terça-feira, 26 de novembro de 2013

FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÕES AINDA NAO DÁ CONTA DO BÁSICO

 


Fundamentação de decisões ainda não dá conta do básico

Por José Miguel Garcia Medina


Em determinados momentos da vida, nos damos conta de que nossa atenção fica muito tempo voltada a problemas difíceis, e deixamos de lado questões mais simples, ainda que corriqueiras. Tentando responder ao complexo, acabamos nos esquecendo do básico, sem nos dar conta de que, se não nos resolvermos em relação ao que é básico, dificilmente daremos conta do que é complexo.

É o que ocorre, por exemplo, com o problema da fundamentação das decisões judiciais. Por aqui, tenho enfatizado questões como saber como decidir com base em princípios jurídicos, saber como deve ser a relação entre lei e jurisprudência, se o juiz deve ouvir a sociedade, se súmulas vinculantes têm caráter normativo etc. Faço um mea culpa: aqui mesmo na Coluna Processo Novo acabo me estendendo em temas dessa natureza, que não podem ser exauridos em uma, senão em várias, muitas e repetidas voltas ao tema.[1]

Saber como deve, democraticamente, ser fundamentada e controlada a decisão judicial é um dos temas sensíveis, entre jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Não se trata apenas de algo que deve constar do Estatuto da Magistratura, como, a primeira vista, poderia parecer dizer o texto constitucional,[2] mas de verdadeira garantia constitucional. Concordo com o Prof. Lenio Streck, que afirma que ao dever de fundamentar as decisões corresponde o direito fundamental a uma resposta adequada ao sistema normativo, a partir da Constituição.[3]

Como, contudo, tratar com firmeza de questões um pouco mais complexas relacionadas à motivação dos julgados, se nem mesmo superamos o mais rudimentar, que é o direito (a que corresponde o dever) a uma resposta, uma mera resposta? Ora, sequer esse direito vem sendo reconhecido, por nossos tribunais.

Coloque-se a seguinte questão: tendo o pedido (ou o recurso, por exemplo) vários fundamentos, cada um deles hábil a levar ao seu acolhimento, pode ser julgado improcedente (ou o recurso, ser desprovido) sem que sejam todos eles examinados?[4]

Tenho a impressão de que qualquer estudante de direito responderia negativamente a essa questão. Afinal, se meu pedido tem os fundamentos A, B, C e D, não pode ser considerada fundamentada a decisão judicial que o julga improcedente sem examinar cada uma dessas alegações.[5]

Tal não é, contudo, a orientação dominante em nossa jurisprudência. Mesmo o Supremo Tribunal Federal, a respeito, decidiu que “o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão”.[6]

Penso, diversamente, que não pode a pretensão da parte ser rejeitada, sem que todas as alegações que poderiam levar ao seu acolhimento sejam examinadas. Em termos simples: se meu pedido (ou defesa) assenta-se em cinco fundamentos, meu pedido (ou defesa) só pode ser rejeitado se cada um desses fundamentos for examinado e rejeitado.

O projeto de novo Código de Processo Civil, quanto a esse aspecto, corretamente estabelece que “não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que [...] não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.[7]

O Supremo Tribunal tem, agora, a chance de corrigir o rumo das coisas. Recentemente, foi admitido recurso extraordinário com repercussão geral em que se debate a seguinte questão: em recurso, a parte suscitou várias questões, mas o tribunal de origem não as analisou; logo, em razão da ausência de prequestionamento, o recurso extraordinário não seria cabível. A repercussão geral foi reconhecida,[8] e o recurso aguarda julgamento.

O direito a uma resposta é o mínimo, o mais raso, que decorre do artigo 93, IX da Constituição. Quando o Supremo Tribunal Federal diz que nem todos os fundamentos de meu pedido precisam ser examinados e julgados, acaba por dizer que eu não teria direito a uma resposta. Esse modo de pensar, para mim, contraria a Constituição.

O modo básico do dever de fundamentação às decisões judiciais está em decidir as questões que poderiam levar ao acolhimento daquilo que pede a parte, não podendo ser considerado fundamentado o julgado que rejeita o pedido ou recurso da parte, sem examinar cada uma de tais questões.

Se não conseguimos satisfazer a isso, tenho dúvidas de que teremos condições de solver problemas um pouco mais complexos, no que diz respeito à fundamentação das decisões judiciais.

[1] Cf., aqui, lista dos textos já publicados, nesta coluna.

[2] A Constituição tratou da fundamentação da decisão judicial no artigo 93, IX. De acordo com o caput desse artigo, seus incisos dispõem sobre princípios a serem observados pela lei complementar que disporá sobre o Estatuto da Magistratura.

[3] Ver, a respeito, vários dos textos da Coluna Senso Incomum, aqui na ConJur, bem como a obra Verdade e Consenso, p. 619.

[4] A questão não se coloca do mesmo modo se, havendo vários fundamentos que conduzem à procedência do pedido, este é acolhido com base em apenas um deles, sem que os demais sejam examinados. Aqui, dedicamo-nos à hipótese inversa.

[5] Tenho defendido esse ponto de vista em vários trabalhos, em que o problema atinente à fundamentação das decisões judiciais é examinado com mais profundidade (cf., dentre outros, Constituição Federal comentada, 2.ed., Ed. RT, comentário ao art. 93; Código de Processo Civil comentado, 2.ed., Ed. RT, comentário ao art. 458).

[6] STF, AI 791292 QO-RG, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.06.2010; íntegra disponível aqui.

[7] Cf. artigo 476, parágrafo único, IV da versão do Senado (disponível aqui) e artigo 499, parágrafo único, IV da versão da Câmara dos Deputados (disponível aqui).

[8] STF, RE 719870 RG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/08/2013; íntegra disponível aqui.


José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL: ATÉ ONDE VAI?



ESPECIAL Meio ou resultado: até onde vai a obrigação do profissional liberal?
No Brasil, a maioria das obrigações contratuais dos profissionais liberais é considerada de meio. Ou seja, o resultado esperado pelo consumidor não é necessariamente alcançado, embora deva ser buscado.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “a obrigação de meio limita-se a um dever de desempenho, isto é, há o compromisso de agir com desvelo, empregando a melhor técnica e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se obrigar à efetivação do resultado”.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma, nas obrigações de meio é suficiente que o profissional “atue com diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado”.

O médico que indica tratamento para determinada doença não pode garantir a cura do paciente. O advogado que patrocina uma causa não tem o dever de entregar resultado favorável ao cliente. Nessas hipóteses, caso o consumidor não fique satisfeito com o serviço prestado, cabe a ele comprovar que houve culpa do profissional. Por essa razão, as chances de obter uma reparação por eventuais danos causados por negligência, imperícia ou imprudência do prestador de serviços são menores.

Condição

Existem, em menor escala, situações em que o compromisso do profissional é com o resultado – o alcance do objetivo almejado é condição para o cumprimento do contrato. Nancy Andrighi explica que “o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta”.

Grande parte da doutrina considera que o cirurgião plástico que realiza procedimento estético compromete-se com o resultado esperado por quem se submeteu à sua atuação. O STJ tem entendido que, nessa espécie, há presunção de culpa do profissional, com inversão do ônus da prova. Em outras palavras, cabe a ele demonstrar que o eventual insucesso não resultou de sua ação ou omissão, mas de culpa exclusiva do contratante, ou de situação que fugiu do seu controle.

Doutrina francesa

A distinção entre obrigações de resultado e de meio não está prevista na legislação brasileira, nem mesmo há consenso na doutrina pátria sobre o assunto. O entendimento majoritário é aquele formulado por Renè Demogue, que foi adotado pela doutrina francesa.

Segundo o jurista francês, nas palavras de Teresa Ancona Lopez, “na obrigação de meio a finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de resultado, o resultado dessa atividade”.

Contudo, há quem considere, como o professor Pablo Rentería, que a divisão proposta pela doutrina francesa – a qual atribui ao consumidor o ônus de provar a culpa do profissional nas obrigações de meio – é contrária à atual evolução da responsabilidade civil, “dificultando a tutela jurídica da vítima, em particular do consumidor, vítima da atuação desastrosa do profissional liberal, a quem se incumbe, via de regra, obrigação de meios” (Obrigações de Meio e de Resultado: Análise Crítica).

No mesmo sentido, o professor Luiz Paulo Netto Lôbo afirma que a classificação é “flagrantemente incompatível com o princípio da defesa do consumidor, alçado a condicionante de qualquer atividade econômica, em que se insere a prestação de serviços dos profissionais liberais” (Responsabilidade Civil do Advogado).

Veja nesta matéria como o STJ tem se posicionado sobre o tema ante a falta de previsão legal e as divergências doutrinárias.

Procedimento odontológico

Ao julgar o REsp 1.238.746, a Quarta Turma reconheceu a responsabilidade de um dentista que realizou tratamento ortodôntico malsucedido. Naquela ocasião, os ministros entenderam que o ortodontista tem a obrigação de alcançar o resultado estético e funcional acordado com o paciente. Caso não o faça, deve comprovar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu por culpa exclusiva do paciente.

A paciente contratou os serviços do dentista para corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária, além de um problema de mordida cruzada. Segundo ela, o profissional não cumpriu o combinado e ainda lhe extraiu dois dentes sadios. Diante disso, ela recorreu ao Poder Judiciário para receber indenização, além de ressarcimento dos valores pagos ao dentista.

Tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) entenderam que o ortodontista faltou com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada. No STJ, o dentista alegou que não poderia ser responsabilizado pela falta de cuidados da paciente, que, segundo ele, não seguiu suas prescrições e procurou outro profissional.

