segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

FABRICADOS PARA NÃO DURAR



Um excelente documentário  que retrata muito bem a política de absolescência programada de produtos.

ACERVO DE LIVROS DO STJ É REFERÊNCIA NO MUNDO JURÍDICO

A Biblioteca Oscar Saraiva é uma joia exposta no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com 1.770 metros quadrados de área, ela não é tão grande quanto a Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB), que tem quase 18 mil metros quadrados. O acervo, abrigando cerca de 171 mil livros e periódicos, é menor que o da Biblioteca do Senado, que dispõe de mais de 213 mil itens, entre livros, periódicos e obras raras. Ainda assim, a Biblioteca do STJ é referência para o mundo jurídico e uma das mais modernas e versáteis do país. 

José Ronaldo Vieira, chefe da seção de Biblioteca Digital e coordenador interino da biblioteca, destaca que hoje o setor tem a segunda maior coleção de textos jurídicos do país. “A única que nos supera é a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, mas apenas porque ela é a depositária do patrimônio bibliográfico e documental nacional e, obrigatoriamente, recebe exemplares de todas as publicações do Brasil. Mas entre as coleções específicas sobre temas jurídicos, somos a maior do país”, explica o coordenador. 

Um pouco de história

A biblioteca foi criada em 28 de junho de 1948, ainda nos tempos do Tribunal Federal de Recursos (TFR), com sede no Rio de Janeiro. No início, a coleção era voltada exclusivamente para o atendimento dos ministros. Em 1960, a sede do TFR foi transferida para Brasília, mas a biblioteca permaneceu no Rio até 1969. Em 1972, passou a ter o nome em homenagem ao ministro Oscar Saraiva, responsável pela construção da antiga sede do TFR. 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o STJ foi criado e absorveu a estrutura do extinto TFR. No ano seguinte foi iniciado o processo de automação e informatização do acervo, e em 1995 a biblioteca foi definitivamente transferida para a atual sede do STJ. 

A Biblioteca Oscar Saraiva tem recebido diversas coleções de juristas famosos, como a do professor José Frederico Marques e, mais recentemente, a de Caio Mário, com obras nacionais e estrangeiras e alguns exemplares raros. Já é tradição que os ministros, ao se aposentar, deixem pelo menos parte dos seus livros para o acervo do Tribunal. 

Além das doações, o acervo é mantido constantemente atualizado com a compra de novas obras por licitação. Wilmar Barros de Castro, secretário de Documentação do STJ, explica que, a cada aquisição, as obras são catalogadas para facilitar a busca on-line pelos usuários. 

Tatiana Barroso de Albuquerque, chefe da Seção de Acervos, informa que livros sobre legislação desatualizados ou repetidos são doados para instituições cadastradas, mas “alguns são mantidos para fins históricos e de pesquisa”. 

Além do direito 

Nem só de direito vive a biblioteca. Também são comprados livros de áreas específicas, como administração e comunicação, segundo as necessidades dos diversos setores do Tribunal. Tatiana Barroso aponta que essas obras não são consideradas acervo da biblioteca, pois são cedidas para as unidades solicitantes na condição de empréstimo especial, renovado todo ano. Em 2012 foram adquiridos 2.651 livros, 71 deles fora da área jurídica. 

Outro serviço não ligado ao direito é a estante do Livro Livre, onde os usuários deixam ou pegam livremente livros, CDs e DVDs sobre os mais diversos assuntos. O coordenador José Ronaldo Vieira conta que a iniciativa foi lançada em 2009, e que esses livros também não fazem parte do acervo. “O Livro Livre é um projeto social que visa estimular a leitura via circulação sem barreiras de livros”, comentou. 

Um dos maiores destaques da Oscar Saraiva é a coleção de obras raras, uma das maiores da América Latina no segmento jurídico. O volume mais antigo é Decisionum Senatus Regni, de Belchior Febo, publicado em 1623. Outro livro muito antigo éCommentaires Sur Les Loix Angloises, publicado em Bruxelas, primeira tradução para idioma estrangeiro de uma das mais importantes obras sobre o direito inglês, escrita em 1756 pelo juiz e catedrático William Blackstone. 

Também há edições históricas de autores nacionais, como a última edição em vida de Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, de Clóvis Beviláqua, autor do projeto do Código Civil de 1916. No total, são 2.580 volumes raros mantidos em uma sala trancada e climatizada. 

Walmir Barros explica que a conservação física da coleção é responsabilidade do Laboratório de Gestão de Documentação, não vinculado à biblioteca, mas que trabalha em parceria com ela. “Há vários desafios para a manutenção e restauração, pois alguns são encadernados em couro, outros em papiro e há volumes que exigem especial cuidado na manipulação”, disse. Grande parte das obras raras já foi digitalizada e pode ser consultada virtualmente. 

Novas tecnologias

A informatização da biblioteca e a digitalização do acervo são mesmo prioritárias. A prova é a criação da Biblioteca Digital Jurídica (BDJur), em 2004. A BDJur é uma ampla coleção de documentos jurídicos, que reúne em único portal as bibliotecas digitais do Poder Judiciário e serve como repositório de informações para o STJ. 

Segundo José Arnaldo Vieira, em 2012 foram feitos mais de 200 mil downloads de documentos da BDJur, entre textos, artigos e vídeos. “Nossa base de dados inclui ainda a produção de artigos dos ministros, teses de servidores do STJ e de outros tribunais na área jurídica, manuais e vários outros itens”, acrescentou. 

A BDJur é disponibilizada livremente para usuários externos e servidores, que podem pesquisar jurisprudência e acessar ainda outras bases de dados jurídicos, como a Biblioteca Forense Digital, da Editora Forense, e o Governet, base voltada para administradores públicos. A biblioteca digital é importante no apoio às atividades dos ministros da Corte, tanto na consulta de doutrina quanto de jurisprudência para elaboração de votos. 

“A BDJur também serve como memória histórica para o STJ, arquivando relatórios, vídeos de palestras, atos administrativos e outras informações que, de outro modo, ficariam dispersas ou até perdidas” explicou José Arnaldo Vieira. A qualidade do trabalho da BDJur é reconhecida internacionalmente. O Conselho Superior de Investigação Científica da Espanha organizou um ranking de bibliotecas digitais e repositórios institucionais e, entre 1.200 órgãos de todo o mundo, a BDJur foi classificada na 17ª posição. 

