terça-feira, 22 de novembro de 2016

Bancário que conseguiu reverter justa causa será indenizado por danos morais





Após conseguir reverter, na Justiça do Trabalho, a justa causa que lhe foi aplicada pela instituição bancária, o reclamante ajuizou nova reclamação pedindo o pagamento de indenização pelos danos morais sofridos com o incidente. Ao analisar o caso, o juiz David Rocha Koch Torres, titular da Vara do Trabalho e Ubá, reconheceu que, de fato, a medida ensejou comentários em uma agência bancária e impossibilitou o trabalhador de honrar débitos. Julgando favoravelmente o pedido, condenou o ex-empregador ao pagamento de indenização no valor de R$10 mil.
A decisão se baseou em documentos que mostraram que o nome do bancário foi incluído nos serviços de restrição ao crédito. Para o magistrado, obviamente isso ocorreu em decorrência da dispensa por justa causa, a qual veda o recebimento de várias verbas rescisórias, inclusive o FGTS e a multa de 40%. A situação foi considerada determinante para que o reclamante descumprisse obrigações anteriormente assumidas.
Por outro lado, os depoimentos das testemunhas revelaram terem ouvido comentários na agência bancária de "que o reclamante teria efetuado uma coisa indevida, falando-se que era um empréstimo em sua conta". Na visão do juiz sentenciante, ficou claro o ato ilícito praticado pela ré, capaz de gerar prejuízo de ordem moral ao bancário. O julgador ponderou que ele ficou totalmente desamparado diante do contexto apurado, sem ter como honrar com seus compromissos. "Ora, não é difícil perceber o abalo moral sofrido pelo trabalhador que, sabendo não ter praticado qualquer ato hábil a ensejar a rescisão contratual na forma como a si imputada, teve que suportar a situação que lhe foi imposta pela ré, portanto aí caracterizada a culpa patronal", destacou, concluindo que o banco causou danos morais ao ex-empregado, os quais devem ser indenizados.
O magistrado refutou a possibilidade de o reconhecimento da dispensa sem justa causa, em outra ação, já ter reparado o mal causado. Segundo explicou, são duas coisas diferentes. A indenização serve como lenitivo, uma compensação, ao abalo moral suportado pelo demandante.
Com relação ao valor arbitrado, levou em conta não só o dano sofrido e a capacidade econômica da reclamada, como também - e principalmente - o caráter pedagógico da medida. "A fim de se evitar que atitudes desta natureza não venham a se tornar uma constante nas relações de trabalho", registrou, lembrando, que, por outro lado, o ressarcimento não pode ser fonte de enriquecimento do ofendido. A decisão foi confirmada pelo TRT de Minas.

PJe: Processo nº 0010873-54.2016.5.03.0078. Sentença em: 16/06/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



 Fonte: TRT3

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

NJ Especial - Contrato de construção por administração sob a ótica trabalhista: opção permitida por lei ou terceirização ilícita?






