Em julgamento de ação anulatória de débito fiscal na Vara do Trabalho de Sete Lagoas, interposta por uma empresa de transporte urbano rodoviário intermunicipal contra a União Federal, o juiz do trabalho Geraldo Magela Melo manifestou o entendimento de que, em se tratando do preenchimento da cota legal de empregados com deficiência ou reabilitados, a única possibilidade de a empresa autuada por descumprimento ser desonerada dessa obrigação é provando que tentou, por todos os meios, preencher a cota oferecendo vagas em todos os seus setores. Até porque, não pode haver limitação quanto ao tipo de vagas oferecidas, já que a lei não isenta nenhum ramo empresarial do preenchimento da cota legal. Entendendo que a empresa de transporte coletivo não se esforçou o suficiente para o preenchimento das vagas destinadas às pessoas com deficiência, mas, ao contrário, limitou a possibilidade do ingresso delas em seus quadros, sobretudo para o cargo de motorista, o julgador manteve a validade dos autos de infração e multas aplicadas a ela pelo fiscal do trabalho.
Entendendo o caso - Na ação anulatória de débito fiscal ajuizada contra a União Federal, a empresa de transportes informou que foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por não ter cumprido a cota legal de empregados portadores de necessidades especiais ou reabilitados. Disse que, apesar de ter diligenciado no sentido de preencher essa cota, as vagas não foram preenchidas, por ausência de interessados, e que a função de motorista não poderia se computar na apuração do percentual. A alegação foi de que a empresa teria buscado esses empregados para preencher a cota por meio do SINE, o que se comprovou com cópia dos formulários com os requisitos para os candidatos aos cargos oferecidos. A União contestou, insistindo na regularidade da autuação e afirmando que a empresa não se empenhou na procura por empregados com deficiência, apesar de várias vezes intimada a tanto pela autoridade Fiscal, com concessões de vários prazos para a regularização.
A sentença - Ao analisar os documentos juntados ao processo, o juiz entendeu que a empresa, após ter sido
intimada pelo MTE a regularizar a situação, buscou candidatos para funções de bastante simplicidade e em nenhuma delas aceitava cadeirante, muito menos deficiente mental, em nenhum grau. Indagada sobre as razões da restrição, a testemunha da empresa, que é analista de RH, disse que não se aceitavam amputados ou cadeirantes em razão das condições físicas da empresa, como obstáculos à mobilidade e banheiros sem acessibilidade. Afirmou que foram oferecidas vagas para a função de monitoria das imagens dos ônibus, mas nenhuma no departamento pessoal.
Refletindo sobre a situação, o magistrado ponderou que a norma da Legislação Previdenciária que determinou a observância das cotas é de natureza cogente e não faz nenhum tipo de exceção para modalidade de deficiência. “Isso se dá em razão de estarmos sob a égide de um Estado que prima pelo respeito ao diferente em todas as suas singularidades, sendo uma política afirmativa que deve ser buscada por todos no Estado Democrático de Direito, inclusive pelas empresas, por terem que observar sua função social”,destacou.
Por isso, o juiz rechaçou a tese de que a empresa envidou esforços para cumprir sua cota. Primeiro, em razão da rotatividade de funcionários que contratou, não tendo dado preferência aos PNE’s. Segundo porque procurou formalmente contratar funcionários demonstrando certa “restrição” aos PNE’s, pois apenas buscou candidatos para funções mais simplórias e ainda pediu para ser dispensada de contratar motoristas com deficiência, o que não se harmoniza com uma visão moderna de inclusão social, de respeito à diversidade, de valor social do trabalho.“Frise-se, não é o PNE que deve se adaptar à Empresa e sim a Empresa e todos nós enquanto cidadãos de uma Sociedade é que devemos nos adaptar ao PNE e procurarmos ser libertos de toda forma de preconceito, fraternos, pluralistas, como apregoa já no seu preâmbulo a nossa Carta Magna.”, destacou o magistrado.
Conclusão e condenação - Assim, a conclusão do juiz foi no sentido de que a recusa em receber motoristas deficientes demonstrou, na verdade, que a empresa não quer ter custos com a adaptação dos veículos. E também
não quer receber cadeirantes, justamente para não ter de arcar com a adaptação do local de trabalho. “Isso, definitivamente, não pode ser admitido em um País Republicano que deve primar pela inclusão de todos, sem nenhuma forma de discriminação”, enfatizou.
Conforme ressaltou o julgador, a empresa só teria chance de ser desonerada da obrigação se tivesse comprovado que buscou efetivamente, por todos os meios, preencher o percentual legal de vagas com PNEs para todas as suas funções, de gerente até a portaria, o que não se deu no caso.
Por esses fundamentos, o juiz sentenciante negou os pedidos de nulidade, declarando plenamente válidos os autos de infração e multas aplicadas á empresa de transportes, que ainda foi condenada a pagar honorários advocatícios no importe de 20% sobre o valor da causa (R$ 32.000,00), em favor da União Federal, uma vez que a lide não decorre da relação de emprego, conforme previsto na Instrução Normativa 27, de 2005, do TST.
