segunda-feira, 16 de maio de 2016

Servente exposta a umidade ao lavar banheiros sem EPIs e que não recebia adicional de insalubridade consegue rescisão indireta


O descumprimento de normas de higiene, saúde e segurança do trabalhador, levando à exposição do empregado aos efeitos do agente insalubre pela falta de entrega da totalidade dos equipamentos de proteção individual necessários, somado à ausência de pagamento do adicional de insalubridade, são circunstâncias que podem levar à rescisão indireta do contrato. Assim se expressou a desembargadora Denise Alves Horta, da 4ª Turma do TRT de Minas, ao julgar desfavoravelmente o recurso apresentado por uma empresa pública mineira, confirmando decisão que reconheceu a uma servente a rescisão indireta do contrato de trabalho dela.
No caso, a julgadora constatou, pela prova pericial, que a servente, ao exercer suas atividades de lavação de banheiros e pisos do pátio, tanto na Secretaria de Saúde como na Delegacia de Polícia Civil de menores infratores, atuava em ambiente encharcado e ficava molhada, expondo-se à umidade. E, embora na Secretaria de Saúde ela recebesse luvas e bota de borracha, esses equipamentos de proteção não eram suficientes, faltando ainda o avental impermeável. Em relação ao trabalho na Delegacia, o laudo técnico esclareceu que a servente lavava os banheiros sem utilização do EPI. O Assistente Técnico apontou, inclusive, a dificuldade de se entrar em ambiente de reclusão prisional com o equipamento de proteção.
Segundo pontuou a relatora, a informação da trabalhadora de que trazia roupas reservas de casa em nada favorece a empregadora, pois essa vestimenta não é equipamento de proteção. Lembrando que o magistrado não se vincula às conclusões do perito, mas que essas devem ser prestigiadas se ausentes outros elementos e fatos que fundamentem entendimento contrário, a julgadora observou que, no caso analisado, não houve provas que pudessem descaracterizar os fatos apurados pela perita oficial.
Por fim, a desembargadora refutou o argumento defensivo acerca da ausência de imediatidade. Esclarecendo que o contrato de trabalho é um ajuste de trato sucessivo e que, por essa razão, o descumprimento das obrigações pela empregadora renova-se dia a dia, mês a mês, a relatora frisou que os atos faltosos praticados se repetiram ao longo do pacto laboral, mantendo-se presentes e atuais. O entendimento foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.
( 0000554-20.2014.5.03.0006 RO )

Fonte: TRT3

NJ ESPECIAL: Controle de ponto por exceção é válido ou não?