Estético e funcional

“Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade”, afirmou o relator, ministro Luis Felipe Salomão.

Salomão verificou no acórdão do TJMS que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, ainda causou danos físicos e estéticos à paciente. Ele concordou com as instâncias ordinárias quando afirmaram que, mesmo que se tratasse de obrigação de meio, o profissional deveria ser responsabilizado.

A Quarta Turma, em decisão unânime, negou provimento ao recurso do ortodontista.

Fundo de investimento

Para os ministros da Quarta Turma, não fica caracterizado defeito na prestação de serviço quando o gestor de negócios não garante ganho financeiro ao cliente. Embora o agente financeiro seja remunerado pelo investidor para escolher as aplicações mais rentáveis, ele não assume obrigação de resultado, mas de meio – de bem gerir o investimento, na tentativa de obter o máximo de lucro.

No julgamento do REsp 799.241, o colegiado afastou a responsabilidade civil do gestor de um fundo de investimento pelos prejuízos sofridos por cliente com a desvalorização do Real ocorrida em 1999.

Ao analisar o processo, o ministro Raul Araújo afirmou que, “sendo a perda do investimento um risco que pode, razoavelmente, ser esperado pelo investidor desse tipo de fundo, não se pode alegar defeito no serviço, sem que haja culpa por parte do gestor”.

Para o ministro, a culpa do gestor não ficou comprovada. “A abrupta desvalorização do real, naquela ocasião, embora não constitua um fato de todo imprevisível no cenário econômico, sempre inconstante, pegou de surpresa até mesmo experientes analistas do mercado financeiro”, disse.

Além disso, segundo o ministro, o consumidor buscou aplicar recursos em fundo arriscado, objetivando ganhos muito maiores que os de investimentos conservadores, “sendo razoável entender-se que conhecia plenamente os altos riscos envolvidos em tais negócios especulativos”.

Rinoplastia

Sérgio Cavalieri Filho ensina que, “no caso de insucesso na cirurgia estética, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afetar o seu dever de indenizar” (Programa de Responsabilidade Civil).

Em outubro de 2013, a Terceira Turma do STJ analisou o caso de um paciente que teve de se submeter a três cirurgias plásticas de rinoplastia para corrigir um problema estético no nariz. Ele não ficou satisfeito com o resultado das duas primeiras operações e decidiu buscar o Poder Judiciário para receber do cirurgião responsável indenização por danos materiais e morais (REsp 1.395.254) .

Vencido o prazo estabelecido pelo cirurgião para que o nariz retornasse ao estado normal, o operado verificou que a rinoplastia não tinha dado certo. O médico realizou nova cirurgia, dessa vez sem cobrar. Contudo, segundo alegou o paciente, o novo procedimento agravou ainda mais o seu quadro, levando-o a procurar outro médico para realizar a terceira cirurgia.

O juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a sentença com base em prova pericial, a qual teria comprovado que a cirurgia plástica foi realizada em respeito às normas técnicas da medicina.

A ministra Nancy Andrighi constatou que, para afastar a responsabilidade do médico, o TJSC levou em consideração apenas a conclusão da perícia técnica, deixando de aplicar a inversão do ônus da prova.

Contudo, segundo a ministra, nas obrigações de resultado, o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o médico da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o profissional liberal não alcançar os resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar”, ressaltou.

Para Andrighi, devido à insuficiência da prova pericial realizada e da necessidade de inversão do ônus da prova, “o acórdão recorrido merece reforma”.

Perda do prazo

De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, a obrigação assumida pelo advogado, em regra, não é de resultado, mas de meio, “uma vez que, ao patrocinar a causa, obriga-se a conduzi-la com toda a diligência, não se lhe impondo o dever de entregar um resultado certo”.

Dessa forma, Salomão explica que o profissional responde pelos erros de fato e de direito que venha a cometer no desempenho de sua função, “sendo certo que a apuração de sua culpa ocorre casuisticamente, o que nem sempre é uma tarefa fácil”.

Em março de 2012, a Quarta Turma negou provimento ao recurso especial de uma parte que pretendia receber indenização do advogado que contratou para interpor recurso em demanda anterior, em razão de ele ter perdido o prazo para recorrer.

Para Salomão, relator do recurso, é difícil prever um vínculo claro entre a negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente. “O que está em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas chances e incertezas que devem ser aclaradas em juízo de cognição”, afirmou.

Isso quer dizer que, ainda que o advogado atue de forma diligente, o sucesso no processo judicial não depende só dele, mas também de fatores que estão fora do seu controle. Os ministros concluíram que o fato de o advogado perder o prazo para contestar ou interpor recurso não resulta na sua automática responsabilização civil (REsp 993.936).

Cirurgia de mama

Há o entendimento pacificado no STJ de que a responsabilidade dos médicos em cirurgias estéticas é com o resultado. E quando a cirurgia apresenta natureza mista, ao mesmo tempo estética e reparadora? Nessa hipótese, “a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora”, ensina a ministra Nancy Andrighi.

Em setembro de 2011, a Terceira Turma julgou o caso de uma mulher que foi submetida a cirurgia de redução dos seios porque era portadora de hipertrofia mamária bilateral. O procedimento tinha objetivo de melhorar sua saúde e sua aparência, entretanto, o resultado da cirurgia foi frustrante. As mamas ficaram com tamanho desigual e cicatrizes muito aparentes, além disso, houve retração do mamilo direito.

O juízo de primeiro grau negou os pedidos feitos pela paciente na ação indenizatória ajuizada contra o médico e o Hospital e Maternidade Santa Helena. Para o magistrado, “as complicações sofridas pela autora devem ser consideradas como provenientes de caso fortuito, a excluir a responsabilidade dos réus”.

Danos morais

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu parcial provimento ao recurso da paciente, para condenar os responsáveis ao pagamento de danos morais.

No STJ, ao julgar recurso contra a decisão, a ministra Nancy Andrighi disse que, “ainda que se admita que o intuito primordial da cirurgia era reparador, o médico jamais poderia ter ignorado o seu caráter estético, mesmo que isso não tivesse sido consignado no laudo que confirmou a necessidade da intervenção”.

Ela acrescentou que o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o recorrente da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o recorrente não alcançou os resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar”, declarou.

Quanto à indenização, Andrighi sustentou que o valor arbitrado pelo TJMG, correspondente a 85 salários mínimos, “nem de longe se mostra excessivo à luz dos julgados desta Corte, a ponto de justificar a sua revisão” (REsp 1.097.955).



Fonte: STF

domingo, 24 de novembro de 2013

Networking é fundamental para vencer nas carreiras jurídicas




Por Vladimir Passos de Freitas



Ao entrar em uma Faculdade de Direito, todos − ou quase todos ─ sonham com uma profissão que lhes dê sustento, ascensão social, segurança e realização profissional. Lanço a alternativa “quase todos” porque alguns, muito novos, ingressam sem muita convicção sobre a escolha feita. Estes, em pouco tempo, terão que tomar a decisão, continuar ou desistir.

Falando dos que estão seguros sobre o curso escolhido, vejamos os requisitos para o sucesso. E nele, que papel representam os relacionamentos, contatos, amizades, em suma, o networking. Evidentemente, isto não é tratado nos cursos de Direito, nem mesmo em matérias optativas. Menos ainda nos livros jurídicos. No entanto, é tão essencial para o sucesso quanto o estudo das matérias.

O conceito da Wikipédia sobre networking é direto: “É uma expressão que representa uma rede de contatos. Diz respeito às pessoas que um indivíduo conhece e aos relacionamentos pessoais, comerciais e profissionais que mantém com elas”. Hoje ninguém tem dúvidas de que os relacionamentos são tão ou mais importantes do que outras virtudes necessárias a um bom profissional do Direito.

Quais os requisitos para que alguém possa ser considerado um bom advogado? Não há uma resposta definitiva, mas é possível afirmar que um bom advogado deve ter uma boa base de cultura jurídica, cultura geral, equilíbrio emocional, garra e bons relacionamentos. Só que, sem relacionamentos, todos os outros de nada valem. De que adiantam todas as qualidades se a pessoa não consegue ter clientes? E para isto é preciso ter contatos, atrair as pessoas, ser lembrado.

Porém a rede de contatos não serve apenas para ter clientela. Ela é essencial para obter informações, abrir portas, saber as novidades, evitar exigências burocráticas inúteis, enfim, superar todos os obstáculos que a vida profissional apresenta. Por exemplo, preparada a inicial contra uma empresa que emite ruídos acima do permitido, é preciso saber seu CNPJ, mas ele não está disponível. Um contato com um servidor da prefeitura evitará um requerimento formal que poderá demorar dias.

Mas como criar os relacionamentos? Como fazer contatos sem forçar situações? Como aproximar-se das pessoas sendo autêntico, sem falsidade? Quais os limites?

Tomar iniciativas neste sentido pode ser fácil para alguns, cujo temperamento é extrovertido, e difícil para outros, mais tímidos. Estes, ainda que com maior sacrifício, não podem se dar ao luxo de fecharem-se em si mesmos, sob pena de ficarem isolados, esquecidos.

Evidentemente, o networking de um estudante será diferente do de um advogado e o deste não será o mesmo de um policial. Algumas carreiras públicas exigem maior cautela. É preciso primeiro saber de quem se trata, pois há sempre um risco de pedidos pouco éticos ou mesmo alegação de intimidade com a autoridade para obter algum tipo de vantagem.