No "contrato de construção por administração", também conhecido como "obra a preço de custo", a construtora ou incorporadora apenas administra a obra, mediante o pagamento de uma prestação mensal definida em assembleia, e os proprietários do imóvel assumem as demais despesas típicas da construção. No bojo da crise econômica que assola o país, cresce o interesse por alternativas que tornem mais acessíveis os custos da construção, facilitando os investimentos imobiliários e a aquisição da casa própria. E essa modalidade contratual tem se revelado como uma opção mais econômica e atraente para os novos investidores.
Entretanto, com a nova tendência surgiram também alguns conflitos trabalhistas: O regime de construção por administração pode ser usado para acobertar uma terceirização ilícita? Como identificar a diferença entre o instituto e uma eventual fraude trabalhista? Os empregados que trabalham na obra devem ser registrados em nome dos condôminos ou da construtora/incorporadora? Contrato de construção por administração é o mesmo que contrato de empreitada? Quem são os verdadeiros empregadores da mão-de-obra contratada?
Dúvidas como essas, sempre presentes nas negociações e no trabalho que envolve essa modalidade contratual, foram respondidas pelo juiz Henrique Macedo de Oliveira. Ele abordou o tema durante o julgamento de uma ação civil pública (ACP), realizado na 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre. A ACP foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de duas empresas de construção civil, na qual elas foram denunciadas pela prática de terceirização ilícita. Em sua sentença, o magistrado trouxe ensinamentos e reflexões importantes sobre o "contrato de construção por administração".
Nesta NJ Especial acompanharemos a abordagem da matéria pelo julgador e veremos a solução dada ao caso.
Conceito e característicasEm sua sentença, o magistrado apresentou o conceito de "contrato de construção por administração", também conhecido como "obra a preço de custo":
"Por meio dessa modalidade contratual (contrato de administração), os proprietários entregam a um terceiro especializado, como é o caso das reclamadas, o gerenciamento da obra, ou seja, valem-se da experiência e da credibilidade acumuladas pela contratada, fruto de sua inserção no mercado de execução e gerenciamento de obras na construção civil, para executar o projeto imobiliário, diminuindo custos e trazendo maior segurança aos condôminos, notadamente com relação à qualidade do produto final e à observância dos prazos e cronogramas previamente estabelecidos".
Nesse contexto, a sentença chama a atenção para a necessidade de se diferenciar os dois institutos: "contrato de construção por administração" e "contrato de empreitada". Nas palavras do julgador:
"Diversamente do que ocorre no contrato de empreitada, na avença entabulada pelas rés com os condomínios, estes não pretendem entregar a um terceiro a execução global da obra, isentando-se, inclusive, da obrigação de admitir/dispensar funcionários (responsabilidade repassada ao empreiteiro). Na construção por administração, o proprietário (beneficiário direto da prestação dos serviços) toma para si essa responsabilidade, embora conte com o auxílio de um gestor que passará a administrar a execução do projeto, inclusive selecionando os empregados que prestarão serviços ao condomínio.
[...]
A execução da obra ocorre no interesse e pela vontade e determinação do condomínio, de modo que a transferência da responsabilidade pelos custos da mão de obra faz sentido apenas em caráter excepcional, ou seja, apenas quando o proprietário decide confiar à construtora toda a responsabilidade pela realização do projeto, inclusive pela contratação dos empregados (contrato de empreitada). Inclusive, nessas hipóteses, o ordenamento jurídico não prevê a responsabilidade do proprietário pelos créditos trabalhistas assumidos pelo empreiteiro (OJ nº 191 da SbDI-I do TST), desde que não seja ele uma construtora ou incorporadora (caso em que haverá, na verdade, terceirização ilícita de atividade-fim)".
Em outras palavras, ao contrário da construção por empreitada, a construção por administração sai a preço de custo. Quando a obra é realizada com um grupo de pessoas, isto é, em condomínio, uma pessoa ou uma comissão deve ser eleita para cuidar da construção e representar os interesses dos demais. Os condôminos contratam uma empresa, que apresenta um orçamento e um cronograma das obras. Cada condômino, então, será responsável pelo pagamento de uma quantia proporcional à sua 'fração ideal' da obra, isto é, a porcentagem da obra que lhe cabe.
O condomínio vai arcar com as despesas previstas no orçamento à medida que as necessidades forem surgindo. O contratante assume os riscos relacionados a atrasos e aumentos de demandas de materiais, mas espera que os valores finais não ultrapassem os custos do orçamento. Com relação às vantagens, essa modalidade contratual propicia a redução da carga tributária de forma legítima, permite maior participação do condômino nos rumos da construção e o cliente sabe exatamente o custo de cada item da obra.
Legislação aplicável à matériaO artigo 58 da Lei 4.591/1964, que dispõe sobre o regime de administração de obras de construção civil, prevê que, nessa modalidade de contratação, a integralidade do custo do empreendimento é de responsabilidade dos condomínios, em nome dos quais deve ser emitida toda a documentação referente à obra. De acordo com os artigos 58 a 62:
"Art. 58. Nas incorporações em que a construção fôr contratada pelo regime de administração, também chamado "a preço de custo", será de responsabilidade dos proprietários ou adquirentes o pagamento do custo integral de obra, observadas as seguintes disposições: I - tôdas as faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos referentes às transações ou aquisições para construção, serão emitidos em nome do condomínio dos contratantes da construção; II - tôdas as contribuições dos condôminos para qualquer fim relacionado com a construção serão depositadas em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos bancários, as quais, serão movimentadas pela forma que fôr fixada no contrato. Art. 59. No regime de construção por administração, será obrigatório constar do respectivo contrato o montante do orçamento do custo da obra, elaborado com estrita observância dos critérios e normas referidos no inciso II, do art. 53 e a data em que se iniciará efetivamente a obra. § 1º Nos contratos lavrados até o término das fundações, êste montante não poderá ser inferior ao da estimativa atualizada, a que se refere o § 3º, do art. 54. § 2º Nos contratos celebrados após o término das fundações, êste montante não poderá ser inferior à última revisão efetivada na forma do artigo seguinte. § 3º As transferências e sub-rogações do contrato, em qualquer fase da obra, aplicar-se-á o disposto neste artigo. Art. 60. As revisões da estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos semestralmente, em comum entre a Comissão de Representantes e o construtor. O contrato poderá estipular que, em função das necessidades da obra sejam alteráveis os esquemas de contribuições quanto ao total, ao número, ao valor e à distribuição no tempo das prestações. Parágrafo único. Em caso de majoração de prestações, o nôvo esquema deverá ser comunicado aos contratantes, com antecedência mínima de 45 dias da data em que deverão ser efetuados os depósitos das primeiras prestações alteradas. Art. 61. A Comissão de Representantes terá podêres para, em nome de todos os contratantes e na forma prevista no contrato:
a) examinar os balancetes organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do condomínio dos contratantes, aprová-los ou impugná-los, examinando a documentação respectiva; b) fiscalizar concorrências relativas às compras dos materiais necessários à obra ou aos serviços a ela pertinentes;