Durante muito tempo uma empresa determinou que somente deveriam ser anotados nos controles de ponto dos empregados fatos excepcionais, como atrasos, faltas e afastamentos. Segundo a empregadora, as demais ocorrências corriqueiras, como horários de entrada e de saída, não precisavam ser registradas, pois poderiam ser presumidas, uma vez que faziam parte da rotina normal de trabalho.
Esse procedimento, que passou a ser adotado por várias empresas, é conhecido como "controle de ponto por exceção". Mas será que a adoção desse sistema possui validade? Há quem entenda que não, mas e se houver norma coletiva autorizando essa prática?
Embora haja ainda entendimentos divergentes sobre o tema em outros Tribunais Regionais do Trabalho, observa-se que a matéria já foi praticamente pacificada no TRT de Minas, com exceção do posicionamento diferente manifestado pela 9ª Turma.
Nesta Notícia Jurídica Especial veremos os fundamentos que embasaram os posicionamentos dos julgadores que atuam na Justiça do Trabalho mineira, no sentido de ser válida ou inválida a adoção do sistema de controle de ponto por exceção.
Conceito Ao julgar um processo em que se discutiu a matéria, o juiz convocado Vitor Salino de Moura Eça pontuou que o sistema de controle de ponto por exceção é aquele "pelo qual se presume o fiel cumprimento da jornada de trabalho, ficando a cargo do empregado anotar os atrasos, as ausências e as horas extras prestadas". (Processo nº 0000551-80.2014.5.03.0098. Acórdão em 24/08/2015).
Em outras palavras, essa modalidade de marcação de ponto por exceção, geralmente prevista em norma coletiva, consiste na pré-assinalação da jornada normal de trabalho e das horas extras pela empregadora, as quais, em tese, poderiam ser alteradas pelo empregado em casos especiais de faltas, licenças, férias, saídas antecipadas, horas extras, afastamentos e outros motivos previstos em lei.
Se não existirem nos controles de ponto as anotações do que "foge ao normal", presume-se que o empregado realizou a jornada contratual prevista, nos moldes da lei vigente.
Referências legais e súmula aplicávelSe a empresa tem mais de dez empregados, a lei determina que mantenha controle de ponto, com anotação da hora de entrada e saída, em registros manuais, mecânicos ou eletrônicos (artigo 74, §2º, da CLT). Esse controle tem dupla finalidade: para a empresa saber quantas horas o empregado trabalhou e para o empregado checar se o seu salário corresponde às horas efetivamente trabalhadas.
Em 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria 1.120/95, que, depois, foi substituída pela Portaria nº 373, de 25/02/2011. Essa Portaria, que facultou aos empregadores a adoção de sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, estabelece o seguinte:
"Art. 1º - Os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho. § 1º - O uso da faculdade prevista no caput implica a presunção de cumprimento integral pelo empregado da jornada de trabalho contratual, convencionada ou acordada vigente no estabelecimento. § 2º - Deverá ser disponibilizada ao empregado, até o momento do pagamento da remuneração referente ao período em que está sendo aferida a frequência, a informação sobre qualquer ocorrência que ocasione alteração de sua remuneração em virtude da adoção de sistema alternativo. Art. 2º - Os empregadores poderão adotar sistemas alternativos eletrônicos de controle de jornada de trabalho, mediante autorização em Acordo Coletivo de Trabalho. Art. 3º - Os sistemas alternativos eletrônicos não devem admitir: I - restrições à marcação do ponto; II - marcação automática do ponto; III - exigência de autorização prévia para marcação de sobrejornada; e IV - a alteração ou eliminação dos dados registrados pelo empregado. § 1º - Para fins de fiscalização, os sistemas alternativos eletrônicos deverão: I - estar disponíveis no local de trabalho; II - permitir a identificação de empregador e empregado; e
III - possibilitar, através da central de dados, a extração eletrônica e impressa do registro fiel das marcações realizadas pelo empregado. (...)".
É importante destacar, ainda, o entendimento consolidado na Súmula 338 do TST:
"I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003) ".Existe uma portaria ministerial que autoriza o controle de ponto por exceção? Este é um dos argumentos utilizados por muitas empresas que recorrem à Justiça do Trabalho mineira: a adoção do sistema de ponto por exceção encontra-se autorizada pelo Ministério do Trabalho, mediante a Portaria 373/2011.
Entretanto, no que se refere a esta modalidade de controle de jornada, apesar de a Portaria 1.120/95, do MTE, revogada posteriormente pela Portaria 373/2011, dispor que "os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por convenção ou acordo coletivo de trabalho", a jurisprudência dominante do TRT mineiro tem se consolidado no sentido de que os registros de ponto por exceção são nulos, por violarem normas referentes à fiscalização do trabalho, em especial o art. 74, §2º, da CLT.
Nesse contexto, os julgadores que atuam na JT mineira, em sua maioria, aplicam ao caso o entendimento contido na Súmula 338, I, do TST, segundo o qual "a não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário".
Na interpretação do juiz convocado Carlos Roberto Barbosa, a Portaria ministerial em questão não autoriza o sistema de ponto por exceção. "Ao contrário, a Portaria 373/2011 do MTE, expressamente, não admite marcação automática de ponto (art. 3º, II) e determina que os sistemas alternativos possibilitem "através da central de dados, a extração eletrônica e impressa do registro fiel das marcações realizadas pelo empregado" (art. 3º, §1º), o que vai de encontro com a marcação por exceção promovida pela ré", pontuou o relator do recurso da empresa. (Proc. PJe nº 0010380-93.2015.5.03.0084-RO).
São válidas as normas coletivas que autorizam o controle de ponto por exceção? Outro argumento utilizado por muitas empresas que recorrem à Justiça do Trabalho mineira é o fato de existirem normas coletivas que autorizam a adoção do sistema de ponto por exceção.
Os magistrados que atuam na Justiça do Trabalho mineira, em sua maioria, enfatizam que a Constituição da República, no art. 7º, XXVI, assegura a eficácia das convenções e acordos coletivos de trabalho legitimamente celebrados pelas entidades sindicais representativas das categorias profissional e econômica, os quais devem ser reconhecidos e observados, por se tratar do fruto da negociação coletiva em que as partes fazem concessões mútuas, sempre visando o interesse específico de determinada categoria. Entretanto, segundo o entendimento dominante, não se admite a negociação e a redução dos direitos indisponíveis, como aqueles destinados a proteger a saúde e a segurança do trabalhador.
Em outras palavras, as negociações coletivas encontram limites nas garantias, direitos, princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais instituídos e que são intangíveis à autonomia coletiva, tais como as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. Sob essa ótica, no âmbito do Direito do Trabalho é pacífico o entendimento de que as normas devem ser interpretadas no sentido de ampliar - e não de restringir - a proteção e as conquistas do trabalhador, que é o elo mais frágil na relação de emprego. Assim, de acordo com a jurisprudência dominante do TRT de Minas, embora o art. 7º, XXVI, da Constituição da República, prestigie os acordos e convenções coletivas, é certo que não ampara a possibilidade absoluta e ilimitada de se transacionar direitos trabalhistas consagrados na mesma Constituição, principalmente no que se refere às normas relativas à duração da jornada de trabalho.
Dessa forma, na visão da maioria dos julgadores que atuam na JT mineira, é destituída de qualquer validade a cláusula normativa que desconsidera a regra geral de anotação, pelo empregador que possua mais de dez empregados, do início e término da jornada efetivamente trabalhada pelo empregado, através de registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme estabelecido no artigo 74, § 2º, da CLT.
Um exemplo que ilustra esse entendimento pode ser encontrado no processo nº 0000183-88.2014.5.03.0060. No caso, o empregado, que exercia a função de técnico de mina e geologia na empresa Vale, alegou que, durante todo o contrato de trabalho, invariavelmente, iniciava e/ou terminava sua jornada de trabalho fora do horário a que estava legalmente obrigado, sem receber as horas extras e reflexos correspondentes. Salientou que a empresa exigia a antecipação do início de seu turno de trabalho para as 15 horas, quando, na realidade, a sua jornada teria início às 18 horas.
A Vale, em sua defesa, aduziu que os acordos coletivos de trabalho firmados com o sindicato da categoria preveem o registro automático da frequência ao trabalho, por meio de controle de exceções, sendo perfeitamente válida essa previsão. Afirmou ainda que eventual hora extra realizada está devidamente registrada no controle de frequência, como exceção. Salientou que os ACTs vigentes permitem a compensação de eventuais horas extras.
Ao analisar o conjunto de provas, o desembargador relator Sércio da Silva Peçanha concluiu que, embora não fosse exigência da empresa, ficou comprovado nos autos que o reclamante chegava antes e saía depois do horário contratual sem registrar as entradas e saídas e sem receber ou compensar as horas extras não anotadas. Na ótica do relator, os depoimentos das duas testemunhas ouvidas a convite do reclamante são suficientes para comprovar que os técnicos chegavam às 15h quando o turno começava às 18h e também saíam mais tarde. Isso porque, segundo as testemunhas, mesmo nos períodos de horário de verão, era necessário fazer uma espécie de vistoria na mina para ver, à luz do dia, se havia alterado alguma área.
O desembargador não deu razão à ré quanto à alegação de que os ACTs firmados com o sindicato da categoria preveem o registro automático da frequência ao trabalho, controle de exceções, e que tal previsão é válida. "Adoto o entendimento de que as normas coletivas que preveem a adoção de sistema de ponto por exceção, carecem de validade, pois afrontam a previsão constante do art. 74, § 2º da CLT, em relação ao controle da jornada de trabalho para as empresas que contam com mais de dez empregados. Trata-se de matéria de ordem pública, não se admitindo transação por meio de negociação coletiva", completou.
Nesse contexto, o relator concluiu que não merecem guarida os fundamentos apresentados pela Vale no sentido de que se deve conferir validade a controles de jornada marcados por exceção, principalmente quando constatado, no caso analisado, que a própria testemunha da ré informou que a antecipação da jornada de trabalho e a participação em reuniões não eram computadas. Assim, foi confirmada a sentença que fixou a jornada com base na prova oral colhida e a condenação ao pagamento das horas extras, assim consideradas as excedentes à 6ª diária, por todo o período não atingido pela prescrição, bem como os reflexos correspondentes.
Corrente minoritáriaNo TRT-MG, apenas os desembargadores que compõem a 9ª Turma assumem um posicionamento distinto sobre o tema, no sentido de ser possível e legal a marcação de ponto por exceção, desde que haja previsão em norma coletiva, isto é, prévia negociação com o sindicato da categoria profissional.
Exemplo desse posicionamento pode ser encontrado no proc. PJe nº 0010910-13.2014.5.03.0091, no qual o desembargador relator João Bosco Pinto Lara enfatizou: "Inicialmente deve ficar claro que, efetivamente, os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho. (Portaria nº 373/2011 do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE ".
Mas, nesse caso, a empresa não foi absolvida da condenação ao pagamento de horas extras, justamente por causa da prova documental juntada ao processo, inclusive as normas coletivas, que determinaram, para os estabelecimentos com mais de 10 empregados, a obrigatoriedade da anotação da hora de entrada e saída em registros mecânicos ou não, devendo ser assinalados os intervalos para repouso. As normas coletivas estabeleceram que o registro da jornada extraordinária deveria ser feito no mesmo documento em que se anotava a jornada normal (exemplo: cláusula 13ª, § 1º, da CCT 2010/2011).
Em outro processo, a desembargadora relatora Maria Stela Álvares da Silva Campos analisou o recurso da Unimed, que não se conformou com a sua condenação ao pagamento de uma hora extra por dia e correspondentes reflexos. A relatora observou que os ACTs da categoria dispuseram expressamente que os empregados sujeitos ao regime de plantão 12x36 horas fariam jus ao intervalo de uma hora para descanso, a ser gozado de acordo com sua conveniência (cláusula 8ª). Autorizou-se, também, àqueles que trabalhavam em jornada especial, 12x72 horas, o mesmo intervalo, fruído, igualmente, de acordo com a "conveniência destes e a compatibilidade do serviço em execução, ressalvados os casos de jornadas regulamentadas por legislação específica em razão da atividade". A cláusula décima, por seu turno, prevê a "marcação de ponto por exceção", ou seja, permitiu-se a "adoção de marcação de ponto por exceção para preenchimento, pelo empregado, do seu cartão de ponto para marcação dos intervalos intra-jornada".
A desembargadora apurou que os empregados da ré tinham assegurada a pausa de uma hora para alimentação e os cartões de ponto continham a pré-assinalação desse intervalo. Para a julgadora, o conjunto de provas demonstrou que as horas extras eram registradas e pagas e os intervalos fixados no ACT eram fruídos de acordo com a conveniência dos empregados. Ficou claro também que era a própria reclamante quem anotava suas pausas em seus cartões. Diante desse quadro, a relatora concluiu que o intervalo para refeição era efetivamente fruído e, em consequência, deu provimento ao recurso patronal para afastar a condenação ao pagamento de uma hora extra por dia e correspondentes reflexos. (Proc. nº 0000239-49.2015.5.03.0008-ROPS).
ConclusãoPelos casos julgados na Justiça do Trabalho mineira, que bem retratam o entendimento prevalente na jurisprudência, é prudente que se continue a adotar a marcação regular do horário de entrada e saída no controle de ponto mecânico, eletrônico ou manual, a fim de se evitar a nulidade do controle de ponto por exceção ou eventual consideração de inexistência do controle de jornada do empregado.


