quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Trabalho Escravo Contemporâneo




NJ ESPECIAL: Trabalho Escravo Contemporâneo



Veja, nesta série especial, como o TRT de Minas julga casos de trabalhadores mantidos em regime de semi-escravidão. Situações de flagrante abuso detectadas pelos fiscais do trabalho renderam ações civis públicas ajuizadas perante a JT-MG pelo Ministério Público do Trabalho.

Em todos os casos foram deferidas indenizações por danos morais coletivos, além de outras condenações para ajustamento de conduta. O objetivo final do Judiciário é sempre o de coibir essas condutas abusivas, até que se consiga, por fim, abolir de vez essa prática desumana e inaceitável.

Clique nos títulos abaixo e confira algumas dessas histórias, por vezes estarrecedoras, e as soluções dadas pelos magistrados e Turmas julgadoras. A cada semana, um novo caso e novas decisões. Acompanhe, curta, comente, participe!


NJ ESPECIAL: Trabalho Escravo Contemporâneo






Decisões anteriores de JT de Minas






Trabalhador aliciado e tratado como escravo receberá indenização por danos morais (14/02/2011)

Fazendeiros são condenados a pagar dano moral coletivo por manter trabalhadores em semi-escravidão (16/08/2006)

Fonte: TRT3ª Região

terça-feira, 11 de novembro de 2014

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº. 733



Informativo STF


Brasília, 16 a 19 de dezembro de 2013 - Nº 733.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.




SUMÁRIO



Plenário
1ª Turma
2ª Turma
Transcrições


PLENÁRIO


Repasse de duodécimos: reserva do possível e separação de Poderes - 5
O Plenário retomou julgamento de mandado de segurança impetrado por presidente de tribunal de justiça local contra ato de governadora. O ato consubstancia-se em repasse a menor dos valores de duodécimos relativos às dotações consignadas ao Poder Judiciário estadual pela Lei Orçamentária Anual correspondente, atinentes a 2012 e 2013. O impetrante alega que os recursos consignados em lei deveriam ser rigorosamente repassados em sua integralidade, independentemente de avaliação de conveniência ou oportunidade pelo Poder Executivo. Sustenta, também, que o desrespeito a essa regra criaria dificuldades ao bom funcionamento do Poder Judiciário, e o exporia ao risco de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) — v. Informativo 723.




Repasse de duodécimos: reserva do possível e separação de Poderes - 6
Em voto-vista, o Ministro Roberto Barroso acompanhou o Ministro Ricardo Lewandowski, relator, para conceder, em parte, a segurança. Asseverou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias estadual não admitiria a definição de um percentual único, aplicável linearmente aos órgãos estaduais, mas, sim, que o percentual de limitação de cada Poder fosse calculado de forma proporcional à participação de cada um no total das dotações fixadas para outras despesas correntes e despesas de capital na Lei Orçamentária Anual de 2013 (Lei Estadual 9.648/2012, art. 52, I). Apontou que, embora o Decreto estadual 23.624/2013 dispusesse que o Poder Executivo também iria se submeter a um corte de 10,74%, não teria sido esse o real percentual a ele aplicado, conforme demonstrado em números. Sublinhou, ainda, que a premissa da governadora no sentido de que houvera queda na receita, a justificar a redução linear contida no referido decreto não se verificara no balanço orçamentário da receita referente a janeiro-agosto/2013. Esclareceu que a norma estadual debatida objetivaria efetuar a adequação dos gastos públicos a eventuais decréscimos na arrecadação prevista, o que não seria incompatível com a regra do art. 168 da CF. Ponderou que, enquanto vigorasse a suspensão do § 3º do art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (ADI 2.238 MC/DF, DJe de 11.9.2008), haveria diversos instrumentos para que o Poder Executivo pudesse questionar a recusa do Poder Judiciário em adequar os gastos públicos. Esses instrumentos iriam desde a impugnação na própria via administrativa, perante o CNJ, até a judicialização da matéria. Enfatizou que, na espécie, o decreto estadual basear-se-ia em pressuposto fático que não estaria comprovado, qual seja, queda na arrecadação. Acompanhou, então, o relator para conceder a segurança, por considerar que o Poder Executivo não poderia ter procedido às retenções de forma unilateral e que, na espécie, sequer haveria comprovação de que estas seriam de fato devidas — ou, quando menos, devidas no montante efetuado. Após o voto do Ministro Roberto Barroso, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 1


Caracteriza bis in idem considerar, na terceira etapa do cálculo da pena do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da substância ou do produto apreendido, quando essas circunstâncias já tiverem sido apontadas na fixação da pena-base, ou seja, na primeira etapa da dosimetria, para graduação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Por outro lado, não há impedimento a que essas circunstâncias recaiam, alternadamente, na primeira ou na terceira fase da dosimetria, a critério do magistrado, em observância ao princípio da individualização da pena. Essa a orientação do Plenário que, em face de divergências entre as Turmas quanto à interpretação e à aplicação do art. 42 da Lei 11.343/2006, tivera a questão jurídica controvertida submetida à sua apreciação (RISTF, art. 22, parágrafo único). Em julgamento conjunto de habeas corpus, discutia-se, inicialmente, se a aplicação do art 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria configuraria bis in idem. Arguia-se, ainda, se, em caso positivo, qual seria a etapa em que o magistrado deveria aplicar a referida regra. No HC 112.776/MS, a defesa sustentava estar caracterizado o bis in idem, porque o magistrado de primeiro grau fixara a pena-base acima do mínimo legal e destacara, entre outras considerações, a natureza e a quantidade da droga apreendida. Além disso, na terceira etapa da dosimetria, ou seja, no exame do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, invocara essas mesmas circunstâncias para estabelecer a redução na fração de ¼. A impetração aduzia que essa dupla valoração negativa de um mesmo fato como circunstância judicial desfavorável e critério para fixação do quantum da diminuição da pena não teria embasamento jurídico. Questionava, ainda, o regime prisional fixado pelo magistrado sentenciante, inicial fechado, ante a interpretação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação da Lei 11.464/2007. No HC 109.193/MG, a controvérsia restringia-se à legitimidade da invocação do art. 42 da Lei 11.343/2006 na terceira fase da dosimetria da pena.




Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 2


No HC 112.776/MS, o Tribunal, por maioria, concedeu, em parte, a ordem, para determinar ao juízo competente que procedesse à nova fixação da pena imposta ao paciente e fixasse o regime prisional, à luz do art. 33 do CP. O Plenário destacou que o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado no Brasil pelo Decreto 678/92, acolhera o princípio do non bis in idem em contexto específico, ao estabelecer que o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos (art. 8º, 4). Asseverou-se que, a partir de uma compreensão ampliada desse princípio, não restrito à impossibilidade das persecuções penais múltiplas, desenvolveu-se uma das mais relevantes funções no direito penal constitucional: balizar a individualização da pena, com vistas a impedir mais de uma punição individual pelo mesmo fato em momentos diversos do sistema trifásico adotado pelo Código Penal. Consignou-se que, embora o art. 42 da Lei 11.343/2006 estabelecesse que o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente, nada impediria que determinada circunstância — por exemplo, a quantidade de droga apreendida — pudesse ser considerada, alternativamente, ou para fixação da pena-base ou para cálculo da fração de redução a ser imposta na última etapa da dosimetria (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º). Pontuou-se que esse critério, além de afastar ocorrência de bis in idem, prestigiaria o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), a possibilitar um sancionamento mais adequado e condizente com a realidade processual.
Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 3


Quanto ao regime prisional, assentou-se que o magistrado sentenciante fixara o regime inicial fechado com base apenas na vedação abstrata prevista na Lei 8.072/1990. Recordou-se que o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei 11.464/2007, fora julgado inconstitucional pelo STF. No mais, rejeitou-se o pedido do impetrante acerca da substituição da sanção corporal por pena restritiva de direitos, porque, nesse ponto, devidamente fundamentada a sentença. Por fim, registrou-se que a nova dosimetria da pena em nada afetaria os fundamentos utilizados pelo juízo de primeira instância, tendo em vista que qualquer que fosse a fase em que considerada a natureza e a quantidade da droga apreendida, essas seriam circunstâncias que persistiriam para fins de negar ao paciente a substituição da reprimenda, a teor do art. 44, III, do CP. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que concediam a ordem em menor extensão. Aduziam que a análise das circunstâncias na primeira e na terceira fase da dosimetria não caracterizaria bis in idem. Destacavam que o que elevaria a pena-base seria a intensidade da lesão à saúde pública, enquanto que a causa de diminuição seria decorrente do grau de envolvimento do réu com a criminalidade organizada ou a sua maior devoção à atividade criminosa. Frisavam que a natureza e a quantidade de droga serviriam, em ambos os casos, apenas como elemento indiciário de que se valeria o juiz para formar o seu livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX, e CPP, art. 155).

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 4


No que tange ao HC 109.193/MG, a Corte denegou a ordem por concluir que, no caso, a consideração da natureza da droga apreendida somente na terceira etapa da dosimetria, ou seja, para fixar o fator de redução da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não caracterizaria constrangimento ilegal. O Plenário enfatizou que, nessa fase, em que analisadas as causas de aumento e de diminuição, o critério utilizado para dosar a fração adequada e suficiente para reprovação do delito seria construído, em regra, a partir de elementos que guardassem relação com a minorante ou com a majorante. Assinalou-se que, na Lei de Drogas, as causas de aumento previstas no art. 40 também permitiriam ao julgador dosar a quota a partir de parâmetros delimitados na majorante. Quanto à causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, destacou-se que ambas as Turmas entenderiam que essa minorante estaria condicionada ao preenchimento, de forma cumulativa, dos requisitos de primariedade, de bons antecedentes e de que o agente não se dedicasse a atividades criminosas nem integrasse organização criminosa. Aduziu-se que esses critérios negativos seriam, portanto, excludentes da possibilidade de redução da pena, porque, se não estiverem todos presentes, inviabilizam a incidência do dispositivo. Ponderou-se que esses critérios revelariam a dificuldade de saber quais balizas deveria o julgador levar em conta para definir o quantum de diminuição, mormente em face da largueza da faixa admissível: de um sexto a dois terços. Considerou-se que, ante a ausência de critérios preestabelecidos para a escolha do quantum de diminuição na terceira fase da dosimetria, uma vez que a lei não colocaria à disposição do julgador nenhum dado que pudesse servir de parâmetro, não se vislumbraria contrária ao direito a possibilidade de o julgador socorrer-se de uma ou mais circunstâncias descritas no art. 42 da Lei de Drogas.

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 5


Observou-se que, na primeira fase, dever-se-ia levar em conta algumas circunstâncias, preponderantes ou não, e, mais adiante, dosar-se-ia a redução com base em circunstâncias diferentes, a se evitar o bis in idem. Sem admitir essa interação entre o § 4º do art. 33 e o art. 42, ambos da Lei 11.343/2006, o julgador ficaria limitado a aplicar, indistintamente, a maior fração a todos os condenados que tivessem jus à redução, a acarretar uma uniformidade de apenamento, em flagrante violação dos princípios da isonomia, da proporcionalidade, da legalidade, da motivação e da individualização da pena. Pontuou-se que, qualquer que fosse a circunstância utilizada pelo sentenciante (não apenas a quantidade e a qualidade da droga), estar-se-ia considerando, em última análise, o art. 42 da Lei de Drogas. Ponderou-se que essa discricionariedade, juridicamente vinculada, conferida ao magistrado, de definir o momento de sopesar as circunstâncias, seria admitida na jurisprudência do STF. Asseverou-se que as circunstâncias do art. 42 da Lei 11.343/2006 poderiam ser consideradas, alternativamente, tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria. Destacou-se que esse critério, além de afastar a ocorrência de bis in idem, prestigiaria o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI). Por fim, registrou-se que aplicar qualquer fração de diminuição, diversa daquela imposta pelas instâncias ordinárias, demandaria o revolvimento de fatos e provas, inviável em sede de habeas corpus.

HC substitutivo de recurso ordinário e admissibilidade - 1


O Plenário iniciou julgamento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário em que pretendido o trancamento de ações penais. Sustenta-se atipicidade de conduta, consubstanciada em declaração falsa para fins de transferência de domicílio eleitoral de terceiro (Código Eleitoral: Art. 290. Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código. Pena - Reclusão até 2 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa). O Ministro Dias Toffoli, relator, preliminarmente, conheceu da impetração. Explanou entendimento da 1ª Turma da Corte, segundo o qual seria inadmissível o habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário. Ressalvou sua posição pessoal, no sentido de a ação ser cognoscível, para a garantia de acesso às Cortes do País, mormente o STF. Realizou retrospecto histórico acerca do writ, desde seu surgimento. Destacou que, no ordenamento pátrio, desde 1832, com o Código do Império, seria dever de qualquer magistrado conceder a ordem de ofício ao se deparar com flagrante ilegalidade no direito de locomoção. Salientou que esse remédio constitucional seria temido pelos governos de exceção, porque criado como a derradeira defesa da cidadania contra o autoritarismo e a força bruta. Concluiu que a ação de habeas corpus mereceria amplo conhecimento por parte do STF, mesmo em hipóteses que não envolvessem direta e imediatamente a liberdade de ir e vir. No mérito, denegou a ordem. Assinalou não estar configurada teratologia necessária ao trancamento de ação penal no caso, requisito exigido para a concessão da ordem em hipóteses semelhantes, de acordo com a jurisprudência do STF.




