terça-feira, 9 de abril de 2013

DEMOCRACIA EXIGE SEPARAÇÃO ENTRE POVO E REPRESENTAÇÃO


É comum entre nós a ideia de que a democracia exige uma espécie de identidade essencial entre o que deseja o povo e a ação de seus representantes políticos. Em termos mais ingênuos, não são poucos os que acreditam que a democracia se revela tanto mais perfeita quanto mais identidade existir entre a vontade do povo e os atos dos governantes. Como pretendo demonstrar, a democracia não só prescinde de uma tal identidade, como de fato recusa a sua existência. Segundo Konrad Hesse, nem mesmo as democracias diretas podem pretender uma exata correspondência entre povo e detentores do poder. Portanto, se isso fosse verdadeiro, todos os regimes democráticos teriam falhado no essencial.

Contudo, bem observados os fatos, precisamente pela ausência de identidade fundamental entre o povo e os seus representantes, é que a virtude da democracia não está na transmissão sem contraste entre a vontade popular e as decisões e os atos de governo. Pelo contrário, a virtude da democracia consiste, precisamente, no fato de que, na sua conformação e existência, não havendo identidade entre o povo e os seus representantes no poder, mesmo a vontade do titular soberano do poder (o povo) pode sofrer — e de fato sofre — limitações, sobretudo, quando queira manifestar-se legitimamente. Por sua vez, essa distinção implica também, nos regimes democráticos, a existência de outros elementos essenciais à sua configuração: limites constitucionais e legais à vontade da maioria, controle e responsabilidade dos agentes de poder, além de respeito aos direitos das minorias.
Diversamente, nos regimes em que se possa afirmar a identidade entre a vontade do povo — como totalidade — e de seus governantes, suportados nessa identidade, obviamente, será mais fácil recusar tanto os direitos das minorias como também recusar a necessidade de controle e de responsabilidade dos governantes. De fato, dir-se-ia: para que se controlar governantes, ou respeitar direitos de minorias, num regime em que as decisões dos governantes apenas representam — em identidade essencial — a vontade de toda gente?
Mas enfrentemos melhor essas ideias.
Como todos sabem, o artigo 14 da Constituição da República, com seus incisos, alíneas e parágrafos, representa a concretização do princípio da soberania popular, por sua vez, já preconizado no artigo 1º, parágrafo único, do mesmo texto constitucional. Sendo um dos dispositivos mais conhecidos de nossa Lei Fundamental, o parágrafo único do seu artigo 1º prescreve que o poder soberano do Estado pertence em última instância ao povo, que o pode exercer tanto diretamente (através de plebiscito, referendo ou iniciativa popular), como por intermédio dos seus representantes, cuja escolha se desenvolve pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, conforme disciplina legal.
É, pois, esse princípio democrático que governa, tanto formal como materialmente, o processo político, no qual se expressa o poder do Estado, e sob cujo influxo, direta ou indiretamente, ganha esse poder legitimidade para desenvolver-se. Contudo, e isso nem sempre se consegue notar, ao afirmar o princípio da democracia representativa, nega-se aqui também uma identidade essencialentre os eleitores (o povo) e os que, em seu nome, exercem o poder.
Essa separação entre povo e os seus representantes (o governo), contudo, ao invés de implicar uma fraqueza dos regimes democráticos, como passo a demonstrar, significa uma de suas maiores virtudes.
Diversa, por exemplo, era a situação dos antigos Estados absolutistas, em que expressamente se pregava uma unidade essencial entre o povo, o Estado e o governante (l’Etat c’est moi). Nos regimes totalitários, a identidade é ainda mais profunda, pretendendo-se confundir, de um lado, a vida privada do cidadão com a esfera pública; de outro, restringir a sociedade civil aos contornos do próprio Estado. Assim, fora do Estado não existe vida nem sociedade civil.
Por tudo isso, no dizer de Martin Kriele, a ideia de democracia, como concebida contemporaneamente, não se compadece com o princípio da identidade, mas apenas como o de representaçãoOs órgãos do Estado não pretendem ser o povo, mas (apenas) representá-lo[1]. Somente governos totalitários (muito mais que os autocráticos) podem pretender, mais do que representar a vontade popular, ser a sua própria encarnação.
A compreensão de democracia nos Estados atuais leva-nos, pois, a negar uma identidade absoluta ou essencial entre governantes e governados, o que só se poderia alcançar, de qualquer forma, mediante uma conversão totalizante e absolutamente indevida da vontade do verdadeiro titular do poder soberano, o povo, em simples vontade de quem governa. Além disso, nas modernas democracias constitucionais, há sempre a possibilidade de normas constitucionais e legais bloquearem a própria vontade popular. O povo, se quiser contrariar as opções legislativas e constitucionais tomadas deverá, previamente, segundo o devido processo legislativo, modificar as normas institucionalmente já existentes. Aliás, no caso das chamadas Cláusulas Pétreas, algumas opções são até mesmo subtraídas da possibilidade de alteração.
Rejeita-se, portanto, qualquer espécie de identidade total entre governantes e governados, mesmo que se cuide de uma implausível democracia direta que, de toda sorte, apenas se faria possível mediante a identificação forçada da vontade da maioria dos que participam das eleições e das decisões estatais com a vontade de toda a comunidade nacional. De fato, uma tal identificação (Sinne identitärer Demokratie), adverte Konrad Hesse, além do mais, resultaria numa espécie de inadmissível domínio total (totale Herrschaft), por exigir a desconsideração tanto da vontade dos não votantes como da vontade daqueles que perderam a votação (minoria), ou mesmo daqueles que não estavam legitimados ao voto (Nicht-Stimmberechtigten)[2].
Outro grave problema que se coloca na base de uma total identidade entre governantes e governados é que essa ordem de ideias implicaria negar a possibilidade e mesmo a existência de conflitos no seio da comunidade nacional. Assim, por mais que os governantes se legitimem e se esforcem por representar a vontade da — mais ampla — maioria, e mesmo que alcançassem em determinado momento a totalidade dos votos dos cidadãos do Estado legitimados a votar, a imposição constitucional de voto periódico, universal, livre e com valor igual para todos, ao trazer sempre à memória da sociedade e dos governantes a necessidade de alternância no poder, impõe a certeza de que, na democracia, os representantes do povo são e serão sempre algo diverso daquele que é o verdadeiro titular do poder soberano: o povo.
Por isso, todo poder há de ser, em nossa realidade constitucional, periódico, circunstancial, passível de mudança. Aliás, essa ideia é tão cara à nossa Constituição, que o Poder Constituinte a elevou à condição de cláusula irreversível, ao estabelecer no artigo 60, parágrafo 4º, II, da Constituição da República, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico. Ao fixar o sufrágio periódico como regra imutável, a Constituição, além de estabelecer a necessidade de eleições como processo regular para a escolha dos governantes, cumpre institucionalmente a função de (a) garantir o direito subjetivo de cada cidadão de ver considerada a sua opinião política manifestada através do voto, bem como (b) assegurar aos cidadãos o direito subjetivo de participar como candidatos de eleições[3].
Dada a importância, pois, da manifestação do voto, por meio do direito político ativo, assim como do direito fundamental de pleitear uma candidatura, ou de tomar parte de sua indicação por meio dodireito político passivo, é que a doutrina e a jurisprudência reconhecem nos direitos políticos as qualidades de um direito irrenunciável, intransmissível e inalienável, não admitindo, pois, seu exercício por representação (procuração) de terceiro, porquanto, em resumo, um direito personalíssimo[4].
Nem a chamada democracia direta suprime, entre nós, a separação entre a vontade do povo e decisão de governo ao final tomada. Não por outra ração, todas as formas de democracia direta previstas na Constituição (plebiscito, referendo e iniciativa popular), se pretendem manifestar-se legitimamente, submetem-se a limitações tanto formais quanto materiais.
Além disso, os pressupostos e a estrutura para o exercício pelo povo de uma democracia exclusivamente direta, na sábia advertência do professor Gomes Canotilho, desapareceram quase que completamente no quadro histórico da sociedade e dos Estados contemporâneos[5]. Com efeito, a estrutura territorial e social, a acentuada complexidade nas expectativas e valores sociais, a multiplicidade e especificidades dos problemas a resolver, os riscos aí envolvidos, assim como a exigência de crescentes e específicos conhecimentos técnicos para a sua solução, tudo isso acabou conformando a base das atuais sociedades (complexas, de risco e de massa), inviabilizando por completo a possibilidade de que os negócios do Estado fossem geridos permanentemente por deliberações de todo o povo reunido em assembleia.
Lembra ainda o professor Canotilho, o medo de que a vontade popular pudesse ser manipulada, seja por líderes carismáticos, na forma de alguma espécie de Cesarismo ou Bonapartismo (veja-se o exemplo de Hitler e do Partido Nacional-Socialista — NSDAP[6]), seja pela possibilidade de os meios de comunicação atuarem, nas sociedades de massa, como agenda-setter, isto é, agendarem os temas que acabam ganhando a atenção e a preferência popular (agenda-setting theory), tudo isso acabou por justificar, lembra o mestre de Coimbra, uma recorrente hostilidade contra os procedimentos de democracia semidireta[7].
Não obstante isso, em nosso país, o poder constituinte acabou consagrando instrumentos de democracia direta (o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular), que, inseridos no texto constitucional, ao mesclarem-se com a democracia representativa, explicitamente privilegiada pela Constituição, irão conformar em nosso País uma forma de democracia semidireta. A doutrina distingue os institutos do plebiscito e do referendo, basicamente, tendo em consideração o momento em que o povo é chamado a manifestar diretamente a sua vontade política.
Se o povo é chamado a manifestar a sua vontade, aprovando ou rejeitando o ato normativo,antes de sua deliberação pelo legislador, de tal ordem que a sua vontade componha o próprio processo de decisão, é caso de plebiscito[8]; se, diversamente, o povo é convocado quando o ato normativo já foi editado, na forma de ratificação ou rejeição, o caso é de referendo. Observe-se que, numa como noutra manifestação de democracia direta, conquanto preponderante, a vontade popular não é exclusiva e depende sempre, antes ou depois, da manifestação de outros órgãos de poder. Além disso, não obstante veículos de exercício de democracia direta, tanto no plebiscito como no referendo, o resultado da manifestação da vontade popular submeter-se-á sempre ao controle de constitucionalidade, tanto na forma abstrata como no caso concreto.
No Brasil, desde a edição da Lei 9.709/98, os institutos do plebiscito e do referendo ganharam precisa conformação legal, respectivamente, em seu artigo 2º, parágrafo 1º e 2º. No que respeita à forma de sua convocação, ainda segundo a Lei 9.709/98, no seu artigo 3º, nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, bem como no caso do parágrafo 3º do artigo 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.
A Constituição Federal, especificamente, impõe a consulta popular como pressuposto formal para a deliberação sobre alguns fatos jurídico-políticos. Assim, nos casos de incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados-membros ou Municípios, em que, expressamente, a Constituição exige a consulta prévia, mediante plebiscito, da população ou das populações diretamente interessadas (artigo 18, parágrafos 3º e 4º, da Constituição da República).
Por fim, por intermédio da chamada iniciativa popular (artigo 14, III, da CF), a Constituição estimulou a participação direta do povo na formação da vontade política do Estado, conferindo-lhe a titularidade de iniciativa de lei, autorizando-lhe, sem a necessidade de intermediação de um representante político, diretamente, propor projetos de lei. Contudo, também aqui não há uma exata e incontrastável conformação da vontade do povo em ato de poder e de governo. Em outras palavras, também aqui a Constituição separa povo e governantes.
De fato, segundo o artigo 61, parágrafo 2º, da Constituição, a iniciativa popular será exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Como se vê, a vontade popular aqui se limita à iniciativa de projeto de lei, ato que apenas faz instaurar o processo legislativo. A partir de então, o projeto de iniciativa popular, não obstante a considerável força política de sua origem, estará sujeito à mesma sorte (ou azar) de qualquer outro projeto de lei. Além disso, também aqui, ainda que convertendo-se em lei o projeto de iniciativa popular, o ato normativo daí resultante submete-se ao controle de constitucionalidade.
Como se dizia, todas essas formas de manifestação direta de poder popular sofrem restrições quanto à sua possibilidade de manifestação. Tudo isso é bom para a democracia, pois, se, de um lado, não é recomendável que algum poder, grupo ou organização de pessoas, possa postular a condição de representante essencial do povo, de outro, as minorias se veriam extremamente prejudicadas na defesa de seus interesses se a maioria e seus representantes, pretendendo representar todo o povo, pudesse — antes ou depois — exercer sua vontade sem qualquer limitação ou contraste.
Em conclusão, numa verdadeira democracia — quem o diria? — também o povo deve impor-se limitações.