c) contratar, em nome do condomínio, com qualquer condômino, modificações por êle solicitadas em sua respectiva unidade, a serem administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem unidade de outro condômino e não estejam em desacôrdo com o parecer técnico do construtor; d) fiscalizar a arrecadação das contribuições destinadas à construção; e) exercer as demais obrigações inerentes a sua função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção e praticar todos os atos necessários ao funcionamento regular do condomínio. Art. 62. Em tôda publicidade ou propaganda escrita destinada a promover a venda de incorporação com construção pelo regime de administração em que conste preço, serão discriminados explìcitamente o preço da fração ideal de terreno e o montante do orçamento atualizado do custo da construção, na forma dos artigos 59 e 60, com a indicação do mês a que se refere o dito orçamento e do tipo padronizado a que se vincule o mesmo. § 1º As mesmas indicações deverão constar em todos os papéis utilizados para a realização da incorporação, tais como cartas, propostas, escrituras, contratos e documentos semelhantes. § 2º Esta exigência será dispensada nos anúncios "classificados" dos jornais".Com base nessa norma, as rés alegaram que não haveria "qualquer irregularidade ou ilegalidade na contratação de empregados em nome do condomínio".
Os pedidos do MPTNa Ação Civil Pública ajuizada contra as duas empresas de construção civil, o MPT alegou, em síntese, que, realizada inspeção nos canteiros de obras, verificou-se que os empregados que lá estavam tiveram suas carteiras de trabalho anotadas pelos condomínios e não pelas construtoras, sendo certo que são elas as verdadeiras empregadoras, já que exercem o poder diretivo de fato, estando presentes os requisitos da relação de emprego. Segundo o MPT, as rés integram um grupo econômico e houve transferência ilícita da responsabilidade pela contratação e rescisão contratual da mão de obra necessária aos condomínios.
Assim, o MPT postulou, a título de antecipação de tutela, que as duas empresas de construção fossem responsabilizadas pela contratação de todo o pessoal permanente da obra, assumindo a posição formal de empregadoras, sem delegar a contratação de empregados ao condomínio e/ou pessoa física ou jurídica proprietária ou compradora, valendo esta obrigação tanto para os atuais quanto para os futuros contratos. O MPT pediu também que as rés fossem compelidas a estabelecer, em contratos futuros, cláusula específica onde esteja registrada a responsabilidade delas pela contratação de todo o pessoal da obra. Em sede definitiva, pediu que a antecipação de tutela fosse confirmada e que as rés fossem condenadas ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em valor não inferior a R$300 mil.
Julgamento do casoInicialmente, o juiz sentenciante teceu considerações sobre a terceirização: "A terceirização é instrumento do modelo de produção capitalista que precariza as relações de trabalho, na medida em que impede a extensão ao obreiro dos benefícios que a tomadora concede aos seus próprios empregados (inclusive os decorrentes de norma coletiva), bem como deixa esses trabalhadores suscetíveis ao inadimplemento das prestadoras de serviços - não raro pequenas empresas, que fecham as portas sem ao menos quitar as verbas resilitórias devidas aos seus empregados, impondo, assim, a atuação do Poder Judiciário Trabalhista e do Ministério Público do Trabalho. Além disso, essa prática debilita e pulveriza o modelo sindical brasileiro, enfraquecendo a identidade profissional dos trabalhadores que prestam serviços a uma mesma empresa".
Conforme acentuou o magistrado, por essa razão, as hipóteses em que a jurisprudência trabalhista tolera este tipo de prática sempre foram restritas àquelas excepcionalmente autorizadas por lei, como é o caso do trabalho temporário e dos serviços de vigilância.
Após o exame do conjunto de provas, o julgador acolheu a tese defensiva, entendendo que a situação em nada se assemelha à terceirização ilícita de atividades finalísticas, já que as construtoras celebraram com os condomínios contratos de construção por administração, regidos pelos artigos 58 a 62 da Lei 4.591/1964.
Na avaliação do julgador, não faz sentido supor que o proprietário, interessado na construção de determinada obra, fosse impelido a entregar a um terceiro, contratado apenas para administrar a execução do projeto imobiliário, a obrigação pelos contratos de trabalho necessários à realização do empreendimento. "Trata-se de uma prerrogativa do proprietário, a quem deve ser oportunizada a escolha de, em nome próprio, admitir e dispensar os empregados que contribuirão, com a sua força de trabalho, na construção do imóvel de sua propriedade", pontuou o juiz, ressaltando que o gerenciamento da mão de obra pela construtora não implica a inexistência de subordinação jurídica entre os empregados e o condomínio.
Na visão do julgador, não há ilegalidade e nem indício de fraude no fato de um mesmo trabalhador prestar serviços a um condomínio e, depois de encerrada a obra naquele local, passar a prestar serviços em outra obra, administrada pelo mesmo grupo de empresas. Ele entende que é natural que as construtoras, a quem incumbe a gestão do canteiro de obras, indiquem determinado trabalhador, cujo bom desempenho é do seu conhecimento, para trabalhar em outras obras, também por elas administradas.
"Não se nega a existência de intervenção, gerenciamento e fiscalização da construtora na atividade exercida pelos trabalhadores admitidos na obra - o que, aliás, consubstanciam atividades ínsitas ao seu papel de gestora/administradora - mas isso não quer dizer que é dela a responsabilidade pela contratação desses empregados", concluiu o juiz sentenciante ao julgar improcedentes os pedidos do MPT.
Recurso do MPTO recurso do MPT contra essa decisão foi julgado pela 6ª Turma do TRT mineiro. E, no entender do desembargador relator, Jorge Berg de Mendonca, sequer houve terceirização de serviços, já que a relação existente entre as rés e os condôminos foi formalizada através de um contrato de construção por administração, previsto nos artigos 58 a 62 da Lei nº 4.591/1964.
Ao examinar o contrato celebrado entre as partes, o desembargador não identificou nenhum motivo que levasse à declaração da sua nulidade. Entendendo como válido o contrato, ele observou que os artigos 58 a 62 da Lei 4.591/1964 não possuem disposição específica acerca da contratação dos empregados que atuaram na construção civil. "O vazio legal e o princípio da autonomia da vontade permitem que as partes contratantes disponham neste sentido, o que, de fato, foi realizado nos contratos assinados pelas rés, em que foi acordado que a admissão/dispensa dos obreiros estaria a cargo dos condomínios", completou.
Na interpretação do julgador, o artigo 58 expressamente expõe que o condomínio arcará com os custos integrais da obra, o que, na sua visão, abrange os gastos com a mão de obra e toda a responsabilidade decorrente. "Registre-se que a lei em comento expressamente trata de dois sistemas de construção dos imóveis objeto de incorporação (art. 48), nos moldes pactuado nos presentes autos - contrato de administração, ou através de empreitada, pelo que não se pode dar ao contrato de administração o mesmo tratamento legal dado ao contrato de empreitada", concluiu.
Após o exame dos depoimentos das testemunhas, ficou claro para o desembargador que, embora a contratação dos empregados pelos condomínios tivesse certa ingerência das rés, não há como caracterizar o vínculo dos trabalhadores com elas, já que não há dúvidas de que os condomínios eram os seus empregadores.
Acompanhando esse entendimento, a 6ª Turma do TRT mineiro negou provimento ao recurso do MPT.
PJe: Processo nº 0010633-43.2015.5.03.0129 (RO). Sentença em: 16/05/2016. Acórdão em: 30/08/2016.

