável que depois, ante a sua inadimplência, o devedor use esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivaleria à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo. 4. Recurso especial a que se nega provimento (julgado em 09/11/2010)(g.n.)

No mesmo sentido, o entendimento do e. Desembargador Barros Levenhagen, vencido no acórdão impugnado:
 ...sendo a Apelada, ao mesmo tempo, sócia da empresa tomadora do empréstimo e proprietária do imóvel dado em garantia deste negócio, pretende, diante do inadimplemento de suas obrigações contratuais, contraídas sem vício de vontade, aproveitar-se de sua própria torpeza, pleiteando o reconhecimento da impenhorabilidade do bem hipotecado.
Com a pretendida manobra jurídica, está a Postulante a ignorar, deliberadamente, os princípios contratuais do ‘pacta sunt servanda’, e da boa-fé objetiva...(fl. 260-TJ).

NoPENHORA - BEM DE FAMILIA - EXCEÇÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE NA LEI 8.009/90 - POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA GARANTIA OFERTADA. A lei não dispõe que se a hipoteca for decorrente de contratação de capital de giro para empresa daqueles que ofertaram o imóvel será ele inalienável; pelo contrário, estabelece que a impenhorabilidade NÃO SERÁ oponível em caso de execução de hipoteca de imóvel oferecido como garantia real pelo casal proprietário do mesmo - sendo exatamente esta a hipótese dos autos. Foram os próprios agravantes que ofereceram o imóvel como garantia à dívida, e não podem, agora, invocar a Lei 8.009/90 para se livrarem do pagamento.
 caso presente, bem se vê pela cédula de crédito comercial contraída em favor de pessoa jurídica, a empresa “Vidro Arte Comércio de Vidros Decorativos Ltda.” (fls. 11/18 do executivo principal), que o próprio proprietário do imóvel e sua esposa deram o bem em garantia hipotecária, evidenciando, assim, que houve um ato de livre disposição por parte do casal, ainda que a propriedade seja a única e residencial da entidade familiar.
Ademais, a disposição legal (art. 3º, inciso V, Lei Federal n. 8.009/90) não estabelece que se a hipoteca for decorrente de contratação de capital de giro para empresa daqueles que ofertaram o imóvel – in casu, financiamento para aquisição de máquinas, equipamentos e formatização (fls. 11 da execução apense) – será ele inalienável. Ao contrário, prescreve expressamente que a impenhorabilidade não será oponível em caso de execução de hipoteca de imóvel oferecido como garantia real pelo casal proprietário do mesmo.
Com efeito, não se pode ir além da intenção do legislador e criar condição contra legem no sentido de que o negócio, assegurado pela garantia hipotecária, tenha sido realizado em prol da entidade familiar; até porque é de se presumir que o financiamento em benefício da empresa da qual é sócio o proprietário do imóvel tenha resultado em proveito da família.
Nesse sentido, o posicionamento do e. Desembargador Tarcisio Martins Costa, amparado em jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE TERCEIRO -IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - EXAME DE OFÍCIO- IMÓVEL OFERECIDO PELO DEVEDOR EM GARANTIA HIPOTECÁRIA - PENHORABILIDADE - ENQUADRAMENTO NA RESSALVA PREVISTA NO ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90 - MEAÇÃO DA CONCUBINA - AVAL DADO PELO COMPANHEIRO À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO - PRESUNÇÃO DE QUE RESULTOU EM BENEFÍCIO DA FAMÍLIA - ÔNUS DA PROVA DA CONVIVENTEEMBARGANTE. - A impenhorabilidade absoluta é matéria de ordem pública e, como tal, suscetível de apreciação de ofício. - O imóvel oferecido em garantia hipotecária pelo devedor é penhorável, por se enquadrar na ressalva prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90. - A jurisprudência consolidada do STJ orientou-se no sentido de que, em se tratando de aval prestado pelo marido em favor de sociedade comercial da qual é sócio, é de se presumir que a dívida dele advinda tenha resultado em proveito da família, daí cabendo ao cônjuge virago ou convivente o ônus da prova.
(...)
...resulta do exame dos autos que o aval do executado fora concedido em benefício da sociedade comercial da qual é sócio. Daí se presumir que a dívida tenha sido contraída em proveito da família, por ser essa a fonte de onde normalmente advém a manutenção e o sustento do núcleo familiar. Tal presunção, como se sabe, é relativa ou juris tantum, cabendo àquele que pretende a exclusão de sua meação o ônus da prova, ao fito de elidi-la. Dessa forma, não há se cogitar da inversão do ônus da prova, conforme entendeu a nobre sentenciante.
Nesse sentido, é a jurisprudência consolidada do colendo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AVAL DADO PELO MARIDO A EMPRESA DA QUAL É SÓCIO. PENHORA DE BENS. MEAÇÃO DA ESPOSA. PRESUNÇÃO DE EMPRÉSTIMO QUE BENEFICIOU A FAMÍLIA. TERCEIRA EMBARGANTE E MEEIRA QUE É SÓCIA DA MESMA PESSOA JURÍDICA. INCIDÊNCIA DA CONSTRIÇÃO SOBRE A TOTALIDADE DOS BENS. ÔNUS DA PROVA PERTENCENTE À ESPOSA.I. Orientou-se a jurisprudência das Turmas integrantes da 2a. Seção do STJ no sentido de que em se tratando de aval prestado pelo marido em favor de empresa da qual é sócio, é de se presumir que o empréstimo que deu origem à dívida cobrada veio em benefício da família, daí cabendo à esposa meeira o ônus da prova. II. (...) III. Recurso especial conhecido e provido, para incidir a penhora sobre a totalidade dos bens, sem a ressalva da meação (REsp 231029 - SP, 1999/0084128-0, Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 4ª Turma, DJ 17.02.2003, p.00281).

EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. MEAÇÃO. MULHER DO AVALISTA, SÓCIO DA EMPRESA AVALIZADA. PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA FOI CONTRAÍDA EM BENEFÍCIO DA FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA CONTRÁRIA. PRECEDENTES.- Agravo regimental voltado contra jurisprudência consolidada na Segunda Seção do STJ, que nas circunstâncias como a dos autos, onde o marido da agravante prestou aval a empresa da qual era sócio, reconhece a presunção de que a dívida foi contraída em benefício da família, cabendo o ônus de provar o contrário à mulher do avalista. - Subsistentes os fundamentos do decisório agravado, nega-se provimento ao agravo (Agr REsp 299514 - SP, Agr Reg. no Resp 2001/0003391-1, Ministro CESAR ASFOR ROCHA, 4ª Turma, DJ 22.10.2001, p.00328)

(...)(Apelação Cível 2.0000.00.450094-5/000; julgado em 26/10/2004)(g.n.).

Com tais considerações, acolho os infringentes para que prevaleça o entendimento minoritário, que, confirmando a decisão singular, julgou pela improcedência dos embargos de terceiros opostos por Tatiana di Blasi Chaves.
Custas na forma da lei.
É como voto.


Desa. Áurea Brasil (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Manuel Bravo Saramago
Peço vênia aos doutos desembargadores que me precederam no presente julgamento para manter o voto proferido por ocasião do julgamento da apelação, rejeitando os presentes EMBARGOS INFRINGENTES.

Des. Barros Levenhagen - De acordo com o(a) Relator(a).
Desa. Sandra Fonseca - De acordo com o(a) Relator(a).




[i] O acórdão encontra-se disponível no sitio do TJMG.