Para o futuro

A informatização tem sido importante ferramenta para melhorar o atendimento aos usuários. Elisandra Luíza da Silva, chefe do Setor de Atendimento e Pesquisa, informa que, em 2012, 108.070 pessoas circularam na biblioteca. Para facilitar o trabalho com esse volume, vários projetos foram adotados. “Estamos implementando ainda no primeiro semestre a tecnologia RFID, usado em transponders, que vai permitir que os usuários tomem de empréstimo e devolvam livros sem auxílio dos bibliotecários, agilizando muito o processo”, explica. 

Outro projeto que vai ser iniciado é a pesquisa do usuário, que vai criar perfil com idade, gênero, área de interesse e outros dados. Essas informações serão utilizadas pelo setor de compras e também na melhoria do atendimento. “Outra novidade será a aplicação do DSI (Disseminação Seletiva de Informação). O usuário será cadastrado em suas áreas de interesse e receberá por e-mail listas de novos documentos incorporados sobre tais temas”, revela Elisandra Luíza da Silva. 

A organização dos acervos dos membros da Corte, outra atividade da Oscar Saraiva, também levou o STJ a desenvolver novas técnicas. Segundo Tatiana Barroso, muitos ministros têm vastas coleções, que às vezes precisam ser reorganizadas. “Em muitos casos, tivemos que criar novos sistemas de catalogação, pois cada acervo tem suas particularidades”, explica. Ela conta que já tiveram de lidar com grandes volumes de livros, como o acervo “gigantesco” do ministro Herman Benjamin, ou com as particularidades da coleção do ministro João Otávio de Noronha. 

Quando o ministro Luiz Fux foi para o Supremo Tribunal Federal – conta Tatiana Barroso –, ele pediu que os bibliotecários do STJ usassem seu know how para organizar sua biblioteca no STF. “A Procuradoria-Geral da República também já pediu nossa ajuda para ordenar os livros dos procuradores”, revela a chefe da Seção de Acervos. 

Mais informações sobre a Biblioteca Oscar Saraiva, bem como o acesso a alguns de seus serviços, estão disponíveis no portal do STJ, no menu à esquerda da homepage, item “Biblioteca”. 

Fotos:



Fonte: STJ

ENTENDA O QUE É OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA




O desgaste natural dos produtos é normal. Porém, o produto ser “planejado” para parar de funcionar ou se tornarem obsoletos em um curto período de tempo é uma prática da indústria que deve ser combatida

Conforme usamos um produto, é natural que este sofra desgastes e se torne antigo com o passar do tempo. O que não é natural é que a própria fabricante planeje o envelhecimento de um produto, ou seja, programar quando determinado objeto vai deixar de ser útil e parar de funcionar, apenas para aumentar o consumo. 

Apesar do avanço tecnológico, que resultou na criação de uma diversidade de materiais disponíveis para produção e consumo, hoje nossos eletrodomésticos são piores, em questão de durabilidade, do que há 50 anos. Os produtos são fáceis de comprar, mas são desenhados para não durar. Por esta razão, o consumidor sofre para dar a eles uma destinação final adequada e ainda se vê obrigado a comprar outro produto. 

Um dos principais exemplos de obsolescência programada é a lâmpada. Quando criada, ela durava muito, mas as fabricantes viram que venderiam apenas um número limitado de unidades. Por isso, criaram uma fórmula para limitar o funcionamento das lâmpadas, que passaram a durar apenas mil horas, por exemplo.

Na área tecnológica, a obsolescência programada pode ser vista com maior frequência. Geralmente, durante o período de garantia, os desktops e notebooks de alguns fabricantes funcionam normalmente. No entanto, após o fim desse prazo, passam a apresentar defeitos como superaquecimento ou esgotamento da bateria. Na quase totalidade dos casos o preço do conserto é tão alto que não vale a pena, e os consumidores são impelidos a adquirir um produto novo.

É importante lembrar que a humanidade já está consumindo 30% a mais do que o planeta é capaz de repor e é preciso que haja uma redução em até 40% as emissões de gases de efeito estufa para que a temperatura não suba mais do que 2º C.

Diante de uma situação tão alarmante, mudanças dos padrões de produção e consumo, de forma a diminuir o descarte desnecessário de toneladas de lixo eletrônico e tóxico no planeta, são essenciais para reverter esse quadro. 

Além disso, é dever do Estado regularizar, fiscalizar e induzir esses novos padrões. As empresas, por sua vez, devem garantir ao consumidor acesso à informação e assumir a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, visando ao desenho adequado dos produtos e embalagens e o fim da obsolescência programada.

“Comprar, tirar, comprar”
O documentário “Comprar, tirar, comprar - The Light Bulb Conspiracy”, da diretora Cosima Dannoritzer, é um ótimo exemplo para que os consumidores vejam como a indústria tem trabalhado nos últimos 100 anos para promover o aumento do consumo com a oferta de produtos de qualidade inferior. 
Para assistir o documentário, clique aqui.

Fonte: IDEC

DUNCAN KENNEDY E O PENSAMENTO JURÍDICO CRÍTICO NOS EUA


Duncan Kennedy foi um dos principais protagonistas do movimento de contra-cultura jurídica dos Estados Unidos, ao longo da década de 1980. Leciona na Harvard Law School. Deixa-nos, entre tantos textos, um manifesto para uma educação jurídica de feição crítica (Legal Education as Training for Hierarchy), um comentário sobre os textos clássicos de Blackstone (The Structure of Blackstone’s Commentaries), um inusitado manifesto-diálogo, escrito com Peter Gabel (Roll over Beethoven), um livro de crítica e problematização da concepção de decisões jurídicas (A Critique of Adjudication - Fin de Siècle) e um conjunto de ensaios sobre poder e políticas de identidade cultural (Sexy, Dressing etc.).

Duncan Kennedy afirmou que as faculdades de direito são locais de intensa prática política, nada obstante o fato de que se dissimulem intelectualmente despretensiosas, estéreis de ambição teórica ou de visão prática no que toca ao que a vida social deva ser[1]. O aluno de direito buscaria mobilidade social, e é raro que seus pais efetivamente desaprovem que seus filhos frequentem um curso jurídico, não importando a origem social das famílias[2].

O ambiente do curso de direito reproduziria convenções de poder, os professores são majoritariamente brancos, do sexo masculino, pretensamente corretos nas atitudes, com todos os maneirismos de classe média[3]. Para o professor de Harvard, a sala de aula de primeiro ano de uma faculdade de direito é culturalmente reacionária[4].