[1] Kriele, Martin. Einführung in die Staatslehre. 5 ed., Opladen: Westdeutscher Verlag, 1994, p. 294.
[2] Hesse, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: Muller, 20 ed., 1995, p. 60.
[3] Maunz in Maunz-Dürig. Grundgesetz-Kommentar. München, Verlag C.H.Beck, 1996, Art. 38, vol. III, par. 31).
[4] Maunz in Maunz-Dürig. Grundgesetz-Kommentar. München, Verlag C.H.Beck, 1996, Art. 38, vol. III, par. 32).
[5] Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., 2003, p. 294.
[6] É também do prof. Canotilho a lembrança da trágica herança plebiscitária da República de Weimar assim como as consultas plebiscitárias gaullistas.
[7] Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., 2003, p. 297. Ver também McCombs, Maxwell. Setting the Agenda: The Mass Media and Public Opinion, 2004, p. 2
[8] Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., 2003, p. 296.
Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

STJ VEM FIRMANDO JURISPRUDÊNCIA QUANTO AO CHEQUE


O Superior Tribunal de Justiça vem firmando jurisprudência ao cheque, em relação a questões como execução, prescrição, indenização por erros ou mesmo delitos como fraude e roubo. A popularização desse título de crédito trouxe consigo a insegurança e a desconfiança, pois aquele pequeno pedaço de papel não oferecia a garantia de que a conta teria fundos suficientes para o pagamento do valor ali expresso. Além da devolução por falta de fundos, vieram outros problemas, como as fraudes e as confusões geradas pelo cheque pós-datado. 
O tribunal, por exemplo, negou a aplicação do princípio da insignificância a um caso de furto em que o réu se aproveitou da relação de amizade com a vítima para furtar quatro folhas de cheque em branco. A 6ª Turma do STJ considerou que a existência de maus antecedentes e a má conduta do réu, que abusou da confiança do amigo, justificaram a sua condenação à pena de dois anos e 11 meses de reclusão (HC 135.056). 
Em outro caso, o mesmo colegiado negou Habeas Corpus a um homem que cometeu o crime de estelionato ao subtrair um talão de cheques e falsificar a assinatura do titular em duas folhas, realizando em seguida compras de mercadorias no valor de R$ 43 e R$ 51. O homem foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão, em regime semiaberto. 
O relator do caso, ministro Og Fernandes, entendeu que a falta de exame grafotécnico nos cheques fraudados pode ser suprida por outras provas. 
“No caso, a materialidade do delito teria sido demonstrada pelo boletim de ocorrência registrado pela vítima, apreensão das microfilmagens dos cheques, auto de exibição e apreensão de cópia de comprovante de abertura de conta corrente em nome da vítima, termo de coleta de padrões gráficos do réu e confissão na fase do inquérito e em juízo”, afirmou o ministro (HC 124.908). 
Prescrição
Como o cheque é ordem de pagamento à vista, a sua eficácia para o saque inicia-se com a simples entrega por parte do emitente ao beneficiário, podendo este dirigir-se imediatamente à agência bancária para proceder ao saque ou depósito. O prazo de apresentação serve como orientação para a contagem do prazo prescricional. 

O STJ já consolidou o entendimento de que o cheque deixa de ser título executivo no prazo de seis meses, contados do término do prazo de apresentação fixado à data em que foi emitido, e a regra persiste independentemente de o cheque ter sido emitido de forma pós-datada. 
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o uso do cheque pós-datado, embora disseminado socialmente, traz riscos ao tomador do título, como o encurtamento do prazo prescricional e a possibilidade de ser responsabilizado civilmente pela apresentação do cheque antes do prazo estipulado (REsp 875.161). 
Para a ministra Nancy Andrighi, ainda que seja prática costumeira na sociedade moderna, a emissão de cheques pós-datados não encontra previsão legal. “Admitir-se que do acordo extracartular decorram os efeitos almejados pela parte recorrente importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista, além de violação dos princípios da literalidade e abstração”, afirmou (REsp 1.068.513). 
Execução
A execução do cheque é forma de cobrança simples, rápida e eficaz de título cambial. O STJ já entendeu que, para poder ser executado, o cheque deve ter sido apresentado à instituição financeira dentro do prazo legal. A falta de comprovação do não pagamento do título retira sua exigibilidade (REsp 1.315.080). 

Para o ministro Luis Felipe Salomão, “por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista”, o cheque tem seu momento natural de realização na apresentação, “quando então a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos, razão pela qual a apresentação é necessária, quer diretamente ao sacado quer por intermédio do serviço de compensação”. 
Em outro julgamento, a 3ª Turma do STJ definiu que empresa que endossa cheque de terceiro perante factoringtambém é responsável pelo pagamento do valor do título (REsp 820.672). 
No caso, a empresa de factoring ajuizou ação de execução contra a empresa e contra a pessoa que emitiu o cheque, com o objetivo de cobrar importância de cerca de R$ 1 mil. Ao analisar a questão, o colegiado destacou: “A lei é mais que explícita: quem endossa garante o pagamento do cheque. Seja o endossatário quem for. A lei não faz exclusões. Portanto, não cabe criar exceções à margem da lei.” 
Indenização
Acordo em cheque pós-datado não vincula terceiros que o sacaram antes do prazo. Dessa forma, o terceiro de boa-fé não está sujeito a indenizar o emitente por eventuais danos morais decorrentes da apresentação antes da data combinada. O entendimento foi aplicado pela 4ª Turma (REsp 884.346). 