Notícias Jurídicas anteriores relacionadas ao registro da jornada de trabalho do empregado:

26/02/2016 06:00h - Juiz considera válidos cartões de ponto sem assinatura

13/05/2013 06:03h - Turma concede horas extras a empregado que ficava esperando transporte da empresa para retorno do trabalho

17/08/2011 06:00h - Ônus de provar é de ambas as partes no processo

11/05/2011 06:01h - Atividades preparatórias antes e depois do expediente integram jornada

08/11/2010 06:04h - Empresa é condenada a restituir dias de faltas apuradas por sistema inadequado

19/05/2010 05:59h - Marcação de ponto por exceção é inválida

02/04/2009 06:05h - Controle eletrônico da jornada de maquinistas só vale se acompanhado de registro manuscrito


Clique AQUI para ler decisões do TRT mineiro sobre a matéria

Clique AQUI para ler decisões do TST sobre o tema




Fonte: TRT3


Professor de Direito que não tinha intervalo mínimo de 11 horas entre duas jornadas receberá horas extras



Os professores têm direito ao intervalo mínimo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho, já que as regras relativas à duração do trabalho aplicam-se às categorias profissionais diferenciadas. Assim decidiu o juiz Ordenísio César dos Santos, em sua atuação na 5º Vara do Trabalho de Betim, reconhecendo a um professor do curso de Direito o pagamento de duas horas extras, uma vez por semana, durante um período do contrato.
Conforme fundamentos trazidos na jurisprudência citada pelo magistrado, as normas protetivas peculiares à categoria profissional dos professores (previstas nos artigos 317 a 323 da CLT) representam proteção especial acrescida e, portanto, não excluem o direito previsto em norma geral, isto é, o intervalo interjornadas previsto no artigo 66 da CLT. Na situação analisada, o julgador apurou mediante as provas produzidas que, no segundo semestre de 2012, o professor terminava a jornada por volta das 22h30 num dia e iniciava por volta das 07h30 no dia seguinte, o que ocorria uma vez por semana, em prejuízo do gozo integral do intervalo interjornadas mínimo de 11 horas.
Por fim, o magistrado esclareceu que, a teor da OJ 355 da SDI-I do TST, não há que se falar em pagamento de 11 horas extras, correspondente à integralidade do intervalo interjornadas, mas apenas do pagamento da integralidade das horas extras suprimidas do intervalo, o que corresponde a duas horas extras, acrescidas do adicional de 50%, uma vez por semana, durante o segundo semestre de 2012.
A empregadora recorreu da decisão, que ficou mantida pelo TRT mineiro.