O primeiro passo a ser dado por uma pessoa que tem por objetivo aumentar sua rede de relcionamentos é andar com cartões de visita para serem dados em qualquer ocasião. A reciprocidade faz com que, normalmente, quem recebe também dê o seu. Os cartões de terceiros devem ser guardados cuidadosamente, de forma que possam ser localizados quando necessário. E, vez por outra, consultados para renovar o contato, nem que seja por uma simples mensagem indagando como vão as coisas. É preciso manter vivo o contato.

Regra de grande relevância é lembrar que “a primeira impressão é a que fica”. É dizer, o primeiro contato é o que deixa a marca. Mas, como agir diante de um desconhecido?

Se o caso for de procurar contato com pessoa determinada, a primeira coisa a fazer é saber sobre sua vida, seu passado, preferências. Atualmente as redes sociais facilitam esta pesquisa. E, definido o quadro, a aproximação será feita de acordo com a tendência do outro. Os gostos comuns podem ser ressaltados. A cidade de origem sempre é uma lembrança cara aos ouvidos. O que não se admite é cometer erros básicos, como o de um cidadão que, em Porto Alegre, quando eu presidia o TRF4, querendo ser-me simpático, começou a falar de futebol, assunto que não me desperta interesse, e arrematou dizendo que também era gremista, time para o qual eu nunca torci. Começou mal.

Regra de ouro é não fazer um pedido logo no primeiro contato. Isto pode gerar repulsa, porque a pessoa será vista como interesseira.

A abordagem, na impossibilidade do contato pessoal, pode ser por e.mail. Na revista Você S.A de outubro de 2013, p. 64, o artigo “Contatos de primeiro grau”, dá lição perfeita: “Ao enviar uma mensagem, use o método de IMD, escola de MBA suiça. Faça uma introdução sobre quem você é. Se tiver algum ponto em comum, deixe isto explícito. Essas coincidências ajudam a criar empatia”. Assim agindo, evitando uma intimidade inexistente (p. ex., Oi Vladimir), pedindo ao final uma visita, pode ser aberta uma oportunidade de aproximação.

Um estudante deve sempre tentar aproximar-se de seus ícones, daqueles a quem admira. Oferecer-se para auxiliar em um semnário pode ser uma boa estratégia. Ir ao aeroporto buscar o palestrantre pode ser o início de uma amizade. E depois cuidar para não perder o contato. Darei um exemplo real, porém negativo. Uma aluna da graduação conheceu uma ministra do STJ, houve empatia e ela foi convidada para um estágio nas férias. Oportunidade rara de aprendizado. Todavia, a jovem simpesmente não renovou contato, nem sequer uma mensagem eletrônica enviou. Perdeu uma ótima chance.

Nos seminários ou congressos, o intervalo entre as palestras pode ser um ótimo momento de aproximação. Suponha-se que jovem recém formado queira ingressar em um escritório de advocacia empresarial e ali está o dono do melhor escritório da cidade. A oportunidade é rara. Aproximar-se e dizer que leu um artigo dele no jornal, que é apaixonado pela matéria ou pedir um conselho pode ser uma entrada. A aproximação não pode ser forçada. Se houver resistência é melhor afastar-se discretamente, pois no futuro poderá haver uma nova tentativa.

Um promotor de Justiça que queira ampliar os horizontes além dos limites de sua comarca, não perde seminários, congressos, reuniões da associação, encontro anual ou mesmo a sala de lanches, se houver. Precisa saber quem é quem, ouvir a opinião e histórias dos mais velhos, conhecer as conquistas da instituição ao longo do tempo. Sua rede de contatos acabará resultando na lembrança de seu nome pelos que dirigem a instituição. E eles sabem perfeitamente que precisam permanentemente renovar as lideranças e por isso o interesse no relacionamento é recíproco. Ainda mais que o Procurador-Geral é eleito por todos.

Nas conversas que dão início a um relacionamento, é importante demonstrar interesse pelos outros. Ouvir mais e falar menos. Um juiz jovem será sempre bem lembrado se pedir a um desembargador que conte como eram as comarcas no tempo em que ele ingressou na magistratura.

As manifestações nas redes da categoria são extremanente importantes. Criadas para auxílio recíproco em casos de dúvidas jurídicas, elas servem também para alimentar amizades, unir os que pensam de forma semelhante e também de atuaçãor na política de classe. Nelas não se recomendam mensagens de natureza pessoal, explosão de sentimentos, manifestações de admiração eterna (nunca se sabe se amanhã estarão do mesmo lado) e muito menos agressividade desnecessária (o ofendido jamais esquecerá a injúria). Há pessoas que atuam nessas redes cujas mensagens nem sequer são abertas, total descrédito.

Em suma, relacionamentos sempre foram e continuam sendo essenciais para o sucesso. Cultivá-los é saber cuidar da carreira e da própria felicidade. Nada há nisto de errado, pois as amizades dão graça à vida.
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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2013

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

OS 10 MANDAMENTOS DO "REI DO CAMAROTE" (DO DIREITO)

 


Os 10 mandamentos do “Rei do Camarote” (do Direito)

Por Lenio Luiz Streck


A civilização do espetáculo
Fizemos um Programa Direito e Literatura sobre o livro de Vargas Llosa, A Civilização do Espetáculo, que denuncia a vulgarização da cultura, a “literatura light” que propaga o conformismo, a complacência e a autossatisfação. O retrato que Llosa apresenta cabe como uma luva ao que se pratica no Brasil em termos de jornalismo, ensino e práticas jurídicas. Já falei sobre isso e volto ao tema, em face da contingência representada pelo aparecimento dos 10 Mandamentos do Rei do Camarote, campeão de cliques nas redes sociais (embora, ao que consta, tenha sido também ele fake — o que é congruente: um fake fazendo coisas fake! Bingo!). Pouco importa. Trata-se, agora, de um “fake” necessariamente útil. É “como se fosse” (digo isso a partir de Hans Vahinger, com sua filosofia do als ob – como se).

Refiro-me, como sabe toda a gente, ao vídeo, produzido pela Veja São Paulo, no qual um empresário prescreve os 10 Mandamentos do Rei do Camarote. Trata-se de um conjunto de dicas (os tais mandamentos) a serem seguidas por aqueles que queiram fazer parte da turma que recebe um, como direi, tratamento diferenciado no universo das casas noturnas paulistanas. Então, em ritmo de #ficaadica, logo ficamos sabendo que devemos nos vestir com roupas de grife, que devemos ter um carro potente, que devemos pagar por um camarote (é que, na pista, seríamos apenas mais um), que devemos nos fazer acompanhar de belas mulheres (do contrário, seria como comprar um Boeing e entregá-lo a um piloto de teco-teco), de celebridades (as tais que agregam valor ao camarote) e tal.

Creio, à distância, que as tais prescrições não fiquem circunscritas à noite paulistana. Hão de ser universalizáveis. Quer tornar-se um rei do camarote? Já sabe como. Aliás, essa deve ser uma das razões pelas quais o tal vídeo tornou-se campeão de visualizações. As pessoas foram atrás não só em busca de diversão ou por curiosidade (confesso que, no meu caso, fui tomado por aquele sentimento de vergonha alheia): elas queriam é aprender, mesmo que o tal Alexander nem exista... Afinal, é “como se”...

Sou liberal com relação a valores individuais. Cada um viva como quiser. Você pode viajar de primeira classe? Não hesite: é bem melhor do que a econômica. Faço essa ressalva desde logo para evitar mal entendidos. O que me leva a escrever sobre esse rei não é o caso em si, mas o que ele representa. E tenho a impressão que, na alma profunda do Rei do Camarote (naquele modo-de-ser meio deslumbrado, pouco reflexivo) se esconde o jurista do nosso tempo. Deixem que eu explique isso melhor.

Estou convencido de que há uma fábrica de “lumpens pós-modernos”.[1] O “indivíduo” fruto desse processo não reivindica. Não luta. Apenas reproduz. Esse “indivíduo” age como se o mundo estivesse sempre aí, desde sempre, como no “mito do dado”. Vive no mundo das sombras. Acha que tem o mundo nas mãos... só que não tem mãos. Ele ignora até mesmo que é ignorante. Se morasse debaixo d’água, a última coisa da qual se daria conta seria... a água. O que ele faz é alienar-a-sua-ação-ao-outro. Trata-se do novo homem, o que substitui o homo sapiens: É o homo simplifier ou o homo facilitator. Um reverteris intellectum. O homem da balada (jurídica). O rei do camarote. Bingo! Eis o ponto de estofo entre o Rei do Camarote e o homo simplifier do Direito.

Juristas, estagiários, publicitários, jornalistas e jornaleiros... Ninguém está livre desse novo tipo. Nesta pós-modernidade (sic), a linguagem se aproxima cada vez mais da imagem. Isto é, “imagem é tudo”. Tudo vira espetáculo. O repórter não consegue falar de um assunto sem mostrar a imagem. Cola-se “palavra e coisa”. Ou seja: parte-se da premissa de que todos são imbecis e não possuem capacidade maior que a do Homer Simpson.

Claro, os Homers só entendem o que é uma coisa se a coisa for mostrada. Eis o “poder da imagem”. Não há espaço para se pensar. A enchente é contada pelo repórter quando está com água pelos joelhos. O nascimento do primeiro bebê do ano somente “pode” ser mostrado se o repórter estiver vestido de enfermeiro(a). É o que chamo de dejà vu midiático. Todo ano tem. Servem, tão somente, para encher o mundo de vazios de sentido e para afundar os Homers no seu sofá de obviedades e tornar suas vidas ainda mais alienadas. Ali-é-nada...