Notícia Jurídica anterior do TRT-MG relacionada ao tema:
13/02/2007 05:55h - Condomínio não responde por infração de incorporadora e construtora que o constituíram


Clique aqui para ler a jurisprudência do TRT-MG relacionada à matéria


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Fonte: TRT3


Turma considera válida como meio de prova gravação de conversa telefônica clandestina entre testemunha e ex-empregador (18/11/2016)



O entendimento dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da licitude da gravação de conversa telefônica quando realizada por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro. Mas, será que é lícita a prova obtida dessa forma quando o autor da ação não participa da conversa gravada? É ilegal juntar ao processo, como meio de prova, um CD que contém gravação da conversa mantida entre uma testemunha e o proprietário da empresa reclamada? Essas foram as questões levantadas pelo juiz convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque ao julgar o recurso de um trabalhador que não se conformava com o indeferimento da prova. Para o magistrado, não houve ilegalidade, já que a gravação da conversa telefônica foi realizada por um dos interlocutores, sem participação de terceiros na sua captação.

No caso, o ex-empregado alegou que, após o encerramento do contrato de trabalho, o ex-empregador passou a dar más referências em relação à competência dele, principalmente devido à ação trabalhista que moveu contra a empresa, dificultando a sua recolocação no mercado de trabalho. Segundo alegou, esses fatos foram parcialmente confirmados pela única testemunha ouvida no processo. Entretanto, o juiz sentenciante indeferiu a juntada do CD que continha a gravação da conversa mantida entre a testemunha e o proprietário da ré, ao fundamento de que, pela lei brasileira, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, exceto, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. De acordo com o juiz sentenciante, um dos requisitos para aceitação desse meio de prova é que haja indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal (artigo 2º, II Lei 9.296/96), devendo a interceptação ser o único meio de prova disponível (artigo 2º, III Lei 9.296/96) e ser determinada por autorização judicial (artigo 3º, Lei 9.296/96). E, no caso, ele concluiu que, como estão ausentes esses requisitos, a interceptação é ilegal, bem como as provas dela derivadas. Isto porque, como destacou, a gravação não foi feita pelo autor como um dos interlocutores, mas por uma terceira pessoa e, portanto, no seu entender, é prova ilícita, não podendo ser anexada ao processo.

Entretanto, no julgamento do recurso do trabalhador, o juiz convocado relator interpretou os fatos de forma diferente. Conforme observou, uma testemunha relatou que telefonou para o empregador anterior para obter referências do trabalhador, na intenção de contratá-lo. E foi a própria testemunha quem gravou a conversa telefônica travada com o proprietário da ré e entregou cópia ao reclamante. "Percebe-se que, no caso, não há se falar em interceptação telefônica, haja vista que não houve participação de terceiros na captação da conversa, que foi realizada por um dos interlocutores. Somente alguns dias após a referida gravação é que o reclamante teve acesso ao seu conteúdo, que lhe foi franqueado pelo interlocutor que gravou a conversa, o que configura gravação clandestina lícita, não se justificando, assim, o óbice à sua juntada aos autos, fato que prejudicou sobremaneira o reclamante", finalizou o relator.

Acompanhando esse entendimento, a 9ª Turma do TRT mineiro declarou a nulidade da sentença, por cerceamento ao direito de defesa, determinando o retorno do processo à origem para a reabertura da fase de produção de provas. Os julgadores decidiram que deve ser realizada a degravação (transcrição) das conversas reproduzidas no CD, para que seja proferida depois nova decisão, apreciando-se a questão central da ação.
PJe: Processo nº 0010957-92.2015.5.03.0174 (RO). Acórdão em: 14/06/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

As coisas estão tão misturadas... Cada um deve saber o seu lugar!