PJe: Processo nº 0011418-97.2014.5.03.0142. Sentença em: 27/11/2015Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Professor que autorizou aluno a realizar provas sem comparecer à aula não consegue reverter justa causa



Um professor universitário que concedeu tratamento especial a um aluno, permitindo que ele realizasse provas e fosse aprovado sem comparecer às aulas, não conseguiu reverter a justa causa aplicada pela instituição de ensino reclamada. O caso foi julgado pela juíza Luciana de Carvalho Rodrigues, em sua atuação na 13ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Para a magistrada, a empregadora andou bem ao promover a dispensa por justa causa em razão de mau procedimento e indisciplina, nos termos do artigo 482, letras b e h da CLT. Isto porque, no seu modo de entender, a prática de falta grave ficou claramente comprovada no processo.
Na sentença, ela chamou a atenção para o fato de a instituição ter promovido processo administrativo para apuração de falta grave, garantido ao autor acesso às informações sobre as questões investigadas. A magistrada apurou que o professor teve mais de uma oportunidade para se manifestar. Além disso, constatou que a pena máxima foi aplicada considerando-se o disposto no Regimento Interno. De qualquer forma, lembrou a julgadora que toda a matéria envolvendo os fatos que ensejaram a justa causa são passíveis de análise pelo Poder Judiciário. Nesse contexto, a violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório não foi identificada no caso.
A prova também revelou que o aluno foi aprovado em duas disciplinas ministradas pelo reclamante, sem que tivesse obtido a frequência necessária para tanto. A existência de autorização formal para o aluno realizar apenas as provas das disciplinas em questão não ficou provada. Aliás, o próprio aluno afirmou que não houve sequer pedido formal para que fosse concedido a ele regime especial em função dos problemas de saúde apresentados.
A decisão se referiu à Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e base da educação nacional, bem como ao Decreto Lei 1044/1969, que dispõe sobre tratamento excepcional para os alunos portadores de doenças indicadas. Concluiu a juíza sentenciante que o professor - que possuía mais de 15 anos de atuação na universidade - não poderia ter permitido que fossem realizadas apenas as provas, sem que nenhuma autorização formal tivesse sido concedida para tanto. O entendimento foi adotado mesmo considerando que o aluno estivesse com problemas de saúde. "O reclamante deveria ter zelado para que fossem atendidas e observadas as normas estabelecidas para um procedimento de exceção, como o examinado", registrou a sentença.
Por fim, a julgadora considerou razoável o tempo transcorrido entre o início das apurações relativas à situação do aluno e a dispensa do professor, entendendo que não houve violação ao princípio da imediatidade. "Diante da prova produzida tenho, pois, como válida a justa causa aplicada sendo que o autor, ao não observar as previsões regimentais e legais a respeito dos fatos ocorridos, cometeu atos de mau procedimento e indisciplina", concluiu, ao declarar improcedentes os pedidos de nulidade da rescisão contratual e de reintegração ao emprego.
A decisão foi confirmada em grau de recurso. "Patente o descumprimento das normas da instituição de ensino e da legislação vigente pelo reclamante, o que demonstra a prática de falta grave o suficiente para atrair a aplicação da penalidade máxima, face o rompimento da necessária fidúcia entre as partes contratantes", constou da decisão proferida pelo TRT de Minas.
( 0001748-68.2013.5.03.0013 ED )

Com base em decisão do STF, Turma declara incompetência da JT para julgar contratação temporária de trabalhadores pelo poder público


A 3ª Turma do TRT-MG, com base em decisão proferida pelo STF, julgou favoravelmente um recurso do Município de Santa Rita de Caldas e declarou a incompetência da JT para julgar ação ajuizada por um Cadastrador de Bolsa Família, contratado pelo município por prazo determinado, sem a prévia aprovação em concurso público.
Além de fazer o cadastramento dos beneficiários do programa, o trabalhador atendia outras demandas do município, atuando como motorista e, por cerca de três meses, ficou no setor de Contabilidade. Na ação trabalhista, ele pretendia ver reconhecido o vínculo de emprego com o município e o consequente o recebimento de todos os direitos decorrentes. O juiz de primeiro grau acolheu os pedidos, condenando o município a anotar a CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) do reclamante e a cumprir outras obrigações decorrentes do vínculo de emprego, incluindo FGTS com multa de 40% e outras verbas rescisórias.
Mas o juiz convocado relator, Danilo Siqueira de Castro Faria, cujo voto foi acolhido pela Turma, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF), através de reiteradas decisões, vem entendendo que é da Justiça Comum a competência para apreciar e julgar as ações que discutem sobre a validade das contratações temporárias realizadas pelo ente público sem a prévia aprovação em concurso público. A justificativa é de que tais contratos se destinam a atender "excepcional interesse público", configurando relação de caráter estatutário ou jurídico-administrativo.
Segundo o relator, no julgamento do RE/573202, o STF concluiu que o entendimento de que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações entre servidores temporários e a Administração Pública contraria a decisão do Pleno na ADI 3395 MC/DF (DJU de 10/11/2006). É que, nessa decisão, o STF suspendeu liminarmente toda e qualquer interpretação conferida ao inciso I, do art. 114, da Constituição da República (na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 45/2004), quanto à competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que envolvam a Administração Pública e seus servidores, vinculados por típica relação de caráter estatutário ou jurídico administrativo, como no caso dos trabalhadores temporários.
"A consequência da decisão proferida na ADI tem sido a procedência de ações instauradas na Suprema Corte, envolvendo a validade dos contratos administrativos firmados por entes públicos, invalidando as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho e determinando a remessa dos autos para a Justiça Comum", destacou o juiz convocado relator, citando os seguintes exemplos: reclamação nº 12244/SP, publicada no DEJT do dia 05/12/2011 e reclamação 12242/MG, publicada no DEJT do dia 28/11/2011). Além disso, o julgador lembrou que houve o cancelamento da Orientação Jurisprudencial n. 205 da SDI-I, do TST, que dizia competir à JT julgar ações discutindo irregularidade na contratação temporária de trabalhadores pelo poder público, justamente em razão do entendimento contrário do STF (Resolução 156/2009 - DEJT de 27/04/2009).
Diante do posicionamento pacífico do STF, por disciplina judiciária, o relator declarou a incompetência material da JT para o exame e julgamento da ação, determinando a remessa do processo à Justiça Comum Estadual, no que foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.

PJe: Processo nº 0011665-57.2014.5.03.0149. Acórdão em: 18/03/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
 

Livre convencimento no novo CPP: mas, já não apanha(ra)m o suficiente?




Por Lenio Luiz Streck


E vem aí o NCPP: Novo Código de Processo Penal.