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, era incontroverso no caso que o cheque circulou e que não constava como data de emissão aquela supostamente pactuada, mas a data em que foi efetivamente emitido. “O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé”, afirmou. 
O ministro observou que, apesar de a Súmula 370 do próprio STJ orientar que há dano moral na apresentação antecipada do cheque pós-datado, essa regra se aplica aos pactuantes e não a terceiros. 
O STJ condenou outra instituição bancária a pagar indenização por ter devolvido cheques sustados ao devedor, e não ao credor. No caso, a 4ª Turma manteve a condenação do Banco do Brasil a indenizar por danos morais, no valor de R$ 10 mil, a Associação Comunitária de Laginha, na Paraíba, por sustação de dois cheques (REsp 896.867). 
A associação celebrou convênio com o estado da Paraíba, mediante o Projeto Cooperar, para a construção de rede de eletrificação rural. Sustentou que o Projeto Cooperar depositou dois cheques na sua conta corrente, no valor de R$ 22.271,57, que serviriam para pagar a empresa contratada por ela. 
Ocorre que os cheques foram sustados pela administração pública, sendo o valor estornado da conta corrente da associação. Porém, ao invés de a instituição bancária ter devolvido os títulos para o credor (associação), entregou-os ao devedor (Projeto Cooperar), conduta essa que impediu a associação de exercer seus direitos creditórios e pagar suas obrigações junto a fornecedores. 
Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator, o governo do estado não tem atribuição para emitir normas relativas a procedimentos bancários, notadamente as concernentes a cheques. 
“Ainda que se reconhecesse alguma vinculação entre o governo estadual e a instituição bancária, o que não ocorre, notadamente quanto a procedimentos bancários, não cometeria ato ilícito a instituição que deixasse de cumprir determinação manifestamente ilegal”, afirmou o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 
Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2013

REDUÇÃO DO ESTOQUE DE AÇÕES FOI MAIS LENTA EM SEIS TJs


Pelo menos seis tribunais de Justiça do país descumpriram, em 2012, a Meta 2 do Judiciário, de analisar pelo menos 80% dos processos distribuídos em 2007. Bahia, Ceará, Piauí, Rondônia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, não alcançaram o patamar mínimo estabelecido para análises de casos. A proposta faz parte das 19 Metas do Judiciário estabelecidas pelo CNJ para 2012. São Paulo, o maior tribunal do país, Rio de Janeiro e Acre não revelaram os dados sobre o tema. Rondônia teve o índice mais baixo: 27,78%.
As informações revelam avanço na redução de estoque de ações em tramitação no país, que já são de aproximadamente 62 milhões. Essa é uma das principais bandeiras do CNJ. Em 2010, quando foi fixada a meta de julgar todos os processos de conhecimento distribuídos até dezembro de 2006, nenhum dos tribunais de Justiça cumpriu totalmente o objetivo. Para o Conselho, o resultado de 2012 é positivo porque grande parte do Judiciário tem atendido ao princípio constitucional da razoável duração do processo.
Nas Justiças Eleitoral, do Trabalho, Federal e Militar Estadual, o objetivo de julgar os casos mais antigos foi atingido em mais de 95% das cortes em 2012. A situação é bem diferente de 2010, quando metade dos tribunais superiores e das unidades da Justiça do Trabalho tiveram índice inferior à meta. No caso da Justiça Federal, o objetivo não havia sido alcançado em nenhum estado e, na Justiça Eleitoral, apenas um terço dos processos saíram do estoque de atrasados.
Tribunais abarrotados
O desequilíbrio entre a capacidade de produção e a demanda é, segundo o relatório, o principal motivo para o congestionamento da Justiça. Entre 2011 e 2012, a quantidade de processos julgados passou de 17,045 milhões para 18,528 milhões — aumento de 8,69%. Em contrapartida, a demanda cresceu em maior proporção. Ao longo de 2011, 18,526 milhões de novas ações chegaram ao Judiciário enquanto, no ano seguinte, a quantidade foi de 20,575 milhões — 11,06% a mais.

O excesso de processos por juiz preocupa o CNJ. Em média, a produção anual é de 1.095 ações por magistrado. A entrada, porém, é de 1,2 mil novos casos para cada um dos juízes. De acordo com o artigo 93 da Constituição, o número de juízes na unidade jurisdicional deve ser proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população. O Brasil tem cerca de 17 mil juízes. 
De acordo com o último relatório Justiça em Números, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é o que teve em 2011 maior número de sentenças por juiz: 2.913. A corte fluminense é seguida pelos TJs do Rio Grande do Sul (2.427), de São Paulo (1.779) e de Santa Catarina (1.451). Já o TJ piauiense, naquele ano, foi o que teve quantidade mais baixa de ações analisadas por juiz: 396. Na Justiça do Trabalho, a média foi de 1.172 sentenças por magistrado, e na Justiça Federal, de 1.734.
A expectativa do Conselho é que a implantação gradativa do Processo Judicial Eletrônico (PJe) acelere os trâmites. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, 23 dos 24 dos tribunais regionais conseguiram cumprir a Meta 16 — implantar o PJe em ao menos 10% das varas. O TRT-15, de Campinas, havia sido o único a não atingir o patamar mínimo. Atualmente, o tribunal já cumpriu a meta.
Abandonar o papel, porém, não tem sido tarefa simples. As seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro já questionaram no CNJ a obrigatoriedade do uso do sistema eletrônico. Por problemas estruturais, o TRT–8 suspendeu temporariamente o peticionamento eletrônico na Comarca de Belém. Segundo a OAB-PA, o andamento dos processos ficou mais demorado e a ideia é tornar a aplicação do PJE facultativa nessa fase de adaptação. Em Pernambuco, uma liminar do CNJ de fevereiro suspendeu o uso exclusivo do processo eletrônico nas unidades de Justiça do estado.
A implantação do sistema eletrônico para consulta à tabela de custas e emissão de guia de recolhimento, a Meta 5, foi concluída por 93% das cortes. Já a Meta 7 — de implantar projeto-piloto do PJe em pelo menos uma unidade da Justiça Militar Estadual — não foi seguida pelos tribunais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. 
As plataformas virtuais também contribuem para dar transparência ao trabalho das cortes. Dos 91 tribunais do país, apenas dez não seguiram a Meta 3 — tornar acessíveis as informações processuais atualizadas sobre andamento e decisões, respeitando o sigilo de Justiça. A situação está mais atrasada na Justiça do Trabalho, em que cerca de um quinto das varas ainda não disponibilizam o material na rede.
Outras frentes
Além da tecnologia, o CNJ aposta nas alternativas extrajudiciais para reduzir o déficit de julgamentos. Quatro dos cinco tribunais regionais federais cumpriram a Meta 10 — de designar 10% a mais de audiências de conciliação do que em 2011. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região — que abrange Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe — foi o único a não alcançar o objetivo.

O aumento da quantidade de execuções encerradas na Justiça do Trabalho — definido pela Meta 17 — preocupa o Conselho. Durante 2012, 14 dos 24 TRTs não conseguiram elevar em 10% o número de execuções terminadas em relação ao ano anterior. Os tribunais regionais do trabalho — exceto o TRT–6, de Pernambuco, e do TRT–10, do Distrito Federal e Tocantins — já haviam instalado um núcleo de apoio à execução em 2011. 
Na tentativa de facilitar o planejamento e o trabalho dos tribunais, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu, ainda em novembro de 2011, as metas para este ano. Além de julgar quantidade maior de processos do que recebem, objetivo cumprido por somente 27% de todas as cortes brasileiras em 2012, os tribunais terão que continuar o esvaziamento do estoque de ações. Dentre outros objetivos, deve haver novo aumento de 10% nas audiências de conciliação na Justiça Federal, aplicação do PJe em pelo menos 40% das varas da Justiça do Trabalho e acréscimo de 15% no quantitativo de execuções concluidas na comparação com 2011.
Victor Vieira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2013

"A OAB TEM DE SER PROTAGONISTA DE CAUSAS, NÃO DE FATOS"


Marcus Vinícius Furtado Coêlho - 28/03/2013 [Spacca]
Além da defesa das liberdades, que se confunde com a luta pelo respeito às prerrogativas dos advogados, a Ordem dos Advogados do Brasil deve desempenhar o papel de protagonista das importantes causas do país, e não atuar ou se manifestar em cima de fatos isolados. Essa é a opinião do presidente do Conselho Federal da OAB,Marcus Vinícius Furtado Coêlho.

Há pouco mais de dois meses no cargo de representante de quase 800 mil advogados espalhados pelo país, Marcus Vinícius afirma que sua intenção é descentralizar as decisões e despersonalizar as opiniões emitidas pela Ordem. Quem deve falar é o Conselho Federal, formado por 81 integrantes, por meio do presidente. Entre suas bandeiras, está a de defender ideias que possam melhorar costumes políticos e desvincular qualquer ligação da instituição com ideologias pessoais.
“Se a causa vem para o cumprimento da Constituição Federal, que é a nossa bíblia, nossa única ideologia, a OAB tem de estar à frente dela”, afirmou o presidente da Ordem em entrevista à revista Consultor Jurídico, concedida na sede do Conselho Federal da entidade, em Brasília.
Com essas ideias em mente, a Ordem lançou um movimento para renegociar as dívidas dos estados com o governo federal e pretende tomar para si a tarefa de fiscalizar a continuidade do pagamento de precatórios pelos estados depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional a Emenda 62/2009, apelidada de Emenda do Calote.
“É muito mais vantajoso ao estado, hoje, pedir dinheiro emprestado ao Banco Mundial para pagar o governo federal, porque o Banco Mundial pratica juros menores. Por isso, a Ordem entende que se faz necessária a reunião da sociedade civil em um movimento para pressionar o governo federal a reabrir a discussão das dívidas com os estados”, afirma.
Com mais dinheiro, os estados poderão dar continuidade ao pagamento de precatórios e investir em políticas públicas: “É uma questão importante porque, à medida que os estados vierem a ter mais fôlego, eles poderão investir mais em saúde, em educação, e também no próprio Poder Judiciário, que é algo fundamental. Os tribunais de Justiça, onde estão os maiores gargalos do Judiciário e que precisam de mais recursos, estão nos estados”.
O presidente nacional da OAB ainda falou sobre o plano de discutir a federalização dos precatórios, Exame de Ordem, eleições diretas para o comando do Conselho Federal, direitos humanos e reforma política, entre outros temas.
Leia a entrevista:
ConJur — Quais os objetivos da OAB ao pedir o congelamento dos cursos jurídicos? 