HC substitutivo de recurso ordinário e admissibilidade - 2


O Ministro Roberto Barroso, no tocante à preliminar, divergiu do entendimento do relator, para não conhecer da impetração. Sublinhou a elevada quantidade de ações de habeas corpus que aguardariam julgamento e que seriam impetradas perante a Corte diariamente, o que exigiria reflexão, pelo STF, acerca de sua autopreservação. Considerou que, quanto mais expandida a competência para o conhecimento desse tipo de ação, menor o tempo que se poderia dedicar para cada uma delas e maior a demora para julgamento. Vislumbrou que, no futuro, a Corte só seria capaz de julgar habeas corpus que envolvesse questão constitucional, violadora de sua jurisprudência ou teratológica. Destacou que o caso dos autos não tutelaria diretamente a liberdade, e que não haveria razão para se admitir o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No mérito, acompanhou o relator para denegar a ordem. Após, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.

Defensoria Pública: autonomia financeira e orçamentária


O Plenário referendou medida acauteladora concedida pelo Ministro Dias Toffoli, relator, em arguição de descumprimento de preceito fundamental, com o fim de determinar a suspensão do trâmite legislativo do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de estado-membro, alusivo a 2014. No caso, o PLOA fora encaminhado à Assembleia Legislativa sem a consolidação de proposta orçamentária da Defensoria Pública estadual, cuja despesa prevista fora reduzida unilateralmente pela chefia do Executivo local. Além disso, a Defensoria Pública fora incluída, no mesmo ato, dentre as secretarias do Executivo. O Tribunal afirmou que a Defensoria Pública possuiria autonomia orçamentária, nos termos do art. 134, § 2º, da CF (§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º). Asseverou, ainda, que a inclusão do órgão dentre as secretarias do Executivo estadual afrontaria essa autonomia. Destacou que a proposta inicialmente encaminhada pela Defensoria Pública estaria de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias estadual. Acresceu que a medida adequada a ser tomada pelo Executivo, na hipótese, seria pleitear reduções orçamentárias perante o Legislativo, para que a matéria fosse lá debatida. Assim, o PLOA deveria ser encaminhado à Assembleia Legislativa com a proposta orçamentária da Defensoria Pública, como órgão autônomo e nos valores por ela aprovados. O Ministro Teori Zavascki, ao acompanhar o Colegiado, ressalvou seu entendimento pessoal quanto à legitimação ativa da Associação Nacional dos Defensores Públicos - Anadep, bem assim quanto à eventual inexistência de preceito fundamental violado.





REPERCUSSÃO GERAL
Ministério Público Eleitoral: legitimidade recursal e preclusão - 1


O Ministério Público Eleitoral, a partir das eleições de 2014, inclusive, tem legitimidade para recorrer de decisão que venha a deferir registro de candidatura, mesmo que não tenha apresentado prévia impugnação. Essa a orientação do Plenário, que desproveu recurso extraordinário com agravo no qual discutida a legitimidade do Parquet na matéria. Prevaleceu, por decisão majoritária, o entendimento do Ministro Ricardo Lewandowski, relator. Assinalou que a legitimidade do Ministério Público para recorrer do deferimento de registro de candidatura, ainda que não tenha apresentado impugnação anteriormente, fundar-se-ia no art. 127 da CF (O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis). Nesse sentido, o Poder Constituinte teria incumbido a instituição de defender a ordem jurídica e o regime democrático, e implicitamente outorgara-lhe a faculdade de recorrer, como custos legis, na hipótese em discussão, sobretudo por cuidar-se de matéria de ordem pública. Reputou não se poder falar em preclusão consumativa quando se tratasse da proteção de valores de mais elevada hierarquia constitucional. Assim, considerado o relevante múnus conferido ao Ministério Público, e inexistente disposição legal a vedar a interposição de recurso na situação examinada, a instituição teria o poder-dever de atuar na qualidade de fiscal da lei, para reverter candidatura eventualmente deferida em desacordo com a lei.




Ministério Público Eleitoral: legitimidade recursal e preclusão - 2


O relator entendeu incabível invocar-se o Enunciado 11 da Súmula do TSE (No processo de registro de candidatos, o partido que não o impugnou não tem legitimidade para recorrer da sentença que o deferiu, salvo se se cuidar de matéria constitucional) para obstar o exercício dessa competência ministerial, pois o verbete, em silêncio eloquente, não mencionaria o Parquet, e apenas conteria referência a partido político, tendo em vista a parcialidade das agremiações. Ressaltou entendimento do TSE segundo o qual, quanto aos partidos, aplicar-se-ia a preclusão consumativa na espécie. Frisou, por outro lado, que o mesmo raciocínio não seria aplicável ao Ministério Público, que não seria parte interessada na disputa eleitoral. Ao contrário, atuaria apenas como fiscal da legalidade do processo eleitoral, papel que dependeria da mais ampla liberdade de ação, inclusive para, a qualquer tempo, contrapor-se ao registro de candidaturas irregulares. Salientou que orientação diversa afrontaria o citado art. 127 da CF. Destacou, ainda, que o Enunciado 11 da Súmula do TSE vedaria, de um lado, o manejo de recurso na situação descrita, mas, de outro, autorizá-lo-ia expressamente, quando a impugnação cuidasse de matéria constitucional. Asseverou, entretanto, que seria defeso concluir que o Ministério Público, na condição de custos legis, deveria permanecer inerte acaso se deparasse com registro de candidatura deferido e contrário à lei, e só poderia atuar na hipótese de eventual ofensa à Constituição. Sublinhou que a instituição estaria incumbida de zelar pela defesa de toda a ordem jurídica, e não apenas da ordem constitucional. Rememorou jurisprudência consolidada do TSE no sentido de reconhecer-se a mais ampla legitimação do Ministério Público em matéria de registro de candidaturas. Sob esse aspecto, não se poderia ampliar a interpretação do citado enunciado sumular para restringir a atuação do Parquet. Mencionou, ainda, que a legislação eleitoral asseguraria ao Ministério Público o direito de impugnar o pedido de registro de candidatura, a salvo de qualquer restrição.

Ministério Público Eleitoral: legitimidade recursal e preclusão - 3


O Ministro Luiz Fux acresceu que o caso trataria de matéria de ordem pública, impassível de preclusão. Afirmou que, ainda que fosse aplicado o art. 473 do CPC por analogia, as questões decididas no processo não sofreriam preclusão quando fossem matérias de conhecimento de ofício, como, por exemplo, os interesses do regime democrático. Assinalou, também, que o Ministério Público teria legitimidade para recorrer, quer atuasse como parte, quer como fiscal da lei. O Ministro Dias Toffoli apontou que o Ministério Público teria garantido seu direito de recorrer, na condição de custos legis, mesmo no âmbito do direito privado (CPC, art. 499, caput e § 1º). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Teori Zavascki, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, que também desproviam o recurso, embora reputassem não poder o Ministério Público recorrer do indeferimento de registro de candidatura, se não houvesse apresentado prévia impugnação. O Ministro Marco Aurélio asseverava que o Ministério Público, no processo de registro de candidatura, não atuaria como fiscal da lei, mas como parte. Nessa condição, não poderia dispor de uma segunda oportunidade para impugnar o ato, tendo em conta o fenômeno da preclusão. Salientava que isso não implicaria cercear a atividade da instituição. O Ministro Teori Zavascki considerava não se tratar de legitimidade, mas de cabimento recursal. Nesse sentido, qualquer figurante da relação processual estaria sujeito à preclusão, mesmo que no exercício da legitimidade conferida pelo art. 127 da CF. Frisava que o eventual cabimento de recurso na espécie deveria ser disciplinado por lei ordinária, conforme interpretado pelo TSE, na forma do Enunciado 11 de sua Súmula.

Ministério Público Eleitoral: legitimidade recursal e preclusão - 4


Após, tendo em vista proposta formulada pelo Ministro Dias Toffoli, o Plenário, por maioria, assentou que a tese firmada no julgamento aplicar-se-ia a partir das eleições de 2014, inclusive. Sublinhou-se que, por razões de segurança jurídica, não se poderia aplicar, no caso concreto tratado no recurso extraordinário, a tese fixada em repercussão geral — no sentido da legitimidade do Ministério Público para recorrer do deferimento de registro de candidatura, mesmo que não apresentada anterior impugnação —, uma vez que os autos referir-se-iam ao pleito eleitoral de 2012. Da mesma forma, não se poderia atingir outras situações já consolidadas que envolveriam diversos cargos eletivos no país, motivo pelo qual desprovido o recurso. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Presidente, e Rosa Weber, que não admitiam a modulação de efeitos.




PRIMEIRA TURMA


Prisão cautelar de corréu e isonomia


A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a revogação da custódia cautelar do paciente. A impetração alega constrangimento ilegal em face da ausência de fundamentação apta a justificar a necessidade da medida constritiva, bem como falta dos pressupostos contidos no art. 312 do CPP. O Ministro Dias Toffoli, relator, concedeu a ordem a fim de cassar o julgado proferido. Apontou que corréu tivera a ordem de habeas corpus concedida pela 1ª Turma. Destacou que, naquele caso, o parecer do Ministério Público Federal fora favorável ao réu, ao contrário do que se observava no presente writ, em que o Parquet manifestara-se pela denegação da ordem. Consignou que, ao determinar a custódia do paciente, a Corte estadual não teria indicado elementos concretos e individualizados que comprovassem a necessidade da sua decretação, conforme a lei processual de regência. Pontuou que o julgado fora calcado em considerações a respeito da gravidade em abstrato do delito. Após, pediu vista dos autos a Ministra Rosa Weber.



SEGUNDA TURMA


Indulto e comutação de pena
A 2ª Turma concedeu habeas corpus para restabelecer a decisão do juízo das execuções, que deferira a comutação de penas ao paciente, com base no Decreto 6.706/2008 — indulto natalino —, sem a necessidade de realização de exame criminológico. Na espécie, a impetração alegava a desnecessidade do citado exame, uma vez que o Decreto 6.706/2008 não faria exigência nesse sentido. A Turma aduziu que referida norma preveria apenas a inexistência de falta grave nos doze meses anteriores à sua publicação para exame do requisito subjetivo. Pontuou que, embora a Lei de Execução Penal não dispusesse de forma expressa sobre a obrigatoriedade do exame, não vedaria sua realização. Ponderou que, dessa forma, a necessidade da avaliação se sujeitaria à análise discricionária do magistrado competente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Frisou que, na espécie, não se trataria de pedido de progressão de regime, mas sim de comutação de pena, de competência exclusiva do Presidente da República (CF, art. 84). Esclareceu que a competência do magistrado limitar-se-ia a verificar a presença das condições estabelecidas no decreto presidencial. Asseverou que a sentença que tivesse por objeto esses benefícios seria de natureza meramente declaratória, na medida em que o direito já teria sido constituído pelo decreto, com as condições nele fixadas. Assinalou que o Decreto Presidencial 6.706/2008 exigiria, apenas, no que tange ao aspecto subjetivo, a ausência de anotação de infração disciplinar de natureza grave nos últimos doze meses anteriores à sua publicação. Sublinhou que, preenchidos os requisitos legais para comutação da pena nos termos do supracitado decreto, ao Tribunal a quo seria vedado exigir a realização do exame criminológico para aferição do mérito do sentenciado, por absoluta falta de previsão legal. Concluiu que a exigência de outros requisitos que não aqueles previstos no ato normativo a dispor sobre a benesse configuraria constrangimento ilegal.

HC e revisão criminal


No julgamento de habeas corpus impetrado no âmbito de processo de revisão criminal, a controvérsia deve ser examinada e decidida à luz e nos limites admitidos para a revisão de sentença, nos termos do art. 621 do CPP. O remédio constitucional não se mostra adequado para formular pretensões que, direta ou indiretamente, desbordem desses limites e ampliem as hipóteses de revisão criminal. Com base nessa orientação, a 2ª Turma conheceu, em parte, do pedido e, nessa extensão, negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Na espécie, o paciente fora condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967, em continuidade delitiva, com a inabilitação, por igual período, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. Arguia o impetrante tratar-se de delito único de efeitos permanentes, e não de continuidade delitiva. A defesa sustentava, ainda: a) nulidade da ação penal, porque o membro do Ministério Público que ofertara a denúncia seria inimigo do ora paciente; e b) violação ao princípio do juiz natural, uma vez que o magistrado que proferira a sentença condenatória não teria sido o mesmo que presidira a instrução processual, em afronta ao art. 5º, XXXVII e LIV, da CF. Asseverou-se que, embora a Lei 11.719/2008, tenha introduzido o § 2º no art. 399 do CPP (O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença), essa norma não alcançaria sentença condenatória proferida antes de sua entrada em vigor, como ocorrido no caso. Afastou-se também a alegada tese de delito único, porque os autos evidenciariam a continuidade delitiva. Ponderou-se que, ainda que se cuidasse de apenas um contrato de fornecimento de refeições pelo prazo de quarenta e um meses, um novo crime de desvio de dinheiro público se consumara a cada nota fiscal emitida pela empresa do corréu sem a devida entrega das refeições à prefeitura e, por isso, praticado em continuidade delitiva. Reputou-se incabível a discussão sobre eventual impedimento ou suspeição de membro do Ministério Público, por se tratar de revolvimento de elementos fático-probatórios, inviável na via estreita do habeas corpus.