O curso de direito legitimaria o modelo hierárquico, promovendo a justificação para os modelos normativos que fermentam as relações de poder numa sociedade capitalista[5]. Há livro de vulgarização referente às tormentas que o primeiro ano do curso de direito provoca no aluno norte-americano, de autoria de Scott Turrow[6]. O texto de Kennedy sobre educação jurídica também circulou em forma de uma edição-panfleto, em cor vermelha[7], o que certamente guarda semelhanças com o livro vermelho da revolução cultural chinesa de Mao[8].

Sob pesada influência dos modelos historiográficos de Edward Palmer Thompson, historiador inglês de esquerda que estudara a questão agrária na Inglaterra medieval[9], a par da formação da classe operária inglesa, ativista, pacifista, Duncan Kennedy elaborou texto a propósito da estrutura dos comentários de William Blackstone. Redigidos entre 1756 a 1759, os aludidos comentários de Blackstone analisam as leis da Inglaterra, em mais de duas mil páginas, divididas em quatro volumes, dispostas em aparente lógica binária, com fragmentação em rights e wrongs[10].

Denuncia Kennedy que os comentários de Blackstone plasmavam um instrumento apologético, mistificando dominadores e dominados, convencendo-os da naturalidade, da liberdade, da racionalidade da condição do servo[11]. O método usado por Kennedy ao comentar Blackstone também nos remete ao modo estruturalista de análise, como encontrado nos trabalhos de Claude Lévi-Strauss[12].

Roll over Beethoven é texto-diálogo, altamente subversivo, a começar pelo título, que evoca nostálgico rock and roll gravado por Chuck Berry em 1956. Kennedy dá início à fala acusando Peter Gabel[13] de trair o projeto do movimento crítico do direito norte-americano ao tentar conceituá-lo[14]. Duncan Kennedy propõe um positivismo de combate, sugerindo que advogados progressistas ligados ao movimento crítico deveriam convencer juízes de que deveriam agir e de que lidavam com causas dependentes de decisões concretas[15].

Kennedy propõe atitudes prospectivas e de tal modo descaracteriza e desautoriza o niilismo que supostamente marcava o grupo. Otimista, Kennedy propunha que a luta para propiciar força liberatória no discurso político dominante poderia, em alguns casos, ser energizante[16]. O texto provocou reações ásperas, a ponto de um professor da universidade de Maryland ter reputado o excerto como um monte de lixo (a pile of crap)[17].

No livro A Critique of Adjudication, que é recente (de 1997) Duncan Kennedy reafirma o eixo temático crítico que vem desenvolvendo desde a conferência de Madison. Define o livro como um trabalho de teoria social escrito a partir de um ponto de vista de esquerda e modernista/pós-moderno[18].

Relativista, Kennedy admite que o papel do direito (the rule of law) exerce importante função nos vários modelos de governo e na ordem social de inúmeros países democráticos e capitalistas, embora não protagonizem o mesmo papel nos diferentes sistemas que menciona[19]. Toca em temas afetos ao marxismo clássico, citando o próprio filósofo de Trier, a propósito da alienação, e lembrando que há por parte das pessoas tendência à alienação dos próprios poderes[20].

Identifica as diversas tipologias atinentes à teoria da prestação jurisdicional; lembrando o binômiodedução e atividade legislativa do judiciário em Hart, a ideia robusta de julgamento enquanto atividade legislativa do judiciário em Mangabeira Unger, a concepção de dedução, coerência e percepção política pessoal em Dworkin, entre outras[21]. A própria definição de regras jurídicas (legal rules) suscita conflitos ideológicos, inseridos em sociedade ideologicamente dividida[22].

Kennedy assume a ideologia como uma universalização de interesses de grupo (universalization of group interests)[23]. E é a política que agindo como um cavalo de Tróia traduz a ideologia em regras jurídicas[24].

Um dos pontos mais elaborados do livro consiste nas abertas críticas que Duncan Kennedy fez a Ronald Dworkin, ao analisar o pensamento do juiz Hercules. Trata-se Hercules de figura metafórica engendrada por Dworkin; aparece no ensaio Hard Cases e é descrito como detentor de habilidades sobre-humanas, sabedoria, paciência e perspicácia[25].

O problema consiste em se entender concretamente os mecanismos que informam e que marcam a atividade judicial, no que toca ao trabalho artesanal do julgador, dúvida que persiste intrigando o pensamento jurídico ocidental. A problematização do fato, sem necessariamente apresentar-se soluções, é que consubstancia um ensaio discursivo, que matiza um plano de ação. Nominando o projeto de mpm (modernism/postmodernism) Duncan Kennedy antecipadamente responde aos críticos[26], insistindo que não há concepção niilista adjacente à ideia de se repensar os modelos de adjudicação (adjudication) no significado inglês da expressão, referente a protótipos de decisões judiciais.

Em 1993 Duncan Kennedy publicou ensaio sobre ações afirmativas e as projeções da questão em âmbito de academia jurídica[27]. Ações afirmativas são debatidas nas cortes americanas desde 1974 (caso DeFunnis), ganharam muita discussão em 1978 (caso Bakke)[28] e ainda hoje dividem a opinião pública dos Estados Unidos. Trata-se de reservas de cotas em universidades (por exemplo) para egressos de minorias (especialmente raciais); os prejudicados matizam as ações afirmativas com o nome de discriminações reversas. Kennedy assume que um princípio democrático geral diz-nos que as todas as pessoas devem possuir representação nas instituições que exercem poder e influência em suas vidas. Consequentemente, a diversidade cultural deve ser estimulada, e com isto se potencializa a qualidade e o valor dos estudos de direito[29].