Marcus Vinícius Furtado Coêlho — Constituímos, a OAB e o MEC, um grupo pioneiro de cooperação técnica, com representantes das duas instituições, para redefinir o marco regulatório do ensino jurídico no Brasil. A intenção é remodelar a grade curricular, a duração do curso, os requisitos obrigatórios para a conclusão do curso, entre outros pontos. Também pretendemos verificar onde estão os problemas de qualidade e enfrentá-los, não apenas pontualmente, no curso A ou B, mas de forma ampla. Até o advento desta nova normatização, como expressou o Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, atendendo ao pleito da Ordem, “está fechado o balcão”. A partir dos estudos desse grupo também assumimos o compromisso de fechar vagas em vestibulares. O objetivo, nesse caso, é proteger os jovens dos cursos de péssima qualidade.

ConJur — O que significa, na prática, “balcão fechado”?

Marcus Vinícius — Que está fechado o protocolo para pedidos de novos cursos e congelados os pedidos hoje existentes, que somam cerca de 100 cursos novos e 25 mil novas vagas. Existem tanto pedidos para cursos novos, que agora estão congelados, e pedidos de aumento de vagas em cursos de Direito de universidades já existentes. Nós estancamos 25 mil novas vagas em um sistema que já está sobrecarregado.

ConJur — Por que sobrecarregado? 

Marcus Vinícius — Porque nós saímos, em 20 anos, de 200 cursos de Direito para mais de 1.200 cursos. Um aumento tão grande em tão pouco tempo decerto não acompanha a qualidade exigida para os cursos.

ConJur — O senhor acredita que o alto índice de reprovação nos exames de Ordem prova isso?

Marcus Vinícius — O Exame de Ordem revela isso. Mas não só ele. O próprio Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes], do MEC, também mostra essa realidade. Perceba que, em regra, e claro que há exceções, as faculdades com péssimo conceito no Enade são as que menos aprovam no Exame de Ordem. Ou seja, são dois exames distintos a comprovar a mesma realidade. Existem faculdades que aprovam 70% dos alunos na primeira tentativa no Exame de Ordem. E os outros 30% são aprovados logo na segunda ou na terceira tentativa. Ou seja, faculdades que aprovam todos. Mas há cursos que não aprovam nenhum. Então, não se pode pôr a culpa na prova com um desnível desse tamanho.

ConJur — Mas a prova não é, de fato, muito rigorosa?

Marcus Vinícius — Nos últimos quatro anos, se formaram no Brasil cerca de 350 mil novos bacharéis. Aproximadamente 200 mil se tornaram advogados. Os números revelam que o índice de aprovação não é apenas de 10% como se divulga. Ao divulgar isso, são deixadas de lado algumas questões importantes.

ConJur — Quais questões?

Marcus Vinícius — Os recursos de alunos que são acolhidos e, por isso, eles terminam aprovados, por exemplo. Outra questão é a repetência acumulada, o fato de um aluno não ser aprovado no primeiro exame e conseguir aprovação no segundo ou no terceiro. Há também o fato de estudantes de Direito do último ano da faculdade que, por força de decisão judicial, podem fazer o exame. Os estudantes fazem até três provas antes de se formar. Tudo isso está no índice negativo. Perceba que índice real é o de que mais da metade dos bacharéis se tornam advogados. Ainda assim, é um índice baixo porque, nos últimos quatro anos, 150 mil não se tornaram advogados. Ainda assim, no mesmo período, o Brasil passou a ter quatro Franças de novos advogados, porque são 50 mil os advogados franceses. O que significa dizer que o Exame de Ordem está longe de ser uma reserva de mercado. Muito pelo contrário, serve para proteger o cidadão daquele profissional que não possui o mínimo de conhecimento jurídico para representá-lo.

ConJur — Se a OAB se preocupa tanto com o cidadão, por que não permite a advocacia pro bono?

Marcus Vinícius — Esse assunto está em discussão. Não existe uma posição do Conselho Federal sobre o assunto. A seccional da OAB de São Paulo tem uma posição mais antiga sobre o tema, mas vem expressando de forma muito adequada a opinião de que essa pauta é do Conselho Federal da Ordem. Já pautamos a discussão desse tema e designamos como relator o conselheiro federal Luiz Flávio Borges D’Urso, de São Paulo, para que ele possa ouvir todos os atores envolvidos no assunto e trazer um parecer para o plenário do Conselho Federal.

ConJur — Há data para a apreciação do tema?

Marcus Vinícius — Não. Mas está em pauta. A advocacia pro bono é um tema sobre o qual a Ordem está à frente para discutir com maturidade. Nós não podemos nos opor à participação de advogados em mutirões em favor da cidadania, por exemplo. Estivemos com o Ministério da Justiça já acertando um mutirão carcerário, para garantir assessoria jurídica a presos. A liberdade não pode esperar. Isso é pro bono ou não é? Isso é cidadania! Podemos fazer outros mutirões, como em relação a reconhecimento de paternidade. Estamos à disposição de campanhas como essas. Mas a questão que se coloca é como institucionalizar, dentro dos escritórios, a advocacia pro bono, diante do fato de que a Constituição Federal prevê a instalação de defensorias públicas. De que forma isso se choca ou não com a Constituição? Para melhorar o atendimento aos necessitados é preciso reforçar as defensorias ou a advocacia pro bono? Ou uma coisa é conciliável com a outra? É isso que está em discussão, qual a melhor forma de atender a quem precisa de assistência jurídica e não tem como pagar por ela. Não está em discussão quem tem mais ou menos carinho pelos necessitados.

ConJur — Diante da advocacia pro bono, agora, a OAB defende a Defensoria Pública. Mas há estados em que a Ordem foi historicamente contra sua instalação e trabalhou contra, como na gestão anterior da OAB catarinense, porque mantinham convênios de assistência judiciária com o governo estadual. Como o senhor vê esse quadro?

Marcus Vinícius — É, realmente, uma realidade que existiu em algumas seccionais. Mas as seccionais que praticam assistência judiciária têm o interesse de bem cumprir a sua função, que é a de atender aos necessitados. O certo é que a Constituição Federal fez uma opção pela Defensoria Pública. Penso que ninguém se opõe ao fato de que a Constituição tem de ser cumprida. Mas as seccionais não podem ser recriminadas por fazerem algo em favor da sociedade. Tudo isso está em debate no Conselho Federal.

ConJur — O ministro Luiz Fux, do Supremo, marcou audiências públicas para discutir a ação da OAB que pede o fim do financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Há previsão para o julgamento?

Marcus Vinícius — Fomos ao ministro Luiz Fux, como também ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e a ambos pedimos que se dê preferência ao julgamento dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade que cuida da proibição de financiamento de empresas nas campanhas eleitorais. Empresa não tem partido político. A única ideologia de empresa é o lucro. A ideia do ministro Fux de marcar audiências públicas é importante para ouvir todas as vertentes da discussão e, talvez, até possibilitar que o Congresso Nacional legisle sobre o tema. Foi pautado, no Congresso Nacional, o começo da discussão sobre reforma política, iniciando pelo financiamento de campanha. Então, o Congresso tem também a oportunidade de não aguardar que o Supremo Tribunal Federal tenha de fazer a reforma política pela via judicial. E a OAB marcou um ato público pelo financiamento democrático de campanhas eleitorais.

ConJur — O que é um financiamento democrático de campanhas?

Marcus Vinícius — O financiamento democrático é, primeiro, proibir o financiamento por empresas. Depois, baratear as campanhas eleitorais.

ConJur — Como baratear as campanhas?

Marcus Vinícius — Possibilitar ao máximo a participação de TVs públicas na feitura das propagandas de televisão seria uma das formas. Já existe o Fundo Partidário, que é oriundo de receitas da União. Seria uma ampliação do fundo para essa finalidade. Entendemos que isso é bem mais barato do que o sistema atual em nosso país.

ConJur — Um dos maiores desafios da advocacia, hoje, é tentar dissociar a imagem do advogado da imagem do cliente, principalmente a dos profissionais que trabalham nas áreas eleitoral e criminal. O senhor não acha que declarações generalistas como a do ministro Joaquim Barbosa, de que é ruim o conluio entre advogados e juízes, ajudam a perpetuar o imaginário popular ruim sobre a advocacia?