As metáforas perdem sua função nessa sociedade do espetáculo, eis que a pretensa metaforização é mostrada “isomorficamente”. Ora, para que metaforizar uma situação se, para explicar a “explicação”, demonstra-se a metáfora? Ou seja, se o repórter quer demonstrar que um time de futebol quer jogar rápido e diz que “está voando”, por que mostrar... um pássaro (voando)? Qual é, então, a função da metáfora? Hein? Há um processo de infantilização do indivíduo, como denunciado por Noam Chomsky.

Volto a Llosa. Sua leitura é lancinante. Cortante. Abre sulcos na significância ao mesmo tempo em que vai expondo a(s) insignificância(s) e as indiferenças ontológicas. Soco no estômago. Devemos refletir sobre tudo isso. Vivenciamos tempos duros de perda de sentidos (na ambiguidade da expressão). Neste novo “tempo”, há uma espécie de “proibição de anamnese dos fenômenos”. Nesse novo “princípio”, vive-se o império dos simples, do standard, transformado em d(en)ominador comum do “real”, proporcionando, assim, um domínio soberano desse mundo de ficções. O homo simplifier (o “homo standard”, o “homo Homer”) veio para ficar. E pior: para ficar no camarote e ostentar. Se, por um lado, no mundo Homer “imagem é tudo”, não se enxerga para além dela... Acho, sinceramente, que fomos derrotados.

Os dez mandamentos do rei (homo simplifier)
Nesse contexto, nada melhor do que apresentar os dez mandamentos do direito pós-moderno (na sua versão simplificada/facilitada[dora]/resumida-resumidíssima/compendiada), a serviço do homo simplifier, do rei do camarote manualístico. Como seria o vídeo contendo esses Dez Mandamentos? Atenção, revista Veja...

Take 1: Os personagens são todos figurantes, afinal, não há espaço para enunciar. No máximo, reproduzir a prática do senso comum teórico. A trilha sonora: funk, funk, funk... Frases soltas, performáticas e argumentos de autoridade. Além disso, ouve-se, também, aos berros, chavões e jargões, todos com pretensão metajurídica. Alguns já se tornaram memes, como o princípio da verdade real. Para que cumprir a lei, se podemos “buscar ela, a verdade real? “Ver-ver-ver, verdade real, au-au-au!”. Da mesma forma com o que acontece com os princípios ad-hoc, são os álibis retóricos que servem para o exercício da vontade de poder de quem os utiliza. Esses clichês são manejados por quem está nos camarotes de maneira atemporal e abstrata, de modo a encobrir seu caráter de manipulação discursiva. Na pista, o caso concreto fica obnubilado em detrimento de teses. O caso concreto não tem lugar no camarote. Sim, o camarote é metafísico. O conceito assertórico desfila e dança no camarote. É o rei dessa pista em que não há lugar para a facticidade. Mas ele também é vazio de um sentido a priori, até porque não existe um sentido a priori das coisas – as coisas não têm essência. O voluntarismo é o DJ desse clipe. A trilha é dele!

Surge, então, o homo simplifier. Numa das mãos, um “manual-tipo-estudo-fácil-simples-resumido-em-esquemas”, claro, da última edição da estação, afinal, tem que estar na moda. Vestido impecavelmente (“imagem é tudo”, lembra?), não importa se não sabe fazer mais do que reproduzir o senso comum teórico.

Eis, assim, os dez mandamentos do “Rei do Camarote do Direito Simplifier”:

Mandamento 1: Desde estudante, desdenhe dos professores que tentem aprofundar as matérias. Faça abaixo assinado contra esse tipo de sujeito perigoso. Faça intriga contra ele. Semeie a cizânia. Diga que ele não prepara a aula. Diga que você está pagando para estudar Direito e não para ficar lendo Kelsen, Hart ou até mesmo Pontes de Miranda. Por outro lado, mesmo sem que os tenha lido, não deixe de citar um Kelsen ou um Hart. Decore, por exemplo, a Grundnorm (norma fundamental). Cada vez que você falar em Constituição, faça charme e diga “a Grundnorm” (estará absolutamente errado, porque em Kelsen Grundnorm quer dizer outra coisa... mas quem se importa? Como candidato a Rei, você estará agregando valor). O contexto é o de menos. Isso equivale a vestir-se com as melhores marcas (por exemplo, Gucci). Sim, você, que não os leu, é que veste a roupa. Nada obstante, colocar-se ao lado desses gigantes agrega valor.

Mandamento 2: Exija que o professor adote um livro que tenha toda a matéria (aqui você, futuro Rei, já está preparando o seu próprio mercado!). E logo pergunte, com ar de liderança, para “se mostrar” para a classe: Isso “cai” na prova? Isso “cai” no exame de Ordem? Se ele disser que não ou que não sabe, eis um bom motivo para um abaixo-assinado contra esse intruso. O lugar dele é a pista (que vá ser mais um em meio aos choldréus); o seu, lembre-se, é o camarote. Se possível, cobre o estudo somente com base nos esquemas mentais.

Mandamento 3: Quem quer ser o Rei do Camarote da estandadização jurídica precisa vestir os precedentes-grifes do Planalto Central. E os informativos mostram as tendências da estação e da moda. Não importa o conteúdo, se respeitam a normatividade ou não. Norma? Só pode ser uma senhora... A moda é, na ponta da língua, com eloquência, reverberar o último posicionamento desta ou daquela “grife”, deste ou daquele “estilista”. “Olha como essa última súmula cai bem”. “A nova súmula deixou a lei ar-ra-sa-da...”. Blá, blá, blá... Os compulsivos exercitam sua mania, por que você também não pode? Precisa decorar os informativos todas as semanas (atenção, candidato a Rei: “decorar”, aqui, é de decoreba e não de enfeitar). Há quem os espere com ânsia... “Enfim, o mais recente! Já não era sem tempo”! Isso é estar in e não out. Digo e repito: agrega valor! Não importa o que se vista (ou o que se disse), vale mais a etiqueta (de onde partiu – das grifes judiciárias). Ah: como estagiário, você pode agregar valor no local do estágio, sempre ostentando a literatura resumo-fácil e simplificada. Carregue o livro bem à vista, para que seu chefe ateste o seu caminho em direção ao camarote... Mostre que você tem tudo para chegar lá!

Mandamento 4: Depois de formado, imediatamente se atire nesse mundo das grifes jurídicas. Não se deixe contaminar por eventual mestrado em algum programa mais sofisticado. Se por acaso quiser fazer pós-graduação, faça um MBA ou uma especialização com cara de cursinho de preparação (que lhe dê o título de especialista fake).

Mandamento 5: Se virar palestrante, tenha sempre piadinhas prontas. Piadas simples e fáceis, é claro, porque ninguém é de ferro. Mais: caminhe no palco de um lado para outro. Sugere-se também assistir a sermões de líderes de algumas agremiações religiosas. Imite o Missionário Valdomiro. Só não diga aleluia. Atenção: “imagem é tudo”. Capriche no terno e na gravata porque os Homers se focarão nela e não no que você diz. E use um sapato bicudo, bem comprido. Um pouco de gel no cabelo sempre é bom. Se for mulher, use tailleur. Faça branqueamento dos dentes toda semana. Agrega valor demais!

Mandamento 6: Olhe sempre o novo com o olhar velho. Ou melhor, assuma: desdenhe do novo. Afinal, o “novo” é você! Refletir dá muito trabalho. É só reproduzir enunciados performativos (ementas) ou os enunciados dos tribunais superiores. Faça o que os “compêndios-tipo-estudo-facinho-bem-simplezinho-resumidinho” fazem. Repetem (glosam) os textos legais, os precedentes e as súmulas dos tribunais, só que invertendo os termos da oração (atenção: oração não é de reza e, sim, de “frase”). Quando falar das cláusulas pétreas, carregue na acepção de “pedra”. Explique que a palavra “pétrea” vem... de pedra. Viu? Já está apto a escrever um compêndio periguete, que é a porta de entrada do Camarote.

Mandamento 7: Por exemplo, ao falar sobre o crime de furto, você repete no texto do seu manual o que diz o artigo 155 do Código Penal, “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Depois, é só explicar a mesma coisa. Você pode dizer que o furto é o ato de “subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem”. Coisa alheia é... aquela que pertence a outra pessoa. Para incrementar, você também pode fazer o importante alerta de que “subtrair” é o mesmo que retirar algo e que (ponha em negrito ou sublinhado, para dar destaque!) subtrair, nesse caso, não é uma das operações matemáticas, junto com somar, multiplicar e dividir. Aprenda com um livro de Direito Constitucional que circula na praça: a palavra “armas,” no artigo 13 da CF, não quer dizer “armas de fogo”! Captou? Tá vendo, já ganhou umas dez linhas só nesse enchimento de linguiça. De grão em grão a galinha enche o papo... E o pior é que você vai descobrir que os Homers adoram. Vende. Agrega valor! Ah: Não esqueça de dizer que “cada um tem a sua verdade”. Se você não se der bem no direito, poderá ser comentarista de futebol.