Os estudos e a ação docente de Duncan Kennedy caracterizam seu trabalho como referencial em estudos movimento crítico nos Estados Unidos. Diferente, inovador, ousado, irreverente, Kennedy bem consubstancia atitude conceitual que insiste que direito é política.
[1] KENNEDY, Duncan. Legal Education as Training for Hierarchy, in KAIRYS, David (ed.), The Politics of Law- a Progressive Critique, p. 54. Tradução e versão livre do autor. Law schools are intensely political places despite the fact that they seem intellectually unpretentious, barren of theoretical ambition or practical vision of what social life might be.
[2] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 55. Tradução e versão livre do autor. It is rare for parents to activelydisapprove of their children going to law school, whatever their origins.
[3] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 56. Tradução e versão livre do autor. The teachers are overwhelmingly white, male, and deadeningly straight and middle class in manner.
[4] KENNEDY, Duncan. Op.cit., loc.cit. Tradução e versão livre do autor. The law school classroom at the beginning of the first year is culturally reactionary.
[5] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 72.
[6] TUROW, Scott. One L. O título refere-se ao primeiro ano do curso de direito, onde One refere-se ao ano e L a Law, direito.
[7] MINDA, Gary. Op.cit. p. 112.
[8] GOLDMAN, Merle e FAIRBANK, John King, China, a New History, p. 383 e ss.
[9] Há tradução portuguesa de Whigs and Hunters, Senhores e Caçadores, livro que influenciara Duncan Kennedy.
[10] GOLDBERG, John C. P. Blackstone’s Commentaries on the Laws of England, in HALL, Kermit L. (ed.) The Oxford Companion to American Law, p. 67.
[11] KENNEDY, Duncan. The Structure of Blackstone’s Commentaries, in HUTCHINSON, Allan C. (ed.), Critical Legal Studies, p. 139.
[12] MINDA, Gary. Op.cit., p. 115.
[13] Pete Gabel lecionava direito na California, especificamente na New College of California Law School.
[14] KENNEDY, Duncan. Roll Over Beethoven, 36 Stanford Law Review, p. 1.
[15] KENNEDY, Duncan. Op. cit. p. 29.
[16] KENNEDY, Duncan. Op. cit.,p. 37.
[17] MINDA, Gary. Op.cit., p. 122.
[18] KENNEDY, Duncan. A Critique of Adjudication- Fin de Siècle, p. 1. Tradução e versão livre do autor. It is a work of general social theory written from a leftist and a modernist/postmodernist point of view.
[19] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 13.
[20] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 18.
[21] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 37.
[22] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 39.
[23] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 41.
[24] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 111.
[25] DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously, p. 105. Tradução e versão livre do autor. (...) superhuman skill, learning, patience and acumen (...)
[26] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 359.
[27] KENNEDY, Duncan. A Cultural Pluralist Case for Affirmative Action in Legal Academia, in KENNEDY, Duncan, Sexy, Dressing etc., p. 34 e ss.
[28] SPANN, Girardeau. The Law of Affirmative Action- Twenty- Five Years of Supreme Court Decisions on Race and Remedies, p. 15 e ss.
[29] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 34.
 
 
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2013

MILTON LUIZ PEREIRA E AS FACETAS DE UM GRANDE JUIZ

Coluna Vladimir [Spacca]Os juízes são seres humanos, com todas suas virtudes e defeitos. Mas deles se espera e se exige mais, muito mais. O que se admite em outras carreiras jurídicas, não se permite aos magistrados.
Os anos de profissão vão moldando as pessoas. Opiniões moderadas, hábito de dar a última palavra — mesmo que seja sobre a compra do carro do cunhado — e a inconsciente tendência de ouvir o outro interessado, aplicando o devido processo legal até na disputa dos filhos pelo leite condensado.
Mas, ainda que o tempo torne todos meio semelhantes, inclusive nos currículos, criando um pensamento quase uniforme sobre o Direito e a vida, alguns acabam saindo do padrão. Para o bem e para o mal.
Conheci centenas de magistrados ao longo de minha vida. Não só federais. Dez anos de MP estadual deram-me visão razoável dessa Justiça. Muitos anos de política associativa introduziram-me na Justiça do Trabalho e na Militar. Cursos, visitas, palestras ao redor do mundo deram-me a noção de que os juízes pensam de forma semelhante, em locais tão diferentes como Quênia, Honduras e Austrália.
Entre os magistrados que conheci, muitos me impressionaram. Falarei de um deles, movido pelo fato de ter participado, dia 22 passado, da cerimônia de colocação de seu nome em um Fórum da Justiça Federal em Curitiba. Refiro-me a Milton Luiz Pereira.
Conheci-o no ano de 1981, quando assumi a 2ª Vara Federal de Curitiba. Éramos apenas seis juízes federais para todo o estado. Mas ele era, visivelmente, o líder, o condutor. Sua figura rigorosa, a par da gentileza no trato, impressionou-me. E o tempo me fez compreender aquele homem singular.
Assistindo a aposição de seu nome no edifício que ele instalou em 1983, vieram-me à mente, como naqueles filmes em que sucessivas estações do ano revelam a inexorável passagem do tempo, as inúmeras passagens da vida de Milton Luiz Pereira. Muitas eu presenciei. Outras, me contaram. Vale a pena mencionar algumas. Pequenas coisas, que distinguem os que fizeram a diferença daqueles que, burocraticamente, apenas cumpriram seu papel.
O primeiro caso que me ocorre, contaram-me os servidores. Diziam que ele foi ao Detran resolver um problema e, após horas na fila sem se identificar, no momento em que ia ser atendido, o funcionário disse solenemente: “expediente encerrado” e fechou a pequena janela sua cara. Ele identificou a pessoa e mandou um convite para que fosse à Justiça Federal. O homem lá chegou, amedrontado, vivia-se no regime militar. Ele o recebeu educadamente e mostrou os três andares da Justiça Federal, à época na rua 15 de Novembro. Finalizou, levando o homem ao térreo e disse, sem qualquer sermão: “Sr. Fulano, eu só queria mostrar-lhe que aqui fazemos questão de atender bem a todos que nos procuram”.
Nos anos 1980, vez por outra, vinham ministros do Tribunal Federal de Recursos. Em 1983 chega um deles e era preciso recebê-lo bem. Milton avisou-nos que daria um jantar em sua casa. Lá fomos todos, cerca de 12 pessoas. A comida, preparada por sua esposa Mary — morreram com horas de diferença, no mesmo hospital, com 52 anos de matrimônio — feita com capricho. Seus cinco filhos, ainda crianças, ajudaram a servir e arrumar a mesa, depois brindaram-nos tocando piano. Vi algo incomum, uma linda e diferente recepção familiar.
Quando da mudança da Justiça para o prédio que agora leva o seu nome, estava eu sentado em uma mesa, com dois diretores de Secretaria, deliberando sobre a lotação de funcionários, porque a Vara havia sido desmembrada em duas. Ele passou e, percebendo a dificuldade da divisão, recomendou-me: “Na dúvida, pense no que atende mais ao interesse público e decida”. Essa lição levei para toda minha vida.
Dessa época, outra passagem curiosa. Milton, como diretor do Foro, foi a Brasília em viagem oficial. Ao retornar, entregou ao diretor administrativo as notas fiscais de suas despesas e, dando um cheque em branco e assinado, disse: “as despesas foram menores que as diárias, portanto, recolha a diferença a favor da União”. O diretor, após tentar convencê-lo de que não precisava devolver o dinheiro, perdeu dias até descobrir como recolher a diferença aos cofres públicos, porque até então nunca alguém tinha procedido daquela forma.
O corregedor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Tadaaqui Hirose, conta que, ao prestar o concurso em Brasília, no dia da prova oral, recebeu a visita de Milton Pereira, então convocado no TFR. Dele ouviu: “Dr. Tadaaqui, hoje de manhã fui à Igreja e rezei para que o senhor faça uma boa prova”.
Poucos anos depois, indicado em lista tríplice para o TFR, foi procurado por um advogado de péssimo conceito, que ofereceu apoio político. Evidentemente, para depois tornar-se credor do favor e cobrá-lo com juros e correção monetária. Ele respondeu: “Dr. Fulano, se o senhor quer me ajudar, reze por mim”. A um só tempo, rejeitou a oferta e não melindrou o homem, revelando sabedoria política.
Quando foram criados os TRFs, ele foi para São Paulo, presidir o TRF-3. Um assessor conta que, certa feita, o tribunal decidiu, administrativamente, pelo pagamento de diferenças salariais. Ele entregou um ofício ao assessor, dizendo: “Entregue no setor de pagamentos, não aceito receber esse dinheiro. Recomende ao diretor que não comente isto com ninguém, pois não quero parecer melhor do que os outros”. Em outra ocasião, o assessor entrou na sua sala, às 13 hs, e encontrou-o ajoelhado, rezando. Saiu rapidamente. Depois, chamado, ouviu a explicação: “Temos sessão hoje e sempre peço a Deus que, nos meus julgamentos, eu não cometa injustiças”.
Nomeado ministro do STJ, jamais se deixou inebriar pelo cargo. Jamais aceitou que o carro oficial o levasse do aeroporto à sua casa quando ia visitar a família, em caráter particular.
Quando foi coordenador do Conselho da Justiça Federal, criou um curso de hermenêutica à distância. Narra a presidente do TRF-4, Marga Tessler, que ao fazer o curso surpreendeu-se com o interesse do ministro que, inclusive, se comunicava com os participantes enviando mensagens. Por expressa recomendação dele, ela leu o livro Didascalion – a arte de ler, escrito por Hugo de San Victor em 1127, que acabou influenciando-a por toda a vida.
Em 2007, já aposentado, recebeu em sua casa a visita do diretor do Foro Marcelo Malucelli e da presidente da associação local, Flávia Xavier, que vinham pedir autorização para que fosse dado seu nome ao Fórum Federal. Exibiram ambos ato do Conselho da Justiça Federal, permitindo que pessoas vivas fossem assim homenageadas, desde que aposentadas. Ele ouviu atentamente, agradeceu e não aceitou. Disse: “Esperem que eu morra”.
Dezenas de passagens de Milton Luiz Pereira são transmitidas oralmente. E não só das atividades de magistrado, mas também dos tempos de estudante de Direito — venceu um concurso nacional de oratória —, de radialista, de advogado, de prefeito de Campo Mourão — onde recebeu, ao deixar o mandato, um Volkswagen de presente da população — e de professor — dedicado e rigoroso.
Exemplos como o dele devem ser lembrados e divulgados. E que frutifiquem, para o bem do Brasil.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2013