Por Lenio Luiz Streck


Escrevi há vinte anos [1] (sobre o uso de elevadores em Pindorama e outros temas típicos de nossa sociedade patrimonialista):

“A maior parte da sociedade passa a acreditar que existe uma ordem de verdade, na qual cada um tem o seu “lugar (de)marcado”. [2] Vejamos a complexidade do problema da formação do Brasil. Em muitos pontos há concordância dos pesquisadores. Segundo Antonio Houaiss e Roberto Amaral (Modernidade no Brasil: conciliação ou ruptura), o pressuposto é aceito de forma geral: 1) um território precioso, 2) flora, fauna e clima esplêndidos, 3) um autoctonato de fácil superação, 4) uma consolidação linguística quase miraculosa, 5) a gestação de uma cultura popular e ágrafa rica e emocionante, 6) uma expansão demográfica rara, pela multiplicação, pela miscigenação tolerante e pela democracia empírica convivial. Eliminando os pontos positivos, restam, ao cabo dos cinco séculos de operação Brasil, os enigmas: a dívida social crescente — fome, ensino miserável, ausência de terra (guardada como “poupança”) para os aptos a trabalhá-la, trabalho no campo preferentemente para a exportação, a importação preferentemente para gáudio dos exportadores. As chamadas elites brasileiras, bem pensadas, parecem ter tido, excelente ou sobre-excelentemente, o mais puro sentido de autodefesa e sobrevivência: 1) aos trancos e barrancos, embora souberam reter para si o máximo dos bens materiais; 2) souberam harmonizar-se com os donos do mundo; conseguiram manter “seu” povo admiravelmente manietado, pela escravidão, pelo genocídio, pela ignorância, pela superstição — já que a terra lhes foi compensatóriamente tão generosa, que raros foram os Palmares e os Canudos e os Caldeirões em que criaram, embora efêmeras, suas pátrias de eleição possível.

É nesse contexto que cada um “assume” o “seu” lugar. E estes compõem a maioria. Essa maioria, porém, não se dá conta de que essa “ordem”, esse “cada-um-tem-o-seu-lugar” engendra a verdadeira violência simbólica (Bourdieu; tb Katz e Kahn) da ordem social, bem para além de todas as correlações de forças que não são mais do que a sua configuração movente e indiferente na consciência moral e política.

O sistema cultural engendra exatamente um imaginário no qual, principalmente através dos meios de comunicação de massa, faz-se uma amálgama do que não é amalgamável. Por isso, por exemplo, é possível — e observe-se a relevância dessa questão no plano simbólico — que o país mantenha impunemente um apartheid em elevadores sociais e de serviço, o que legitima o preconceito social!

Não causa espanto, assim, em nossa “pós-modernidade” midiática, que, a exemplo de tantas pessoas, uma famosa atriz e modelo da Rede Globo justifique o apartheid nos elevadores de forma bastante solene: “As coisas estão tão misturadas, confusas, na sociedade moderna. Algumas coisas, da tradição, devem ser preservadas. É importante haver hierarquia”. Já uma promoter [3] paulista assídua frequentadora das colunas sociais, não “nos deixa esquecer” que “... cada um deve ter o seu espaço. Não é uma questão de discriminação, mas de respeito”. Ou seja, para elas — e para quantos mais (!?) — a patuleia deve (continuar a) “saber-o-seu-lugar”... [4]

Discursos deste quilate não podem (e não devem) nos surpreender, até porque nada mais são do que reproduções do que ocorre cotidianamente ao nosso redor, reforçados pelos estereótipos produzidos pela mídia em larga escala. Daí que, usando como pano de fundo essa discussão, Contardo Calegaris[5] procura explicar a atitude e o discurso das classes médias e médio-superiores brasileiras acerca desta problemática:

“No Brasil, talvez por ele ter sido e talvez por ser ainda o maior sistema escravagista do mundo ocidental, a modernização aconteceu pela metade. (...) As classes médias brasileiras não abriram as portas do poder sobre as coisas para metade da população do país. (...) Foi por tradição ou por gosto atávico escravocrata”.

Por isso, diz Callegaris, tanta violência no Brasil: o ladrão brasileiro não está só pedindo posse de mais coisas. Quer mais! Quer os corpos...![6] São eles que (os corpos) “é bom possuir”. E (de forma irônica) Callegaris acrescenta: “a violência (na sociedade) já reverte se os elevadores de serviço forem suprimidos”.

A “aceitação” da exclusão social é cotidianamente reforçada/justificada pelos meios de comunicação. Veja-se, a propósito — e a crítica foi magnificamente feita pelo jornalista Vinícius Torres Freire em matéria intitulada “Carro grande e senzala” —,[7] comercial veiculado em rede nacional de televisão, para lançamento de um certo automóvel “classe A”, onde um casal branco e bem vestido escorrega pelo piso ensaboado de uma garagem, em direção ao carro apregoado. Três faxineiros, morenos e miúdos como quase todo o povo, fazem pilhéria dos ricos à beira do tombo. Mas o casal classe “A” chega ao carro “A” e sai zunindo da garagem escorregadia — o carro é estável, é o que se vende. Os faxineiros ficam para trás com cara de besta. Um deles escorrega e cai feito um pateta. Em outro anúncio, novamente aparece a dualidade “elite branca e elegante” versus “plebe rude e ignara”: desta vez um engravatado regateia com um mendigo flanelinha a lavagem do mesmo carro “classe A”. Condescende com riso senhorial da esperteza do pedinte, que quer “dez real”, pois o carro aquele é grande por dentro. Como bem complementa Torres Freire, os aludidos anúncios reproduzem um clichê clássico do imaginário subdesenvolvido, onde os pobres são espertos, sensuais e marotos...:

“O Brasil jamais foi uma república de fato, ex-escravos continuaram pobres, pobres não têm direitos e são demais. O comercial de carro ‘A’ não os fará mais pobres, mas a naturalidade inconsciente com que mofa da patuleia é um sintoma. ‘Os nativos estão inquietos’, eles assaltam, mas são uma classe de gente diferente, que ficou para trás naturalmente, ridícula como um escravo ou um primitivo pateta”.