Mandamento 8: Para seu livro fazer sucesso, tem que ter conceitos “tipo-twitter”: nada que a Luciana Gimenez não possa entender. Dê o drible semântico-performativo no leitor. Democracia é “dopelopá”. Fácil de decorar. Em vez de escrever sobre regras, princípios, moral, Direito etc, simplifique e diga: PriVaCoPon (princípios são valores que, em colisão, resolvem-se ponderando! — eis aí outro funk: ponde-ra-ção, ração, ção...”.) E o seu leitor está apto para brilhar nas pistas! Invente princípios. Muitos. Comece explicando que o princípio da felicidade serve para dar felicidade... Deixe claro que as cláusulas gerais são cláusulas abertas para ser preenchidas pelos valores do juiz... Diga que o Código Civil está dividido em duas partes: uma do legislador, outra, do juiz. Afinal, sentença vem de sentire (nunca deixe de lembrar esse conceito genial). Isso pode enfeitar bem o camarote. Não esqueça de frisar outros princípios (não preciso dizer quais, pois não?). E não esqueça, também — porque você é também um “crítico” —, de dizer que o juiz-boca-da-lei está morto. Dê ênfase na palavra “moortôo”... E que você, como um jurista avançado, aposta nos valores “escondidos” por debaixo da lei. E cite – sempre - a ponderação, com uma nota remetendo ao texto em alemão do Alexy. Refira que a palavra é Abwägung. É chique. E, é claro, agrega valor e pavimenta o caminho para o camarote.

Mandamento 9: Uma vez que passe em Concurso Público (ou no exame de Ordem), o candidato a Rei não necessitará mais abrir livros. A menos que queira escrever seus próprios livros, circunstância em que terá que copiar coisas de outros manuais ou compêndios do gênero (é Ctrl+C e Ctrl+V, o melhor método hermenêutico do Rei do Direito pós-moderno ou tweetado em drops-prêt-à-porter). Se for juiz ou membro do MP, poderá dizer, de boca cheia, que “primeiro decide o que fazer com o Direito da parte, para, só depois, buscar o fundamento”. Será um teleologista. Afinal, a sociedade ungiu você para resolver seus conflitos de acordo... com a sua consciência e... a sua vontade. Viva a Wille zur Macht. Sempre agregando valor, é claro.

Mandamento 10: Use, em todos os momentos, a máxima de que “na prática, a teoria é bem diferente”. Você marcará posição. Por vezes, faça brincadeiras do tipo “quer ver o ‘peso’ da Constituição?” E levante a Constituição, ameaçando jogá-la na cabeça do aluno...”. Faça piadas com o garantismo. Diga que você vai “garantir a Constituição... na cabeça do réu...”. Os alunos gostam dos conservadores desse tipo. Como no Círculo do Giz Caucasiano (Brecht), você será o novo Azdak (aquele que sentava em cima do livrinho chamado “constituição”)! Para não esquecer: Depois de uma palestra de um “teórico”, fale mal dele em bolinhos, pelas costas. “Orgulhe-se” em dizer que “nada entendeu” (principalmente se você estiver no exterior por conta da Viúva e assistir uma palestra de um “teórico”; levante-se e diga sobranceiro: “leio suas coisas e não entendo nada”). Isso agrega valor junto aos aprendizes-de-práticos. E os néscios adoram isso. Dirão que você, candidato a Rei do Camarote, não tem papas na língua.

A vida seria mais fácil se não fossem os teóricos, não é? Um candidato a Rei não pode perder tempo com perfumarias, pois não?

Agrega?

PS : Ainda desenvolverei, em outra coluna, um 11º mandamento tratando do “camarote dos sedizentes críticos” (por exemplo, se você quer fazer carreira de crítico na “academia”, mesmo que do baixo clero, desdenhe de alguns filósofos. Faça críticas rasas... Comece dizendo que Heidegger é um existencialista. E que Gadamer é um relativista... Fale mal de Dworkin. Farfalhe da tese da “resposta correta”, dizendo: como isso é possível, se não existem verdades? E acrescente: “- tudo é relativo”! Isso soma “pontos” em alguns setores. E você pavimentará seu caminho para o camarote. Também diga por aí que ninguém faz análise sobre teoria do direito no Brasil. Claro, só você... Assim você vai longe. Agregando valor(es)...!

Pequeno reclame publicitário
Na próxima segunda-feira (25/11), na Ajuris, em Porto Alegre, a partir das 10h, Ingo Sarlet, Gilmar Mendes e eu estaremos lançando o livro Comentários a Constituição do Brasil (Saraiva-Almedina). Nós três, mais J.J. Gomes Canotilho, somos autores e organizadores, contando com a colaboração de mais de uma centena de autores. Na manhã desta quinta-feira (21/11) a obra será lançada no Rio, na FGV (Rua da Candelária, 6, das 11h às 12h30). No mesmo dia é a vez de São Paulo, na USP (Largo São Francisco, 95, a partir das 19h). Nos dois eventos ocorrerá palestra do professor Canotilho. Em Brasília, o lançamento será nesta sexta-feira (22/11) no Auditório do IDP (Via L2 Sul, SGAS Quadra 607, a partir das 19h). Não poderei estar no Rio, SP e Brasília por estar viajando.

[1] Marx dizia que o lumpesinato era uma categoria inútil. Eu adaptei, para dizer que o mendigo é o lumpen do proletariado e o pródigo é o lumpen da burguesia. Hoje em dia há todo o tipo de lumpens por aí.


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2013

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

EDIÇÃO Nº 13 DA REVISTA DO INSTITUTO DE DIREITO BRASILEIRO

Segue abaixo a edição nº 13 da Revista do Instituto de Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa.
Boa leitura!




Revista (ISSN 2182-7567)
 
  2012
  2013
  2014
 



 









Nº 13 (2013)

