Veja, nesta NJ Especial, como tem sinalizado, até aqui, a jurisprudência do TRT-MG em matéria de responsabilização do empregador em casos de assaltos ou violência sofrida pelo empregado por ato de terceiros. Num caso recente, a Turma julgadora manteve a condenação da EBCT a indenizar, por danos morais e materiais, um funcionário vítima de assaltos constantes. Mas a jurisprudência da Casa sobre a matéria não é pacífica. Confira, nas linhas abaixo, o caso e a jurisprudência mais recente sobre o tema. Só lembrando que a Lei da Reforma Trabalhista indica possíveis mudanças quanto à responsabilização objetiva do empregador.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos vem sendo vítima de constantes assaltos em suas agências, conforme repetidamente noticiado pela imprensa. É que, além dos serviços postais, a empresa também realiza serviços financeiros, como fruto dos convênios com instituições bancárias, o que acaba atraindo a ação de criminosos. Justamente por isso é que a EBCT deve se precaver para, se não impedir, pelo menos dificultar a ocorrência desse tipo de crime em suas agências, devendo se adequar às normas de segurança destinadas aos estabelecimentos bancários, nos termos da Lei 7.102/83, ou no mínimo, exigir essa proteção do Banco com o qual celebrou o convênio. Se não faz isso, está sujeita a arcar com os prejuízos de sua omissão, o que inclui os danos morais e materiais causados aos empregados vítimas desses assaltos frequentes nas agências dos correios.
Com esses fundamentos, expressos no voto do relator, juiz convocado Frederico Leopoldo Pereira, a 3ª Turma do TRT-MG julgou desfavoravelmente o recurso da EBCT e manteve a condenação da empresa a pagar a um empregado indenização por danos materiais e morais pela violência psicológica da qual foi vítima em dois assaltos que vivenciou no trabalho.
Ele prestava serviços na agência dos Correios do Município de São Geraldo e lá estava quando ocorreram dois assaltos à mão armada: um em fevereiro de 2014 e o outro em agosto de 2015. Em ambos, o reclamante sofreu ameaças e ficou sob a mira de um revólver. Em razão disso, desenvolveu um quadro depressivo que levou ao seu afastamento do trabalho, inclusive com recebimento de benefício previdenciário de setembro de 2015 a março de 2016. Também precisou de tratamento médico especializado, com o uso de medicação controlada. Para o relator, a EBCT tem responsabilidade pelos prejuízos morais e materiais causados ao empregado, devendo compensar pecuniariamente o trabalhador, já que se descuidou das medidas mínimas necessárias à segurança do local de trabalho.
Os danos psicológicos do trabalhador
Para o relator, o abalo psicológico sofrido pelo reclamante em razão dos assaltos ficou evidente. Houve, inclusive, emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT nas duas ocasiões, sendo inegável, segundo o juiz convocado, que a violência psíquica de ficar sob a mira de uma arma de fogo acarretou ao empregado traumas emocionais de difícil superação. “Nesse caso, o dano moral existe "in re ipsa", ou seja, decorre naturalmente do fato ofensivo, não sendo necessária a prova de sua ocorrência”, destacou, no voto.
Mas, além disso, o funcionário apresentou diversos atestados de acompanhamento psicológico relatando a existência de doença psiquiátrica e relacionando-a justamente aos assaltos dos quais foi vítima. “Nesse contexto, torna-se evidente o sofrimento psíquico, a angústia, a aflição e
o constrangimento vivenciados pelo reclamante.”, frisou o relator. Ele acrescentou que é da natureza humana a aflição gerada pelas situações de risco indesejado, “pois a vida e a integridade física são bens colocados no vértice da escala de valores, acima mesmo de outros direitos da personalidade”.
A culpa dos Correios
Segundo o relator, as situações de violência psicológica vivenciadas pelo empregado ofendeu os direitos à honra, intimidade, autoestima e afirmação social do empregado, previstos no art. 5º, X, da CR/88. E, na ótica do julgador, a empresa contribuiu com culpa para a ocorrência dos assaltos e, por isso, está obrigada a compensar o trabalhador pelos danos materiais e morais sofridos.“O contrato de correspondência bancária transforma o estabelecimento do conveniado, na prática, em verdadeiro posto bancário. Dessa forma, para proteger a vida e a integridade física de seus empregados, a empresa tem a obrigação de se utilizar dos meios de segurança adequados, inclusive de mecanismos eletrônicos ou outros procedimentos que dificultem a ação dos criminosos” ressaltou o juiz convocado. Entretanto, conforme constatou o relator, não foi isso o que fez a ré.
Para o julgador, não há como retirar a responsabilidade da empresa pela reparação dos prejuízos suportados pelo empregado. Isso porque, apesar dos assaltos se relacionarem à questão de segurança pública, eles poderiam ter sido evitados caso houvesse maior diligência da empresa. Mas, a única testemunha ouvida no processo e que, inclusive, trabalhava com o reclamante na época dos assaltos, foi clara quanto à precariedade das condições de segurança da agência. Ela afirmou que não havia segurança no estabelecimento e, apesar de solicitações enviadas ao sindicato, nada foi feito, inclusive tendo ocorrido outros assaltos após a saída do reclamante.