Marcus Vinícius — Nós vivemos em uma liberdade de expressão plena. A declaração do ministro Joaquim Barbosa foi dada dentro do julgamento de um processo, de um determinado caso. O comentário foi feito dentro de seu direito de votar. A Ordem prefere acreditar que a declaração do ministro Joaquim Barbosa não foi generalista em relação à conduta dos advogados e dos juízes do Brasil. Preferimos acreditar que ele não teve essa intenção, até porque toda generalização comete injustiças. Dificuldades de conduta há em todos os organismos e em todas as instituições: na igreja, na imprensa, nos sindicatos, na política, e também na advocacia, na magistratura e na polícia. Os desvios devem ser apontados, investigados e punidos quando comprovados.

ConJur — A OAB obteve recentemente uma vitória no Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional a Emenda Constitucional 62/2009, apelidada de Emenda do Calote. Mas a emenda ao menos estabelecia um regime especial de pagamento. Agora, não pode haver novamente um calote generalizado?

Marcus Vinícius — Em primeiro lugar, é preciso comemorar a vitória porque ela é preventiva contra novos calotes. Houve uma primeira emenda do calote, que parcelou o pagamento em oito anos. Uma segunda, que parcelou em dez anos. Esta parcelava em 15 anos! Com esse julgamento, de uma vez por todas, o Supremo fixou que não pode haver calote. É uma grande vitória da cidadania. A corte também decidiu que os juros que devem ser aplicados não são os juros da Caderneta de Poupança, mas os mesmos juros que o governo usa para cobrar os seus créditos. Esse é um grande estímulo para o pagamento.

ConJur — Com esses juros, a rolagem da dívida para fazer caixa deixa de valer a pena...

Marcus Vinícius — Exato. Mas não foi só. O Supremo declarou inconstitucional a compensação automática de débito com crédito. Quer dizer, o cidadão que tinha o que receber não poderia receber se, por acaso, tivesse outra conta. A compensação era unilateral e obrigatória. Ou seja, só o governo podia compensar. O contribuinte, não. E foi reforçada a regra em relação à prioridade dos que têm 60 anos. Pela emenda, a prioridade seria apenas para aqueles que tinham 60 anos completos quando o precatório foi instituído. O Supremo mudou isso ao decidir uma coisa óbvia: deve prevalecer é o fato da vida real de hoje. Se a pessoa tem 60 anos, não importa quando o precatório foi instituído, ela tem preferência.

ConJur — Tudo isso é bom. Mas, e o dia seguinte? Os precatórios, na vida real, serão pagos?

Marcus Vinícius — O poder público não pode transformar a vitória da cidadania em ato de esperteza da má-fé de alguns governantes. Jamais, é inadmissível — e o Supremo Tribunal Federal será alertado pela OAB se isso realmente ocorrer. Será inadmissível que um estado que vinha pagando um determinado valor deixe de pagar por conta do julgamento. Porque ficará claro — é evidente, se isso acontecer —, que ele deixou de pagar por oportunismo e por má-fé, não por dificuldade financeira, já que vinha pagando. Ficará fácil comprovar que estão cometendo crime de responsabilidade. E pode ser enquadrado em ato de improbidade administrativa, porque estará aumentando contas para o gestor seguinte pagar, já que os juros, agora, são ampliados. O presidente de Tribunal de Justiça que não cumprir com sua função, de cobrar o repasse como vinha sendo feito, também comete o crime de responsabilidade. Existem instrumentos jurídicos para continuar brigando para que os governadores e presidentes dos tribunais dêem solução de continuidade ao pagamento dos precatórios. E nós acreditamos que a ampla maioria dos governantes do Brasil não vai se deixar levar por uma prática tão pequena de se aproveitar de uma vitória da cidadania para sonegar o direito que vinha sendo pago, ainda que minimamente. Portanto, a Ordem confia nisso.

ConJur — A OAB tem alguma proposta para pagamento dos precatórios?

Marcus Vinícius — A federalização da dívida, o que não significa que o governo federal vai pagar a conta. Significa transformar os precatórios em títulos segurados, como existem os títulos da dívida agrária, da dívida pública. Títulos que possam ser negociados no mercado. Hoje, existem recebíveis muito menos certos no Brasil que são aceitos como garantias. Por que não aceitar precatórios como garantia? Poderão ser usados, inclusive, no pagamento da casa própria, do programa “Minha Casa, Minha Vida”. São ideias que podem ser postas em discussão e, se houver, realmente, boa vontade, sem que haja uma participação financeira da União, mas, apenas, a organização da União e do sistema, é possível vencer a realidade do calote.

ConJur — Há algo que, na prática, a OAB pode fazer para ajudar os estados a acertarem suas contas?

Marcus Vinícius — Sim. Por isso lançamos o movimento pela revisão das dívidas dos estados. Essas dívidas foram pactuadas com o governo federal há cerca de 15 anos, em uma realidade econômica que difere da atual. Para se ter uma ideia, é muito mais vantajoso ao estado, hoje, pedir dinheiro emprestado ao Banco Mundial para pagar o governo federal, porque o Banco Mundial pratica juros menores. Por isso, a Ordem entende que se faz necessária a reunião da sociedade civil em um movimento para pressionar o governo federal a reabrir a discussão das dívidas com os estados. É uma questão importante porque, à medida que os estados vierem a ter mais fôlego, eles poderão investir mais em saúde, em educação, e também no próprio Poder Judiciário, que é algo fundamental. Os tribunais de Justiça, onde estão os maiores gargalos do Judiciário e que precisam de mais recursos, estão nos estados. A ideia do movimento é convidar os governadores, os presidentes de assembleias, os representantes do governo federal, as entidades da sociedade civil para discutir o tema.

ConJur — Existem outros movimentos que serão encampados pela OAB?

Marcus Vinícius — Propusemos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo, já aprovada na primeira sessão dessa gestão, que visa impedir a existência de limites de gastos em educação, para efeito de dedução no Imposto de Renda, tal qual ocorre com a saúde. A saúde é um bem essencial e não tem limite de gastos para dedução em Imposto de Renda. Por que é que a educação tem limites? É algo absolutamente incompatível com o princípio constitucional de que a educação é um direito de todos. E essa luta, em nome de quem pode pagar por um ensino de qualidade, não se opõe à outra, absolutamente necessária, pela melhoria de qualidade das escolas públicas. Os dois sistemas têm de conviver harmonicamente. Pretendemos também sensibilizar o governo a colher essa medida para afirmar a importância da educação em nosso país. Seria um ato concreto da Presidência da República de afirmação da importância da educação no Brasil, se houvesse o reconhecimento pelo próprio governo de que esta pauta é importante para a sociedade.

ConJur — Precatórios, renegociação das dívidas dos estados, educação... Todos esses são temas abrangentes. Essa é a nova cara da Ordem?

Marcus Vinícius — Sim. A Ordem deve ser protagonista de causas, não de fatos. Tem de liderar causas republicanas, causas que não verificam partidos políticos, que não verificam governos, causas que pretendem melhorar a sociedade brasileira e que, por vezes, se opõem aos interesses dos governantes. Se a causa vem para o cumprimento da Constituição Federal, que é a nossa bíblia, nossa única ideologia, a OAB tem de estar à frente dela.

ConJur — A OAB fará internamente o que cobra externamente? Por exemplo, discutirá eleições diretas para o comando do Conselho Federal?

Marcus Vinícius — Sim. Criamos a comissão para discutir as regras eleitorais da OAB. Importante registrar que o nosso programa tinha três eixos de compromissos. O primeiro eixo é o da transparência, e criamos a Comissão de Transparência do Conselho Federal. O segundo eixo é a descentralização administrativa, uma gestão participativa e compartilhada. Para isso foi criada a Comissão de Descentralização Administrativa. E o terceiro eixo é a discussão da revisão do sistema eleitoral da OAB. O presidente dessa comissão é o presidente da OAB da Bahia, Luis Viana Queiroz, é o autor da proposta de eleições diretas no Conselho Federal da Ordem.

ConJur — Qual o papel do presidente da OAB?

Marcus Vinícius — Encaminhar para debate no plenário do Conselho Federal todas as propostas que vierem das comissões criadas e compostas pelos conselheiros federais da entidade. São os conselheiros federais e os presidentes seccionais, que participam das comissões, que darão o tom da gestão. Assumi e vou cumprir o compromisso de não tentar influenciar as discussões no sentido de minhas posições pessoais. Os conselheiros federais são livres e independentes para bem encaminhar todas as questões. A OAB tem de atentar também para a proteção dos direitos humanos fundamentais. Por exemplo, o Brasil tem uma superlotação carcerária inadmissível. São cerca de 550 mil presos para 300 mil vagas, fora os mandados de prisão não cumpridos...

ConJur — A OAB tem um histórico de luta pela defesa das liberdades, mas parece ter se desviado um pouco desse caminho em gestões passadas. Voltará para ele?

Marcus Vinícius — Sim. Se torna cada vez mais claro e evidente, para mim, que não há contrariedade entre a luta pelas prerrogativas do advogado e a defesa de uma sociedade melhor. Porque essas duas lutas são complementares, não antagônicas. À medida que se defendem as prerrogativas dos advogados, se possui como objetivo a defesa do cidadão, a proteção do cidadão contra as injustiças. Logo, a constituição de uma sociedade justa. A defesa das liberdades é o ponto de encontro entre a garantia das prerrogativas e a luta por uma sociedade melhor. E essa é a pauta da Ordem: a defesa das liberdades.