Capa, Índice - PDF
MANIFESTO - Experiências com Animais14501
Flávia Martins Affonso, "A Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos e o Cumprimento das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos" – 14505
Lucas Scarpelli de Carvalho Alacoque, "Adicional de Penosidade: Conceito e Perspectivas de Regulamentação" – 14541
Eneida Lima de Almeida, "Notas e Críticas ao Sistema do Sindicato no Brasil" – 14565
Renata Cristina Othon Lacerda de Andrade, "O Dever Fundamental de Adimplir Obrigações Contratuais de Conteúdo Existencial" – 14597
Igor Francisco de Ávila & Isabelle Alessandra Marucci Lopes, "Alguns Elementos que Explicam a Obrigatoriedade do Voto na Constituição Brasileira de 1988" – 14615
Pedro Pontes de Azevêdo, "A Função Social da Propriedade como Promotora da Cidadania" – 14637
Gabriela Soares Balestero, "Transição Política e os Crimes Cometidos Durante a Ditadura Militar: Uma Visão Comparatística Latinoamericana" – 14661
João Aparecido Bazolli, "A Judicialização das Políticas Urbanas" – 14693
Eduardo C. B. Bittar, "Ética como Despedida do Moralismo: Teoria da Justiça e Solidariedade Comunicativa" – 14721
Lorena Pereira Oliveira Boechat, "Migrantes «Indocumentados»: Reflexões sobre uma Realidade Internacional" – 14741
Luiz Cláudio Borges, "O Conceito de Povo no Regime Constitucional Democrático Brasileiro" – 14777
Adriana Pereira Dantas Carvalho & Ricardo Severino de Oliveira, "Faculdade de Direito de Garanhuns – FDG: Estudo da Aplicação dos Parâmetros Normativos Ergonômicos na Melhoria das Condições Físicas e Ambientais de uma Instituição de Ensino Superior" – 14791
Eva Dias Costa, "Breves Considerações Acerca do Regime Transitório Aplicável às Relações Patrimoniais dos Ex-Cônjuges entre a Dissolução do Casamento e a Liquidação do Património do Casal" – 14813
Thales Tebet da Cruz, "Os Momentos Constitucionalmente Permitidos para Atuação dos Tribunais de Contas Brasileiros" – 14839
Dárson Astorga De La Torre, "Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e a Constituição Brasileira Vigente" – 14865
Luiz Felipe Silveira Difini, "Elementos para Fixação de Parâmetros para Concretização da Norma de Proibição de Tributos Confiscatórios" – 14901
Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, "A Constitucionalidade dos Atos Regulamentares que Permitem o Cruzamento de Dado Fiscal dos Doadores de Campanha Eleitoral entre a Justiça Eleitoral e a Receita Federal e a Possibilidade de Seu Compartilhamento com o Ministério Público: Inexistência de Violação à Intimidade e à Vida Privada ou da Reserva de Jurisdição" – 14931
Carla Baggio Laperuta Froés & Sarah Caroline de Deus Pereira, "Os Princípios da Fraternidade e da Afetividade no Direito de Família: A Influência no Direito ao Patronímico/Matronímico" – 14983
Fábio M. Giansante, "Sistema Processual Penal e a Garantia Fundamental da Imparcialidade do Órgão Julgador" – 15013
Cristian Willi Hasse, Débora Patricia Seger & Florisbal de Souza Del’Olmo, "A Sentença Arbitral nos Contratos Públicos: Estudo do Caso AES x CEEE" – 15061
Vladimir Andrei Ferreira Lima, "Ocupações Urbanas: O Controle Judicial Exercido Frente a Ineficiência das Políticas Públicas de Acesso à Terra no Brasil" – 15083
Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, "«Sou, Mas Quem Não É?» Como se Elabora a Diferença no Brasil" – 15149
Alex Faverzani da Luz & Janaína Faverzani da Luz, "A Legislação do Trabalho no Brasil como Fonte de Pesquisa Histórica: Direitos Sociais que Evidenciam uma Trajetória" – 15159
Angelita Maria Maders, "A Concretização do Acesso à Justiça no Brasil e sua Importância para a Erradicação da Pobreza" – 15179
Gabriel Gomes Canêdo Vieira de Magalhães, "A Configuração do Direito Privado a Partir dos Direitos Fundamentais" – 15207
Haneron Victor Marcos, "A Defesa de Interesses Empresariais em Colisão com Interesses Nacionais: Apontamentos sobre Recentes Crises Selecionadas na América do Sul" – 15247
Melina Silva Martinho, "A Tributação Meio Ambiente e Tributação nas Perspectivas Brasileira e Portuguesa: Fundamentos para uma Fiscalidade Ambiental no Brasil" – 15271
Joyceane Bezerra de Menezes & Uinie Caminha, "Responsabilidade Civil por Dano Decorrente da Prática de Ato Lícito: O Dano Emergente do Protesto Cambiário" – 15305
Pedro Accioly de Sá Peixoto Neto, "A Luta Contra o Latifúndio: Essencial na Segurança Alimentar e na Sustentabilidade" – 15335
Bernardo Augusto da Costa Pereira, "As Teorias Clássicas da Separação entre os Poderes: Montesquieu, os Federalistas e a Constituição da República Federativa do Brasil" – 15361
Gabrielle Tatith Pereira, "Sistemas de Multiproteção de Direitos Humanos: Os Controles de Constitucionalidade e de Convencionalidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro" – 15379
Carlos Eduardo Queiroz Pessoa, Adilson Silva Ferraz & Yldry Souza Ramos Queiroz Pessoa, "Análise da Redução da Maioridade Penal à Luz do Artigo 228 da Constituição Federal de 1988" – 15415
Oriana Piske, "Controle Jurisdicional da Atividade Administrativa Não Vinculada" – 15451
Caio Henrique Lopes Ramiro, "Elogio da Violência: Perspectivas Críticas ao Estado de Direito a Partir de Walter Benjamin" – 15467
Raisa Mandja Ranzoni & Nilson Tadeu Reis Campos Silva, "A Judicialização como Meio para a Efetivação dos Direitos Fundamentais" – 15499
Daniel Cardoso dos Reis, "A Convivência do Poder Punitivo Privado na Formação da Pena Pública Brasileira" – 15539
Márcio Monteiro Reis, "A Distribuição dos Riscos em Contratos Administrativos de Longo Prazo e o Controle a Ser Exercido pelos Tribunais de Contas" – 15561
Carlos Odon Lopes da Rocha, "Divulgação da Remuneração ou Subsídio do Agente Público na Internet: Análise da Lei de Acesso à Informação (LAI) à Luz dos Princípios da Publicidade e Transparência" – 15595
Thiago Salles Rocha, "Da Natureza Jurídica da Cédula de Crédito Bancário – Título de Crédito ou Valor Mobiliário?" – 15619
Dulcilene Aparecida Mapelli Rodrigues, "Refugiados Ambientais: Necessária Tutela do Direito Internacional?" – 15651
Maíra de Barros Domingues, "Redefinição do Controle Concentrado de Constitucionalidade Brasileiro a Partir de um Estudo Comparado com o Controle Concentrado de Constitucionalidade Português" – 15681
Isabelle Dias Carneiro Santos, "Os Direitos de Nacionalidade Concedidos aos Portugueses à Luz das Constituições Brasileiras" – 15709
Prudêncio Hilário Serra Neto, "Soberania e Globalização: Noções que Se Excluem?" – 15731
Regina Beatriz Tavares da Silva, "Estatuto das Famílias Retoma Proposições Desastrosas" – 15761
Fabiane Simioni, "A Livre Circulação de Pessoas na União Europeia e a Reunificação Familiar: Um Estudo sobre Políticas de Controle Migratório" – 15769
Henrique Pissaia de Souza, "Contribuições Federais para Associações Civis Internacionais: Aspectos da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012" – 15815
José Laurindo de Souza Netto & Cassiana Rufato Cardoso, "A Jurisdição Constitucional como Instrumento Potencializador da Efetividade dos Direitos Humanos" – 15837
Christiane Splicido & Vinicius Roberto Prioli de Souza, "Contratos: Visão Histórica e Lições Preliminares" – 15861
Igor Perehowski Magno Stanchi, "Recuperação Judicial da Sociedade Empresária à Luz da Lei 11.101/2005: Os Credores e a Superação da Crise" – 15887
Rennan Faria Krüger Thamay, "O Processo Coletivo na Teoria Geral do Processo Civil: Legitimidade e Coisa Julgada" – 15915
Liane Maria Busnello Thomé & Edson Marx e Silva, "Nota Sobre o «Amor Compartilhado»: Um Espaço a Ser Percorrido pelos Casais em Conflitos Familiares e por Seus Filhos Menores de Idade no Direito de Visitas" – 15943
Marcus Rogério Tonoli & Valdir Garcia dos Santos Júnior, "Contratos Eletrônicos e o Atual Ordenamento Jurídico Brasileiro" – 15955
Eliseu Raphael Venturi, "Entre os Fatos e o Direito: Problemas da Historiografia no Limiar da Hermenêutica Jurídica" – 15979
Cláudio Xavier, "Direitos dos Animais no Século XXI: Uma Abordagem Ambiental, Filosófica e Jurídica das Questões que Envolvem os Direitos dos Animais" – 16001
Maurício Zanotelli & Maria Teresinha Pereira e Silva, "A Efetividade dos Direitos Humanos no Brasil: O Desafio ao Intérprete Segundo a Dialética da Hermenêutica Pós-Metafísica" – 16029
 
 
Fonte: RIDB

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº 0529


Informativo n. 0529
Período: 6 de novembro de 2013.
As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal. Corte Especial


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MODO DE REALIZAÇÃO DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.


Não deve ser apreciado o pedido de revogação de assistência judiciária gratuita formulado nos próprios autos da ação principal. De fato, o art. 4º, § 2º, da Lei 1.060/1950, com redação dada pela Lei 7.510/1986, estabelece que a “impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados” e o art. 6º, in fine, do mesmo diploma legal determina que a respectiva petição “será autuada em separado, apensando-se os respectivos autos aos da causa principal, depois de resolvido o incidente”. Além disso, o art. 7º, parágrafo único, da mesma lei preceitua que o requerimento da parte contrária de revogação do benefício “não suspenderá o curso da ação e se processará pela forma estabelecida no final do artigo 6º” do mesmo diploma. Nesse contexto, se a assistência judiciária gratuita requerida no curso da demanda deve ser processada em apenso aos autos principais, mais razão ainda há para que o pedido de revogação do benefício seja autuado em apartado, pois, diversamente daquele, este sempre ocasionará debates e necessidade de maior produção de provas, a fim de que as partes confirmem suas alegações. Nessa conjuntura, cabe ressaltar que a intenção do legislador foi evitar tumulto processual, determinando que tal exame fosse realizado em autos apartados, garantindo a ampla defesa, o contraditório e o regular curso do processo. Ademais, entender de modo diverso, permitindo que o pleito de revogação da assistência judiciária gratuita seja apreciado nos próprios autos da ação principal, resultaria, além da limitação na produção de provas, em indevido atraso no julgamento do feito principal, o que pode prejudicar irremediavelmente as partes. Ante o exposto, não se pode entender que o processamento da impugnação nos próprios autos da ação principal constitui mera irregularidade. Efetivamente, deixar de observar a necessidade de autuação do pedido de revogação de assistência judiciária gratuita em autos apartados da ação principal configura erro grosseiro, suficiente para afastar a possibilidade de deferimento do pedido. EREsp 1.286.262-ES, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 19/6/2013. Primeira Seção


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS EM REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE CONTRIBUIÇÃO AO PIS PAGA A MAIOR.


Em sede de execução contra a fazenda pública, far-se-á a liquidação por artigos na hipótese em que, diante da insuficiência de documentos nos autos, for necessária a realização de análise contábil para se chegar ao valor a ser restituído a título de contribuição ao PIS paga a maior. Isso porque, nos termos do art. 608 do CPC, “Far-se-á liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo.” Precedentes citados: REsp 780.238-RS, Primeira Turma, DJ 6/3/2006; REsp 443.104-PE, Primeira Turma, DJ 9/12/2002; e AgRg no REsp 135.409-DF, Primeira Turma, julgado em 20/2/2001, DJ 11/6/2001. EREsp 1.245.478-AL, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/9/2013.


DIREITO TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS E DA COFINS NA HIPÓTESE DE CONTRIBUINTE VINCULADO À TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO PRESUMIDO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


O contribuinte vinculado ao regime tributário por lucro presumido tem direito à restituição de valores – referentes à contribuição para o PIS e à COFINS – pagos a maior em razão da utilização da base de cálculo indicada no § 1º do art. 3º da Lei 9.718/1998, mesmo após a EC 20/1998 e a edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003. De início, esclarece-se que o STF declarou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei 9.718/1998, isso porque a norma ampliou indevidamente o conceito de receita bruta, desconsiderando a noção de faturamento pressuposta na redação original do art. 195, I, b, da CF. Assim, o faturamento deve ser compreendido no sentido estrito de receita bruta decorrente da venda de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, considerando a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais. Entretanto, a reconhecida inconstitucionalidade não se estende às Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, tendo em vista a nova redação atribuída ao art. 195, I, b, da CF pela EC 20/1998, prevendo que as contribuições sociais pertinentes também incidissem sobre a receita. Além do mais, deve-se ressaltar que, após a EC 20/1998 e a edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, o direito à repetição passou a ser condicionado ao enquadramento no rol do inciso II dos arts. 8º e 10 das referidas leis, respectivamente, que excluem determinados contribuintes da sistemática não-cumulativa, quais sejam: “as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado”. Dessa forma, mesmo após as mudanças legislativas mencionadas, o contribuinte vinculado à sistemática de tributação pelo lucro presumido não foi abrangido pelos novos ditames legais, estando submetido à Lei 9.718/1998, com todas as restrições impostas pela declaração de inconstitucionalidade no STF. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 961.340-SC, Segunda Turma, DJe 23/11/2009; e REsp 979.862-SC, Segunda Turma, DJe 11/6/2010. REsp 1.354.506-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 14/8/2013. Terceira Seção


SÚMULA n. 500


A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal. Rel. Min. Laurita Vaz, em 23/10/2013.