Todos sabem que fui um crítico contundente ao projeto do novo Código de Processo Civil. Conseguimos algumas alterações e avanços, como a expunção do livre convencimento (artigo 371), a obrigação de a jurisprudência ser íntegra e coerente (artigo 926), além do dever de fundamentação previsto no artigo 489, sem contar a proibição de decisões surpresa (artigo 10). Minha preocupação: democracia e equanimidade nas decisões.

Pois agora estamos em face de uma nova luta. É o novo Código de Processo Penal que está em gestação. Estava parado e provavelmente as contingências o tenham tirado da gaveta. Não importam as razões. Estamos com o problema à vista.

Já enviei algumas sugestões ao projeto. Saibam os leitores que no campo do processo penal, portanto, no sagrado terreno das liberdades, o projeto, no seu artigo 168, foi aprovado (até agora) por uma comissão de juristas, mantendo, entre outros autoritarismos, o poder de livre apreciação da prova ou livre convencimento. Pois é. Inacreditável. Justificativa “genial”: a livre apreciação se dá porque está superada a prova tarifada. Ah, bom. E o livre convencimento? “Ele é motivado.” Ah, bom, digo novamente. Agora vai. Se ele é motivado, então tá. Falei disso na coluna passada (ler aqui). Parece até que estamos diante de meros truísmos, como se fossem decorrências necessárias. Sinto dizer, e aqui homenageio meus colegas analíticos, mas desta argumentação non sequitur.

Essa linha de defesa do livre convencimento ou livre apreciação vem na mesmíssima seara (de alguns) dos processualistas civis que continuam a dizer que, mesmo que o texto do NCPC tenha expungido o “livre convencimento”, isso nada quer dizer. Alega-se que o artigo 489, parágrafo 1º, CPC/2015, trata apenas do elemento chamado “motivação” e não da “liberdade na valoração da prova”. O que isto quer dizer? Simples: eles estão apenas repetindo uma velha e surrada cisão entre fato e Direito e entre interpretação e aplicação. Rios de tinta já foram gastos para demonstrar que isso é absolutamente equivocado. Gente como Müller, Castanheira Neves, Ovidio Baptista já colocaram uma pá-de-cal nessa falsa dicotomia. Mas, não adianta. Por aqui, o que vale é o velho subjetivismo. O velho solipsismo.[1] Ora, o que é esse subjetivismo – retrógrado e antidemocrático – senão aquilo que exatamente sustenta a cisão entre interpretação e aplicação? A mágica estaria no seguinte: uma coisa é interpretar a lei; outra seria valorar a prova. Mais ou menos o seguinte: para interpretar o que leio em um livro uso determinados parâmetros; para saber se devo desviar de uma pedra ou não, utilizo outros componentes “cognitivos”. Se isso fosse possível, quem defende isso seria comido pela primeira onça que encontrasse, porque primeiro “interpretaria” e depois “aplicaria”. Nesse ínterim, seria devorado.

Como diz Eros Grau, fulcrado em Müller: “o intérprete interpreta também o caso, necessariamente, além dos textos, ao empreender a produção prática do direito”. Ou seja, a filosofia enterra, com bem diz Guilherme Vale (ver aqui) essa espécie de cisão canônica entre a faticidade (prova) e o Direito (norma): “A compreensão não ocorre assim, mesmo que um juiz eventualmente ponha em sua decisão que ‘agora estou apenas valorando a prova; a partir daí, passarei a interpretar o Direito’. Aliás, sejamos claros: valorar a prova nada mais pode significar do que interpretar”.

Lamentavelmente, parece que parcela dos processualistas pouco apreendeu em termos de paradigmas filosóficos e naquilo que se entende por cognitivismo e não cognitivismo (podemos falar até de meta-ética, aqui) ou o nome que se queira dar ao modo como compreendemos os fenômenos.

Retornando ao projeto do CPP, entre outras sugestões, obviamente está a de retirar a palavra “livre” do artigo 168 do projeto. O CPC já não o tem. De todo modo, parece inconcebível que, no processo civil, haja um dever de accountabillity maior que no processo penal, que trata das liberdades. É um contrassenso que, para decidir o sentido de uma lide civil, o juiz não possua livre convencimento, e, para decidir um Habeas Corpus, sim. Por isso, para que os códigos tenham coerência, também aqui necessitamos intervir filosoficamente. Ademais, esta exigência provém da própria democracia. O Estado-juiz deve tratar a todos de modo equânime, e isto, em todos os ramos do Direito.

Para tanto as regras do jogo precisam estar expostas antes do jogo, devendo haver limitações/impedimentos a mudanças repentinas, ou movimentos/ações que obscurecem os sentidos para um resultado final que poderíamos dizer que seja constitucionalmente adequado. Por isso, a adjetivação “livre”, seja do convencimento ou da apreciação das provas, deve ser extraída do ordenamento. O Direito em ambientes democráticos demanda uma justificação pública que não se coaduna com estes exames particularistas/solipsistas. Sendo bem explícito, resumo assim a minha tese:

Que processualistas-juízes sustentem o livre convencimento é até possível de entender; afinal, neste Pindorama estamental e autoritário, pode ser “normal” cada um defender seu feudo e interpretar as leis como bem querem; mas o que é incompreensível é que não-juízes o façam. E continuem sofrendo no lombo todos os dias o chicote do livre convencimento e da livre apreciação. Trata-se de um autêntico “látego epistêmico” que lanha as costas do utente e dos advogados. Por isso se diz que “do couro saem as correias”.

O processo penal está atrasado no tempo. É um osso de megatério filosófico, porque admite até hoje a verdade real, outra coisa ridícula que faz com que filósofos façam troça dos juristas. Filósofos riem dos juristas quando estes falam da verdade real. Nós, os juristas, não nos damos o devido respeito. Convivemos com livros simplificadores, mastigadinhos, que conformam um novo paradigma: a nesciontologia. Há livros de processo penal que dizem que o juiz, a partir de sua consciência[2], busca a verdade real (sic). Genial, não? Prêmio Nobel. Bingo. Como explicar essa mixagem que vai do nada ao lugar nenhum? Vivemos uma tempestade perfeita.