Além disso, como constatado pelo relator, o manual de segurança da EBCT previa a necessidade de adoção de medidas de segurança, como alarme monitorado, cofre com fechadura eletrônica de retardo, sistema de geração de imagens, o que demonstra o risco previsível e elevado de investida criminosa. “Mas, a agência não estava equipada com medidas suficientes para impedir ou tampouco inibir a prática de crime”, ressaltou.
Mecanismos de segurança indispensáveis
Na visão do relator, a segurança nas agências dos correios que fazem operações financeiras não pode ser diferente ou inferior à existente nas instituições bancárias. “Entendimento contrário significaria permitir que os bancos pulverizassem seus locais de atendimento, esvaziando as próprias agências e obtendo lucro sem a contrapartida do oferecimento de condição segura aos que trabalham em seu benefício e aos clientes e usuários do serviço”, enfatizou o juiz convocado.
Sendo assim, conforme acrescentou o magistrado, são exigidos da EBCT, nos termos da Lei 7.102/83, os seguintes mecanismos de segurança exigidos dos estabelecimentos financeiros em que haja guarda de valores ou movimentação de numerário: “pessoas adequadamente preparadas (vigilantes); alarme capaz de permitir a comunicação com outro estabelecimento da instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo e, ainda, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos: I - equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes; II - artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e III - cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento”. E, conforme demonstrou a prova testemunhal, a agência não estava equipada com todos esses mecanismos, fato, inclusive, reconhecido pela própria ré.
Nas palavras do julgador, “a prestação de serviços de natureza bancária, sem adoção das medidas de segurança previstas em lei, caracteriza ato ilícito, colocando em risco a vida e a integridade física e psicológica do trabalhador, diante da condição de trabalho inseguro, o que resulta na obrigação de indenizar os danos causados. Evidenciada a precariedade das condições de segurança na agência em que o reclamante trabalhava, a culpa da reclamada, por negligência, vem à tona”, enfatizou.
Amparando-se no art. 7º, XXII, da CR/88, o relator ponderou, ainda, que não se trata de transferir o poder de polícia do Estado para a empresa, mas de se exigir da empregadora a observância de um dever fundamental relativo à regra genérica de diligência, com a obrigação de adotar todas as precauções necessárias para não ver lesado o empregado.
Atividade de risco gera responsabilidade objetiva da EBCT
Mas, mesmo que não houvesse culpa da empresa, no entendimento do juiz, ela responderia pelos danos causados ao seu empregado, pela aplicação da teoria do risco. É que o parágrafo único do art. 927 do Código Civil introduziu no direito brasileiro a tese de que, aquele que cria um risco de dano pelo exercício de sua atividade obriga-se a repará-lo, independentemente de culpa. “No caso a atividade bancária explorada pela ré gera um risco maior, atraindo a aplicação da norma. Não há dúvidas de que a movimentação de quantias vultosas de dinheiro expõe o estabelecimento a risco acentuado de investidas criminosas”, registrou, no voto.
Por fim, o relator afastou a tese dos Correios de que os acontecimentos que causaram os prejuízos ao trabalhador, ou seja, os assaltos, são fatos que devem ser atribuídos apenas a terceiros. Isso porque a ação de meliantes é totalmente previsível quando a atividade acarreta a guarda de numerário. E, de acordo com o juiz, a ação de agente externo (terceiros) apenas excluirá a responsabilidade se o fato for totalmente estranho às circunstâncias, ou seja, imprevisível, como ocorre, por exemplo, no caso de uma "bala perdida". Do mesmo modo, diante de sua previsibilidade e por decorrer de conduta humana, os assaltos que vitimaram o trabalhador não se enquadram como caso fortuito ou força maior, explicou o juiz convocado.
Por tudo isso, o relator concluiu pela presença dos requisitos autorizadores da reparação por danos e manteve a condenação dos Correios de pagar ao reclamante indenização por danos morais no valor total de R$40.000,00, conforme fixado na sentença, no que foi acompanhado pela Turma julgadora.
Danos materiais
A Turma também manteve a condenação da EBCT a pagar ao empregado indenização por danos materiais. A indenização foi fixada levando em conta o período em que o trabalhador permaneceu afastado pelo INSS (de 13/09/2015 a 08/03/2016), em razão dos prejuízos psicológicos que sofreu em decorrência do segundo assalto na agência, considerando-se a sua remuneração média no período, e ainda, o FGTS, o décimo terceiro e o terço de férias. Não houve fixação de pensão vitalícia, já que a incapacidade do trabalhador foi apenas provisória, pelo período em que permaneceu afastado do trabalho.
PJe - 0010422-80.2016.5.03.0158 (RO) – Acórdão em 28/07/2017
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