SÚMULA n. 501


É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis. Rel. Min. Laurita Vaz, em 23/10/2013.


SÚMULA n. 502


Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs “piratas”. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, em 23/10/2013. Primeira Turma


DIREITO ADMINISTRATIVO. MOTIVAÇÃO POSTERIOR DO ATO DE REMOÇÃO EX OFFICIO DE SERVIDOR.


O vício consistente na falta de motivação de portaria de remoção ex officio de servidor público pode ser convalidado, de forma excepcional, mediante a exposição, em momento posterior, dos motivos idôneos e preexistentes que foram a razão determinante para a prática do ato, ainda que estes tenham sido apresentados apenas nas informações prestadas pela autoridade coatora em mandado de segurança impetrado pelo servidor removido. De fato, a remoção de servidor público por interesse da Administração Pública deve ser motivada, sob pena de nulidade. Entretanto, consoante entendimento doutrinário, nos casos em que a lei não exija motivação, não se pode descartar alguma hipótese excepcional em que seja possível à Administração demonstrar de maneira inquestionável que: o motivo extemporaneamente alegado preexistia; que era idôneo para justificar o ato; e que o motivo foi a razão determinante da prática do ato. Se esses três fatores concorrem, há de se entender que o ato se convalida com a motivação ulterior. Precedentes citados: REsp 1.331.224-MG, Segunda Turma, DJe 26/2/13; MS 11.862-DF, Primeira Seção, DJe 25/5/09. AgRg no RMS 40.427-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 3/9/2013.


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS EM FOLHA SUPLEMENTAR.


Devem ser adimplidas por meio de folha suplementar – e não por precatório – as parcelas vencidas após o trânsito em julgado que decorram do descumprimento de decisão judicial que tenha determinado a implantação de diferenças remuneratórias em folha de pagamento de servidor público. Precedentes citados: REsp 862.482-RJ, Quinta Turma, DJe 13/4/09; e REsp 1.001.345-RJ, Quinta Turma, DJe 14/12/09. AgRg no Ag 1.412.030-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/8/2013. Segunda Turma


DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.


O atraso do administrador na prestação de contas, sem que exista dolo, não configura, por si só, ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92). Isso porque, para a configuração dessa espécie de ato de improbidade administrativa, é necessária a prática dolosa de conduta que atente contra os princípios da Administração Pública. Dessa forma, há improbidade administrativa na omissão dolosa do administrador, pois o dever de prestar contas está relacionado ao princípio da publicidade, tendo por objetivo dar transparência ao uso de recursos e de bens públicos por parte do agente estatal. Todavia, o simples atraso na entrega das contas, sem que exista dolo na espécie, não configura ato de improbidade. Precedente citado: REsp 1.307.925-TO, Rel. Segunda Turma, DJe 23/8/2012. AgRg no REsp 1.382.436-RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20/8/2013.


DIREITO ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS NO CASO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO NULO.


Reconhecida a nulidade de contrato administrativo por ausência de prévia licitação, a Administração Pública não tem o dever de indenizar os serviços prestados pelo contratado na hipótese em que este tenha agido de má-fé ou concorrido para a nulidade do contrato. Realmente, o fato de um contrato administrativo ter sido considerado nulo por ausência de prévia licitação não exime, em princípio, a Administração do dever de indenizar o contratado pelos serviços por ele prestados. Todavia, em consideração ao disposto no art. 59 da Lei 8.666/1993, devem ser ressalvadas as hipóteses de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade do contrato. AgRg no REsp 1.394.161-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/10/2013.


DIREITO CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA INSTITUCIONAL DO MP DE TOMAR ASSENTO À DIREITA DO MAGISTRADO.


É prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público sentar-se à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem, independentemente de estarem atuando como parte ou fiscal da lei. Com efeito, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme estabelece o art. 127 da CF. Dessa forma, em razão da sua relevância para o Estado Democrático de Direito, essa instituição possui prerrogativas e garantias para que possa exercer livremente suas atribuições. Ademais, não se pode falar em privilégio ou quebra da igualdade entre os litigantes, uma vez que a citada garantia é proveniente de lei (art. 41, XI, da Lei 8.625/1993 e art. 18, I, a, da LC 75/1993). Precedentes citados: RMS 6.887-RO, Primeira Turma, DJ 15/12/1997; AgRg na MC 12.417-SP, Segunda Turma, DJ 20/6/2007; e RMS 19.981-RJ, Quinta Turma, DJ 3/9/2007. RMS 23.919-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/9/2013.


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMENDA À PETIÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA RETIFICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA.


Deve ser admitida a emenda à petição inicial para corrigir equívoco na indicação da autoridade coatora em mandado de segurança, desde que a retificação do polo passivo não implique alteração de competência judiciária e desde que a autoridade erroneamente indicada pertença à mesma pessoa jurídica da autoridade de fato coatora. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.222.348-BA, Primeira Turma, DJe 23/9/2011; e AgRg no RMS 35.638/MA, Segunda Turma, DJe 24/4/2012. AgRg no AREsp 368.159-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 1º/10/2013. Terceira Turma


DIREITO CIVIL. FORMA PRESCRITA EM LEI PARA A CESSÃO GRATUITA DE MEAÇÃO.


A lavratura de escritura pública é essencial à validade do ato praticado por viúva consistente na cessão gratuita, em favor dos herdeiros do falecido, de sua meação sobre imóvel inventariado cujo valor supere trinta salários mínimos, sendo insuficiente, para tanto, a redução a termo do ato nos autos do inventário. Isso porque, a cessão gratuita da meação não configura uma renúncia de herança, que, de acordo com o art. 1.806 do CC, pode ser efetivada não só por instrumento público, mas também por termo judicial. Trata-se de uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do CC, far-se-á por escritura pública ou instrumento particular, devendo-se observar, na hipótese, a determinação contida no art. 108 do CC, segundo a qual “a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. De fato, enquanto a renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro – a posse ou a propriedade dos bens do de cujus transmitem-se aos herdeiros quando e porque aberta a sucessão (princípio do saisine) –, a meação, de outro modo, independe da abertura da sucessão e pode ser objeto de ato de disposição pela viúva a qualquer tempo, seja em favor dos herdeiros ou de terceiros, já que aquele patrimônio é de propriedade da viúva em decorrência do regime de bens do casamento. Além do mais, deve-se ressaltar que o ato de disposição da meação também não se confunde com a cessão de direitos hereditários (prevista no art. 1.793 do CC), tendo em vista que esta também pressupõe a condição de herdeiro do cedente para que possa ser efetivada. Todavia, ainda que se confundissem, a própria cessão de direitos hereditários exige a lavratura de escritura pública para sua efetivação, não havendo por que prescindir dessa formalidade no que tange à cessão da meação. REsp 1.196.992-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/8/2013.


DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL À PRETENSÃO DE COBRANÇA DE PARCELAS INADIMPLIDAS ESTABELECIDAS EM CONTRATO DE MÚTUO PARA CUSTEIO DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS.


A pretensão de cobrança de parcelas inadimplidas estabelecidas em contrato de crédito rotativo para custeio de estudos universitários prescreve em vinte anos na vigência do CC/1916 e em cinco anos na vigência do CC/2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002. De fato, na vigência do CC/1916, a pretensão estava sujeita ao prazo prescricional do art. 177 do referido código – vinte anos –, em razão da inexistência de prazo específico. No entanto, com a entrada em vigor do CC/2002, impera regra específica inserta no art. 206, § 5º, I, do CC/2002, que prevê o prazo prescricional quinquenal para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. É inadequada, portanto, a incidência do prazo geral decenal previsto no art. 205 CC/2002 – dez anos –, destinado às hipóteses em que não existir prazo menor especial, previsto em algum dos parágrafos do art. 206. REsp 1.188.933-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/8/2013.


DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE CONTRATO DE SEGURO.


No contrato de seguro de vida e acidentes pessoais, o segurado não tem direito à indenização caso, agindo de má-fé, silencie a respeito de doença preexistente que venha a ocasionar o sinistro, ainda que a seguradora não exija exames médicos no momento da contratação. Isso porque, quando da contratação de um seguro de vida, ao segurado cabe o dever de fazer declarações verídicas sobre seu real estado de saúde, cujo conteúdo é determinante para a aceitação da proposta, bem como para a fixação do prêmio. Ademais, o CC destaca a necessidade de boa-fé para as relações securitárias (art. 765), além de estar presente como cláusula geral de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113) e como diretriz de observância obrigatória na execução e conclusão de qualquer contrato (art. 422). Sendo assim, a seguradora só pode se eximir do dever de indenizar, alegando omissão de informações por parte do segurado, se dele não exigiu exames clínicos, caso fique comprovada sua má-fé. AgRg no REsp 1.286.741-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2013.


DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DE PRETENSÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DA NÃO RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO DE VIDA COLETIVO.


Prescreve em três anos a pretensão do segurado relativa à reparação por danos sofridos em decorrência da não renovação, sem justificativa plausível, de contrato de seguro de vida em grupo, após reiteradas renovações automáticas. Isso porque a causa de pedir da indenização é a responsabilidade extracontratual da seguradora decorrente da alegada abusividade e ilicitude da sua conduta de não renovar o contrato sem justificativa plausível, em prejuízo dos seus consumidores. Assim, o prazo prescricional da pretensão do segurado não é o de um ano definido pelo art. 206, § 1º, II, do CC – o qual diz respeito às hipóteses em que a pretensão do segurado se refira diretamente a obrigações previstas em contrato de seguro –, mas sim o de três anos prescrito pelo art. 206, § 3º, V, do mesmo código. REsp 1.273.311-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2013. Quarta Turma


DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DE EMBARQUE DE CRIANÇA PARA O EXTERIOR.


