quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Relação entre revendedor e empresa de cosméticos é comercial, não de trabalho




Diferentemente da primeira instância, para o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), a relação entre revendedor e empresa de cosméticos é comercial, não de emprego. Assim, a corte concluiu ser válido o contrato comercial firmado entre as partes e a natureza autônoma da prestação de serviços.

A autora apresentou reclamação trabalhista após ser dispensada por não cumprir as metas impostas pela empresa de cosméticos. Ela afirmou que foi admitida como "executiva de vendas", sem anotação na carteira de trabalho, recebendo como remuneração as comissões sobre suas vendas e as das revendedoras cadastradas. Em sua defesa, a empresa alegou que a trabalhadora agia de forma totalmente autônoma, num sistema de venda direta.

Após analisar os fatos e ouvir os depoimentos, o juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido e reconheceu o vínculo de emprego. Ele entendeu que a empresa não comprovou que a relação jurídica era de prestação de serviços, e não de emprego, e considerou que a cobrança de metas, punição em caso de não cumprimento, ausência de autonomia e existência de pessoalidade são características de uma relação de emprego.

O TRT-17, porém, reformou a sentença, acolhendo a argumentação da empresa de que a relação era puramente comercial. Segundo a ré, a trabalhadora se cadastrou, por livre iniciativa, como revendedora e também por decisão própria entrou para o programa de executivas de venda.

"É fato público e notório que as vendedoras de porta a porta de produtos cosméticos não trabalham de forma subordinada", destaca o acórdão. "Se supostamente tinha metas, é porque a si interessava, e se arregimentava novas revendedoras, se as coordenava e as treinava, é porque lucrava com o trabalho delas."

Total liberdade
No recurso ao TST, a executiva de vendas apontou contradição entre o contrato de comercialização e o Manual de Negócio do Programa Executiva de Vendas, pois este demonstra que há subordinação jurídica e que a sua principal função era captar novas revendedoras, treiná-las e acompanhar as vendas.

Ao avaliar o caso, o ministro Alexandre Agra Belmonte citou trecho da decisão do TST no sentido de que a executiva "não só agia com total liberdade, sendo senhora de si mesmo e de sua própria agenda, como também assumia os riscos da atividade empreendedora, pois deixaria de receber caso suas revendedoras deixassem de vender". Diante dessa conclusão, o relator explicou que, para se chegar a entendimento contrário, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 126.

Divergência
O ministro Mauricio Godinho apresentou voto divergente, mas ficou vencido. Em sua avaliação, a trabalhadora não era uma simples revendedora, mas uma "executiva de vendas", que tinha obrigações e era subordinada à empresa. "Uma executiva de vendas encontra-se inserida na dinâmica empresarial, participando mais ativamente dos processos de comercialização dos produtos, arregimentando clientes e outras vendedoras", destacou. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST. 

Clique aqui para ler o acórdão. 


Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2016, 7h33

Hipermercado é condenado por obrigar trabalhadora a participar de grito de guerra, cantar, dançar e rebolar em público




publicada originalmente em 20/10/2015

A 8ª Turma do TRT de Minas confirmou a sentença que condenou a Walmart Brasil S.A. a pagar R$5 mil por danos morais causados a uma ex-empregada obrigada a participar diariamente do chamado grito de guerra, dançando e rebolando publicamente, na presença de clientes e dos colegas.

A empresa negou a violação à integridade moral ou dignidade da trabalhadora, argumentando que o grito de guerra, conhecido como cheers, visa à descontração do ambiente de trabalho. Segundo alegou, a prática possui conotação lúdica e motivacional. Entretanto, a relatora do recurso, juíza convocada Laudenicy Moreira de Abreu, entendeu que o assédio moral ficou plenamente caracterizado.

"O assédio moral é espécie de dano moral. No contrato de trabalho, é caracterizado pela manipulação perversa, rigorosa, insidiosa e reiterada, mediante palavras, gestos e escritos, praticada pelo superior hierárquico ou colega contra o trabalhador, atentatória contra sua dignidade ou integridade psíquica ou física, objetivando desestabilizá-lo emocionalmente, expondo-o a situações incômodas, vexatórias e humilhantes, ameaçando seu emprego ou degradando seu ambiente de trabalho", explicou no voto.

Com base na prova testemunhal, a magistrada constatou que suposta liberdade ou opção do empregado em não dançar e rebolar era relativa. Isto porque ele seria tratado pela chefia de forma diferenciada e com questionamento caso isso não ocorresse. As testemunhas também revelaram que a reclamante era perseguida moralmente por seu superior hierárquico.