EXISTE UM DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Documentos, dados e reportagens dos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1987 e 1988 não são fáceis de reunir. Suprir essa lacuna é o desafio do advogado  Rodrigo Mudrovitsch e de um grupo de 70 alunos do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Eles buscam reconstruir o momento histórico e desenvolver uma análise crítica dos movimentos que resultaram na atual Constituição Federal.
Dividido em vários subgrupos temáticos, o grupo de pesquisa, liderado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, irá estudar os bastidores da Constituinte e os movimentos sociais que a impulsionaram. "O IDP quer suprir a lacuna abordando questões como: quais foram os debates? Quais foram as preocupações? O que se pensava naquela época?", diz Mudrovitsch. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele sustentou que não faz sentido estudar a mutação constitucional, por exemplo, sem saber de fato qual era o retrato salvo naquela época.
Rodrigo Mudrovitsch é professor e coordenador executivo do curso de pós-graduação em Direito Constitucional do IDP. É graduado em Direito pela Universidade de Brasília, mestre em Direito, Estado e Constituição pela mesma universidade e doutorando em Direito Constitucional pelo Departamento de Direito do Estado da Universidade de São Paulo.
Atua também como coordenador do grupo de pesquisa sobre a Constituinte junto com o professor Rodrigo Kaufmann. A pesquisa inclui, além de entrevistas e busca por dados históricos, uma série de palestras com personagens que viveram o momento e contribuíram, de alguma forma, na criação da Constituição de 1988. Entre os que já participaram estão os ministros aposentados do Supremo Nelson Jobim e José Carlos Moreira Alves, que narram como e por que foram esculpidos os principais artigos do texto.
“Esse trabalho é interessante porque a gente começa a tentar trazer elementos para alguns debates, como: foi uma Constituição com ampla participação social, ou foi um acordo de líderes?”, conta Mudrovitsch.
O grupo quer produzir conteúdo que possa ampliar e enriquecer o pouco material histórico e acadêmico que existe sobre a Constituinte. Os trabalhos serão finalizados em outubro, mês em que a Constituição Federal completa 25 anos e contará com a publicação da obra com todos os detalhes estudados, um documentário televisivo e uma linha do tempo eletrônica.
Leia a entrevista: 
ConJur — Quando começou e qual é a formação do grupo de pesquisa sobre a Constituinte?
Rodrigo Mudrovitsch — O grupo teve início no começo de 2012 e deve finalizar seus trabalhos no aniversário de 25 anos da Constituinte, que é no final deste ano. O projeto é capitaneado pelo ministro Gilmar Mendes, e a coordenação é minha e do professor Rodrigo Kaufmann. O grupo de pesquisa é formado por aproximadamente 70 alunos da graduação e da pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), especialmente do curso de mestrado do IDP, além de outros cursos de graduação e pós-graduação de Brasília, tanto da Universidade de Brasília como de faculdades privadas.
ConJur — Qual é o objetivo do projeto?Rodrigo Mudrovitsch — O grupo de pesquisa é destinado a reconstruir os bastidores não só da Constituinte, mas também dos movimentos sociais que a geraram. O grupo é dividido em aproximadamente dez subgrupos temáticos, entre eles um subgrupo histórico dedicado a reconstituir momentos políticos, outro que estudará o Ministério Público, o Poder Judiciário, a organização dos Poderes, o sistema federativo, direitos sociais e fundamentais. Há uma preocupação, no ambiente acadêmico do IDP, de não permitir que a teoria constitucional se descole da realidade, como por vezes se nota no Brasil.
ConJur — Como ocorre esse distanciamento?Rodrigo Mudrovitsch — Por importação irrefletida de teorias constitucionais dos Estados Unidos, da Alemanha, ou até por acomodação investigativa. O jurista acha que, ao meramente dominar alguns autores de fora, consegue resolver todos os problemas que englobam a aplicação do Direito Constitucional no Brasil. Nós até brincamos que os juristas estão acostumados a perquirir a constituição invisível, enquanto a visível, às vezes, é deixada de lado. A nossa ideia é trazer isso à tona.
ConJur — Qual foi o motivo principal que deu início à pesquisa?Rodrigo Mudrovitsch — Existe uma lacuna, especialmente de mapeamento de dados, de entrevistas, documentos e reportagens da época inicial da Constituinte. O IDP quer suprir essa lacuna abordando questões como: quais foram os debates? Quais foram as preocupações? O que se pensava naquela época? Não faz o menor sentido estudar o fenômeno da mutação constitucional, por exemplo, sem saber, de fato, qual era o retrato da época. O grupo de momentos históricos está produzindo uma linha do tempo que será eletrônica e interativa para que qualquer interessado tenha acesso aos discursos e fotos. Além disso, alguns personagens envolvidos com os bastidores da Constituinte estão dando palestras sobre o assunto. Entre os que já participaram, estão os ministros Nelson Jobim e Moreira Alves.
ConJur — O ministro Moreira Alves teve uma participação relevante na Constituinte e,depois, na interpretação do texto final, não é?Rodrigo Mudrovitsch — Sim. Entre outras questões, o ministro presidiu a sessão de abertura dos trabalhos da Constituinte. Fez um discurso genial. Perguntamos ao ministro se foi difícil escrevê-lo, já que é um discurso político e jurídico, além de ser uma fala de motivação e de atribuição de responsabilidade. O ministro terminou o discurso falando para os Constituintes: Tenham ciência de que esse é um momento no qual os acertos de vocês são esperados e os erros serão eternamente marcados. Ele disse que esse foi o texto mais difícil que ele já produziu. São momentos da nossa história que às vezes ficam de fora da análise jurídica.
ConJur — Quem mais foi convidado?Rodrigo Mudrovitsch — O professor Everardo Maciel, que participou indiretamente dos debates da Constituinte, além de ser referência em qualquer pensamento crítico sobre os sistemas federativo e tributário. Trouxemos também o senador Bernardo Cabral, conhecido como o relator geral da Constituinte, e o professor José Afonso da Silva, que foi um dos membros da Comissão dos Notáveis. Muitos não sabem ou não se lembram que existiu a Comissão dos Notáveis.