O recurso – Entretanto, ao julgar o recurso contra essa decisão, a 4ª Turma do TRT mineiro manifestou outra visão sobre o caso. Acompanhando o voto da desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães, a Turma entendeu que os esforços demonstrados pela empresa para o preenchimento das vagas são suficientes para desobrigá-la do pagamento da multa. Até porque, não se pode puni-la pelo fato de não haver no mercado de trabalho candidatos aptos e dispostos a assumir a vaga de emprego ofertada. “A obrigatoriedade prevista em lei é de se manter aberto ou reservado o percentual ali determinado, não havendo elementos probatórios coligidos nesta demanda a comprovar qualquer ingerência da autora no sentido de forjar vagas e, posteriormente, recusar a admitir o trabalhador capacitado para a função”, destacou a relatora, que também considerou aceitável que a oferta de vagas aos portadores de deficiência física e mental não abranja as funções de motorista profissional, que exige capacidade plena e habilitação específica.
A alegação da empresa no recurso foi, justamente, de que as provas demonstraram que disponibilizou e divulgou as vagas para reabilitados e portadores de deficiência, as quais só não foram preenchidas por verdadeira impossibilidade material. Reafirmou que não pode expor a risco os passageiros transportados e, por isso, não se poderia considerar o número de motoristas empregados na base de cálculo para contratação de deficientes ou reabilitados do INSS.
Conforme destacou a relatora em seu voto, “a norma do art. 93 da Lei 8.213/1991, ao impor às empresas a obrigação de incorporarem em seus quadros percentuais de portadores de deficiência, visa promover uma sociedade mais justa e solidária, bem como concretizar os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da proibição da discriminação”.
Ela cita julgados do TST, no sentido de que a exclusão da obrigação de preenchimento de cargos com pessoas portadoras de deficiência só se justifica se comprovada a impossibilidade da empresa em contratar empregados nessas condições. E, no caso, concluiu que os documentos anexados, de fato, comprovam a busca frustrada por interessados com deficiência ou reabilitados para as vagas oferecidas.
Quanto à contratação de pessoas com deficiência para a função de motoristas de transporte coletivo de
passageiros, a desembargadora divergiu do juiz sentenciante, pois considera tratar-se de profissão peculiar, que exige habilitação profissional específica, e que um dos requisitos necessários para essa habilitação é a aptidão física e mental. “Por isso, não é razoável se exigir a contratação de motoristas deficientes físicos apenas para preencher a cota legal”, ponderou.
Para reforçar seu posicionamento, ela citou outra decisão do TRT-MG, com base em voto da desembargadora Lucilde de D'Ajuda Lyra de Almeida, proferido em Mandado de Segurança Coletivo no. 001743-2010-025-03-00-7-RO, em 13/03/2012: "Nesse sentido, muitas deficiências impedem completamente o exercício da função de motorista porque atingem diretamente as aptidões necessárias para a condução de veículo de transporte coletivo. Todavia, há casos em que o deficiente pode dirigir veículos especialmente adaptados para as suas limitações. Nessa hipótese, não é possível imputar às empresas a responsabilidade pelo custo desses veículos, uma vez que não há amparo legal neste sentido".
Assim, entendendo que, apesar dos esforços da empresa, as vagas não foram preenchidas por falta de candidatos aptos a tal, a relatora deu provimento ao recurso para julgar procedente a ação anulatória de débito fiscal e declarar a nulidade dos autos de infração, afastando as multas fiscais aplicadas à empresa. A Turma acompanhou o entendimento por maioria de votos, ficando vencida a desembargadora Denise Alves Horta, que mantinha a decisão de origem.
Processo 0010001-93.2015.5.03.0039 - Data 28/11/2016
Jurisprudência divergente
Esse posicionamento, no entanto, não é unânime entre as Turmas do TRT mineiro e mesmo a 4ª Turma já proferiu decisões em sentido oposto em casos semelhantes. Veja julgados recentes em que essa questão foi analisada pelas diferentes Turmas julgadoras, com resultados divergentes:
PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PNE). COTA LEGAL PARA PREENCHIMENTO DE CARGOS NA EMPRESA. DESCUMPRIMENTO. PENALIDADE DEVIDA. De acordo com o disposto no art. 93 da Lei 8.213/91, "A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência...". Consoante se infere do referido dispositivo, a determinação de cumprimento da cota é destinada a toda empresa com 100 ou mais empregados, sem nenhuma ressalva, dando-se o aproveitamento do empregado portador de deficiência em função compatível com sua limitação. (TRT da 3.ª Região; Pje: 0010839-15.2016.5.03.0164 (RO); Disponibilização: 28/10/2016; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Convocado Hélder Vasconcelos Guimaraes).