HC e internação socioeducativa


A imposição de medida socioeducativa de internação deve ser aplicada apenas quando não houver outra medida adequada, com idônea fundamentação. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma não conheceu do pedido formulado em habeas corpus, porém, concedeu a ordem, de ofício. Na espécie, o menor fora representado por suposta prática de ato infracional equiparado ao delito de roubo. A impetração argumentava que o magistrado teria determinado a internação do paciente tout court, sem maiores considerações, amparado apenas na gravidade abstrata do ato infracional. Destacou-se o que disposto no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento). Verificou-se que, no caso, o juiz não fizera nenhuma ponderação no que diz respeito a qualquer outra medida adequada, mas apenas teria feito considerações genéricas e determinado a internação do menor. Pontuou-se que a questão seria de hermenêutica do ECA. Sublinhou-se que, embora o delito fosse grave, o Tribunal teria função paradigmática, em especial quando se tratasse de internação de menor. Determinou-se que fosse anulada a imposição da medida socioeducativa de internação nos moldes em que assentada. Assim, o juízo de primeiro grau deveria aplicar a medida que entendesse adequada à espécie, observado o disposto no art. 122, § 2º, do ECA (Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada).



Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 18.12.2013 19.12.2013 197
1ª Turma 17.12.2013 — 174
2ª Turma 17.12.2013 18.12.2013 338






R E P E R C U S S Ã O G E R A L


DJe de 16 a 19 de dezembro de 2013

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE 687.876-RJ
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
DIREITO DO CONSUMIDOR. ESPERA EXCESSIVA EM FILA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NECESSIDADE DE REEXAME DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
A questão atinente à responsabilidade por danos materiais e morais decorrentes da espera excessiva em fila de instituição financeira não tem estatura constitucional, fazendo-se necessário o exame da legislação infraconstitucional e do conjunto fático-probatório dos autos (Súmulas 280 e 279 do STF).
Inexistência de repercussão geral da matéria suscitada. Recurso extraordinário não conhecido.

Decisões Publicadas: 1



C L I P P I N G D O D J E


16 a 19 de dezembro de 2013

HC N. 116.780-CE
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. CRIME DE INJÚRIA PRATICADO POR CIVIL CONTRA MILITAR. CRIME MILITAR. INOCORRÊNCIA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A competência da Justiça Militar, embora não se limite aos integrantes das Forças Armadas, deve ser interpretada restritivamente quanto ao julgamento de civil em tempos de paz por seu caráter anômalo. Precedentes.
2. Ordem concedida.
*noticiado no Informativo 725

HC N. 118.317-SP
RED P/ O ACÓRDÃO: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: HABEAS CORPUS. SUSTENTAÇÃO ORAL. ATO PRIVATIVO DE ADVOGADO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUÍZO DA IMPETRAÇÃO. 1. Não é permitida a prática de sustentação oral por estagiário de advocacia (art. 124, parágrafo único, do RI/STF). 2. A superveniência da sentença condenatória altera o título da prisão preventiva. Precedentes. 3. Habeas corpus prejudicado.
*noticiado no Informativo 725

MED. CAUT. EM ADI N. 1.229-SC
RED P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. IMPUGNAÇÃO AO ART. 14, II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E AO INTEIRO TEOR DA LEI ESTADUAL DISCIPLINADORA Nº 1.178/94. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NORMAS QUE INSTITUEM A PARTICIPAÇÃO OBRIGATÓRIA DE 1 (UM) REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS, POR ELES INDICADO, MEDIANTE PROCESSO ELETIVO, NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E NA DIRETORIA DAS EMPRESAS PÚBLICAS, SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E SUAS SUBSIDIÁRIAS. NORMA ESTATUTÁRIA. COMPETÊNCIA DO ESTADO, ENQUANTO ESTADO-ACIONISTA. INOCORRÊNCIA DE PRECEITO QUE CONFLITE COM O ORDENAMENTO FEDERAL VIGENTE. INSTRUMENTO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA. EXERCÍCIO DO DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 7º, XI, DA CRFB/88. LONGO PERÍODO DE VIGÊNCIA DAS NORMAS IMPUGNADAS. AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA. MEDIDA CAUTELAR JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A gestão democrática, constitucionalmente contemplada no preceito alusivo aos direitos trabalhistas (CFRB/88, art. 7º, XI), é instrumento de participação do cidadão - do empregado - nos espaços públicos de que faz parte, além de ser desdobramento do disposto no artigo 1º, inciso II, que elege a cidadania como fundamento do Estado brasileiro.
2. O Estado, enquanto acionista majoritário da sociedade, pode, em consonância com o ordenamento federal vigente, editar norma estatutária que cuide de determinar que um dos membros da Diretoria da sociedade será escolhido – pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Administração, conforme o caso – entre os seus empregados.
3. In casu, o modelo societário definido pela legislação federal não restou violado pela lei estadual, porquanto não há norma federal que impeça o acionista majoritário de dispor estatutariamente no sentido de que um dos membros da Diretoria da sociedade deverá, necessariamente, ser seu empregado, especialmente quando se tenha em vista os motivos nobres que lhe dão causa.
4. Contata-se, outrossim, no caso sub examine, que o tempo decorrido desde a promulgação da Constituição Estadual (1989), e, igualmente, da lei ora impugnada (1994), conjura o periculum in mora, requisito indispensável para a concessão da liminar.
5. Pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade indeferido.
*noticiado no Informativo 701

ADI N. 3.726-SC
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. ICMS. PARTILHA DO PRODUTO ARRECADADO. VALOR ADICIONADO. GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. LEI ORDINÁRIA DO ESTADO-MEMBRO QUE UTILIZA CRITÉRIOS DE PARTILHA COM BASE NA ÁREA INUNDADA PELO RESERVATÓRIO E DEMAIS INSTALAÇÕES DA USINA HIDRELÉTRICA.
Nos termos do art. 161, I, da Constituição, cabe à lei complementar federal estabelecer a definição de valor agregado, para o efeito de partilha entre os municípios do valor arrecadado com o Imposto sobre Operação de Mercadorias e Serviços, a que faz alusão o art. 158, par. único, I, também da Constituição..
É inconstitucional a Lei 13.249/2004, do Estado de Santa Catarina, que estabeleceu ela própria a referida definição. Violação do art. 161, I, da Constituição de 1988. Vício insanável.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.
*noticiado no Informativo 729

ADI N. 4.425-DF
RED P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.
1. A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira.
2. O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009.
3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.
4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).
5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.
7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.
8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.
*noticiado no Informativo 698

AG. REG. NOS DÉCIMOS OITAVOS EMB. INFR. NA AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. QUÓRUM MÍNIMO DE VOTOS VENCIDOS PARA INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS INFRINGENTES. REGIMENTO INTERNO DO STF. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE AMPLIAÇÃO DA REGRA REGIMENTAL. INCOMPETÊNCIA DO STF PARA LEGISLAR SOBRE MATERIA PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO.
É manifestamente incabível a interposição de embargos infringentes sem o quórum mínimo de quatro votos absolutórios, como exigido no artigo 333 , inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
O agravante, em nenhuma das condenações que sofreu (corrupção passiva: condenação por unanimidade. Lavagem: condenação com apenas 2 votos vencidos), atende a esse requisito, de forma que, em seu caso, não há possibilidade jurídica de opor embargos infringentes para modificação do julgado.
A pretensão do agravante de ver suprimida a expressão “sessão secreta” do dispositivo referido, para permitir os embargos infringentes em todos os julgamentos criminais independentemente do quórum de votos vencidos, resultaria na criação de uma nova norma. Todavia, após a Constituição Federal de 1988, como consta na decisão agravada, o STF não possui competência para legislar sobre matéria processual e, por isso, não pode ampliar ou criar hipóteses recursais. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
*noticiado no Informativo 731

EMB. DECL. NOS DÉCIMOS PRIMEIROS EMB. DECL. JULG. NA AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AÇÃO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PEDIDO DE REDUÇÃO DE PENA. INEXISTENTE VÍCIO NO ACÓRDÃO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NÃO CONHECIDOS. RECURSO MERAMENTE PROTELATÓRIO. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA, INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO.
O acórdão embargado não deixou qualquer margem para dúvida quanto ao fato de que a situação do embargante não era idêntica à de João Cláudio Genú, uma vez que a sua pena final foi fixada em patamar inferior à do parlamentar ao qual prestou auxílio, situação que difere da do corréu mencionado.
Embargos de declaração não conhecidos.
Reconheceu-se o caráter meramente protelatório dos embargos e decretou-se, por consequência, o trânsito em julgado da condenação, com determinação de início imediato da execução da pena, independentemente de publicação do acórdão.
*noticiado no Informativo 728

Acórdãos Publicados: 415



T R A N S C R I Ç Õ E S



Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

“Amicus Curiae” – Controle Abstrato – Intervenção (Transcrições)

ADI 5.022-MC/RO*

RELATOR: Ministro Celso de Mello


EMENTA: “AMICUS CURIAE”. CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. INTERVENÇÃO DESSE “COLABORADOR DO TRIBUNAL” JUSTIFICADA PELA NECESSIDADE DE PLURALIZAR O DEBATE CONSTITUCIONAL E DE AFASTAR, COM TAL ABERTURA PROCEDIMENTAL, SEMPRE EM RESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO, UM INDESEJÁVEL “DEFICIT” DE LEGITIMIDADE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. AS QUESTÕES DA REPRESENTIVIDADE ADEQUADA E DA DEFINIÇÃO DOS PODERES PROCESSUAIS RECONHECIDOS AO “AMICUS CURIAE”. DOUTRINA. PRECEDENTES. ADMISSÃO, NA ESPÉCIE, DO BACEN.

DECISÃO: As razões invocadas pelo Banco Central do Brasil – BACEN para justificar sua pretensão de ingresso neste processo ajustam-se aos objetivos subjacentes à regra legal que instituiu a figura do “amicus curiae”, conformando-se ao entendimento que expus em decisão proferida na ADI 2.130/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO ‘AMICUS CURIAE’. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO ‘AMICUS CURIAE’ NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERIDO.

- No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do ‘amicus curiae’ (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional.
- A admissão de terceiro, na condição de ‘amicus curiae’, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional.”

Como se sabe, terceiros não dispõem, ordinariamente, em nosso sistema de direito positivo, de legitimidade para intervir no processo de fiscalização normativa abstrata (RDA 155/155 – RDA 157/266 – ADI 575-AgR/PI, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A Lei nº 9.868/99, ao regular o processo de controle abstrato de constitucionalidade, prescreve que “Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade” (art. 7º, “caput” – grifei).
A razão de ser dessa vedação legal – adverte o magistério da doutrina (OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 192/193, item n. 9.9.1, 2ª ed., 2001 RT; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 89, item n. 109, 3ª ed./2ª tir., 2003, Cejup; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 755/756, item n. 9.2, 27ª ed., 2011, Atlas, v.g.) – repousa na circunstância de o processo de fiscalização normativa abstrata qualificar-se como processo de caráter objetivo (RTJ 113/22 – RTJ 131/1001 – RTJ 136/467 – RTJ 164/506-507), nele não se legitimando, por isso mesmo, o exame de interesses concretos nem a discussão de situações individuais (RTJ 95/999 – RTJ 170/801-802 – RTJ 164/506-509, v.g.).
É certo, no entanto, que a regra constante do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 abrandou, em caráter inovador, o sentido da vedação pertinente à intervenção assistencial, permitindo, agora, na condição de “amici curiae”, o ingresso de entidades dotadas de representatividade adequada no processo de controle abstrato de constitucionalidade.
A norma legal em questão, ao excepcionalmente admitir a possibilidade de ingresso formal de terceiros no processo de controle normativo abstrato, assim dispõe:

“O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.” (grifei)

Sabemos que entidades que possuem representatividade adequada podem ingressar, formalmente, em sede de controle normativo abstrato, na condição de terceiros interessados, para efeito de participação e manifestação sobre a controvérsia constitucional suscitada por quem dispõe de legitimidade ativa para o ajuizamento de referida ação constitucional.
Tal como assinalei em decisões anteriores (ADI 2.130-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2001), a intervenção do “amicus curiae”, para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional.
Impõe-se destacar, por necessário, a ideia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivam a intervenção do “amicus curiae” no processo de fiscalização normativa abstrata.
Não se pode perder de perspectiva que a intervenção processual do “amicus curiae” tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade, tal como destacam, em pronunciamento sobre o tema, eminentes doutrinadores (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira”, 2ª ed., 2004, Renovar; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, “Amicus Curiae: Amigo da Corte ou Amigo da Parte?”, 2010, Saraiva, v.g.).
Valioso, a propósito dessa particular questão, o magistério expendido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade”, p. 503/504, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor), em passagem na qual põe em destaque o entendimento de PETER HÄBERLE, para quem o Tribunal “há de desempenhar um papel de intermediário ou de mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional” (p. 498), em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva da abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao princípio democrático, sob pena de se instaurar, no âmbito do controle normativo abstrato, um indesejável “deficit” de legitimidade das decisões que o Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no exercício, “in abstracto”, dos poderes inerentes à jurisdição constitucional.
Daí, segundo entendo, a necessidade de assegurar, ao “amicus curiae”, mais do que o simples ingresso formal no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, a possibilidade de exercer o direito de fazer sustentações orais perante esta Suprema Corte (ADI 2.777-QO/SP e RISTF, art. 131, § 3º), além de dispor da faculdade de submeter, ao Relator da causa, propostas de requisição de informações adicionais, de designação de perito ou comissão de peritos, para que emita parecer sobre questões decorrentes do litígio, de convocação de audiências públicas e, até mesmo, a prerrogativa de recorrer da decisão que tenha denegado o seu pedido de admissão no processo de controle normativo abstrato, como esta Corte tem reiteradamente reconhecido.
Cumpre rememorar, nesta passagem, a irrepreensível observação do eminente Ministro GILMAR MENDES, no fragmento doutrinário já referido, constante de sua valiosíssima produção acadêmica, em que expõe considerações de irrecusável pertinência em tema de intervenção processual do “amicus curiae” (“op. loc. cit.”):