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2013

sexta-feira, 5 de abril de 2013

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: NÃO BASTA O PERIGO PRESUMIDO

Autor:
Está em vigor desde 21.12.2012 a nova lei seca (Lei nº 12.760/2012), que endureceu mais uma vez o Código de Trânsito (dobrou o valor da multa administrativa, agravou-a no caso de reincidência e facilitou a comprovação da embriaguez). Indaga-se: o crime de dirigir veículo automotor em estado de embriaguez (art. 306), agora, com a redação dada pela nova lei, é de perigo abstrato ou concreto?
 
Leonardo de Bem, em livro que estamos preparando, fez uma análise dos vários posicionamentos doutrinários relacionados com o perigo abstrato e chegou à conclusão de que o delito do art. 306 do CTB (na sua nova redação) possui a natureza de perigo abstrato de perigosidade real, que é uma tese muito próxima do perigo abstrato com potencial perigo para o bem jurídico tutelado. Só existiria o crime citado quando houvesse superação de um determinado risco-base.
 
Não se trataria, portanto, de perigo abstrato presumido (ou puro), nem tampouco de perigo concreto. Renato Marcão (no portal atualidadadesdodireito.com.br) opinou no sentido de que se trata de perigo abstrato puro (presumido). A nova redação dada ao art. 306 do CTB, pela Lei nº 12.760/2012, é a seguinte:
 
"Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
 
§ 1º - - As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora."
O novo tipo penal, na medida em que exige "capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência", claramente se distanciou dos dois modelos anteriores (de 1997 e de 2008). Criou-se uma terceira situação de ilicitude (distinta das precedentes). Se o legislador mudou a redação da lei, agregando algo que antes não existia, parece muito evidente que houve alteração no perigo abstrato puro ou presumido de 2008.
Desde logo fica evidente o seguinte: o novo tipo penal, em sua literalidade, nem exige comprovação de dano potencial concreto "a outrem" (tal como ocorria em 1997), nem se contentou com a (mera) presunção da influência e da alteração da capacidade psicomotora a partir de uma certa quantidade de álcool por litro de sangue (6 decigramas). Nem uma coisa, nem outra.
Estamos diante de um tercius, de um novo paradigma de ilícito, que exige uma adequada e constitucional interpretação, observando-se desde logo que fato não se presume: ou acontece ou não acontece. As duas novas exigências formais contidas no art. 306 (alteração da capacidade psicomotora do agente e influência do álcool ou outra substância) devem ficar devidamente comprovadas em juízo. Isso, no entanto, não significa perigo concreto determinado (com vítima certa).
O que o legislador contemplou no novo art. 306 é distinto do que constava dele em 2008, porém, não deixa de ser uma forma bastante antecipada de tutela do bem jurídico. Trata-se de um campo prévio ao perigo concreto direto, porque, nas sociedades de risco (Risikogesellschaft), bem descritas por Ulrich Beck, a pergunta é: "Como podem ser evitados ou minimizados ou controlados os riscos e ameaças, coproduzidos sistematicamente nos processos de modernização?" (Ganzenmüller et alii: 1997, p. 13).
O desenvolvimento do direito penal, nas sociedades de risco, utiliza, cada vez mais, a técnica do perigo abstrato (sendo incompatível com elas só o velho sistema da lesão ao bem jurídico do direito penal liberal - Ganzenmüller et alii: 1997, p. 15). Os delitos de perigo, hoje, constituem a mancha de óleo de Lackner, visto que são os "filhos prediletos" do legislador (Ganzenmüller et alii: 1997, p. 17).
Isso foi feito no novo art. 306, porém, aí não se contemplou o chamado perigo abstrato puro ou presumido (tal como ocorria na redação de 2008), sim, o perigo abstrato de perigosidade real, que equivale ao perigo concreto indireto.
Se a lesão significa uma efetiva ofensa ao bem jurídico, se o perigo concreto é uma probabilidade de lesão, se o perigo concreto indireto (ou perigo abstrato de perigosidade real) é uma probabilidade de perigo concreto, o perigo abstrato puro (ou presumido) é uma mera possibilidade de perigo (1) de perigo (2) de perigo (3) concreto. Essa tríplice incidência do perigo é inadmissível no direito penal, porque se distancia demasiadamente do bem jurídico protegido. Parodiando Carlos Britto diríamos tratar-se de um "salto triplo carpado hermenêutico".

OBSERVATÓRIO DO OBSERVATÓRIO OU CIRCULATURA DO QUADRADO


Compreender Direito” o Direito
Saiu o Compreender Direito, livro contramajoritário que apresenta as 22 melhores colunas de 2012, devidamente repaginadas, com introdução e divisão por temas, além de ricas notas explicitadoras (clique aqui para ver). A editora é a RT. Nas boas lojas do ramo. O livro pretende fazer desleituras, na esteira do que diz Harold Bloom. Isto é, o livro trata de textos que nos vêm da tradição, com a qual estabelecemos uma relação de (des)leitores-críticos... Esses textos devem sempre ser submetidos a desleituras. Inclusive o meu livro.

O tema de hoje: “A reinvenção da interpretação”?
Para além do assunto “concursos e concurseiros”, hoje o tema é mais sofisticado. Peço desculpas, mas não há outro modo de abordar a temática, a não ser assim. De todo modo, a coluna mostra novamente como o Direito é um fenômeno complexo.

Explicito: com muita honra faço parte do Observatório Constitucional do IDP, querido instituto que, com sua pujança, faz história no Direito brasileiro. Pois meus alunos do doutorado me chamaram a atenção para um artigo — sob a responsabilidade do (permitam-me, nosso) Observatório (clique aquipara ler) que defendia, de forma vibrante, a necessidade de reinventar a interpretação constitucional(penso que a do Brasil).
Em um piscar d’olhos, fui atrás do texto. Afinal, tenho me dedicado há tantos anos não somente a uma investigação da hermenêutica, a partir de Gadamer, Heidegger, Stein, Dworkin, como também suando em bicas para construir uma teoria da decisão, problemática relatada nas mais de 600 páginas doVerdade e Consenso (Saraiva, 2012). No Hermenêutica Jurídica e(m) crise, já na sua 10ª edição, fiz as tentativas iniciais para romper com a hermenêutica (digamos, assim, clássica), fundada no esquema sujeito-objeto (ou a sua vulgata, o que até é mais comum). Já orientei dezenas de dissertações e teses sobre o assunto.
Assim, quando aparece, assim, de supetão, um artigo dizendo que vai reinventar a interpretação constitucional, fico ouriçado. Acho que qualquer um ficaria, pois não? O ministro Gilmar Mendes, principal mentor do IDP, deve ter ficado ouriçado. Meu amigo André Rufino, que me convidou para ingressar no Observatório, deve também ter ficado ouriçado. E o Otavio Luiz Rodrigues Junior, cuidadoso pesquisador, também. Paremos as máquinas. Algo de novo está(ria) no ar. Vejam: o texto do articulista Jorge Octávio Lavocat Galvão não somente busca reinventar a interpretação pelo título grandioso (e, registre-se, esteticamente bonito) “É hora de reinventarmos...", como também pelo conteúdo, no qual uma certa tradição é jogada por terra, à espera desse algo novo que o artigo parece querer apresentar.
Aliás, porque escrevo sobre o artigo? Por duas razões: a uma, exatamente por ser colega de Observatório me sinto à vontade para criticar, academicamente, o texto. Afinal, um artigo vindo de um Observatório tem força. Observatórios são vistos quase como ombudsmen. Por isso, quando um Observatório fala, é porque algo foi observado. Quem observa, observa de um ponto mais alto. E isso acarreta responsabilidades. Muitas. E por isso deve ser cobrado. A duas, porque as questões postas no texto É hora de reinventarmos a interpretação constitucional valem não porque estejam sendo ditas ali (na coluna Observatório Constitucional), mas, sim, porque revelam de algum modo um imaginário — no sentido negativo, de encobrimento e mal entendido — que repercute insistentemente uma série de equívocos teóricos que, antes de contribuir para a solução do problema, por vezes, mesmo que o autor esteja imbuído da melhor das boas vontades, acabam por jogar mais entulho (no sentido de Unzuhandenem de que fala Heidegger) sobre a discussão.
É, pois, o que pretendo fazer.
Qual é o ponto de saturação de que fala o texto?
Na citada Coluna do Observatório, o culto articulista defendeu a necessidade de se dar um “choque de realidade” (sic) no direito constitucional, na medida em que o “debate acadêmico a respeito da interpretação constitucional, que tem sido a tônica da teoria jurídica nos últimos anos, parece ter atingido o seu ponto de saturação, pouco tendo a acrescentar à compreensão dos constitucionalistas sobre o funcionamento da corte”. E isso porque as tais teorias sobre interpretação constitucional[1], segundo entendi, não explicariam “o que torna uma questão constitucional relevante para os membros da Corte e quais os incentivos que os levam a decidir de um ou de outro modo”. Primeiro problema: o risco de, em um artigo, fazer tábula rasa. Qual é o ponto de saturação de que fala o articulista? Qual é a teoria ou quais são as teorias que “pouco tem a acrescentar”? Vejam a gravidade da afirmação. Nada do que se escreve ou escreveu no Brasil tem ou teve importância? O debate acadêmico no Brasil sobre este tema está saturado? Como assim?