ConJur — Há pouca doutrina que aborda essa Comissão?Rodrigo Mudrovitsch — É, e é lugar comum na pouca doutrina que trata sobre o assunto dizer que o destino do trabalho da Comissão foi o arquivo do Ministério da Justiça. O professor José Afonso mostrou que a influência da Comissão dos Notáveis no texto constitucional é muito maior do que se imagina. Ele fez, inclusive, um comparativo entre o que foi produzido lá e o resultado final da Constituinte. Esse trabalho é interessante, porque, a partir dele, começamos a trazer elementos para alguns debates: foi uma constituição com ampla participação social ou foi um acordo de líderes?
ConJur — A intenção de vocês é tirar conclusões?Rodrigo Mudrovitsch — A nossa intenção é mais modesta. É permitir que a academia se dedique ao tema. Evidentemente que nós vamos fazer as nossas análises. Mas a nossa pretensão é suprir uma lacuna de pesquisa.
ConJur — É para contextualizar o momento, mais do que criticar?Rodrigo Mudrovitsch — Nós até podemos fazer isso, mas o nosso principal produto vai ser a organização do material de pesquisa, que está muito disperso. Organizá-lo de uma maneira que seja fácil de as pessoas olhar e, além disso, trazer um pouco do olho da teoria constitucional para a Constituição visível. É muito fácil se descolar do texto quando se trabalha com excesso de princípios. É comum ver julgamentos que propõem sentidos inovadores do texto constitucional. A ideia é dar arcabouço para que as pessoas possam refletir criticamente sobre isso. Há também planos com a TV Senado. Produziremos um documentário até o fim do ano. Estamos preparando também uma obra que será lançada este ano com todas as entrevistas concedidas ao grupo de pesquisa, juntamente com análises nossas do resultado final do trabalho.
ConJur — O senhor falava que para entender o fenômeno da mutação constitucional tem que entender a origem do próprio texto constitucional. Essa análise é feita do ponto de vista jurídico ou dos conflitos políticos e sociais?Rodrigo Mudrovitsch — A nossa percepção é a de que a análise estritamente jurídica é insuficiente para compreender um movimento dessa dimensão. Temos que atentar para outras questões.
ConJur — Essa Constituição é fruto de um momento histórico especifico?Rodrigo Mudrovitsch — Exato. E o pouco que a teoria constitucional faz é tentar racionalizar retrospectivamente isso. É um método equivocado de trabalho, porque, toda vez que se tenta extrair razão da complexidade dos debates políticos, perde-se o rigor na descrição da realidade. E isso é tudo o que nós não queremos.
ConJur — O Direito Constitucional brasileiro é genuinamente brasileiro ou é um conjunto de direitos constitucionais internacionais?
Rodrigo Mudrovitsch — Seria um desrespeito com a história constitucional brasileira ignorar nossas características e evolução próprias. A teoria muitas vezes se esquece disso. Não dá para dizer que não temos um Direito Constitucional brasileiro. Está na hora de deixar a discussão plenamente teórica um pouco de lado. Isso está gerando o descolamento da teoria com a realidade, com a facticidade. E é perigoso caminhar para esse descolamento total entre teoria e fato. Se isso acontecer, qualquer identidade própria de ordenamentos constitucionais será aniquilada.
ConJur — Como assim?Rodrigo Mudrovitsch – O pensamento que queremos combater passa a impressão de que existe uma única resposta possível para conflitos sobre direitos fundamentais no Brasil, na Alemanha e nos Estados Unidos. A preocupação, então, é trazer a necessidade de a teoria vir ao lado de uma hermenêutica que o ministro Gilmar Mendes chama de tópica, uma hermenêutica que é calcada na realidade. O IDP quer mudar essa preocupação teórica e também suprir uma lacuna. Evidentemente que de maneira modesta, mas é o que se busca.
ConJur — Isso reflete diretamente no “trabalho” do Supremo Tribunal Federal e a interpretação do Supremo também se converge nesse trabalho, não é?
Rodrigo Mudrovitsch — Sim, mas o projeto não é voltado ao STF. Evidentemente que o fruto disso pode ser utilizado para se louvar ou criticar decisões do Supremo, mas o foco primário do trabalho é político, especificamente o momento Constituinte de 1987 e 1988. A partir disso, será possível entender se o Supremo foi além em algum caso ou não, se foi necessário ir além para enfrentar uma questão e se de fato houve decisão aditiva ou não. Mas o nosso foco não é o STF.
ConJur  — E qual é?Rodrigo Mudrovitsch — Estamos trazendo outra crítica ao estudo do Direito Constitucional no Brasil, que é o excesso de atenção do jurista com relação aos magistrados. Há direito além da jurisdição constitucional. Há necessidade de se olhar a realidade, de se pensar fora da jurisdição constitucional, de se olhar para a própria história brasileira. Além disso, nosso foco primário nem é teórico. É mais modesto, até para que outros centros de pesquisas possam também dar as suas contribuições com relação ao tema. 
ConJur — Será feito o estudo comparado com constituições de outros países?
Rodrigo Mudrovitsch — Na busca por influências, é natural querer entender, por exemplo, se a nossa inspiração do controle da omissão inconstitucional foi portuguesa, assim como o motivo pelo qual estamos em um estágio nessa tarefa e eles estão em outro. Nesse sentido, tivemos, inclusive, a participação do Professor português Jorge Miranda, que discorreu sobre o momento constituinte português e sua influência no Brasil. Quando estudamos o fenômeno da mutação constitucional, por exemplo, estamos simplesmente repetindo a doutrina norte-americana e alemã ou será que descemos para a realidade brasileira? Porém, ainda assim, o nosso foco primário de estudo é simplesmente organizar dados. É nesse sentido que o IDP tenta aproveitar esse momento de celebração dos 25 anos da Constituição.
ConJur — O trabalho será disponibilizado na Internet e em forma de obra também?Rodrigo Mudrovitsch — Em forma de obra e na internet. O grupo é diretamente ligado às atividades do curso de mestrado do IDP. Mas o requisito para participar do grupo é apenas o interesse sério e comprometido com a pesquisa. Todos podem participar, mesmo quem não é jurista. Ficaríamos fascinados se tivéssemos um cientista político, uma pessoa da filosofia ou uma pessoa da sociologia no grupo. É um trabalho de pesquisa que realmente que não tem a intenção de se restringir aos juristas.