“Vê-se, assim, que, enquanto órgão de composição de conflitos políticos, passa a Corte Constitucional a constituir-se em elemento fundamental de uma sociedade pluralista, atuando como fator de estabilização indispensável ao próprio sistema democrático.
É claro que a Corte Constitucional não pode olvidar a sua ambivalência democrática. Ainda que se deva reconhecer a legitimação democrática dos juízes, decorrente do complexo processo de escolha e de nomeação, e que a sua independência constitui requisito indispensável para o exercício de seu mister, não se pode deixar de enfatizar que aqui também reside aquilo que Grimm denominou de ‘risco democrático’ (...).
É que as decisões da Corte Constitucional estão inevitavelmente imunes a qualquer controle democrático. Essas decisões podem anular, sob a invocação de um direito superior que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório, a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. Embora não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de conformação bastante amplo, é certo que elas podem ter a sua atuação reprogramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés, eventual correção da jurisprudência de uma Corte Constitucional somente há de se fazer, quando possível, mediante emenda.
Essas singularidades demonstram que a Corte Constitucional não está livre do perigo de converter uma vantagem democrática num eventual risco para a democracia.
Assim como a atuação da jurisdição constitucional pode contribuir para reforçar a legitimidade do sistema, permitindo a renovação do processo político com o reconhecimento dos direitos de novos ou pequenos grupos e com a inauguração de reformas sociais, pode ela também bloquear o desenvolvimento constitucional do País.
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O equilíbrio instável que se verifica e que parece constituir o autêntico problema da jurisdição constitucional na democracia afigura-se necessário e inevitável. Todo o esforço que se há de fazer é, pois, no sentido de preservar o equilíbrio e evitar disfunções.
Em plena compatibilidade com essa orientação, Häberle não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que possibilite a esta minoria o oferecimento de ‘alternativas’ para a interpretação constitucional. Häberle esforça-se por demonstrar que a interpretação constitucional não é – nem deve ser – um evento exclusivamente estatal. Tanto o cidadão que interpõe um recurso constitucional, quanto o partido político que impugna uma decisão legislativa são intérpretes da Constituição. Por outro lado, é a inserção da Corte no espaço pluralista – ressalta Häberle – que evita distorções que poderiam advir da independência do juiz e de sua estrita vinculação à lei.” (grifei)

Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (“Un’Amicizia Interessata: L’amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti”, “in” “Giurisprudenza Costituzionale”, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), a admissão do terceiro, na condição de “amicus curiae”, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que, nele, se realize a possibilidade de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Essa percepção do tema foi lucidamente exposta pelo eminente Professor INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (“As Ideias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro”, “in” RDA 211/125-134, 133):

“Admitida, pela forma indicada, a presença do ‘amicus curiae’ no processo de controle de constitucionalidade, não apenas se reitera a impessoalidade da questão constitucional, como também se evidencia que o deslinde desse tipo de controvérsia interessa objetivamente a todos os indivíduos e grupos sociais, até porque, ao esclarecer o sentido da Carta Política, as cortes constitucionais, de certa maneira, acabam reescrevendo as constituições.” (grifei)

É por tais razões que entendo que a atuação processual do “amicus curiae” não deve limitar-se à mera apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas ou, ainda, à produção de sustentações orais perante esta Suprema Corte.
Essa visão do problema – que restringisse a extensão dos poderes processuais do “colaborador do Tribunal” – culminaria por fazer prevalecer, na matéria, uma incompreensível perspectiva reducionista, que não pode (nem deve) ser aceita por esta Corte, sob pena de total frustração dos altos objetivos políticos, sociais e jurídicos visados pelo legislador na positivação da cláusula que, agora, admite o formal ingresso do “amicus curiae” no processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.
Cumpre permitir, desse modo, ao “amicus curiae”, em extensão maior, o exercício de determinados poderes processuais.
Esse entendimento é perfilhado por autorizado magistério doutrinário, cujas lições acentuam a essencialidade da participação legitimadora do “amicus curiae” nos processos de fiscalização abstrata de constitucionalidade (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira”, p. 157/164, 2ª ed., 2004, Renovar; GUILHERME PEÑA DE MORAES, “Direito Constitucional/Teoria da Constituição”, p. 207/208, item n. 4.10.2.3, 4ª ed., 2007, Lumen Juris, v.g.), reconhecendo-lhe o direito de promover, perante esta Corte Suprema, a pertinente sustentação oral (FREDIE DIDIER JR., “Possibilidade de Sustentação Oral do Amicus Curiae”, “in” “Revista Dialética de Direito Processual”, vol. 8/33-38, 2003; NELSON NERY JR./ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, p. 1.388, 7ª ed., 2003, RT; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “Amicus Curiae: a democratização do debate nos processos de controle de constitucionalidade”, “in” “Direito Federal”, vol. 70/127-138, AJUFE, v.g.) ou, ainda, a faculdade de solicitar a realização de exames periciais sobre o objeto ou sobre questões derivadas do litígio constitucional ou a prerrogativa de propor a requisição de informações complementares, bem assim a de pedir a convocação de audiências públicas, sem prejuízo, como esta Corte já o tem afirmado, do direito de recorrer de decisões que recusam o seu ingresso formal no processo de controle normativo abstrato.
Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o “amicus curiae” poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo – como o de controle abstrato de constitucionalidade – cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e a de seus cidadãos.
Impende destacar, finalmente, considerada a fase ritual em que se acha a presente causa, que se revela oportuno o ingresso, neste processo de controle abstrato, na condição de “amicus curiae”, do BACEN, eis que o pedido de intervenção processual em questão foi deduzido antes da inclusão em pauta do processo em referência, para efeito de seu julgamento final (ADI 4.071-AgR/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO).
Sendo assim, em face das razões expostas, admito, na condição de “amicus curiae”, o Banco Central do Brasil, pois se acham atendidas, na espécie, as condições fixadas no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. Proceda-se, em consequência, às anotações pertinentes.

Publique-se.
Brasília, 16 de outubro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 23.10.2013




INOVAÇÕES LEGISLATIVAS



Lei nº 12.892, de 13.12.2013 - Declara o ambientalista Chico Mendes Patrono do Meio Ambiente Brasileiro. Publicada no DOU em 16.12.2013, Seção 1, p.1.

Lei nº 12.894, de 17.12.2013 - Acrescenta inciso V ao art. 1º da Lei no 10.446, de 8.5.2002, para prever a atribuição da Polícia Federal para apurar os crimes de falsificação, corrupção e adulteração de medicamentos, assim como sua venda, inclusive pela internet, quando houver repercussão interestadual ou internacional. Publicado no DOU em 18.12.2013, Seção 1, p.1.

Lei nº 12.899, de 18.12.2013 - Altera o art. 42 da Lei no 10.741, de 1.10.2003, que institui o Estatuto do Idoso, para dispor sobre a prioridade e a segurança do idoso nos procedimentos de embarque e desembarque nos veículos de transporte coletivo. Publicado no DOU em 19.12.2013, Seção 1, p.3.

Lei nº 12.895, de 18.12.2013 - Altera a Lei no 8.080, de 19.9.1990, obrigando os hospitais de todo o País a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito da parturiente a acompanhante. Publicado no DOU em 19.12.2013, Seção 1, p.1.

Lei nº 12.896, de 18.12.2013 - Acrescenta os §§ 5o e 6o ao art. 15 da Lei no 10.741, de 1.10.2003, vedando a exigência de comparecimento do idoso enfermo aos órgãos públicos e assegurando-lhe o atendimento domiciliar para obtenção de laudo de saúde. Publicado no DOU em 19.12.2013, Seção 1, p.1.

OUTRAS INFORMAÇÕES
OUTRAS INFORMAÇÕES

16 a 19 de dezembro de 2013

Decreto nº 8.154, de 16.12.2013 - Regulamenta o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e dispõe sobre o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Publicado no DOU em 17.12.2013, Seção 1, p.1.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
20 de dezembro de 2013 a 31 de janeiro de 2014

Medida Provisória nº 630, de 24.12.2013 - Altera a Lei no 12.462, de 4.8.2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC e dá outras providências. Publicado no DOU em 26.12.2013, Seção 1, p.1.

Medida Provisória nº 631, de 24.12.2013 - Altera a Lei nº 12.340, de 1.12.2010, que dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de resposta e recuperação nas áreas atingidas por desastre e sobre o Fundo Especial para Calamidades Públicas. Publicado no DOU em 26.12.2013, Seção 1, p.1.

Lei nº 12.921, de 26.12.2013 - Proíbe a fabricação, a comercialização, a distribuição e a propaganda de produtos nacionais e importados, de qualquer natureza, bem como embalagens, destinados ao público infantojuvenil, reproduzindo a forma de cigarros e similares. Publicado no DOU em 27.12.2013, Seção 1, p.1.

Lei nº 12.933, de 26.12.2013 - Dispõe sobre o benefício do pagamento de meia-entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes em espetáculos artístico-culturais e esportivos, e revoga a Medida Provisória no 2.208, de 17.8. 2001. Publicado no DOU em 27.12.2013, Seção 1, p.4.


Secretaria de Documentação – SDO


Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº 732



Informativo STF


Brasília, 9 a 13 de dezembro de 2013 - Nº 732.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.




SUMÁRIO



Plenário
1ª Turma
2ª Turma
Transcrições


PLENÁRIO


ADI e financiamento de campanha eleitoral - 1


O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta contra os artigos 23, §1º, I e II; 24; e 81, caput e § 1º, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), que tratam de doações a campanhas eleitorais por pessoas físicas e jurídicas. A ação questiona, ainda, a constitucionalidade dos artigos 31; 38, III; 39, caput e §5º, da Lei 9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), que regulam a forma e os limites em que serão efetivadas as doações aos partidos políticos. O Ministro Luiz Fux, relator, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade das normas impugnadas. Destacou haver três enfoques na presente ação: o primeiro, relativo à possibilidade de campanha política ser financiada por doação de pessoa jurídica; o segundo, quanto aos valores e aos limites de doações às campanhas; e o terceiro, referente ao debate sobre o financiamento com recursos do próprio candidato. Na sequência, mencionou dados colacionados em audiência pública realizada sobre o tema, nos quais demonstrado o aumento de gastos em campanhas eleitorais. Enfatizou, no ponto, a crescente influência do poder econômico sobre o processo político em decorrência do aumento dos gastos de candidatos de partidos políticos durante campanhas eleitorais. Registrou que, em 2002, os candidatos gastaram 798 milhões de reais, ao passo que, em 2012, os valores superaram 4,5 bilhões de reais, com aumento de 471% de gastos. Explicitou que, no Brasil, o gasto seria da ordem de R$ 10,93 per capita; na França, R$ 0,45; no Reino Unido, R$ 0,77; e na Alemanha, R$ 2,21. Comparado proporcionalmente ao PIB, o Brasil estaria no topo do ranking dos países que mais gastariam em campanhas eleitorais. Destacou que 0,89% de toda a riqueza gerada no País seria destinada a financiar candidaturas de cargos representativos, a superar os Estados Unidos da América, que gastariam 0,38% do PIB.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 2


Em seguida, o relator refutou as preliminares de: a) ilegitimidade ativa ad causam do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; b) não conhecimento da ação por impossibilidade jurídica do pedido no sentido de que o STF instaurasse nova disciplina sobre o tema versado pelas normas atacadas, bem assim de que impusesse ao Poder Legislativo alteração de norma vigente; e c) inadequação da via eleita, ao argumento de que haveria, em um único processo, pedido de ação direta de inconstitucionalidade cumulado com ação direta de inconstitucionalidade por omissão. No tocante a tais assertivas, destacou que as normas questionadas revelar-se-iam aptas a figurar como objeto de controle concentrado de constitucionalidade, porquanto consistiriam em preceitos primários, gerais e abstratos. Além disso, sublinhou que as impugnações veiculadas denotariam que o legislador teria se excedido no tratamento dispensado ao financiamento de campanha. Assim, o exame da alegada ofensa à Constituição decorreria de ato comissivo e não omissivo. Observou, também, que o STF seria a sede própria para o presente debate. Pontuou que reforma política deveria ser tratada nas instâncias políticas majoritárias, porém, isso não significaria deferência cega do juízo constitucional em relação às opções políticas feitas pelo legislador. Frisou que os atuais critérios adotados pelo legislador no tocante ao financiamento das campanhas eleitorais não satisfariam as condições necessárias para o adequado funcionamento das instituições democráticas, porque não dinamizariam seus elementos nucleares, tais como o pluralismo político, a igualdade de chances e a isonomia formal entre os candidatos. Inferiu ser necessária cautela ao se outorgar competência para reforma do atual sistema àqueles diretamente interessados no resultado dessa alteração. Aduziu não pretender defender progressiva transferência de poderes decisórios das instituições legislativas para o Poder Judiciário, o que configuraria processo de juristocracia, incompatível com o regime democrático. Acentuou que, embora a Constituição não contivesse tratamento específico e exaustivo no que concerne ao financiamento de campanhas eleitorais, isso não significaria que teria, nessa matéria, outorgado um cheque em branco ao legislador, que o habilitasse a adotar critério que melhor aprouvesse.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 3