É lícita a conduta de companhia aérea consistente em negar o embarque ao exterior de criança acompanhada por apenas um dos pais, desprovido de autorização na forma estabelecida no art. 84 do ECA, ainda que apresentada – conforme estabelecido em portaria da vara da infância e da juventude ­– autorização do outro genitor escrita de próprio punho e elaborada na presença de autoridade fiscalizadora no momento do embarque. Isso porque, quando se tratar de viagem para o exterior, exige-se a autorização judicial, que somente é dispensada se a criança ou o adolescente estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsáveis, ou se viajarem na companhia de um deles, com autorização expressa do outro por meio de documento com firma reconhecida (art. 84 do ECA). Dessa forma, portaria expedida pela vara da infância e juventude que estabeleça a possibilidade de autorização do outro cônjuge mediante escrito de próprio punho elaborado na presença das autoridades fiscalizadoras no momento do embarque não tem a aptidão de suprir a forma legalmente exigida para a prática do ato. Ademais, deve-se ressaltar que o poder normativo da justiça da infância e da juventude deve sempre observar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e, sobretudo, as regras expressas do diploma legal regente da matéria. Além disso, é válido mencionar que, não obstante o País tenha passado por uma onda de desburocratização, a legislação deixou clara a ressalva de que o reconhecimento de firma não seria dispensado quando exigido em lei, bem como que a dispensa seria exclusivamente para documentos a serem apresentados à administração direta e indireta (art. 1º do Dec. 63.166/1968, art. 2º do Dec. 83.936/1979 e art. 9º do Dec. 6.932/2009). REsp 1.249.489-MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 13/8/2013.


DIREITO DO CONSUMIDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO EM CONTRATO DE PENHOR.


Em contrato de penhor firmado por consumidor com instituição financeira, é nula a cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo ou extravio do bem empenhado. De fato, nos termos do inciso I do art. 51 do CDC, serão consideradas abusivas e nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Cumpre ressaltar que, na situação em análise, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois esse, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nessa avença, a avaliação, além de unilateral, é focada precipuamente nos interesses do banco, sendo que o valor da avaliação é sempre inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista. Note-se que, ao submeter-se ao contrato de penhor perante a instituição financeira, que detém o monopólio de empréstimo sob penhor de bens pessoais, o consumidor demonstra não estar interessado em vender os bens empenhados, preferindo transferir apenas a posse temporária deles ao agente financeiro, em garantia do empréstimo. Pago o empréstimo, tem plena expectativa de retorno dos bens. Ademais, deve-se levar em consideração a natureza da atividade exercida pela instituição financeira, devendo-se entender o furto ocorrido como fortuito interno. Precedente citado: REsp 1.133.111-PR, Terceira Turma, DJe 5/11/2009; e REsp 273.089-SP, Quarta Turma, DJ de 24/10/2005. REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.


DIREITO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS NO CASO DE FURTO DE BEM EMPENHADO.


É possível que instituição financeira seja condenada a compensar danos morais na hipótese de furto de bem objeto de contrato de penhor. Efetivamente, o consumidor que decide pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta e, para tanto, confia que o credor o guardará pelo prazo ajustado. Se o bem empenhado fosse um bem qualquer, sem nenhum valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda do bem e, certamente, obteria um valor maior. REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO EM EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.


A exceção de incompetência é meio adequado para que a parte ré impugne distribuição por prevenção requerida pela parte autora com base na existência de conexão. A conexão é hipótese de alteração legal de competência, prevista nos arts. 103 a 105 do CPC, e que consiste na reunião dos processos em decorrência da existência de similaridade entre uma demanda e outra anteriormente ajuizada, a partir da coincidência de um ou dois dos seus elementos, quais sejam: partes, pedido e causa de pedir. A finalidade da conjunção desses processos é evitar que sejam prolatadas decisões conflitantes. Nessa linha, a conexão pode ser alegada por qualquer das partes ou ser reconhecida de ofício pelo juízo. A propósito, é necessário ressaltar uma diferença entre a alegação de modificação de competência e a invocação de incompetência relativa. Na primeira situação, o réu pretende a reunião de processos conexos, podendo arguir, desde logo, em sede de preliminar da contestação, uma vez que, nesse caso, parte da premissa de que o juízo era competente e, por conta da conexão, a competência deve ser prorrogada (art. 301, VII, do CPC). Na segunda situação, a pretensão do réu pode consistir em afastar a ocorrência da conexão, que, a seu ver, acarretou a distribuição equivocada do processo. Assim, a alegação deve ser feita por meio de exceção de incompetência (arts. 307 e seguintes do CPC), uma vez que a premissa básica do seu raciocínio e seu objetivo imediato são exatamente a incompetência relativa do juízo. Desse modo, a inexistência de conexão configura exemplo revelador do não cabimento da distribuição por dependência, caracterizando a incompetência do juízo. Ademais, os dispositivos do CPC que disciplinam o instituto da exceção (arts. 304 a 311) não instituem nenhum óbice à apreciação de outras alegações que configurem argumento meio para a obtenção do reconhecimento do real objetivo do réu, qual seja, a declaração de incompetência relativa do juízo. REsp 1.156.306-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013. Quinta Turma


DIREITO PENAL. REQUISITOS PARA A COMUTAÇÃO DA PENA.


Na hipótese em que decreto presidencial de comutação de pena estabeleça, como requisito para sua concessão o não cometimento de falta grave durante determinado período, a prática de falta grave pelo apenado em momento diverso não constituirá, por si só, motivo apto a justificar a negativa de concessão do referido benefício pelo juízo da execução. Precedentes citados: HC 161.603-RS, Quinta Turma, DJe de 21/6/2010; e HC 138.361-RS, Quinta Turma, DJe de 19/10/2009. HC 266.280-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/8/2013.


DIREITO PENAL. PRAZO PARA A COMUTAÇÃO DA PENA.


O cometimento de falta grave não interrompe o prazo estipulado como critério objetivo para concessão de comutação da pena caso o decreto presidencial concessivo assim não preveja. Precedentes citados: HC 138.361/RS, Quinta Turma, DJe de 19/10/2009; e HC 131.880/SP, Quinta Turma, Rel. DJe de 5/10/2009. HC 266.280-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/8/2013.


DIREITO PENAL. EXAME PERICIAL NO CASO DE CRIME DE FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA.


Ainda que não tenha sido realizado exame de corpo de delito, pode ser reconhecida a presença da qualificadora de escalada do crime de furto (art. 155, § 4º, II, do CP) na hipótese em que a dinâmica delitiva tenha sido registrada por meio de sistema de monitoramento com câmeras de segurança e a materialidade do crime qualificado possa ser comprovada por meio das filmagens e também por fotos e testemunhos. De fato, nas infrações que deixam vestígios, é indispensável o exame de corpo de delito, nos termos do que disciplina o art. 158 do CPP, o qual somente pode ser suprido pela prova testemunhal quando aqueles houverem desaparecido. Contudo, estando devidamente demonstrada a existência de provas referentes à utilização da escalada para realizar o furto, por meio de filmagem, fotos e testemunhos, mostra-se temerário desconsiderar o arcabouço probatório ante a ausência de laudo pericial da escalada, o qual certamente apenas confirmaria as provas já existentes. Note-se que prevalece igualmente no STJ o entendimento de que não se deve reconhecer uma nulidade sem a efetiva demonstração do prejuízo, pois a forma não deve preponderar sobre a essência no processo penal. Ademais, importante ponderar que não pode o processo penal andar em descompasso com a realidade, desconsiderando elementos de prova mais modernos e reiteradamente usados, os quais, na maioria das vezes, podem revelar de forma fiel a dinâmica delitiva e as circunstâncias do crime praticado. REsp 1.392.386-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/9/2013. Sexta Turma


DIREITO PROCESSUAL PENAL. DETERMINAÇÃO EM LEI ESTADUAL DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PARA O PROCESSAMENTO DE AÇÃO PENAL DECORRENTE DA PRÁTICA DE CRIME CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE.


Devem ser anulados os atos decisórios do processo, desde o recebimento da denúncia, na hipótese em que o réu, maior de 18 anos, acusado da prática do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, caput, do CP), tenha sido, por esse fato, submetido a julgamento perante juízo da infância e da juventude, ainda que lei estadual estabeleça a competência do referido juízo para processar e julgar ação penal decorrente da prática de crime que tenha como vítima criança ou adolescente. De fato, o ECA permitiu que os Estados e o Distrito Federal possam criar, na estrutura do Poder Judiciário, varas especializadas e exclusivas para processar e julgar demandas envolvendo crianças e adolescentes (art. 145). Todavia, o referido diploma restringiu, no seu art. 148, quais matérias podem ser abrangidas por essas varas. Neste dispositivo, não há previsão de competência para julgamento de feitos criminais na hipótese de vítimas crianças ou adolescentes. Dessa forma, não é possível a ampliação do rol de competência do juizado da infância e da juventude por meio de lei estadual, de modo a modificar o juízo natural da causa. Precedentes citados: RHC 30.241-RS, Quinta Turma, DJe 22/8/2012; HC 250.842-RS, Sexta Turma, DJe 21/6/2013. RHC 37.603-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 16/10/2013.



Fonte: STJ
 

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...