Por isso, a hora é de mudar. Não esqueçamos a surra que a dogmática jurídico-processual levou no julgamento do mensalão. E as agruras dos advogados nas lides cotidianas... Ora, há coisas acacianas que deveriam fazer com que os juristas se dessem conta do perigo que é dar um tiro no pé ao desdenhar da importância da filosofia. Quando falamos em livre convencimento ou livre apreciação da prova inegavelmente estamos tratando do paradigma filosófico instituidor da modernidade. O sujeito da modernidade é uma descoberta de Descartes. Aquilo que se mostrava nos sofistas ou no nominalismo ainda não era “o sujeito”. Ainda na modernidade, Kant mostra a impossibilidade da apreensão da coisa em si, isto é, o que precisamos para compreender algo não vem da coisa (em si), mas da autonomia do sujeito, liberto do “mito do dado”, por assim dizer. O contraponto foi o voluntarismo que tomou conta inclusive das correntes “críticas” do Direito. O que se diz sobre “a verdade”[3] é fruto de tudo isso: da metafísica clássica, da filosofia moderna e das teses e teorias que buscaram ultrapassar aquilo que superou o objetivismo (realismo) pré-moderno. É nesse caldo de cultura que nos movemos, queiramos ou não.

Afinal, quando tratamos de “provas no processo penal ou civil”, estamos tratando das condições de possibilidade de dar sentido a um determinado fenômeno. Pois não é que o Tribunal do Júri admite a íntima convicção? Fantástico. O indivíduo é condenado por uma maioria que entende, no seu íntimo, que ele é culpado. Íntima convicção, que no fundo é igual a livre convencimento. E mais não precisa ser dito. Já sugeri, há anos, que se alterasse isso.

Numa palavra. Vi que tem gente defendendo a ideia de que o livre convencimento seria necessário para o melhor direito, supondo uma “discricionariedade racionalizada” a meio caminho da íntima convicção e as provas tarifadas. Contra isso, afirmo: esse tipo de defesa só teria sentido se o Direito estivesse separado da filosofia. Só quem pensa o Direito fora dos paradigmas é que pode dizer que o livre convencimento é necessário, ignorando dois linguistic turns e toda a intersubjetividade que mudou a história do pensamento. Claro – e aqui vai uma ironia – o livre convencimento é necessário se o direito é visto como uma racionalidade instrumental. Ele é tão necessário (outra ironia) quanto a ponderação “à brasileira”, essa katchanga real que talvez tenha sido a maior fraude jurídica já manejada pelos juristas (e que está no parágrafo 2º do artigo 489 do CPC: já me ofereci para a Ordem dos Advogados do Brasil para elaborar a inicial de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para expungir essa verruga epistêmica do Código). A presidente da República (clique aqui para ler coluna “Veta Dilma”) não quis vetar: deve ter sido “bem instruída” por sua equipe de assessoramento jurídico. Bom, isso apenas demonstra o cuidado com que o governo tratou o Direito nestes 14 anos. Repito: o Brasil é incrível. Por aqui ainda tem gente que acha que o Direito é apenas uma superestrutura. Ou uma mera racionalidade instrumental. O que dá no mesmo.

Mas, por outro lado, se o Direito tem um papel de garantir a democracia – como deve ser sob o Estado Democrático – discricionariedade é igual a arbítrio. Chega a ser cansativo ter de explicar que um juiz sem livre convencimento (motivado que seja), não é um juiz do século XIX, o velho boca-da-lei. Definitivamente, expungir o livre convencimento dos códigos não equivale à proibição de interpretar. Não se reproduz sentido nem se o atribui livremente. Lembremos de Gadamer: antes de dizer algo sobre o texto, deve-se deixar que o texto diga algo. Também Müller, Habermas e Dworkin são testemunhas de que nem de longe o mundo é tão simples quanto a divisão entre exegese e não-exegese, ou realismo e não-realismo. Falta só aparecer alguém para dizer que onde está escrito “coerência e integridade” no artigo 926 do CPC, deve-se ler apenas “estabilidade”. Não me surpreenderia.

Nesse sentido, tenho referido de há muito, ironicamente, que “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa no Direito”. Veja-se que os franceses, para garantir o produto do legislador, tiveram que institucionalizar uma rígida exegese. Mas isso foi no século XIX. Não creio que em plena democracia e na vigência do paradigma do Estado Democrático de Direito, seja necessário, para garantir uma legalidade mínima, seja necessário voltar a ter esse tipo de “amarração”. Vivemos hoje no paradigma da intersubjetividade. Logo, não há lugar nem para o “dono da lei”, nem para o “escravo da lei”. Ou há? Alunos de todo Brasil (nada – mais – tendes a perder): perguntem isso aos seus professores, principalmente para esse que fica dizendo que princípios são valores. Cobrem dele. Ponham-no contra a parede. E perguntem também por que o Brasil já é refém de um positivismo jurisprudencialista, fruto exatamente dessa algaravia que se transformou a teoria e a aplicação do direito. Se ele disser: “Isso só pode ser coisa de Lenio Streck”, não se zanguem com ele. Apenas continuem insistindo. Digam que ele pode responder a vocês na semana seguinte, dando a ele tempo para estudar isso.

Penso que mais não precisa ser dito, nos limites desta coluna. Voltarei ao assunto, por óbvio. Também aproveito para falar de outra sugestão de extrema relevância, que é a introdução, nos moldes em que ficou a redação do artigo 926 do CPC, da obrigatoriedade de a jurisprudência ser estável, integra e coerente no CPP. Estabilidade é autoexplicativa. Coerência evita decisões fora da curva, ressalvadas, obviamente, as situações excepcionais em que a própria faticidade aponte para a inauguração de novas cadeias jurisprudenciais, sendo sempre mantida a integridade. Por isso afirmo que não basta ser coerente, porque é possível ser coerente no erro. Para isso a necessidade de se exigir a integridade. Essa vem da lei e da Constituição. Fecha-se o círculo. É o mínimo para que tenhamos um CPP democrático. Outras sugestões tratarei em outra coluna.

Que aproveitemos as agruras, do solipsismos e as decisões tipo “ponto fora da curva” para construirmos barreiras contra o subjetivismo. Democracia não rima com discricionarismo e com subjetivismo. E com livre convencimento, tampouco com a livre apreciação da prova...

E não adianta se irritarem. Vou continuar batendo nisso. E para quem acha que isso que eu acabei de dizer é abstração e coisa sem importância e desnecessária, invoco a máxima do filósofo Avicena:


“Um sábio sabe a diferença entre o que é necessário e o que não é necessário; um néscio, não; então, bata-se nele até que ele diga em alto e bom som que ‘isso não é necessário’. Pronto: agora ele sabe a diferença”!