No mérito, o Ministro Luiz Fux julgou inconstitucional o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas naturais baseado na renda, porque dificilmente haveria concorrência equilibrada entre os participantes nesse processo político. Sinalizou ser fundamental que a legislação disciplinadora do processo eleitoral, da atividade dos partidos políticos ou de seu financiamento, do acesso aos meios de comunicação, do uso de propaganda, dentre outros, não negligenciasse a ideia de igualdade de chances, sob pena de a concorrência entre as agremiações se tornar algo ficcional com comprometimento do próprio processo democrático. De igual maneira concluiu pela inconstitucionalidade das normas no que tange ao uso de recursos próprios por parte dos candidatos. Avaliou que essa regra perpetuaria a desigualdade, ao conferir poder político incomparavelmente maior aos ricos do que aos pobres.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 4


Quanto à autorização de doações em campanhas eleitorais por pessoa jurídica, o relator entendeu que esse modelo não se mostraria adequado ao regime democrático em geral e à cidadania, em particular. Ressalvou que o exercício de cidadania, em sentido estrito, pressuporia três modalidades de atuação física: o jus sufragius, que seria o direito de votar; o jus honorum, que seria o direito de ser votado; e o direito de influir na formação da vontade política por meio de instrumentos de democracia direta como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis. Destacou que essas modalidades seriam inerentes às pessoas naturais e, por isso, o desarrazoado de sua extensão às pessoas jurídicas. Sinalizou que, conquanto pessoas jurídicas pudessem defender bandeiras políticas, humanísticas ou causas ambientais, não significaria sua indispensabilidade no campo político, a investir vultosas quantias em campanhas eleitorais. Perfilhou entendimento de que a participação de pessoas jurídicas apenas encareceria o processo eleitoral sem oferecer, como contrapartida, a melhora e o aperfeiçoamento do debate. Apontou que o aumento dos custos de campanhas não corresponderia ao aprimoramento do processo político, com a pretendida veiculação de ideias e de projetos pelos candidatos. Lembrou que, ao contrário, nos termos do que debatido nas audiências públicas, os candidatos que tivessem despendido maiores recursos em suas campanhas possuiriam maior êxito nas eleições.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 5


Ponderou que a exclusão das doações por pessoas jurídicas não teria efeito adverso sobre a arrecadação dos fundos por parte dos candidatos aos cargos políticos. Rememorou que todos os partidos políticos teriam acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita nos veículos de comunicação, a proporcionar aos candidatos e as suas legendas, meios suficientes para promoverem suas campanhas. Repisou que o princípio da liberdade de expressão, no aspecto político, teria como finalidade estimular a ampliação do debate público, a permitir que os indivíduos conhecessem diferentes plataformas e projetos políticos. Acentuou que a excessiva participação do poder econômico no processo político desequilibraria a competição eleitoral, a igualdade política entre candidatos, de modo a repercutir na formação do quadro representativo. Observou que, em um ambiente cujo êxito dependesse mais dos recursos despendidos em campanhas do que das plataformas políticas, seria de se presumir que considerável parcela da população ficasse desestimulada a disputar os pleitos eleitorais.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 6


Com relação aos mecanismos de controle dos financiamentos de campanha, rechaçou a afirmação da Presidência da República no sentido de que a discussão acerca da doação por pessoa jurídica deveria se restringir aos instrumentos de fiscalização. Aduziu que, defender que a questão da doação por pessoa jurídica se restrinja aos mecanismos de controle e transparência dos gastos seria insuficiente para amainar o cenário em que o poder político mostrar-se-ia atraído pelo poder econômico. Ressaltou que a possibilidade de que as empresas continuassem a investir elevadas quantias — não contabilizadas (caixa dois) — nas campanhas eleitorais não constituiria empecilho para que o STF declarasse a desfuncionalidade do atual modelo. Assinalou a inconstitucionalidade dos critérios de doação a campanhas por pessoas jurídicas, sob o enfoque da isonomia entre elas, haja vista que o art. 24 da Lei das Eleições não estende essa faculdade a toda espécie de pessoa jurídica. Enfatizou que o aludido preceito estabelece rol de entidades que não poderiam realizar doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro a candidatos ou a partidos políticos, a exemplo das associações de classe e sindicais, bem como entidades integrantes do terceiro setor. Realçou, como resultado desse impedimento, que as empresas privadas — cuja maioria se destina à atividade lucrativa — seriam as protagonistas em doações entre as pessoas jurídicas, em detrimento das entidades sem fins lucrativos e dos sindicatos, a desaguar em ausência de equiparação entre elas. Entendeu, ademais, que a decisão deveria produzir seus efeitos ordinários, ex tunc, com salvaguarda apenas das situações concretas já consolidadas até o momento. Aduziu inexistir ofensa à segurança jurídica, porque a própria legislação eleitoral excepcionaria o princípio da anualidade (Lei das Eleições: “Art. 17-A. A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral ...”). Reputou que, por ser facultado ao legislador alterar regramento de doações para campanhas eleitorais no próprio ano da eleição, seria ilógico pugnar pela modulação de efeitos por ofensa à regra da anualidade.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 7


Feitas essas considerações, o Ministro Luiz Fux julgou procedente o pleito para: declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 24 da Lei 9.504/1997, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, com eficácia ex tunc, salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o presente momento, e declarar a inconstitucionalidade do art. 24, parágrafo único, e do art. 81, caput e § 1º, da Lei 9.507/1994, também com eficácia ex tunc, salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o momento. Declarar, ainda, a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 31 da Lei 9.096/1995, na parte em que autoriza, a contrario sensu, a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos, e declarar a inconstitucionalidade das expressões “ou pessoa jurídica”, constante no art. 38, III, e “e jurídicas”, inserta no art. 39, caput e § 5º, todos da Lei 9.096/1995, com eficácia ex tunc, salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o presente momento. Da mesma forma, votou pela declaração de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, do art. 23, § 1º, I e II, da Lei 9.504/1997, e do art. 39, § 5º, da Lei 9.096/1995, com exceção da expressão “e jurídicas”, devidamente examinada no tópico relativo à doação por pessoas jurídicas, com a manutenção da eficácia dos aludidos preceitos pelo prazo de 24 meses. Recomendou ao Congresso Nacional a edição de um novo marco normativo de financiamento de campanhas, dentro do prazo razoável de 24 meses, observados os seguintes parâmetros: a) o limite a ser fixado para doações a campanha eleitoral ou a partidos políticos por pessoa natural, deverá ser uniforme e em patamares que não comprometam a igualdade de oportunidades entre os candidatos nas eleições; b) idêntica orientação deverá nortear a atividade legiferante na regulamentação para o uso de recursos próprios pelos candidatos; e c) em caso de não elaboração da norma pelo Congresso Nacional, no prazo de 18 meses, será outorgado ao TSE a competência para regular, em bases excepcionais, a matéria.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 8
Em antecipação de voto, o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente, acompanhou a manifestação do relator, exceto quanto à modulação de efeitos. Aduziu que a questão proposta não se reduziria à indagação sobre eventual ofensa ao princípio republicano pela permissão conferida às pessoas jurídicas de fazerem doações financeiras a candidatos ou a partidos políticos em virtude de suposto enfraquecimento da necessária separação entre o espaço público e o privado. Destacou que também estaria em discussão saber se os critérios de limitação das doações por pessoas naturais ofenderia o princípio da igualdade por exacerbar as desigualdades políticas. Registrou que a eleição popular seria a pedra de toque do funcionamento democrático e dos sistemas representativos contemporâneos. Acentuou que a formação do Estado moderno seria permeada por um processo de rompimento com a patrimonialização do poder e que o seu viés econômico não mais deveria condicionar o exercício do poder político. Consignou que, no âmbito eleitoral, a Constituição (art. 14, § 9º) estabelece como dever do Estado a proteção da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico, de modo a impedir que o resultado das eleições fosse norteado pela lógica do dinheiro e garantir que o valor político das ideias apresentadas pelo candidato não dependesse do valor econômico. Em consequência, assentou que a permissão dada às empresas de contribuírem para o financiamento de campanhas eleitorais de partidos políticos seria inconstitucional. Realçou que o financiamento de campanha poderia representar para as empresas uma maneira de acesso ao campo político, pelo conhecido “toma lá, dá cá”.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 9


Na assentada de 12.12.2013, também em antecipação de voto, o Ministro Dias Toffoli perfilhou o entendimento adotado pelo relator. No entanto, sinalizou que se pronunciaria sobre a modulação dos efeitos em momento oportuno. Frisou que a análise do tema seria de alto relevo político e social, tendo em conta a importância da sistemática do financiamento eleitoral para o Estado Democrático de Direito e para a lisura e a normalidade do pleito, na construção de um processo eleitoral razoavelmente equânime entre os candidatos, com a livre escolha dos representantes políticos pelos cidadãos. Ressaltou que não se objetivaria, com o julgamento, substituir-se ao Poder Legislativo na opção política por determinados sistemas ou modelos de financiamento do processo eleitoral. Observou, além disso, que estariam envolvidas na questão as cláusulas pétreas referentes aos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito e da República (art. 1º, caput), da cidadania (art. 1º, II), da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, e art. 14, caput), da isonomia (art. 5º, caput, e art. 14, caput) e da proteção da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico (art. 14, § 9º). Asseverou que o STF, no exercício da jurisdição constitucional, deveria atuar como garante das condições e da regularidade do processo democrático, restabelecendo o exercício da cidadania mediante regras constitucionais de financiamento eleitoral, de modo a preservar o Estado Democrático de Direito, a soberania popular e a livre e igual disputa democrática, exercida, exclusivamente, por seus atores — eleitor, candidato e partido político —, com igualdade de chances. Reputou, no tocante ao exercício da soberania popular, que o cidadão, pessoa física, seria o único constitucionalmente legitimado a exercitá-la e que o momento do voto seria a ocasião em que haveria a perfeita consumação do princípio da igualdade, em que todos os cidadãos — ricos, pobres, de qualquer raça, orientação sexual, credo — seriam formal e materialmente iguais entre si. Consignou, por outro lado, inexistir comando ou princípio constitucional que justificasse a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral brasileiro, em qualquer fase ou forma, já que não poderiam exercer a soberania pelo voto direto e secreto. Assim, admitir que as pessoas jurídicas pudessem financiar o processo eleitoral seria violar a soberania popular. Considerou que o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas implicaria evidente influência do poder econômico sobre as eleições, a qual estaria expressamente vedada no art. 14, § 9º, da CF. Admiti-lo significaria possibilitar a quebra da igualdade jurídica nas disputas eleitorais e o desequilíbrio no pleito. Após fazer retrospecto histórico sobre a influência do poder econômico nas práticas eleitorais no Brasil, concluiu que o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas representaria uma reminiscência dessas práticas oligárquicas e da participação hipertrofiada do poder privado na realidade eleitoral pátria, em direta afronta às cláusulas pétreas da Constituição.

ADI e financiamento de campanha eleitoral - 10


Em antecipação de voto, o Ministro Roberto Barroso acompanhou integralmente o relator. Destacou, de início, que a discussão não envolveria simples reflexão sobre financiamento de campanha política e participação de pessoas jurídicas nessa atividade. Afirmou que a questão posta em debate diria respeito ao momento vivido pela democracia brasileira e às relações entre a sociedade civil, a cidadania e a classe política. Mencionou que a temática perpassaria o princípio da separação dos Poderes, assim como o papel desempenhado por cada um deles nos últimos 25 anos de democracia no País. Aduziu que o Poder Legislativo estaria no centro da controvérsia relativa ao financiamento de campanhas, haja vista se tratar do fórum, por excelência, da tomada de decisões políticas. Observou que o grande problema do modelo político vivido atualmente seria a dissintonia entre a classe política e a sociedade civil, com o afastamento de ambas, decorrente da centralidade que o dinheiro adquirira no processo eleitoral pátrio. Assinalou o aspecto negativo de o interesse privado aparecer travestido de interesse público. Registrou, ainda, que o sistema eleitoral brasileiro possuiria viés antidemocrático e antirrepublicano em virtude da conjugação de dois fatores: o sistema eleitoral proporcional com lista aberta somado à possibilidade de financiamento privado por empresas. Realçou que o seu voto pela inconstitucionalidade das normas não significaria condenação genérica da participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral. Consistiria, ao revés, declaração específica no modelo em vigor nos dias atuais, porquanto ofensivo ao princípio democrático, na medida em que desigualaria as pessoas e os candidatos pelo poder aquisitivo ou pelo poder de financiamento. Salientou que a ideia subjacente à democracia seria a igualdade, ou seja, uma pessoa, um voto. Consignou não vislumbrar que o único modelo democrático de financiamento eleitoral fosse aquele que proibisse a participação de pessoas jurídicas. Contudo, no atual modelo brasileiro, considerou antirrepublicano, antidemocrático e, em certos casos, contrário à moralidade pública o financiamento privado de campanha. Asseverou que, embora a reforma política não pudesse ser feita pelo STF, este desempenharia duas grandes funções: a contramajoritária (ao assentar a inconstitucionalidade de lei aprovada por pessoas escolhidas pelas maiorias políticas) e a representativa (ao concretizar anseios da sociedade que estariam paralisados no processo político majoritário). Propôs, por conseguinte, um diálogo institucional com o Congresso Nacional no sentido do barateamento do custo das eleições, uma vez que não bastaria coibir esse tipo de financiamento. Citou a existência de propostas em trâmite na Casa Legislativa pela votação em lista (voto em lista fechada ou pré-ordenada) e o voto distrital majoritário. Após, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista formulado pelo Ministro Teori Zavascki na sessão anterior.