Outro exemplo interessante é de um anúncio publicitário (premiado) que conseguiu transformar a exploração em “glamour” (ou consegue “justificar” a (semi)escravidão dos “velhos e bons tempos”). O cenário era uma antiga fazenda de café. Os personagens são dois recém-casados, que, ao acordarem, se encaminham ao café da manhã. Entrementes, a câmera mostra os empregados da Fazenda se encaminhando para a plantação, com ferramentas rudimentares (típicas “daqueles (bons) tempos”). Enquanto os campesinos se afastam, o casal senta-se à mesa, ornada com toalha rendada e com xícaras de fino porcelanato comprado em Aveiro. A cena culminante é o café sendo servido, fumegante, denso, saboroso (quase “ontológico”)... e uma voz em off anunciando: Café Pindorama Casagrande [8]: a volta dos bons tempos! Ou “Os bons Tempos estão de volta”. Faltou apenas uma frase: bons tempos para quem, cara pálida?

Tudo isto se encaixa, pois, em uma espécie de razão cínica brasileira. Invertendo a famosa frase de Marx dita em o Capital: “Sie wissen das nicht, aber sie tun es”, que significa “disso eles não sabem, mas o fazem”, Peter Sloterdijk nos ajuda a explicar a fórmula dessa razão cínica traduzida no comportamento de nossas classes dirigentes: “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas fazem assim mesmo”.[9] Nossas classes dirigentes e o establishment jurídico sabem o que está ocorrendo, mas continuam a fazer as mesmas coisas que historicamente vêm fazendo. Não nos damos conta das questões mais prosaicas que nos rodeiam e que permeiam o nosso imaginário”. Tinha mais coisas. Escritas até antes de 20 anos. Mas, deixa prá lá. Não quero cansar os leitores que não gostam de ler textos longos. Sinais da “pós-modernidade” (aliás, para saber o que é pós-modernidade, assistam esse filme de um minuto — vejam o que é “o outro”).

Pronto. Tenho que acrescentar algo 20 anos depois? Eis a explicação para o episódio em que o advogado de São Paulo foi algemado no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) por ter “entrado por engano” no elevador que não era de sua “laia”. Ele não sabia o seu lugar. Chamemos a atriz e a promoter paulista.

Post Scriptum : muitos dizem que sou profeta do Direito. Calvo Gonzales diz que acertei que o realismo jurídico tomaria conta do Brasil (ler aqui). Pois também acertei a questão dos precedentes... e até a coisa dos elevadores. Do apartheid de elevadores. Sociais. De serviço. Privativos. Não privativos. Eu falei que isso não teria fim. Bingo.

E eu não poderia deixar de me manifestar sobre o episódio do TRT-2. É um dever cívico.

Enfim, Millor estava certo: o Brasil tem um imenso passado pelo frente!


1 A primeira vez que escrevi sobre os elevadores foi logo após a eleição de Erundina. Ela se elegeu em 1989. Depois disso, transportei isso para o Hermenêutica Juridica e(m( Crise. Também está no Tribunal do Júri, Símbolos e Rituais (esgotado de há muito). Como o Hermenêutica tem mais de 11 edições e reimpressões, fui agregando novos elementos. Mas o cerne é a questão do apartheid social (e profissional) Podem ver que o comentário do Callegaris é de exatos 20 anos atrás.
2 Exemplo disso é a “PEC das domésticas” que causa um mal-estar pela quebra das expectativas e da violação do arquétipo. Algo não estaria no lugar. No lugar de sempre. No lugar-comum. Ou seja, alguém, a partir da PEC, poderá “não mais saber o seu lugar”...! Ver: ”A PEC das Domésticas e a saudade dos "bons tempos, op. cit. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/senso-incomum-pec-domesticas-saudade-bons-tempos.
3 Promoters são as pessoas que fazem festas para as elites cheirosas que só usam perfumes oxítonos. A palavra deve ser pronunciada com afetação e uma dose de frescura. O segundo “o” deve ser dito fazendo ar de bocó: “ôôter”.
4 Cf.”A PEC das Domésticas e a saudade dos "bons tempos". Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/senso-incomum-pec-domesticas-saudade-bons-tempos.
5 Cf. Calegaris, Contardo. A praga escravagista brasileira. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais, p. 5. 22.09.1996.
6 Para se ter uma ideia, o tráfico de entorpecentes no Brasil emprega mais que a Petrobras. Somente no Rio de Janeiro, o tráfico emprega 16.000 pessoas, arrecadando 400 milhões de dólares/ano (que é o que arrecada o setor têxtil no Rio de Janeiro). Cf. Folha de São Paulo de 28 nov 2010, Caderno C, p.4.
7 Cfe. Freire, Vinícius Torres. “Carro grande e senzala”. In: Folha de São Paulo. 17.01.2000.
8 Preservo o nome original do café.
9 Ver, para isso, Sloterdijk, Peter. Kritik der zynischen Vernunft. Frankfurt, 1983.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2016, 8h00