Em termos gerais, a argumentação do articulista é muito bem-vinda. Penso, no entanto — y el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo —, na minha opinião, baseado em mais de 15 anos de pesquisas e em um sem número de aulas que já ministrei, o articulista cometeu uma mistura entre acertos e erros cujo resultado, apesar dos méritos do texto, é misleading.
Por partes
De plano, o articulista afirma que o foco da teoria de Ronald Dworkin na argumentação judicial teria encoberto “vários aspectos relevantes para a compreensão do modo como os tribunais operam dentro da engrenagem política de um Estado”.

Aqui, já há uma má compreensão, com todo o respeito, do, assim chamemos, “projeto dworkiniano”. Explico: em primeiro lugar porque não me parece correto dizer que a ênfase da teoria de Dworkin seja a argumentação (a não ser que tomemos este termo em um sentido tão amplo que qualquer proposta que reivindique algum tipo de caráter prático para experiência jurídica seja uma proposta argumentativista). O que Dworkin ressalta, mais de uma vez, é que o direito seria uma prática interpretativa. Esse ponto é importante para que se tenha clara a diferença que separa o projeto dworkiniano do projeto de Robert Alexy (este último, sim, um argumentativista em sentido estrito).
Vale dizer — de uma vez por todas (desculpem-me a veemência da afirmação) — é importante perceber que há uma diferença entre argumentação e interpretação (e entre argumentação e hermenêutica). A teoria de Dworkin, embora use recorrentemente o termo argumento, é uma-teoria-interpretativa-e-não-argumentativa. Dworkin, portanto, não pode ser considerado um teórico da Teoria da Argumentação. Essa sutileza não passou despercebida, por exemplo, a Paul Ricoeur. Este, no texto interpretação e/ou argumentação, demonstra que diferentemente da teoria de Robert Alexy, que possui a característica de reivindicar para a prática argumentativa geral a qualidade de Begründung, ou seja, de fundamentação, Ronald Dworkin está muito mais interessado no horizonte político-ético no qual se desdobra a pratica interpretativa do direito. Para ele, afirma Ricoeur, “o Direito é inseparável de uma teoria política substantiva. É esse interesse último que, afinal, o afasta de uma teoria formal da argumentação jurídica.”[2]
Isso nos leva a um segundo ponto: não podemos esquecer que Dworkin propõe uma teoria de perfilnormativo[3] — e não meramente descritivo da “engrenagem política de um Estado” (sic). Isso quer dizer que Dworkin não está apenas preocupado em demonstrar que os juízes articulam argumentos de moralidade política na construção de suas decisões — ele está, isso sim, interessado em demonstrar quais são os valores que devem orientar essa argumentação (igualdade, dignidade etc.) e em como evitar que isso descambe para o subjetivismo (aqui, o busílis da questão!).
Numa palavra, Dworkin propõe uma teoria sobre o dever do juiz. E o fato de que os juízes (do STF, por exemplo) não guardarem coerência com o pensamento dworkiniano (e, acrescento eu, nem com qualquer outra teoria, aparentemente) não é, ao contrário do que diz o articulista, resultado de umadeficiência da teoria, mas, sim, apenas a prova de que, na opinião de Dworkin, poder-se-ia dizer que eles agiram em desacordo com “a teoria” (ou alguma teoria). Mas, mesmo assim, isso demanda(ria) outros argumentos que o texto não apresenta. E nem dá pistas ao ávido leitor à espera da reinvenção prometida.
O articulista, contudo, aparentemente vê uma relação de “causa e efeito entre a “ênfase doutrinária na teoria da argumentação” (sic) e o fato de que, nos casos de “grande repercussão”, o Supremo não se ter mantido fiel a alguma destas teorias (eu acrescento algo que o articulista não leva em conta, que é o seguinte: de qual teoria da argumentação estaria ele falando? Da TAJ de Alexy ou da vulgata da TAJ, pela qual a ponderação é utilizada como no jogo na Katchanga?)[4]. Afinal, o que é isto — a teoria da argumentação praticada em terrae brasilis?
A(s) cortina(s) de fumaça
Mas as evidências — em especial as descritas ao longo do artigo, quando o autor corretamente observa que “a interpretação e os métodos constitucionais tem servido muitas vezes como uma cortina de fumaça para camuflar as relações de poder subjacentes as questões jurídicas” — apontam, no entanto, exatamente o contrário! Ou seja, dá a impressão que a culpa disso é de Dworkin ou da TAJ (ou de “alguma hermenêutica”). Prestemos bem atenção: é justamente o fato de teorias como a dworkiniana (nem estou falando da hermenêutica filosófica, por exemplo) não estarem sendo observadas pelos ministros do STF é que faz com que suas decisões sejam incoerentes em princípio e sejam inteligíveis, apenas, do ponto de vista político (ou da ciência social). Eis as verdadeirascausas e efeitos! Aqui, o problema não é nem a falta (ou não) de Dworkin ou qualquer outro autor… Trata-se de podermos exigir coerência e integridade no conjunto decisório, seja ao abrigo de que teoria for.

Entendamos: não é que o “impacto de fatores extrajurídicos nos resultados dos casos” seja “um mistério para a teoria constitucional”, como acusa o articulista. Ele nunca foi um “mistério” (sic), ao menos para Dworkin e para “nosotros”, que pesquisamos isso há tantos anos. Sua célebre (dele, Dworkin) distinção entre argumentos de princípio e argumentos de política que o diga! Aliás: fosse desconhecida de Dworkin a influência, de fato, de fatores extrajurídicos nas decisões judiciais, ficaria a pergunta: Que sentido faria a tese do fórum de princípio? Pensemos a respeito.
A ameaça à autonomia do Direito
Na verdade — e aqui me parece o problema mais grave na tese da propalada “reinvenção” —, a ideia proposta pelo articulista permite divisar mais uma ameaça à autonomia do Direito. Explico. Há um quê de positivismo fático na tese do articulista (lembremos, aqui, do positivismo fático representado pelos diversos tipos de “realismos jurídicos”). Como demonstrarei, a tentação em resvalar no realismo jurídico é difícil de resistir... Já entenderemos isso. Antes disso, é preciso deixar claro que nosso ilustre articulista confunde a Tese do Direito como Integridade com essa vulgata que se tornou a recepção no Brasil, na pior tradição do nosso ecletismo “ibérico”, de autores como Dworkin e mesmo como Alexy. Sendo bem claro, aberto e leal, veja a seguinte afirmação do articulista: “Técnicas de interpretação, princípios, ponderação e direitos fundamentais ingressaram de modo indelével no vocabulário dos advogados. Há um inegável encantamento pelo Poder Judiciário e por seus juízes Hércules, que, em virtude de sua capacidade de traduzir questões políticas em problemas jurídicos, tornaram-se os guardiões não só da Constituição, mas da moralidade pública em geral.