EMENTA: MULTA POR DESCUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI 8213/91. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS REABILITADOS OU PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA NORMA LEGAL. Em que pesem os argumentos recursais, o conjunto probatório produzido nos autos não demonstra de forma robusta que a executada tenha efetivamente envidado os esforços necessários para preencher a cota legal de vagas destinadas aos reabilitados e portadores de deficiência. Como bem pontuado na v. decisão de 1º grau, os documentos apresentados pela executada são unilaterais, não demonstrando qualquer efetividade na tentativa da contratação necessária. Além disso, as mencionadas parcerias com entidades e órgãos que disponibilizam trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência, as correspondências eletrônicas enviadas às instituições especializadas, os comunicados de divulgação de vagas e os anúncios publicados em jornais ofertando as propaladas vagas, apresentam datas posteriores à data do auto de infração. Desse modo, não são meio hábil de prova dos esforços que a executada alega que envidou para preencher a reserva de vagas prevista no artigo 93 da Lei 8.213/91. Há que se registrar, ainda, que a agravante não demonstrou qualquer incompatibilidade entre os cargos integrantes do seu quadro funcional e a contratação de pessoas portadoras de deficiência ou trabalhadores reabilitados, a ponto de se poder afirmar que não existem no mercado pessoas aptas para trabalharem em seu estabelecimento. Dessa forma, nenhum reparo merece a r. sentença na qual foi rejeitada a alegada ilegalidade da cobrança da multa aplicada, pois incontroverso que a executada não observou a reserva ou quota legal de vagas prevista na Lei 8.213/91. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0000274-16.2014.5.03.0017 AP; Data de Publicação: 30/05/2016; Disponibilização: 27/05/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 153; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Milton V.Thibau de Almeida; Revisor: Camilla G.Pereira Zeidler)
VAGAS DE EMPREGO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. COTA ESTABELECIDA NO ART. 93 DA LEI 8.213/91. INOBSERVÂNCIA. VALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. Sendo incontroversa a inobservância da cota legal estabelecida pelo art. 93 da Lei 8.213/91 no que diz respeito à contratação de pessoas com deficiência ou reabilitadas pelo INSS e, ainda, não sendo comprovado qualquer vício na inspeção e lavratura do auto de infração, inviável o acolhimento da pretensão anulatória. (TRT da 3.ª Região; Pje: 0010751-75.2016.5.03.0099 (RO); Disponibilização: 14/09/2017; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Jose Marlon de Freitas)
PREENCHIMENTO DE COTA LEGAL. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA OU INDISPONIBILIDADE NO MERCADO DE TRABALHO. AUTO DE INFRAÇÃO ANULADO. Ainda que não haja previsão legal a respeito do cômputo dos aprendizes com deficiência no cálculo da cota prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/91, sendo demonstrado pela recorrente que essa não foi a razão pela qual deixou de cumprir com a obrigação legal, mas, sim, por falta de trabalhadores capacitados e detentores dessa condição pessoal, qual seja, ser reabilitado pelo INSS ou com deficiência, não há como aplicar-lhe a penalidade legal (multa). Provido o recurso para anular o débito fiscal lavrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. (TRT da 3.ª Região; Pje: 0011423-75.2015.5.03.0113 (RO); Disponibilização: 18/11/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 273; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Convocado Danilo Siqueira de C.Faria)
PESSOA COM DEFICIÊNCIA / TRABALHADOR REABILITADO - RESERVA DE MERCADO DE TRABALHO - EMENTA: artigo 93 da lei 8213/01 - DESCUMPRIMENTO DE COTA LEGAL - Tendo os réus comprovado as tentativas de atendimento à cota legal, deixando de contratar a cota mínima de empregados com deficiência ou reabilitados por motivos alheios à sua vontade, em razão da falta de candidatos aptos a exercer as funções existentes no condomínio rural, não há que se falar em violação ao artigo 93 da Lei nº 8.213/91. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0001062-34.2014.5.03.0048 RO; Data de Publicação: 03/03/2017; Disponibilização: 02/03/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 125; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator: Maria Lucia Cardoso Magalhaes).
PESSOA COM DEFICIÊNCIA / TRABALHADOR REABILITADO – DISPENSA - DISPENSA IMOTIVADA - COTA DE DEFICIENTES - O artigo 93 da Lei 8.213/91 encerra garantia social e individual, consistente no preenchimento de cotas de cargos, nas empresas com cem ou mais empregados, por trabalhadores com deficiência habilitados ou beneficiários reabilitados, na forma proporcionalmente estabelecida e limita o direito potestativo do empregador de resilir o respectivo contrato de trabalho, impondo que se observe a imprescindível e imediata contratação de substituto em condições semelhantes. Cabe, assim, à empresa, o cumprimento da exigência legal relativa ao preenchimento do quadro de empregados com o número adequado de pessoas nessas condições, as quais, sabidamente, possuem maiores dificuldades de colocação no mercado de trabalho. (TRT da 3.ª Região; Pje: 0010667-18.2016.5.03.0150 (RO); Disponibilização: 29/05/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1558; Órgão Julgador: Oitava Turma; Redator: Ana Maria Amorim Reboucas).
Divergência retratada nas Notícias Jurídicas anteriores:
20 de Mar de 2017 às 06:03
5 de Jan de 2017 às 06:00
28 de Mai de 2015 às 06:02
20 de Mar de 2015 às 09:00
16 de Mar de 2015 às 00:03
16 de Mar de 2015 às 00:02
6 de Nov de 2014 às 06:10