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Venda com fraude a credor não compromete negócio subsequente do mesmo bem



A anulação da venda de um imóvel em razão do reconhecimento de fraude contra os credores não implica a desconstituição automática da venda subsequente do mesmo bem. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Conforme narram os autos, uma empresa em situação de falência alienou o imóvel em que funcionava para uma compradora, que posteriormente promoveu uma segunda venda do imóvel. A massa falida ajuizou ação revocatória contra a primeira e a segunda compradoras, argumentando que a venda do imóvel foi efetivada em fraude aos credores.

A sentença declarou a ineficácia das duas alienações e considerou que o imóvel deveria retornar ao ativo da empresa para posterior arrecadação pelos credores.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou a sentença e afirmou que a primeira venda ocorreu em período “suspeito para os efeitos de fraude contra credores”, quando a empresa já possuía vários protestos em seu nome, ficando configurada a fraude. Com relação à segunda compradora, o TJRJ entendeu que não havia necessidade de se demonstrar sua má-fé, não se manifestando sobre a existência ou não de fraude em relação a ela.

Prova exigida

No STJ, o ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, explicou que o artigo 53 do Decreto-Lei 7.661/45 prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude. Já o artigo 55, parágrafo único, inciso III, alínea “a”, da mesma norma, dispõe que a ação revocatória pode ser proposta contra o terceiro adquirente se este tiver conhecimento da intenção do falido de prejudicar os credores.

O ministro afirmou que, revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, “este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida”. Dessa forma, para que a segunda venda seja desconstituída, é necessária a prova de má-fé da compradora, “pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé, já que aqui não se trata de uma simples declaração de ineficácia de negócio jurídico”, afirmou o ministro.

Moura Ribeiro esclareceu que o STJ não poderia se manifestar quanto à existência ou não de má-fé da segunda compradora, pois isso exigiria o exame das provas do processo, inviável em recurso especial. Assim, foi determinado o retorno dos autos para que o TJRJ, a partir do entendimento fixado pela Terceira Turma, verifique a eventual existência de fraude na segunda transação com o imóvel.Leia o acórdão.
Destaques de hoje
Venda com fraude a credor não compromete negócio subsequente do mesmo bem
Terceira Seção vai rever repetitivo sobre natureza da ação na Lei Maria da Penha
CDC não se aplica a disputa de empresas sobre dano de carga em transporte marítimo
Tribunal cria comissão gestora de precedentes

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1567492

Fonte: STJ

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Só pode ser considerado diarista no âmbito empresarial trabalhador que presta serviços esporádicos e descontínuos




Já se estabeleceu que o profissional que presta serviços em âmbito doméstico em até dois dias na semana é considerado diarista autônomo. A descontinuidade do trabalho descaracteriza o vínculo doméstico, nos termos do que prevê a Lei nº 5859 /72. Mas você sabia que, quando se trata de uma empresa, só pode ser considerado diarista aquele que presta serviços de forma eventual, sem constância alguma? Ou seja, não pode haver o hábito da repetição do trabalho em outros dias, como no caso do trabalho prestado em residências.

A explicação é da desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, ao apreciar, na 10ª Turma do TRT de Minas, um recurso envolvendo a questão. No caso, uma trabalhadora pedia o reconhecimento do vínculo de emprego com uma floricultura, enquanto a ré insistia na tese de autonomia, acatada na sentença, argumentando que a trabalhadora prestava serviços apenas duas vezes por semana, recebendo por dia. No entanto, a Turma de julgadores deu razão à reclamante e julgou favoravelmente o recurso para declarar a relação de emprego entre as partes.

O conceito da figura do diarista foi explicitado no voto. Segundo a relatora, esse trabalhador autônomo pode existir tanto em uma empresa como no âmbito doméstico, mas com certas diferenças.

No âmbito doméstico, conforme destacou, a Lei 5.859/1972, em vigor na época da prestação de serviços e revogada posteriormente pela LC 150, de 01.06.2015, já definia como sendo "aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas". Já o diarista que presta serviços em empresas que têm finalidade lucrativa distingue-se de um empregado com base no elemento não-eventualidade, um dos requisitos necessários à configuração do vínculo de emprego (artigo 3º da CLT).

Nesse sentido, foi registrado o ensinamento de Maurício Godinho Delgado, segundo o qual "A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade - rejeitada, porém, pela CLT. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade." Ademais, "difícil será configurar-se a eventualidade do trabalho pactuado se a atuação do trabalhador contratado inserir-se na dinâmica normal da empresa - ainda que excepcionalmente ampliada essa dinâmica". (Curso de direito do trabalho, 15ª ed., LrR, 2016, p. 306/307).