Veja-se que o ilustre articulista misturou “técnicas de interpretação” (século XIX) com “princípios, ponderação e direitos fundamentais” (Dworkin? Alexy?). Mais: juízes Hércules? O que é isto, os juízes Hércules? Ora, em Dworkin, Hércules é uma metáfora para ilustrar o ponto de vista da adequabilidade. Sim, apenas uma metáfora! Mais: trata-se de um arquétipo, um recurso literário que visa a traduzir a teoria da responsabilidade política dos juízes. A jurisdição de Hércules não é — como geralmente se retrata — uma jurisdição “ideal” (sic). Ela é, antes, uma jurisdição do possível. Dito de outro modo, quer dizer que determinadas decisões responsáveis politicamente são mais ajustadas ao direito da comunidade política do que decisões irresponsáveis. Hércules não traduz “questões políticas em problemas jurídicos”. E Dworkin jamais caracterizou o trabalho de Hércules como guardião da moralidade pública em geral. Deixemos isso claro, sempre, para fazer justiça a Dworkin (aproveitemos também para deixar claro — por justiça, registro que isso não está no texto do articulista — que já não dá para aguentar algumas teses sobre Dworkin, a principal delas acusando-o de ser jusnaturalista).
Também o articulista diz, na sequência, que erradas estão mesmo as teorias da interpretação, porque seriam incapazes de compreender o STF: “Os julgamentos quanto à aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 e à perda do mandato parlamentar em virtude de condenação criminal no caso do mensalão ilustram bem a insuficiência das teorias da interpretação para se compreender o funcionamento de nossa Suprema Corte.” Impressiona, aqui, e digo isso com toda a lhaneza de alguém que há tantos anos estuda a matéria, o modo como o autor analisa os casos da Ficha Limpa e do Mensalão. De fato, sua análise, como ele mesmo reconhece é “simplista” (penso que no bom sentido da palavra).
Para ele, um “choque de realidade” (sic) é adotar essa atitude por ele mesmo chamada de simplista:“Urge que sejamos menos abstratos e voltemo-nos mais para o estudo dos fatos e das consequências das decisões judiciais”. Ou seja, o bom seria desconsiderar totalmente as questões de princípio e adotar a perspectiva realista: “Para se compreender realmente como os juízes decidem os casos parece agora ser necessário inverter o caminho percorrido por Dworkin, buscando analisar não como os juízes decidem, a partir de uma perspectiva interna, mas o que leva os juízes a decidirem da forma como decidem, a partir de uma perspectiva externa (de um observador das relações causais da prática jurídica)”. Aqui, pois, aparece, implicitamente, o lado positivista fático da tese do articulista — sim, porque o realismo (ou qualquer forma de realismo jurídico — de Olivecrona e Ross ao realismo norte-americano) é uma forma de positivismo. Essa problemática já era criticada por Warat há mais de 30 anos, identificando as formas de positivismo fático como contraponto, por exemplo, do positivismo normativista de Kelsen (pensemos no contraponto Ross-Kelsen).
Ou seja, o articulista quer fazer uma espécie de “ciência política” ou de “história” que desconsidera as questões de princípio e de direitos fundamentais. Aliás, o que quer dizer “voltemo-nos mais para o estudo dos fatos”? O que são fatos? Há questões de fato distintos de questões de Direito? Lidar com teorias sofisticadas, por exemplo, é cair no plano da abstração? E o que é isto — um choque de realidade?
Enfim, a reinvenção da interpretação constitucional, para o articulista, é adotar uma perspectiva do observador externo que pretende descrever regularidades e não compreender o sentido do que seja “cumprir uma norma”, verbis: “Estas questões — que se aproximam mais do âmbito de investigação da ciência política e da história do que da filosofia — têm recebido pouca ou quase nenhuma atenção dos constitucionalistas”.
De se notar que, de efetivamente novo, essa propalada “reinvenção” não tem nada. Na verdade ela seria pré-dworkiniana. Na verdade, mesmo, parece-me simplesmente que — tendo em conta o debate Hart-Dworkin — o articulista faz uma simples opção por aquilo que seria uma espécie de rascunho das teses projetadas pelo positivismo moderado de Hart. De todo modo, um pé em Hart e outro no realismo.
Ora, foi justamente contra a proposta meramente descritiva, que separava observador e participante, que Dworkin apontou a sua crítica. Em termos cronológicos, a proposta “nova” é já velha. Nesse contexto todo, permito-me a seguinte pergunta: por que exatamente a perspectiva do observador seria menos “abstrata” que a do participante? Sim, por quê? Penso que o que ocorre é exatamente o contrário: as tentativas de marcar um ponto isolado a partir do qual se observa o fenômeno jurídico é que leva a discussão para abstracionismos inúteis (veja que quem fala em abstrações é o articulista). Ora, a colocação do problema jurídico na radical condição do participante faz com que a reflexão firme os pés na facticidade. Aliás, é de se perguntar, no âmbito da ciência jurídica, se é possível conquistar esse ponto arquimediano de observação de seu objeto? É possível afirmar a posição de um observador neutral, situado fora das práticas jurídicas cotidianas, para responder a problemas que são projetados por essas mesmas práticas jurídicas cotidianas? Esse observador não “assujeitaria” o objeto?
Trata-se, enfim, do argumento metafísico típico, ou seja, uma perspectiva dualista: “Entretanto, muito se perde ao se atravessar do plano normativo para a realidade”. Como se o Direito e suas questões de princípio não fizessem parte da realidade, como se esses princípios e direitos, como dizia Dworkin, não fossem também filhos da história institucional. Veja-se de novo a insistência do articulista em separar o plano normativo da realidade.
Na verdade, ao que entendi, a “reinvenção da interpretação constitucional” que o autor propõe é abrir mão da perspectiva normativa e adotar a realista (qual?). O risco disso é exatamente perder de vista justamente o que o autor acredita dever ser mantido da contribuição de Dworkin: “Não se pretende questionar com isso que, conforme leciona Dworkin, os juízes devam decidir com coerência e integridade, respeitando os princípios e os compromissos institucionais previamente estabelecidos”.
O que o texto É hora de reinventarmos... não leva em conta é que uma das grandes contribuições da Hermenêutica Filosófica e, no Direito, de uma hermenêutica crítica como a de Dworkin, foi exatamente a superação desses dualismos metafísicos[5]. Em vez de se perder entre o normativismo e o realismo, pois ambos perdem de vista a historicidade e a abertura de sentido dos princípios e dos direitos, é preciso adotar uma perspectiva reconstrutiva ou, ao menos compreensiva que reconheça que as questões de princípio se impõem historicamente ao Direito como parte essencial dos processos políticos e sociais.
Síndrome de Caramuru. De novo.
Veja-se o perigo em dizer (ou anunciar) que É hora de reinventarmos a interpretação constitucional. Primeiro, há um problema nisso, porque dá a impressão que o Brasil é um país de néscios, que até hoje nada fizeram nesse campo. Já denunciei, aqui, em outra coluna, a síndrome de Caramuru. Com tanta gente trabalhando sobre o tema “interpretação constitucional”, o artigo em tela não deixa muita coisa em pé. Sim. Terra arrasada. Diz o articulista que está na hora de reinventarmos... Será? Hoje nossa teoria do Direito — mormente nessa área — está bem mais adiantada que em muitos países. Além disso, devemos sempre levar em conta as especificidades de terrae brasilis. Até mesmo a teoria dworkiniana deve sofrer uma antropofagia. É o que eu tento fazer. Nesse sentido meu debate com um bom aluno de Dworkin, Rodolfo Arango, da Colômbia, que aparece em Verdade e Consenso (4ª edição, página 288).

Não quero dizer “como me ufano do avanço da teoria do direito no Brasil”, mas que avançamos, ah, isso avançamos. Há, hoje, seis programas de pós-graduação em Direito com nota 6-Capes (USP, PUC-SP, UERJ, UFPR, UFSC e Unisinos), que pouco ou nada devem para os bons programas estrangeiros (ao menos no âmbito do que se entende por “teoria do Direito” e “teoria da Constituição”. Posso, aqui, fazer uma lista longa de gente que está estudando interpretação da Constituição. Concordando ou não com muitos deles (por exemplo, L.R.Barroso, Daniel Sarmento, Gilmar Mendes, Neviton Guedes, Alexandre Morais da Rosa, Eduardo Moreira, Antonio Maia, Marcos Marrafon, Ecio Oto, Walber Carneiro, Rafael Tomaz de Oliveira, Clémerson Clève, Juarez Freitas, Menelick de Carvalho, Eduardo Bittar, Tércio Ferraz Jr., Paulo de Barros Carvalho, Francisco Motta, Marcelo Cattoni, Bernando Gonçalves, Emilio Meyer, Alvaro Souza Cruz, Marcelo Neves, JM Adeodato etc e tantos outros que poderiam ser nominados), é alvissareiro termos tanta gente construindo as condições para a interpretação do Direito (e, portanto, da Constituição). Há problemas? Sim. Há uma crise de paradigmas? Sim. Mas em setores da academia cresce a sofisticação da(s) teoria(s). Enquanto em muitos países europeus ainda se discute a dicotomia positivismo-jusnaturalismo (para dizer o menos), por aqui já podemos dizer que construímos teorias adequadas às especificidades brasileiras. Portanto, uma reinvenção da circulatura do quadrado ou a quadratura do círculo ou a circularidade do círculo não nos pega de surpresa.
A propósito
Como referi, o texto do articulista do Observatório é bem-vindo. Entretanto, no modo como foi escrito e pelo grau de sua pretensão teorética, não fica imune a uma série de questionamentos. Por isso, fiz aqui uma espécie de “Observatório do Observatório”. Com a vênia dos colegas do Observatório Constitucional.


[1] Cabe aqui o alerta de que a hermenêutica não é compartimentalizada. Não se deve regionalizar a hermenêutica (ou a interpretação). É inadequado subdividir a hermenêutica em constitucional, civil, penal, etc. A menos que ainda se pense que a hermenêutica é metodológica. Já expliquei exaustivamente e repetidamente isso no meu Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
[2] RICOUER, Paul. Interpretação e/ou Argumentação. In: O Justo. Vol. 1. São Paulo: Martins Fontes, 2008, pp. 153/173.
[3] Na verdade, seria mais correto dizer que Dworkin nao acredita que qualquer teoria jurídica possa ser meramente descritiva – basta retomar os argumentos de seu celebre debate com Hart; mas isso e assunto para outra conversa.
[4] Na UNISINOS será defendida tese de doutorado, sob minha orientação, de autoria de Fausto de Morais, que mostra que a ponderação, propalada em quase 200 acórdãos no STF, não guarda relação com a matriz originária alexiana.
[5] Tenho feito um intenso debate com jusfilósofos de ponta como Marcelo Cattoni, da UFMG, que sobre essa temática escreve magnificamente em livro publicado pela FUMEC, "Constitucionalismo e História do Direito" cap. 1, p. 38, primeiro e segundo parágrafos, assim como no texto escrito durante o seu pos-doutorado, denominado Democracia sem espera e processo de constitucionalização, que também consta no aludido livro, cap. 7, p. 215-217. Também registro os diálogos com Francisco Motta, nestes meses estudando na Columbia Universiy - NY, ele autor do belo Levando o Direito a Sério (Livraria do Advogado).
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.
Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2013

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