LEI ATRIBUI AO RÉU ÔNUS DECORRENTE DO TEMPO DO PROCESSO


É inegável que o tempo é um elemento determinante nas relações sociais modernas. O estudo dos efeitos do tempo na sociedade foi denominado pelo filósofo francês Paul Virilio como “dromologia”. Notadamente nas relações comerciais, o tempo condiciona o sucesso ou o fracasso de um empreendimento; o estímulo ou o desestímulo a investimentos; a conclusão ou desfazimento de um negócio. Passando para o campo do direito, o tempo decorrido entre a lesão do direito e a consecução do remédio jurisdicional tem drásticas implicações práticas. Esse fator é considerado pelo empresário no planejamento de suas atividades: alocar dinheiro em um negócio cujo descumprimento pela parte contrária pode dar azo a um litígio excessivamente moroso é operação demasiadamente arriscada, a aumentar os custos ou mesmo impedir a exploração da atividade.
No campo do financiamento imobiliário, a disponibilidade de crédito no mercado para que os cidadãos alcancem com mais facilidade o “sonho da casa própria” depende diretamente da existência de meios que resguardem a esfera jurídica do credor em caso de inadimplemento. Uma das formas de garantia das operações de financiamento imobiliário é a denominada alienação fiduciária de coisa imóvel, regida pelos artigos 22 e seguintes da Lei 9.541/1997. Enquanto o credor fiduciário é titular da nua-propriedade e da posse indireta sobre o bem, o devedor fiduciante mantém apenas a posse direta, em razão do constituto possessório.
A alienação fiduciária é um tipo de negócio fiduciário. O negócio fiduciário é aquele em que as partes se utilizam de um tipo contratual de efeitos mais amplos do que o tipo usualmente adotado para o atingimento de determinada finalidade. Pela alienação fiduciária, as partes operam a transferência da propriedade, que tem efeitos muito mais amplos que aquele que desejam atingir: a constituição de garantia.
Constitui-se a alienação fiduciária de bens imóveis pelo registro do negócio jurídico no Registro de Imóveis competente (artigo 22, caput, da Lei 9.541/1997). Pode ter por objeto o bem enfitêutico, o direito de uso especial para fins de moradia, o direito real de uso, desde que suscetível de alienação, e a propriedade superficiária.
O contrato deve prever um prazo, denominado “prazo de carência”, para o caso de mora do devedor fiduciante, ao fim do qual o credor fiduciário pode requerer a expedição de intimação pelo oficial do competente Registro de Imóveis. Recebida a intimação, o devedor fiduciante terá 15 dias para satisfazer a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação, sob pena de consolidar-se a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Uma vez consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, o ordenamento lhe assegura um procedimento especial, previsto no artigo 30 da Lei 9.541/1997, destinado à célere obtenção da reintegração na posse do imóvel. Segundo o dispositivo, o titular do direito (credor fiduciário ou sucessor), comprovando a consolidação da propriedade em seu nome, tem direito à concessão liminar da reintegração na posse para desocupação do imóvel em 60 dias. Essa comprovação deve ser realizada mediante apresentação do contrato que serve de título ao negócio fiduciário e do documento que ateste o recebimento da intimação pelo devedor fiduciante, seu representante legal ou procurador regularmente constituído (normalmente será o aviso de recebimento da intimação postal — artigo 26, parágrafo 3º).
O artigo 37-A da Lei 9.541/1997 determina que o fiduciante deve pagar ao fiduciário uma taxa de ocupação de imóvel, até a data em que o credor fiduciário, ou seu sucessor, vier a ser imitido na posse do bem. A taxa de ocupação deve ser paga desde o momento em que a propriedade concentrar-se nas mãos do credor fiduciário. Foi a posição esposada pelo STJ no REsp 1.328.656/GO (relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 16 de agosto de 2012) e no REsp 1.155.716/DF (relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13 de março de 2012, DJe 22 de março de 2012).