ConJur — Como são tratados os elementos que fizeram a Constituição? Por exemplo, os representantes dos advogados, os representantes dos servidores públicos, do Ministério Público, o que veio a ser a AGU. Essa questão faz parte da pesquisa?
Rodrigo Mudrovitsch — Temos um subgrupo de Defensoria. Esse subgrupo é dedicado exatamente a entender quais foram os fatores de poder que influenciaram as discussões, quais foram os diferentes modelos possíveis, os motivos políticos que conformaram a defensoria. Nós examinamos as atas das subcomissões, os artigos da época e quem foram as pessoas que fizeram discursos. Tudo isso para poder mapear as diferentes possibilidades institucionais.
ConJur — Perceber de onde veio?Rodrigo Mudrovitsch — Isso. Até porque a Constituição é uma seleção de possibilidades. Então, é interessante saber quais eram essas possibilidades, inclusive para se fazer uma avaliação sobre a plausibilidade de se repensar algum instituto. Estamos chegando a algumas conclusões extremamente interessantes, como no caso da ADPF. Você não consegue achar uma fundamentação expressa para ela nos debates da Constituinte, e nem o motivo de ela aparecer na constituição. É interessante descobrir questões como essa, pois, quando é feita a mera racionalização retrospectiva da política, o resultado da análise jurídica se torna extremamente limitado. Muitas vezes o jurista tenta fugir dessa dificuldade. Usa a teoria para fazer o estranho parecer normal.
ConJur — Como é feita a divisão de pesquisa? 
Rodrigo Mudrovitsch — Nós temos grupos que vão direto às fontes primárias. As palestras são um complemento da pesquisa. Há trabalhos feitos diretamente pelos alunos. E cada subgrupo tem um coordenador, geralmente vinculado ao curso mestrado do IDP. E nós, eu e Rodrigo Kaufmann, somos os coordenadores gerais. O ministro Gilmar Mendes é o líder do grupo. Seguimos uma metodologia rígida de pesquisa jurídica. Como o grupo é registrado no CNPQ, temos uma série de regramentos em relação aos quais temos que nos submeter.
ConJur — Quem fará a produção acadêmica?
Rodrigo Mudrovitsch — Cada subgrupo tem o seu espaço. Nós damos liberdade. Às vezes eles escrevem em grupo, as vezes não. Mas há sempre orientação nossa. Tentamos dar igual espaço aos subgrupos.
ConJur - Algumas coisas foram discutidas na Constituinte e chegaram a fazer parte do texto final da Constituição, mas que não são cumpridas hoje, como a Independência dos Poderes?
Rodrigo Mudrovitsch — Há várias questões que se imaginou que caminhariam em um sentindo e o resultado tem sido diverso. Mas tem que se tomar muito cuidado para não cair na tentação de fazer uma interpretação meramente originalista, de imaginar que temos que ficar presos ao que se pensava naquela época. Não é a nossa intenção formar substrato para a implantação do originalismo no Brasil. Como a Constituição tem pouco tempo, aliás, talvez esse seja até um debate a se fazer. Isso porque, talvez aqui, em que a Constituição tem 25 anos, possa fazer mais sentido o originalismo do que nos Estados Unidos.
ConJur — Não é o que dizem as 70 emendas que já foram feitas.
Rodrigo Mudrovitsch — É um pensamento interessante a se fazer, especialmente no que diz respeito ao ambiente político que gerou o movimento constituinte. Ao longo dos últimos 25 anos, houve um arrefecimento da política no Brasil, pelo menos da política que chamamos de transformativa. Embora a política constitucional tenha sido abundante nesse período, se nós formos examinar a qualidade das nossas emendas constitucionais, em termos de relevância dos assuntos debatidos, talvez tenha sido uma política constitucional menor. É interessante discutir isso: o que levou a esse arrefecimento? A análise pode ser feita até em comparação à esfera pública política que, segundo alguns, se tinha à época constituinte. Há livros extremamente interessantes sobre o assunto, como a tese de doutorado do professor Leonardo Barbosa que, entre outras questões, mostra que, em termos numéricos, 10% da população formalizaram sugestões à Constituinte.
ConJur — Dez por cento?Rodrigo Mudrovitsch — Ainda que essa questão possa ser discutida, é um fato que efetivamente mostra que houve participação popular na Constituinte. Então, acho que nem tanto ao céu nem tanto à terra. Não foi nem um acordo de líderes nem algo puramente popular. Trouxemos de volta esse debate e esperamos passar também a nossa visão. Mas, mais do que isso, queremos que as pessoas passem a olhar a questão por si mesmas.
ConJur — E pelo estudo, pelas pesquisas, tem algum ponto que é sempre questionado, que tem maior curiosidade dos estudantes, ou dos palestrantes e dos entrevistados?
Rodrigo Mudrovitsch — Há uma curiosidade maior dos participantes pelos direitos fundamentais e pela jurisdição constitucional. Porque a Constituição, de fato, reinventou a jurisdição constitucional, criou vários mecanismos novos e multiplicou o número de agentes participantes. Mas não percebo um ponto especifico. Existe uma discussão grande hoje, por exemplo, sobre guerra fiscal. Então, tem um grupo muito dedicado a isso, a investigar qual era a concepção de Federação que se tinha à época.
ConJur — É um grupo voltado para questões tributárias?
Rodrigo Mudrovitsch — Sim. Esse grupo é formado por advogados tributaristas, tem advogados de grandes escritórios do Brasil. E o foco deles é exatamente utilizar a pesquisa como substrato para discutir questões relevantes atuais. Várias delas relacionadas, por exemplo, ao papel do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] e a questões relacionadas ao fundo de participação dos estados.
ConJur — Houve o pensamento sobre o Pacto Federativo o momento da elaboração da Constituição? A guerra fiscal veio pouquíssimo tempo depois.Rodrigo Mudrovitsch — O que é interessante de se estudar isso concomitantemente com a política é entender, por exemplo, que a União estava em um momento mais frágil durante o nosso processo Constituinte. Há mais perguntas que tentamos levantar do que respostas.
ConJur — Qual é a previsão de término da pesquisa? 
Rodrigo Mudrovitsch — Pretendemos publicar a obra, finalizar a linha do tempo e o documentário até outubro.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