Tenho a certeza que os leitores são sábios. E sabem a diferença.

Post Scriptum: Uats ap: juiz atirou em um “lagarto” com um canhão e...errou!

Por falar em livre convencimento – eis um bom exemplo: o juiz de Lagarto (SE) está livremente convencido... Pois é. Fico pensando se podemos caçar um lagarto, ou uma lagartixa, com uma arma de destruição em massa. Mesmo dizendo “livremente que sim” (sic), diríamos, acredito, que não deveríamos, porque o meio é desproporcional – os alexyanos entendem bem disso, nos vários sentidos. O problema maior são efeitos demasiadamente gravosos para quem nada tem com a situação. Caros leitores, crédulos e incrédulos: a suspensão do WhatsApp é representativa deste estado da arte. O “Eu” juiz posso determinar que uma ferramenta já incorporada no dia a dia de parcela significativa dos brasileiros, incluindo instituições públicas, seja suspensa devido ao não fornecimento de informações que ainda não se sabe tecnicamente se é exequível. Não importa se milhares e milhares de pessoas serão (indevidamente) prejudicadas. Não importa se minha decisão não tem respaldo jurídico. Pergunto: Onde está a responsabilidade política? A accountability? Ah! Antes que eu me esqueça. Todo este desgaste pode ter sido em vão – e mesmo que tenha êxito nesta situação continua sendo injustificável, mesmo com a previsão no Marco Civil –, assim o lagarto permanece vivo. Sugiro, em tempos como os nossos, que reflitamos seriamente sobre os limites dessa nossa “liberdade” (de consciência), caso contrário a juristocracia se tornará a esperança política de muitos, se já não é.



[1] Aqui cai como uma luva a lição de Ramón Rodrigues, o germanófilo filósofo espanhol por quem tenho imenso carinho e respeito, em palestra proferida anos atrás: a crítica do sujeito metafísico da modernidade exercida durante todo o século XX tem um sentido inequívoco: desalojá-lo de seu lugar transcendental e “desposeerlo” (entfernen Sie sie aus dem Besitz) de seu papel de instância constituinte do mundo em que vive e do fundamento de sua própria legalidade. Bingo, professor Ramon.


[2] Estamos atrasados em relação às ordenações filipinas, precisamente a parte constante do Livro III, Título LXVI ao tratar das sentenças definitivas. Já há, aqui, uma passagem interessante, que é a que diz [o juiz] tem que proferir “... a sentença ‘definitiva’, segundo o que achar ‘alegado’ e comprovado de ‘uma’ parte e da outra, ainda que lhe a consciência ‘dite’ outra ‘coisa’, e ‘ele’ saiba a verdade ser em contrário do que no feito ‘for’ provado; porque somente ao Príncipe, que não reconhece superior, ‘é’ outorgado ‘por’ Direito, que julgue segundo sua consciência”. Naqueles dias...


[3] Talvez o texto mais profundo dos últimos tempos esteja em Puntel, Lorenz. . Wahrheitstheorien in der neueren Philosophie. Eine kritisch-systematische Darstellung. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt 1978; Auflage 1993; Grundlagen einer Theorie der Wahrheit. W. de Gruyter, Berlin/New York 1990. Por aqui, os livros de Ernildo Stein e tantos outros filósofos que desmistificam as concepções voluntaristas acerca da verdade.

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2016, 8h00

As notícias não são boas. Judiciário não cumpre o CPC: Is it the law?






Por Lenio Luiz Streck


Uma das séries mais famosas do mundo é House of Cards. Já alerto para spoilers. Por sinal, há discussões éticas cada vez profundas e acaloradas sobre o que se pode ou não ser contado de séries e filmes para quem ainda não os assistiu; teoria da decisão jurídica é que é bobagem! Imagina, querer dar sentido a uma coisa dessas — a decisão... Mas vamos à série e à teoria. A cena é: o presidente dos EUA leva um tiro. Precisa transplante de fígado. No hospital, o médico diz que ele é o terceiro da fila. Mesmo que seja o presidente dos EUA, a fila não pode ser ignorada. Nada de furar a fila. O médico diz: It’s the law. É a lei. Fiquei pensando: correto o médico. Foi uma resposta não consequencialista. Decisão por princípio (para quem ficou preocupado com a saúde do presidente dos "Isteites", novo spoiler: ele se salva). Não é só pela “letra da lei” que se recusa. É que há um princípio que enuncia essa regra da “fila”. E outro pelo qual uma vida é uma vida. E mais um que diz que todos são iguais perante “a fila”, se me permitem estender um pouco e deixar isso mais claro.

Quero apenas usar isso para falar sobre o valor da lei. A modernidade somente surgiu com a interdição proporcionada pela lei. Entre civilização e barbárie, optamos pela primeira. O custo disso é obedecermos à lei. A lei passa a ser um princípio. O princípio de que se obedeça a lei. Uma sociedade sem princípios é anarché (anarquia).

A Constituição passou a ser a lei das leis. Ela constitui tudo o que existe em termos de direito. Há uma metáfora — que circula há anos — interessante para explicar o valor da Constituição. Ulisses, voltando de Ítaca, pede para seus marinheiros que o amarrem no mastro do navio. E lhes ordena que, sob hipótese alguma obedeçam qualquer gesto seu no sentido de que o soltem. Só devem obedecer à primeira ordem: “amarrem-me ao mastro”. A sobrevivência de Ulisses reside no cumprimento da primeira ordem. Porque Ulisses sabe que, caso contrário, morrerá. E por quê? Porque ele não resistirá ao canto das sereias. As maiorias são como as sereias. Tem um canto sedutor. Quem não se proteger, pode sucumbir. Ulisses se salvou porque ficou amarrado às correntes.

Essas correntes são a segurança de Ulisses. A Constituição é como as correntes. A Constituição sustenta as leis. Isso quer dizer que uma lei para não ser aplicada deve ser declarada inconstitucional. Ou se faz uma interpretação conforme a Constituição. Ou uma declaração de nulidade parcial sem redução de texto. Ou uma nulidade parcial com redução de texto. Ou um modo de resolver o problema com a aplicação dos critérios das antinomias. Ou, ainda, na contraposição regra-princípio, nos moldes explicitados em Verdade e Consenso. Fora disso, estamos saindo do terreno da democracia e entrando no decisionismo e seus congêneres.