Ação civil pública e foro por prerrogativa de função


O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental interposto de decisão proferida pelo Ministro Ayres Britto, que negara seguimento a pedido de que ação civil pública, por ato de improbidade administrativa supostamente praticado por parlamentar, fosse apreciada no STF. O Ministro Roberto Barroso, relator, negou provimento ao recurso e reafirmou a decisão agravada quanto à incompetência do STF para processar e julgar o presente feito, por inexistir foro por prerrogativa de função em ação civil pública por improbidade. Após, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.



PRIMEIRA TURMA


Crime praticado por civil e competência da justiça militar


Compete à justiça militar processar e julgar civil denunciado pela suposta prática dos delitos de desacato e resistência contra militar. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma extinguiu habeas corpus por inadequação da via processual. A impetração alegava a incompetência da justiça militar e postulava a declaração de inconstitucionalidade do art. 90-A da Lei 9.099/1995, para que fosse excluída qualquer exegese que afastasse a aplicação da Lei 9.099/1995 aos acusados civis indiciados ou processados perante a justiça militar. No caso, o paciente, ao ser revistado, teria desobedecido à ordem de militares em serviço no Complexo do Morro do Alemão — no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública — e contra eles praticado violência. Rememorou-se precedente da Turma no sentido de que a natureza militar do crime atrairia a competência da justiça militar, mesmo que cometido por civil. Recordou-se, ademais, que o Plenário já teria declarado a constitucionalidade do art. 90-A da Lei 9.099/1995.

Falta grave e não retorno a prisão - 2


Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, extinguiu, por inadequação da via processual, habeas corpus em que se pretendia o afastamento de falta grave. No caso, o paciente estaria cumprindo pena em regime semiaberto e lograra o benefício de visitação periódica ao lar. Ciente de que a referida benesse teria sido cassada em razão de provimento de recurso do Ministério Público, não regressara ao estabelecimento prisional — v. Informativo 725. Esclareceu-se que não caberia habeas corpus para o STF em substituição a recurso ordinário. Reputou-se não haver ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorizasse a concessão da ordem de ofício. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia a ordem por entender justificada a ausência de retorno do paciente à penitenciária.

Licença médica e dispensa


Não é possível a dispensa — com o consequente rompimento da relação jurídica — de servidor ocupante apenas de cargo em comissão, em licença médica para tratamento de doença. Com base nessa orientação, a 1ª Turma, negou provimento a agravo regimental.



SEGUNDA TURMA


Processo administrativo: contraditório e ampla defesa


Por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a 2ª Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança para declarar nulo ato administrativo e seus consectários, a fim de garantir à impetrante manifestação prévia em processo administrativo destinado a verificar a regularidade da concessão de benefício fiscal. Asseverou-se que a prerrogativa de a Administração Pública controlar seus próprios atos não dispensaria a observância dos postulados supramencionados em âmbito administrativo. Ademais, ressaltou-se que a manifestação em recurso administrativo não supriria a ausência de intimação da recorrente. Pontuou-se que caberia à Administração dar oportunidade ao interessado em momento próprio e que a impugnação, mediante recurso, de ato que anulara benefício anteriormente concedido, mesmo diante de exame exaustivo das razões de defesa apresentadas, não satisfaria o direito de defesa da impetrante.

Protesto por novo júri e “tempus regit actum”


A 2ª Turma negou provimento a agravo regimental em que pretendido o cabimento de protesto por novo júri. Na espécie, a prolação da sentença penal condenatória ocorrera em data posterior à entrada em vigor da Lei 11.689/2008, a qual revogara o dispositivo do CPP que previa a possibilidade de interposição do aludido recurso. Reputou-se que o art. 2º do CPP (“Art. 2º. A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”) disciplinaria a incidência imediata da lei processual aos feitos em curso, de modo que, se nova lei viesse a suprimir ou abolir recurso existente antes da sentença, não haveria direito ao exercício daquele. Ressaltou-se inexistir óbice à supressão de recursos na ordem jurídica processual ou à previsão de outras modalidades recursais serem instituídas por lei superveniente, considerado o disposto no artigo em comento e o princípio fundamental de que a recorribilidade reger-se-á pela lei em vigor na data em que a decisão for publicada. Por fim, salientou-se a ausência de amparo legal do pleito, ante a observância do princípio da taxatividade dos recursos.



Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 11.12.2013 12.12.2013 19
1ª Turma 10.12.2013 — 171
2ª Turma 10.12.2013 — 159







C L I P P I N G D O D J E


9 a 13 de dezembro de 2013

EMB. DECL. NO AG. REG. NO RHC N. 117.488-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Embargos de declaração em agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. 2. Não ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. Efeitos infringentes. Descabimento. Caráter protelatório. 3. Embargos de declaração rejeitados, com determinação de baixa imediata dos autos, independentemente da publicação do acórdão.
*noticiado no Informativo 722

HC N. 105.948-MT
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Corrupção passiva atribuída a magistrado estadual. 3. Rejeição da denúncia pela Corte estadual. 4. Conversão de agravo de instrumento em recurso especial que restou provido para, cassando o acórdão recorrido, determinar o recebimento da peça acusatória. 5. Alegação de ilegalidade no conhecimento do AI pelo STJ por falta de peça essencial (denúncia) e de revolvimento de provas no julgamento do recurso especial. 6. Ausência de peça essencial ao exame da controvérsia. As peças do instrumento, necessárias ao deslinde da controvérsia, devem ser apresentadas no momento da interposição do agravo, conforme preceitua o art. 544, § 1º, do CPC. A ausência implica o não conhecimento do recurso. 7. O ônus de fiscalizar a correta formação do instrumento é exclusivo do agravante. Precedentes. 8. Ordem concedida, parcialmente, para anular o julgamento proferido pelo STJ no Recurso Especial n. 1.183.584/MT, a partir da conversão do agravo de instrumento em recurso especial e determinar seja proferida nova decisão com base nos elementos constantes dos autos.
*noticiado no Informativo 694

EMB. DECL. NOS VIGÉSIMOS TERCEIROS EMB. DECL. JULG. NA AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AÇÃO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FALTA DE FUNDAMENTO PARA APLICAÇÃO DA PENA ESTABELECIDA PELA LEI 10.763/2003. VÍCIO INEXISTENTE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NÃO CONHECIDOS. RECURSO MERAMENTE PROTELATÓRIO. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA, INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO.
O acórdão embargado não deixou qualquer margem para dúvida quanto ao fato de que o embargante praticou o delito de corrupção passiva depois da entrada em vigor da Lei 10.763/2003.
Embargos de declaração não conhecidos.
Reconheceu-se o caráter meramente protelatório dos embargos e decretou-se, por consequência, o trânsito em julgado da condenação, com determinação de início imediato da execução da pena, independentemente de publicação do acórdão.
*noticiado no Informativo 728

EMB. DECL. NOS VIGÉSIMOS PRIMEIROS EMB. DECL. JULG. NA AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL N.470. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. RECURSO MERAMENTE PROTELATÓRIO. TRANSITO EM JULGADO. EXECUÇÃO AUTORIZADA.
Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição a serem sanadas nos segundos embargos declaratórios opostos pelo embargante.
As alegações de nulidade por violação dos artigos 76 e 77 do CPP e de que deveria ser indicado, expressamente, qual o item do Regulamento do Fundo Visanet teria sido violado foram devidamente afastadas no acórdão embargado.
Embargos de declaração com finalidade puramente protelatória geram o imediato reconhecimento do trânsito em julgado do acórdão condenatório. Precedentes.
Embargos de declaração não conhecidos.
Reconheceu-se o caráter meramente protelatório dos embargos e decretou-se, por consequência, o trânsito em julgado da condenação, com determinação de início imediato da execução da pena, independentemente de publicação do acórdão.
*noticiado no Informativo 728

EMB. DECL. NO AG. REG. NO RE N. 748.105-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMBARGOS DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO – DESPROVIMENTO. Uma vez voltados os embargos declaratórios ao simples rejulgamento de certa matéria e inexistente no acórdão proferido qualquer dos vícios que os respaldam – omissão, contradição e obscuridade –, impõe-se o desprovimento.
*noticiado no Informativo 720

QUEST. ORD. EM HC N. 119.056-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM EM HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA AMEAÇA DE ATO DE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL.
1. A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus é determinada constitucionalmente em razão do Paciente ou da Autoridade Coatora (art. 102, inc. I, alínea i, da Constituição da República).
2. Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer a incompetência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o habeas corpus n. 119056-DF, determinando a remessa dos autos a uma das Varas Federais da Seção Judiciária do Distrito Federal.
*noticiado no Informativo 722

VIGÉSIMO TERCEIRO AG. REG. NA AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PLURALIDADE DE RÉUS COM DIFERENTES DEFENSORES. DOBRA DO PRAZO PARA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o 22º agravo regimental, concedeu prazo em dobro (dez dias) para a oposição de embargos de declaração contra acórdão proferido na ação penal 470.
Provimento parcial do recurso, para aplicar o mesmo entendimento ao agravante, à acusação e aos demais corréus (art. 580 do Código de Processo Penal).

AG. REG. NA MED. CAUT. NA AC N. 2.821-AM
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR EM CAUTELAR INOMINADA. REQUERIMENTO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. “PREFEITO ITINERANTE”. CANDIDATURA EM MUNICÍPIO DIVERSO, APÓS EXERCÍCIO DE DOIS MANDATOS EM MUNICÍPIO CONTÍGUO. MANDATO JÁ EXAURIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO.
*noticiado no Informativo 708

MS N. 25.916-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ANISTIA – APOSENTADORIA – INSTITUTOS – DIVERSIDADE. Os institutos da anistia e da aposentadoria são diversos, quando a primeira não envolve, explicitamente, a segunda, cabendo ao Tribunal de Contas da União, a teor do disposto no artigo 71, inciso III, da Constituição Federal, examinar o atendimento dos requisitos legais considerado o processo de registro da aposentadoria.
*noticiado no Informativo 720

ARE N. 638.195-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. APURAÇÃO ENTRE A DATA DE REALIZAÇÃO DA CONTA DOS VALORES DEVIDOS E A EXPEDIÇÃO DA RPV. RELEVÂNCIA DO LAPSO TEMPORAL. CABIMENTO.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA QUANTO AO CABIMENTO DA APLICAÇÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. “O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONHECENDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, JULGARÁ A CAUSA, APLICANDO O DIREITO À ESPÉCIE” (Súmula 456/STF). Aplicabilidade ao recurso extraordinário em exame.
2. É devida correção monetária no período compreendido entre a data de elaboração do cálculo da requisição de pequeno valor - RPV e sua expedição para pagamento.
Recurso extraordinário conhecido, ao qual se dá parcial provimento, para cassar o acórdão-recorrido, de modo que o TJ/RS possa dar continuidade ao julgamento para definir qual é o índice de correção monetária aplicável em âmbito estadual.
*noticiado no Informativo 708


Acórdãos Publicados: 427



T R A N S C R I Ç Õ E S



Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

TCU – Desconsideração da Personalidade Jurídica – Poderes Implícitos – Princípio da Legalidade (Transcrições)

MS 32.494-MC/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello


EMENTA: PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DESCONSIDERAÇÃO EXPANSIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. “DISREGARD DOCTRINE” E RESERVA DE JURISDIÇÃO: EXAME DA POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, MEDIANTE ATO PRÓPRIO, AGINDO “PRO DOMO SUA”, DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE CIVIL DA EMPRESA, EM ORDEM A COIBIR SITUAÇÕES CONFIGURADORAS DE ABUSO DE DIREITO OU DE FRAUDE. A COMPETÊNCIA INSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E A DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. INDISPENSABILIDADE, OU NÃO, DE LEI QUE VIABILIZE A INCIDÊNCIA DA TÉCNICA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SEDE ADMINISTRATIVA. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: SUPERAÇÃO DE PARADIGMA TEÓRICO FUNDADO NA DOUTRINA TRADICIONAL? O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA: VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, CONDICIONANTE DA LEGITIMIDADE E DA VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS. O ADVENTO DA LEI Nº 12.846/2013 (ART. 5º, IV, “e”, E ART. 14), AINDA EM PERÍODO DE “VACATIO LEGIS”. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O POSTULADO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E DAS MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR E CONFIGURAÇÃO DO “PERICULUM IN MORA”. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica de deliberação que, emanada do E. Tribunal de Contas da União (Processo TC-000.723/2013-4), acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

“REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO, NA MODALIDADE PREGÃO, PROMOVIDA PELA **, PARA AQUISIÇÃO DE TRILHOS. IRREGULARIDADES GRAVÍSSIMAS. NULIDADES. CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR PARA PARALISAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS. OITIVA DE TODOS OS PARTICIPANTES DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DO PREGÃO PELA **, POSTERIORMENTE À DEMONSTRAÇÃO PELO TCU DAS NULIDADES. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO COM UMA ÚNICA POSSIBILIDADE DE FORNECEDOR, DADA A MAGNITUDE DO OBJETO. INEQUÍVOCO DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO. PRÁTICA DE ATOS COM ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SIMULAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXTENSÃO DA SANÇÃO APLICADA, COM FUNDAMENTO NO ART. 7º DA LEI DO PREGÃO, PARA EMPRESA VINCULADA. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO POR MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. DETERMINAÇÕES. CIÊNCIA.
…...................................................................................................
- A aplicação da sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 – que institui o pregão como modalidade de licitação, para aquisição de bens e serviços comuns – impede a participação do licitante em procedimentos licitatórios e a celebração de contratos com todas as entidades do respectivo ente estatal, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, implicando seu descredenciamento dos sistemas de cadastramento de fornecedores, pelo prazo de até cinco anos, com extensão a toda a esfera do órgão ou entidade que a aplicou.
- A sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 deixa explícita a vontade do legislador, no sentido de efetivamente punir as empresas que cometam ilícitos administrativos, não somente na restritíssima esfera da entidade que promoveu a licitação e sofreu os efeitos da conduta lesiva da licitante, mas de alijá-la de todas as licitações promovidas nas respectivas esferas federal, estadual, do DF e municipal, por até 5 anos, sem prejuízo das multas e das demais cominações legais, constituindo sanção gravíssima que materializa a jurisprudência do STJ em relação a similar dispositivo da Lei 8.666, cuja interpretação, no TCU, mereceu do Plenário visão bem mais restritiva.
- Também por imposição dos princípios da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos, a Administração Pública pode desconsiderar a personalidade jurídica de sociedades constituídas com abuso de forma e fraude à lei, para a elas estender os efeitos da sanção administrativa, em vista de suas peculiares circunstâncias e relações com a empresa suspensa de licitar e contratar com a Administração.
- Por múltiplos fundamentos, o caso concreto ostenta nítido conteúdo de nulidades insanáveis, tratando-se de hipótese de declaração de nulidade de todo o procedimento e não de revogação, ocorrente apenas por razões de interesse público.”
(Acórdão nº 2593/2013, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES – grifei)

A parte ora impetrante sustenta que essa deliberação, além de transgredir os diplomas normativos que dispõem sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, também ofendeu o texto da Constituição da República, notadamente os seus arts. 1º, inciso IV, 5º, inciso XLV, e 71, assinalando que o E. Tribunal de Contas da União teria atuado além dos limites de sua competência institucional, apoiando-se, os autores do presente “writ”, nas seguintes alegações:

“(…) o Acórdão nº 2.593/2013 – TCU, inovando em relação ao objeto inicial do processo, julgou procedente a representação para estender à Impetrante uma sanção administrativa (de suspensão do direito de licitar) que fora aplicada pela ** a outra pessoa jurídica, a empresa **.
Essa questão surgiu nos autos do processo administrativo por iniciativa da área técnica do TCU. Ao opinar pelo deferimento da medida cautelar, o auditor da Corte de Contas alegou que a Impetrante teria os mesmos sócios, o mesmo endereço e mesmo fornecedor de trilhos da empresa **, o que, segundo entendeu, permitiria concluir que a ** (Impetrante) ‘integra o mesmo grupo da **’.
…...................................................................................................
4.2. Em 26.8.2013, após a Impetrante refutar as acusações de que se confundiria com a empresa **, a área técnica manifestou-se novamente, nessa ocasião sugerindo que o próprio TCU estendesse a penalidade da outra pessoa jurídica à Impetrante (doc. 09).
5. Em seguida, o processo foi julgado pelo Plenário do E. TCU, prevalecendo o voto do d. Ministro Relator, que acolheu integralmente o segundo parecer da área técnica e concluiu por estender à empresa Impetrante penalidade à qual está submetida outra pessoa jurídica, a empresa **. (doc. 10). Esse é o ato coator combatido pelo presente ‘writ’.
6. A deliberação do E. TCU, com todo o respeito, é flagrantemente ilegal e viola direito líquido e certo dos Impetrantes.
6.1. Primeiro, a Corte de Contas não dispõe de competência constitucional ou legal para estender ou ampliar a abrangência de sanções administrativas aplicadas por outros entes públicos.
6.2. Depois, o ato coator partiu de premissas equivocadas (com respeito) ao se valer da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que não encontra no caso concreto os pressupostos elementares indispensáveis à sua aplicação. A prova documental reunida pelo TCU conduz ao resultado oposto ao do ato ora impugnado.
6.3. Por fim, é inequívoco que o ato coator viola o direito à livre iniciativa dos Impetrantes, pessoas físicas e jurídica autônomas e distintas da empresa ** e dos seus respectivos sócios.” (grifei)

Busca-se, na presente sede cautelar, a concessão de provimento liminar, para “determinar a imediata suspensão do item 9.4. do Acórdão nº 2.593/2013 – TCU – Plenário, que sancionou ilegalmente a empresa Impetrante” (grifei).
Sendo esse o contexto, passo a examinar a postulação cautelar deduzida pela parte ora impetrante. E, ao fazê-lo, entendo relevante destacar, desde logo, aspectos significativos da presente controvérsia mandamental, tais como as questões pertinentes (a) à competência institucional do Tribunal de Contas da União, (b) à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, (c) à possibilidade, ou não, de ser ela aplicável em sede administrativa e (d) à compatibilidade da desconsideração expansiva da personalidade jurídica com os princípios da legalidade e da intranscendência das sanções administrativas e das medidas restritivas de ordem jurídica.
O E. Tribunal de Contas da União, ao proferir o acórdão objeto do presente mandado de segurança, assim se pronunciou sobre o tema concernente à doutrina da desconsideração expansiva da personalidade jurídica:

“75. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por objetivo coibir o uso indevido da pessoa jurídica, levada a efeito mediante a utilização da pessoa jurídica contrária a sua função social e aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico, afastando, assim, a autonomia patrimonial para chegar à responsabilização dos sócios da pessoa jurídica e/ou para coibir os efeitos de fraude ou ilicitude comprovada. (…).
76. A doutrina e a jurisprudência dos tribunais já consideram que um desdobramento dessa teoria é a possibilidade de estender os seus efeitos a outras empresas, diante das circunstâncias e provas do caso concreto específico. Trata-se da teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica da sociedade, terminologia utilizada pelo Prof. Rafael Mônaco (…).
77. Com a teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, é possível estender os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica aos ‘sócios ocultos’ para responsabilizar aquele indivíduo que coloca sua empresa em nome de um terceiro ou para alcançar empresas de um mesmo grupo econômico (…).
80. No âmbito administrativo, a doutrina e a jurisprudência vêm firmando entendimento de ser viável a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a extensão de seus efeitos para afastar a possibilidade de uma empresa que tenha sido suspensa ou impedida de participar de licitação ou contratar com a Administração Pública, ou ainda, declarada inidônea, possa ter seus sócios integrando, direta ou indiretamente, outra pessoa jurídica que participe de licitação com o Poder Público.” (grifei)

Tenho para mim, em juízo de mera delibação (em afirmação compatível, portanto, com esta fase de incompleta cognição), que o E. Tribunal de Contas da União, ao exercer o controle de legalidade sobre os procedimentos licitatórios sujeitos à sua jurisdição, possuiria atribuição para estender a outra pessoa ou entidade envolvida em prática comprovadamente fraudulenta ou cometida em colusão com terceiros a sanção administrativa que impôs, em momento anterior, a outro licitante (ou contratante), desde que reconheça, em cada situação que se apresente, a ocorrência dos pressupostos necessários à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois essa prerrogativa também comporia a esfera de atribuições institucionais daquela E. Corte de Contas, que se acha instrumentalmente vocacionada a tornar efetivo o exercício das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República.
Isso significa que a atribuição de poderes explícitos ao Tribunal de Contas, como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se lhe reconheça, ainda que por implicitude, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário e ao ordenamento positivo.
Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCULLOCH vs. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.
Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELLO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional, assinala que, “Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos” (grifei).
A Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional – consoante adverte CASTRO NUNES (“Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 641/650, 1943, Forense) –, deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, como a de que ora se cuida, consideradas as atribuições do Tribunal de Contas da União, como expressamente relacionadas no art. 71 da Constituição da República.
Essa compreensão do tema tem sido manifestada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos, colegiados e monocráticos (MS 24.510/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MS 26.094/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – MS 26.547-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), nos quais esta Corte, apoiando-se, precisamente, na doutrina dos poderes implícitos, reconhece que a Alta Corte de Contas dispõe dos meios necessários à plena concretização de suas atribuições constitucionais, ainda que não referidos, explicitamente, no texto da Lei Fundamental.
É por isso que, em juízo de sumária cognição, parece-me revestir-se de legitimidade constitucional a possibilidade teórica de aplicação da “disregard doctrine”, que permitiria ao Tribunal de Contas da União adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República.
Registro que a posição dos que entendem possível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por ato de índole administrativa foi acolhida pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS.
- A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações, Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída.
A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultados ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular.
- Recurso a que se nega provimento.”
(RMS 15.166/BA, Rel. Min. CASTRO MEIRA – grifei)

De outro lado, e a despeito de o instituto da desconsideração da personalidade jurídica somente haver sido objeto de regulação legislativa em tempos mais recentes, como se verifica do Código Civil (art. 50) e dos diversos microssistemas legais, como aqueles resultantes do Código de Defesa do Consumidor (art. 28), da Lei nº 9.615/98 (“Lei Pelé”, art. 27), da Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98, art. 4º) e da Lei nº 12.529/2011 (art. 34), entre outros instrumentos normativos, parece-me que a ausência de autorização legal outorgando ao Tribunal de Contas da União competência expressa para promover “the lifting of the corporate veil” não violaria, aparentemente, o postulado da legalidade, eis que a aplicação, em nosso sistema jurídico, da “disregard doctrine”, como sabemos, precedeu, em muitos anos, a própria edição dos diplomas legislativos anteriormente referidos, como resulta de decisões proferidas por nossos Tribunais judiciários (RT 511/199 – RT 560/109 – RT 568/108 – RT 654/182-183 – RT 657/86 – RT 657/120 – RT 660/181 – RT 673/160) e reconhece o magistério da doutrina (RUBENS REQUIÃO, “Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica”, RT 410/1-12; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direito Processual Civil e Direito Privado – Ensaios e Pareceres”, p. 162/164, item n. 5, 1989, Saraiva, v.g.).
Não constitui demasia relembrar, neste ponto, na linha de pioneiro estudo realizado, em 1969, pelo saudoso Professor RUBENS REQUIÃO (“Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica”, RT 410/1-12), a lição definitiva de FÁBIO ULHOA COELHO (“Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa”, vol. 2/60, item n. 2, 16ª ed., 2012, Saraiva) a respeito da matéria ora em análise, na qual enfatiza a desnecessidade de legislação específica para viabilizar a aplicação, em nosso sistema jurídico, da “disregard doctrine”:

“Na doutrina brasileira, ingressa a teoria no final dos anos 1960, numa conferência de Rubens Requião (1977:67/86). Nela, a teoria é apresentada como superação do conflito ente as soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam inflexivelmente ao primado da separação subjetiva das sociedades. Requião sustenta, também, a plena adequação ao direito brasileiro da teoria da desconsideração, defendendo a sua utilização pelos juízes, independentemente de específica previsão legal. Seu argumento básico é o de que as fraudes e os abusos perpetrados através da pessoa jurídica não poderiam ser corrigidos caso não adotada a ‘disregard doctrine’ pelo direito brasileiro. De qualquer forma, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude.” (grifei)