Diante desse contexto, a julgadora esclareceu que o trabalhador autônomo diarista no âmbito empresarial deve prestar serviços eventuais, ou seja, de curtíssima duração, sem constância alguma. Não basta a descontinuidade, como no serviço doméstico. A decisão mencionou um julgamento do TST em que foi mantido o vínculo de emprego entre uma diarista e um escritório de advocacia. No caso, a prestação de serviços ocorreu quinzenalmente por mais de dois anos. Os julgadores consideraram que a prestação de serviços de faxina em estabelecimento comercial, com pessoalidade, subordinação e onerosidade, configura vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Conforme registraram, a caracterização da não eventualidade não pode ser impedida pela natureza intermitente da prestação habitual dos serviços.

"Sem dúvida alguma, de que a prestação de serviços por longo período em dois dias por semana, como veio a ocorrer com a reclamante junto à reclamada, uma empresa do ramo da floricultura que possui âmbito lucrativo, não configura o trabalho de diarista, máxime quando as atividades da autora eram, inclusive, inerentes aos fins perseguidos pela empresa ré, pois lidava com a limpeza e irrigação de plantas", concluiu a relatora em seu voto. Para ela, pouco importa se havia descontinuidade (trabalho em dois dias da semana), uma vez que essa intermitência era permanente, jogando por terra a tese da eventualidade. Quanto aos demais elementos caracterizadores da relação de emprego, considerou incontroverso ter havido pessoalidade e remuneração pelo serviço.

Com relação à subordinação, a desembargadora entendeu que a ré não provou que esta não ocorria. Além disso, foi reconhecida, no caso, a chamada subordinação jurídica na modalidade estrutural, em que o trabalhador se insere na atividade econômica da empresa, em sua dinâmica produtiva. Exatamente o caso da reclamante que, conforme apreciado, se inseriu no âmbito do empreendimento econômico.

Por tudo isso, os julgadores, acompanhando o voto, deram provimento ao recurso para declarar o vínculo de emprego entre as partes, pelo período de 19.03.2014 a 16.09.2015. Como consequência, a floricultura foi condenada a cumprir as obrigações decorrentes, tudo conforme detalhado no acórdão.
PJe: Processo nº 0011133-12.2015.5.03.0129 (RO). Acórdão em: 21/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

Professor escola inclusiva que sofreu agressões de aluno especial será indenizada



Uma professora que atuava em uma escola que lida com educação inclusiva (que abrange todas as crianças em um mesmo contexto escolar, ou seja, que incluem aquelas com necessidades especiais), após sofrer reiteradas agressões por parte de um aluno que apresentava sérios problemas de comportamento, buscou na Justiça do Trabalho indenização pelos danos morais que entendeu ter sofrido. Na sua versão, o aluno necessitava de acompanhamento profissional especializado, fato esse negligenciado pela escola, que não tomou cuidados mínimos com a segurança.

Para a escola, que se afirmou como uma instituição reconhecida por sua atuação inclusiva, não houve o alegado descaso e omissão, já que contratou a professora tendo em vista sua atuação junto a outra instituição. Ademais, o aluno já havia demonstrado manifesta simpatia pela professora, a qual solicitou a transferência dele para sua turma. Afirmou que o aluno era acompanhado por um terapeuta e um psiquiatra, sendo que seus pais também eram médicos psiquiatra e pediatra.

Após analisar todos os detalhes do caso, o juiz Fernando Sollero Caiaffa, na titularidade da 6ª Vara do Trabalho de Uberlândia, entendeu que a razão estava com a professora. Ele ressaltou que a questão não envolve análise do tratamento escolar dispensado à criança, mas pura e simplesmente, a tese de que a escola, embora se conceituasse como uma instituição inclusiva, não adotou todas as medidas necessárias para preservar a incolumidade física e psíquica da professora no ambiente de trabalho. Como constatou o julgador, os elementos sinalizam no sentido de que, embora a escola possua em seus quadros três psicopedagogos, sendo uma psicóloga, não houve qualquer preparação dos professores não especializados para o trato com crianças que exigem tratamento diferenciado. Como revelou a prova testemunhal, em momentos de crise, a criança mordia e chutava. Seu comportamento oscilava de amoroso a muito agressivo.

Nesse cenário, o juiz entendeu que a escola não andou bem, seja em relação à preparação de seus profissionais, seja em relação à estrutura administrativa e de pessoal para lidar com essas situações. "Pelo quadro que se delineou neste feito, a questão merecia um tratamento extremamente especializado, disponibilizando profissionais em tempo integral para acompanhamento dos trabalhos dentro e fora de sala de aula, com vistas a constatação se o processo educacional estava se conduzindo de forma correta, considerando as condições do aluno", pontuou o julgador. Diante da complexidade da questão, ele recomendou, como elemento enriquecedor do debate, a leitura do texto de Magalis Bésser Dorneles Schineider, com título de "Subsídios para Ação Pedagógica no Cotidiano Escolar Inclusivo".

Concluindo pela omissão injustificada da instituição no que tange à segurança e integridade física não somente dos educadores, mas de toda a comunidade escolar, o magistrado registrou que as providências deveriam ter sido tomadas desde a ocorrência do primeiro incidente, tendo em vista que a professora afirmou que as agressões ocorreram por cinco vezes. Considerando presentes os elementos da responsabilização civil e atentando para as circunstâncias específicas do caso, o juiz condenou a instituição a pagar à professora indenização por danos morais, arbitrada em R$5.000,00.

A escola recorreu da decisão, que ficou mantida pelo TRT de Minas. ( 0000998-37.2014.5.03.0173 ED )



Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...