JUIZ PUNE ADVOGADO QUE DISSE SER RIDÍCULA SUA DECISÃO

Quando começou a audiência, a promotora Danielle Pascucci informou o juiz James Booras que o réu se atrasou 22 minutos em sua apresentação semanal ao serviço de liberdade provisória. O advogado Robert Ritacca argumentou que o réu se atrasou porque a pessoa que ia levá-lo ao tribunal também se atrasou. Para o juiz, a explicação não foi boa. O juiz aumentou a fiança para responder o processo em liberdade, de US$ 2 mil para US$ 75 mil, de acordo com o Chicago Tribune, o Chicago Sun-Times e o jornal da ABA (American Bar Association).
"Isso é ridículo!", exclamou o advogado. O juiz não gostou do comentário, dobrou a fiança para US$ 150 mil e aplicou uma multa de US$ 500 ao advogado, por desacato ao tribunal. "Isso também é ridículo!", replicou o advogado. O juiz se embraveceu ainda mais e dobrou a multa para US$ 1 mil. O advogado foi algemado e levado para a cadeia, onde foi revistado, expropriado de seus pertences (cinto, sapatos, carteira e gravata) e questionado. Passou 30 minutos na cadeia.
Há divergências sobre as circunstâncias da ordem de prisão. O advogado disse que a iniciativa foi do juiz. A promotora, porém, disse que ele perguntou ao juiz: "Vai mandar me prender também?" e a resposta foi "sim".
Depois de se acalmar, o juiz mudou de ideia sobre a duplicação da fiança do réu, que não havia se manifestado de maneira alguma durante a audiência, e a fixou em US$ 75 mil. Mas não voltou aos US$ 2 mil.
O réu, Cesar Wence Cuevas, foi preso por posse de 2,81 gramas de "substância controlada", segundo o Chicago Tribune, ou cocaína, segundo o Chicago Sun-Times. Na audiência inicial, o juiz decidiu que o réu poderia responder o processo em liberdade, com a condição de que se apresentasse ao serviço de liberdade provisória uma vez por semana e obedecesse um horário de recolher.
O blog Simple Justice declarou, em um artigo, que concederia uma medalha ao advogado Robert Ritacca por haver dito a verdade ao juiz. "Mas um advogado não pode fazer isso", advertiu. Para o blog, é lamentável que o advogado não possa dizer ao juiz que sua decisão é ridícula, quando em um caso como esse — em que a fiança do réu foi aumentada de US$ 2 mil para US$ 75 mil por causa de 22 minutos de atraso — ela é "ridícula ao quadrado". No entanto, "infelizmente", é preciso medir as palavras.
Se em vez de "ridícula", ele tivesse caracterizado a decisão como "ultrajante", teria melhorado a situação? Talvez um pouco, mas não muito, diz o blog. O fato é que é melhor argumentar, por duas razões. Uma, existe Habeas Corpus, mas até que ele seja decidido, o réu vai passar um tempo na cadeia. E o sistema judiciário ainda não descobriu uma maneira de compensar tempo passado na cadeia indevidamente por réus. Cesar Cuevas, se não tiver US$ 75 mil, vai para a cadeia até que o caso seja solucionado.
Outra razão, é a de que é complicado lidar com juízes que se irritam facilmente e se sentem ofendidos. Também não é uma opção abaixar a cabeça e se calar, deixando o réu à mercê da ira do juiz. A argumentação é a melhor opção, "porque não se põe advogados na cadeia, nem se lhes impõe multas, por argumentar em favor de seus clientes", diz o blog. Em outras palavras, o advogado precisa mostrar ao juiz que sua decisão é ridícula — ou ultrajante — em uma linguagem "judiciosa".
Para o blog, Ritacca também poderia ter se saído melhor — e ajudado mais seu cliente — se não tivesse tentado justificar rapidamente o atraso de seu cliente atribuindo a culpa a outra pessoa (explica, mas não justifica). Melhor teria sido admitir o erro, declarar que o réu compartilhava as preocupações do serviço de liberdade provisória, que ele estava terrivelmente angustiado por essa falha, e que aprendera uma lição: a de que não deve contar com a ajuda de pessoas não confiáveis. Ele deveria deixar claro que providências já estão sendo tomadas para isso não acontecer mais.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...