É importante acentuar que a aplicação do instituto da desconsideração (“disregard doctrine”), por parte do Tribunal de Contas da União, encontraria suporte legitimador não só na teoria dos poderes implícitos, mas, também, no princípio constitucional da moralidade administrativa, que representa um dos vetores que devem conformar e orientar a atividade da Administração Pública (CF, art. 37, “caput”), em ordem a inibir o emprego da fraude e a neutralizar a prática do abuso de direito, que se revelam comportamentos incompatíveis com a essência ética do Direito.
Cumpre ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica constitui meio, embora de caráter extraordinário (ADA PELLEGRINI GRINOVER, “Da Desconsideração da Pessoa Jurídica – Aspectos de Direito Material e Processual”, “in” Revista Forense, vol. 371/3-15, 7; ARRUDA ALVIM, “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, “in” “Direito Comercial – Estudos e Pareceres”, p. 63/80, 67; JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA, “Direito Societário”, p. 33, 1997, Freitas Bastos, v.g.), destinado a coibir o abuso de direito e a inibir a prática de fraude mediante indevida manipulação do instituto da personalidade civil.
Torna-se relevante observar que a denominada “disregard doctrine” representa um importante contributo teórico que permite ao Estado, agindo na perspectiva de uma dada situação concreta, afastar, “hic et nunc”, de modo pontual, a personalidade jurídica de determinada entidade, em ordem a neutralizar a ocorrência de confusão patrimonial, de desvio de finalidade, de práticas abusivas e desleais ou de cometimento de atos ilícitos, além de, no plano das relações jurídicas com a Pública Administração, também prevenir ofensa ao postulado da moralidade e de resguardar a incolumidade do erário.
Cabe enfatizar que a desconsideração da personalidade jurídica, quer seja analisada sob a égide da teoria maior, quer seja discutida sob a perspectiva da teoria menor (REsp 279.273/SP, Rel. p/ o acórdão. Min. NANCY ANDRIGHI), não implica extinção da personalidade civil nem afeta a liberdade de iniciativa, pois as sociedades personificadas (simples ou empresárias) preservam tanto a sua autonomia jurídico-institucional, quanto a sua autonomia patrimonial em relação a terceiros.
É por essa razão que os autores advertem, ao versarem o tema da desconsideração da personalidade jurídica, que a aplicação dessa doutrina permite, como observa FÁBIO ULHOA COELHO (“Desconsideração da Personalidade Jurídica”, p. 54, 1989, RT), a superação pontual, transitória e episódica “da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica”, desde que se torne possível “verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito”.
Resta indagar, neste ponto, se se mostra lícito à Administração Pública valer-se da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para proteger, em sede estritamente administrativa, o interesse público primário, invocando, para tanto, muito mais do que autorização legislativa, a própria autoridade que emana, diretamente, dos princípios constitucionais que regem, em nosso sistema jurídico, a atividade administrativa.
Trata-se de questão que, examinada em passagem anterior desta decisão, põe em evidência o tema da atuação administrativa do Estado em face do princípio da legalidade.
Ninguém desconhece, quanto a referido tópico, que a atividade da Administração Pública, segundo o magistério tradicional (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 89, item n. 2.3.1, 37ª ed., 2011, Malheiros, v.g.), constitui atividade “ex lege”, a significar – considerada tal perspectiva – que o aparelho administrativo do Estado apenas poderá agir segundo o que dispuser a lei, eis que, “na Administração Pública, só é permitido fazer o que a lei autoriza”.
É certo, no entanto, que essa concepção tem sido criticada por diversos doutrinadores (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 29/30, item n. 1, e p. 64/65, item n. 3.3.1, 25ª ed., 2012, Atlas, v.g.) em razão do processo de constitucionalização do Direito Administrativo, cujo reconhecimento permite asserir, consoante observa GUSTAVO BINENBOJM (“Temas de Direito Administrativo e Constitucional”, p. 6, item n. II, 2008, Renovar), que “(...) a Constituição, e não mais a lei, passa a situar-se no cerne da vinculação administrativa à juridicidade” (grifei).
Vê-se, daí, que a compreensão do tema da “disregard doctrine”, examinado sob o ângulo dos poderes da Administração Pública, tal seja a posição que se venha a adotar, pode importar na superação do paradigma teórico que nega aos órgãos administrativos, na visão da doutrina tradicional, a possibilidade de manifestarem vontade autônoma naqueles casos em que inexistir legislação específica.
Essa discussão da matéria, por isso mesmo, deverá considerar a tendência que hoje postula “a revisão dos paradigmas teóricos do Direito Administrativo”.
Daí a observação de RICARDO WATANABE (“Desconsideração da Personalidade Jurídica no Âmbito das Licitações”), cujo magistério sobre o tema, orientando-se no sentido que postula a revisão desse paradigma teórico, vai a seguir reproduzido:

“A atuação administrativa deve se pautar pela observância dos princípios constitucionais, explícitos ou implícitos, deles não podendo afastar-se sob pena de nulidade do ato administrativo praticado. O art. 37 da Constituição Federal prevê expressamente que ‘a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência’.
Daí a indagação: com base no princípio da legalidade, aplica-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa, apesar de não haver norma específica prevendo tal conduta da Administração Pública?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o princípio da legalidade obriga a administração pública a somente agir, no exercício de sua atividade funcional, conforme expressa previsão na lei. A Administração Pública não possui vontade pessoal.
No entanto, além do princípio da legalidade, existem outros aplicáveis especificamente às licitações, quais sejam: isonomia; publicidade; impessoalidade; moralidade; probidade administrativa; vinculação ao instrumento convocatório e adjudicação compulsória (Lei nº 8.666/93).
No caso de fraude no procedimento licitatório, há evidente ofensa ao princípio da moralidade. Uma empresa constituída com desvio de finalidade, com abuso de forma e em nítida fraude à lei, que venha a participar de processos licitatórios, abrindo-se a possibilidade de que a mesma tome parte em um contrato firmado com o Poder Público, afronta os princípios de direito administrativo.
…...................................................................................................
Destarte, o simples fato de não haver norma específica autorizando a desconsideração da personalidade jurídica não pode impor à Administração que permita atos que afrontem a moralidade administrativa e os interesses públicos envolvidos.(...). Daí porque aplica-se, com uma maior flexibilidade, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa.
Ora, até com base no próprio princípio da legalidade, não parece razoável permitir o abuso de direitos e a validade de ato praticado com manifesto intuito de fraudar a lei.” (grifei)

É preciso ressaltar que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa.
Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos em que se funda a ordem positiva do Estado.
É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle externo de todos os atos, quer os emanados do Poder Público, quer aqueles praticados por particulares que venham a colaborar com o Estado na condição de licitantes ou contratados e que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e agentes governamentais.
Impõe-se registrar, por necessário, ainda que esta afirmação não envolva qualquer manifestação conclusiva sobre a presente controvérsia mandamental, que a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica por órgãos administrativos, desde que utilizada como meio de coibir o abuso de direito e o desrespeito aos princípios que condicionam a atividade do Estado, tem sido reconhecida por autorizado magistério doutrinário (JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 969, item n. 7.5, 25ª ed., 2012, Atlas; MARIANNA MONTEBELLO “Os Tribunais de Contas e a ‘Disregard Doctrine’”; FLAVIA ALBERTIN DE MORAES “A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Processo Administrativo Punitivo”, “in” RDA 252/45-55; SUZY ELIZABETH CAVALCANTE KOURY, “A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica: aplicação no direito administrativo”; JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR e MARINÊS RESTELATTO DOTTI, “A Desconsideração da Personalidade Jurídica em Face de Impedimentos para Participar de Licitações e Contratar com a Administração Pública: limites jurisprudenciais”; MARIANA ROCHA CORRÊA, “A Eficácia da Desconsideração Expansiva da Personalidade Jurídica no Sistema Jurídico Brasileiro”, 2011, EMERJ, v.g.), valendo referir, em face de sua precisa análise, fragmento da obra de MARÇAL JUSTEN FILHO (“Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, p. 955/956, item n. 6, 15ª ed., 2012, Dialética):

“6) Desconsideração da pessoa jurídica
Tema que tem merecido pequena atenção no âmbito da contratação administrativa é o da desconsideração da pessoa jurídica, que já foi referido de passagem acima, nos comentários ao art. 9º. Trata-se de doutrina desenvolvida no âmbito do direito comparado, destinada a reprimir a utilização fraudulenta de pessoas jurídicas. Não se trata de ignorar distinção entre a pessoa da sociedade e a de seus sócios, que era formalmente consagrada pelo art. 20 do Código Civil/1916. Quando a pessoa jurídica for a via para realização da fraude, admite-se a possibilidade de superar-se sua existência. Essa questão é delicada, mas está sendo enfrentada em todos os ramos do Direito. Nada impede sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo, desde que adotadas as cautelas cabíveis e adequadas. Não se admite que se pretenda ignorar a barreira da personalidade jurídica sempre que tal se revele inconveniente para a Administração. A desconsideração da personalidade societária pressupõe a utilização ilegal, abusiva e contrária às boas práticas da vida empresarial. E a desconsideração deve ser precedida de processo administrativo específico em que sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório a todos os interessados.” (grifei)

É importante reconhecer que a pessoa jurídica não pode ser manipulada, com o ilícito objetivo de viabilizar o abuso de direito e a prática de fraude, principalmente no que concerne aos procedimentos licitatórios, pois essas são ideias que se revelam frontalmente contrárias ao dever de moralidade e de probidade, que constituem deveres que se impõem à observância da Administração Pública e dos participantes. O licitante de má-fé, por isso mesmo, deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação das entidades estatais e de seus órgãos de controle, que não podem tolerar o abuso de direito e a fraude como práticas descaracterizadoras da essência ética do processo licitatório.
Vale referir, neste ponto, a edição de importante instrumento normativo, qual seja a Lei nº 12.846, publicada em 1º de agosto de 2013, ainda em período de “vacatio legis”, que dispõe “sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (…)”, e que disciplina, entre outros dispositivos, a matéria que se vem analisando:

“Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
…...................................................................................................
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:
….........................................................................................
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
…..........................................................................................
Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.” (grifei)

É preciso reconhecer, presente esse contexto, que a desconsideração da personalidade jurídica, como anteriormente assinalado, configura prática excepcional, cuja efetivação impõe ao Estado a necessária observância de postulados básicos como a garantia do “due process of law”, que representa indisponível prerrogativa de índole constitucional assegurada à generalidade das pessoas.
No que se refere à alegada violação ao art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, não se desconhece que o postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator.
Na realidade, essa tem sido a percepção do tema no âmbito da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (AC 266-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AC 1.033-AgR-QO/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AC 1.761/AP, Rel. Min. EROS GRAU – AC 1.936/SE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – AC 2.228/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – AC 2.270/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO – AC 2.317-MC-REF/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ACO 925-MC-REF/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ACO 970-TA/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), cujos pronunciamentos põem em evidência o fato de que medidas restritivas de ordem jurídica não podem transcender a esfera subjetiva daquele que incidiu em práticas reputadas ilícitas pela Administração Pública.
Cabe relembrar, no entanto, por oportuno, a esclarecedora lição de MARÇAL JUSTEN FILHO (“Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, p. 1.014, item n. 1.5, 15ª ed., 2012, Dialética), ao comentar essa matéria, especificamente no que se refere ao procedimento licitatório:

“É usual submeter essa discussão à figura da desconsideração da pessoa jurídica. O tema foi versado em várias passagens anteriormente. Tem-se reputado cabível a extensão do sancionamento à pessoa física ou a terceiros na medida em que se evidencie a utilização fraudulenta e abusiva da pessoa jurídica. Isso não equivale a estabelecer que toda e qualquer penalidade administrativa será automaticamente aplicada também aos controladores e administradores. O que se reconhece é que, diante da comprovação da prática reprovável da pessoa física, que configure utilização abusiva e fraudulenta da pessoa jurídica, poderá ser admitida a extensão da penalidade também a outros sujeitos.” (grifei)

Todas as considerações que venho de fazer, ainda que expostas em sede de sumária cognição e fundadas em juízo meramente precário (sem qualquer manifestação conclusiva, portanto, em torno da postulação mandamental), levar-me-iam a denegar o pleito cautelar ora deduzido na presente causa.
Ocorre, no entanto, que razões de prudência e o reconhecimento da plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte impetrante impõem que se outorgue, na espécie, a pretendida tutela cautelar, seja porque esta Suprema Corte ainda não se pronunciou sobre a validade da aplicação da “disregard doctrine” no âmbito dos procedimentos administrativos, seja porque há eminentes doutrinadores, apoiados na cláusula constitucional da reserva de jurisdição, que entendem imprescindível a existência de ato jurisdicional para legitimar a desconsideração da personalidade jurídica (o que tornaria inadmissível a utilização dessa técnica por órgãos e Tribunais administrativos), seja porque se mostra relevante examinar o tema da desconsideração expansiva da personalidade civil em face do princípio da intranscendência das sanções administrativas e das medidas restritivas de direitos, seja, ainda, porque assume significativa importância o debate em torno da possibilidade de utilização da “disregard doctrine”, pela própria Administração Pública, agindo “pro domo sua”, examinada essa específica questão na perspectiva do princípio da legalidade.
Sendo assim, em sede de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente causa, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia do item 9.4 do Acórdão nº 2.593/2013 do Plenário do E. Tribunal de Contas da União.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão à Presidência do E. Tribunal de Contas da União.
2. Requisitem-se informações ao E. Tribunal de Contas da União, órgão apontado como coator.
3. Dê-se ciência ao eminente Senhor Advogado-Geral da União (Lei Complementa nº 73/93, art. 4º, III, e art. 38, c/c o art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009 e o art. 6º, “caput”, da Lei nº 9.028/95).

Publique-se.
Brasília, 11 de novembro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 13.11.2013
**nomes suprimidos pelo Informativo




INOVAÇÕES LEGISLATIVAS



Lei nº 12.891, de 11.12.2013 - Altera as Leis nos 4.737, de 15.7.1965, 9.096, de 19.9.1995, e 9.504, de 30.9.1997, para diminuir o custo das campanhas eleitorais, e revoga dispositivos das Leis nos 4.737, de 15.7.1965, e 9.504, de 30.9.1997. Publicada no DOU em 12.12.2013, Seção 1, p.1 (edição extra).


Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

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