A Lei não esclarece se a liminar para imissão na posse do imóvel deve ser concedida inaudita altera parte ou após manifestação do demandado. Poder-se-ia alegar que o silêncio da Lei impõe a oitiva do réu antes do deferimento da medida. Todavia, deve-se considerar que outro diploma que versa sobre alienação fiduciária, o Decreto-Lei 911/1969, ao tratar da busca e apreensão de bem móvel fiduciariamente alienado, é claro ao estabelecer que a concessão de liminar deve ocorrer sem a oitiva do réu (artigo 3º, parágrafo 3º). Questiona-se, contudo, a constitucionalidade da previsão, à luz do princípio do contraditório (artigo 5º, LV, da CRFB). Na situação, frise-se, não há risco de grave dano de difícil reparação a embasar uma tutela de urgência com fulcro no artigo 273 do CPC.
Luiz Guilherme Marinoni, ao apreciar o procedimento do Decreto-Lei 911/1969, afirma que a concessão da liminar inaudita altera parte é inconstitucional, pois a postergação da defesa não é imprescindível para a efetividade da tutela do direito. Assim, segundo o autor, não há qualquer legitimidade em subordinar o direito de o devedor apresentar defesa à entrega do bem objeto do contrato (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 11ª ed. São Paulo: RT, 2009. p. 33).
Entretanto, a análise da imprescindibilidade do diferimento do contraditório para a efetividade do provimento final é própria das tutelas de urgência. No processo civil moderno, adequado às relações sociais dinâmicas do mundo atual, multiplicam-se mecanismos de tutela de evidência, que dispensam a comprovação do periculum in mora. Legisladores pátrios e estrangeiros constataram que o tempo é um mal necessário para o processo e que as suas consequências desfavoráveis devem ser partilhadas de forma justa entre as partes, evitando que seu peso recaia todo sobre o autor, o que se afigura especialmente iníquo naqueles casos em que este muito provavelmente logrará êxito ao final.
Se o demandante comprova categoricamente o inadimplemento culposo de negócio garantido por alienação fiduciária, a experiência prática indica ser baixa a probabilidade de que o réu aduza argumentos e provas aptos a afastar o direito do credor fiduciário à reintegração na posse do bem. Disso decorre que a decisão liminar tem poucas chances de ser revogada por sentença posterior, quando já consideradas as alegações da defesa. Enquanto o risco de erro judiciário no provimento liminar é reduzidíssimo, tem-se, por outro lado, que é demasiadamente elevado o risco de morosidade na realização do direito do autor, constituindo essa protelação, só por si, um dano injustificado. Sob um ângulo econômico, o sopesamento entre esses dois riscos recomenda seja albergada de plano a pretensão do autor. Em tais casos, a inexistência de um mecanismo célere de tutela do direito comprometeria sobremaneira o princípio constitucional da razoável duração dos processos (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição), além de desestimular a injeção de crédito na economia para a aquisição de imóveis. Não se pode esquecer, ainda, especificamente quanto ao regime da Lei 9.541/1997, que o demandado possui um prazo de 60 (sessenta) dias para desocupar o imóvel, afora a quinzena que lhe é garantida após a intimação por oficial do Registro de Imóveis na fase pré-processual, dentro dos quais poderá fazer uso de todos os meios processuais adequados para combater qualquer tipo de ilegalidade manifesta. Por isso, deve-se concluir pela absoluta constitucionalidade da previsão legal que permite a concessão de liminar inaudita altera parte, atribuindo ao réu os ônus decorrentes do tempo do processo.
Bruno Vinícius Da Rós Bodart é mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).
Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

GABARITO OFICIAL DA PROVA DE DIREITO EMPRESARIAL I - UNIFENAS - CAMPUS CAMPO BELO


GABARITO OFICIAL DA AVALIAÇÃO DE DIREITO EMPRESARIAL I – UNIFENAS – CAMPUS CAMPO BELO


3º - A   

.- PROVA “A”

1.   C – 2. A – 3. D – 4. D – 5. D – 6. C – 7. B – 8. A – 9. D – 10. A – 11. B – 12. C

.- PROVA “B”

1.   A – 2. C – 3. D – 4. D – 5. C – 6. D – 7. B – 8. A – 9. D – 10. A – 11. B – 12. C



3º - B

.- PROVA “A”

1.   C – 2. A – 3. A – 4. A – 5. C – 6. B – 7. C – 8. B – 9. C – 10. C – 11. A – 12. C


.- PROVA “B”


1.   C – 2. A – 3. D – 4. D – 5. D – 6. C – 7. B – 8. A – 9. D – 10. A – 11. B – 12. C

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...