Eis, portanto, um modo de verificar em que momento não há saída para o judiciário: aplicar a lei ou atuar fora da lei e alheio ao direito. Por exemplo, proferir uma decisão fundada na...excepcionalidade.

Poderia falar da ADI que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ingressou contra o Tribunal Superior do Trabalho (leraqui) contra a Resolução 39 que estabelece o que deve ser cumprido do novo Código de Processo Civil. Interessante é que a Anamatra, em vez de fazer uma campanha para que os juízes apliquem o CPC, insurge-se contra o TST naquilo que ele — embora com algumas omissões — estabelece, de forma alvissareira, como obrigação a ser cumprida pelos magistrados do trabalho. Tive a ocasião em dizer para os magistrados do trabalho de Santa Catarina que a Resolução do TST era muito interessante, porque simbolicamente representava um avanço. Por outro lado, é lamentável ser necessário fazer uma Resolução para que alguém cumpra aquilo que já está estabelecido em uma lei federal, pois não?

Poderia também falar das insurgências contra a aplicação do artigo 10 na sua integralidade e substancialidade. Ou do artigo 489, parágrafo primeiro, que alguns tribunais insistem em não cumprir. Ou não dar bola. Na coluna passada falei disso. O plano é muito simples: devagarinho, o judiciário “naturaliza” o não cumprimento. Depois os advogados se acostumam. Já nem sentem o látego. A naturalização é um fenômeno que faz com que, mais tarde, alguém diga: mas isso sempre foi assim.

Vou trazer alguns dados e elementos que mereceriam uma CPI Epistêmica. Fosse em um país civilizado, isso geraria um escândalo. Realizei a pesquisa em alguns tribunais. Pesquisei o termo "livre convencimento", deixando de fora o 'motivado' que aparecem em ementas. Claque, ao lado desses descumprimentos, há também a não aplicação dos incisos do parágrafo primeiro do artigo 489. As notícias não são animadoras. Da data de 18 de março até 4 de maio — TJ-SP - 114 menções em ementas de processo civil ou trabalhista de sua competência; TJ-RJ – 264 (de todo o período de 2016 — não há como fatiar por meses); TJ-MG - 20 menções ao livre convencimento; TRF-4 - 44 menções e, por fim, e por fim, o TJ-RS com 483 registros em ementas na seção cível do TJ-RS (incluindo turmas recursais). Ressalto que incluí as turmas recursais. Nos demais, os números podem ser menores por não incluir as turmas recursais. Atenção: também estão presentes em vários desses julgados violações a outros dispositivos do novo CPC.

Cito algumas passagens que mostram o que estou dizendo. Trago à baila alguns trechos das decisões, sem fulanizar os relatores ou os demais votantes (decisões entre a entrada em vigor do CPC e a data de 4 de maio):

Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. (...) Matéria de direito que dispensa a produção de prova pericial. Ademais, o juiz é o destinatário da prova, incumbindo a ele decidir acerca da necessidade e utilidade da prova para a formação do seu livre convencimento motivado (...).

Ao contrário do defendido pelo autor no recurso, a prova dos autos foi objeto de minudente análise por parte do Juízo de Origem, o qual, em nome do princípio do livre convencimento motivado, externou o entendimento de que não houve prova do direito alegado pelo autor, ônus que lhe incumbia (artigo 373, I, do novo CPC).

Contradição e omissão na valoração da prova. A prova testemunhal foi valorada segundo a apreciação da Relatora, que expôs os motivos do seu convencimento, cumprindo a regra do artigo 489, § 1º, da novel legislação processual. Ademais, persiste, no novo diploma, o princípio da livre valoração da prova pelo julgador, desde que motivadamente, como se confere do artigo 371 do novo Código de Processo Civil: O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Ainda: Embargos de declaração — Inexistência de omissão e contradição — Livre convencimento motivado do magistrado — Não há necessidade de se abordarem todos os argumentos apresentados pelas partes, desde que o julgado esteja devidamente fundamentado. Quantas violações há aqui?

E vejamos este julgamento do dia 4 de maio de 2016? “Faculdade atribuída ao magistrado, prendendo-se ao seu prudente arbítrio e livre convencimento, dependendo a concessão de prova inequívoca e convencimento da verossimilhança da alegação e dos requisitos legais”.

Julgamento de 27 de abril de 2016: “O julgador não é obrigado a exaurir todas as questões propostas, mas a dizer o direito (pretensão e resistência), conforme livre convencimento motivado, o que enseja concluir na aplicação de uma ou mais proposições, sem obrigação de exaurir todas, em razão do limite técnico do convencimento formado”.


E, quem sabe, este? É firme o entendimento desta Corte no sentido de que, sendo o juiz o destinatário da prova, cabe a ele, com base em seu livre convencimento, avaliar a necessidade desta, podendo determinar a sua produção até mesmo de ofício.... (julgado em 4 de maio de 2016).

Como canja, eis o que vem da primeira instância de Belo Horizonte, só que do processo penal. Um juiz tem “o costume” de marcar Audiência de Instrução e Julgamento antes de que a defesa apresente a resposta à acusação. Diz-se, por lá, que isso é praxe na “Vara do juiz”. Vamos ganhar o Nobel. Vamos para Estocolmo. Mas, então, para que (for what) serve a resposta à acusação e, no fim das contas, o advogado? O juiz irá acolher eventual tese de absolvição sumária ou de rejeição da denúncia e cancelar audiência já marcada? Mais um item para a CPI epistêmica do processo em Pindorama. Faço desta coluna a tribuna dos humilhados.


Precisa ser dito mais alguma coisa? Talvez apenas repisar uma citação da coluna passada. A das Ordenações Filipinas, que diz que [o juiz] tem que proferir

“... a sentença ‘definitiva’, segundo o que achar ‘alegado’ e comprovado de ‘uma’ parte e da outra, ainda que lhe a consciência ‘dite’ outra ‘coisa’, e ‘ele’ saiba a verdade ser em contrário do que no feito ‘for’ provado; porque somente ao Príncipe, que não reconhece superior, ‘é’ outorgado ‘por’ Direito, que julgue segundo sua consciência”.

And I rest my case. It’s the law, diria o médico americano.

Aqui, perguntamos: Is it the law?

Resposta: For what?

Post scriptum: a coluna foi fechada antes da decisão do STF sobre a ação do governo para suspender o impeachment.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2016, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...