"A reclamada agia de forma excessiva e abusiva, ultrapassando os limites dos poderes diretivo e disciplinar, causando constrangimentos à reclamante e degradando seu ambiente de trabalho", registrou a relatora. Ela esclareceu que o dano não se prova, estando implícito na própria ofensa ou na gravidade do ato considerado ilícito. Basta, portanto, a prova do ato ofensivo para que os efeitos negativos no íntimo da pessoa sejam presumidos.

Para a juíza convocada, o constrangimento e a humilhação vivenciada pela reclamante ao ser submetida a procedimento grito de guerra ficaram evidentes, assim como a perseguição por seu superior hierárquico. "Intuitiva a dor emocional e psíquica, a angústia, a insegurança. Inegável a quebra do equilíbrio psicológico, bem-estar e da normalidade da vida", destacou. Lembrou ainda que o trabalho é um dos mais importantes fatores de dignidade, autoestima e equilíbrio emocional da pessoa, sendo tratado em vários dispositivos na Constituição Federal diante da sua relevância.

A decisão reconheceu que a ré violou princípios e obrigações, praticando ato injurídico. "Não se pode olvidar o direito da empresa na livre na gestão da atividade, mas, ao lado dessa liberdade, tem o dever de cumprir e fazer cumprir a legislação tutelar, como, por exemplo, valorar a pessoa e o trabalho humano, conceder o trabalho e, zelar pelo equilíbrio no ambiente de trabalho" ponderou a magistrada ao final, ao concluir que a reclamada descumpriu esses deveres.

Por tudo isso, a Turma de julgadores decidiu manter a condenação imposta em 1º Grau. O valor arbitrado em R$5 mil para a indenização por dano moral foi considerado razoável, consideradas as circunstâncias do caso.( 0001372-68.2014.5.03.0071 AIRR )
Fonte: TRT3

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Dono da boate Kiss quer danos morais de prefeito, promotor e bombeiros






O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, havendo dano causado por agente público no exercício de suas funções, deve-se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra este, contra o estado ou contra ambos. Animada com esse precedente, a defesa do empresário Elissandro Spohr, um dos sócios da boate Kiss, que pegou fogo há exatos três anos em Santa Maria (RS), ingressou na segunda-feira (25/1) com ação de danos morais contra o estado do Rio Grande do Sul, o município e o prefeito Cezar Schirmer (PMDB), o promotor de Justiça Ricardo Lozza, quatro servidores municipais e sete policiais da Brigada Militar envolvidos na ocorrência. Todos são acusados de jogar nas costas do empresário a culpa pela tragédia, omitindo-se de seus atos.

O incêndio foi causado por um artefato pirotécnico — que atingiu o revestimento de espuma — usado dentro da boate por um dos artistas que se apresentavam no palco, na noite de 27 de janeiro de 2013. Como consequência da tragédia, 242 pessoas morreram e 680 ficaram feridas.

O empresário, que responde ao processo em liberdade, quer 40 salários mínimos (R$ 35,2 mil) de indenização de cada agente citado na ação — totalizando R$ 528 mil. Se vencer a causa, a defesa diz que Spohr doará tudo para a Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

‘‘A negligência de cada um dos agentes públicos quase destruiu a vida do autor, ao fazer recair sobre ele, indevidamente, toda a responsabilidade pelas falhas que foram, em verdade, erros técnicos e administrativos, desídia e incompetência. Com todo o clamor público, para acalmar a sede de vingança da população, o autor foi preso, considerado ganancioso, cruel, leviano, irresponsável, foi eleito o culpado por tudo’’, afirma a defesa na ação.

Além da possibilidade jurídica acenada pelo STJ, o advogado Jader Marques disse que decidiu pedir as indenizações porque se esgotaram as possibilidades de incluir esses agentes públicos entre os réus processados criminalmente pela tragédia. É que o Ministério Público só ofereceu denúncia contra Spohr e o sócio Mauro Hoffman, além dos dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo e Luciano. Todos os demais funcionários públicos apontados no relatório policial foram deixados de fora da denúncia criminal.

Integridade moral
Segundo a ação, ‘‘embora tivesse seguido todos os ritos administrativos específicos e atendido a todas as exigências do Executivo municipal, dos bombeiros e do Ministério Público, o autor foi execrado perante opinião pública, e isso tudo aconteceu, como será provado, graças à negligência dos agentes do poder público’’. Essas situações, pontuou o advogado, atentaram contra a integridade moral do empresário.

Antes do incêndio, afirma, seu cliente era considerado um jovem e promissor empresário da noite, administrador de uma das mais requisitadas casas noturnas de Santa Maria. Hoje, Spohr é persona non grata no Rio Grande no Sul e, em especial, na cidade de Santa Maria, porque operava economicamente com uma estrutura que, depois do episódio, foi julgada inadequada pela polícia, pelos órgãos de fiscalização e pelo Ministério Público.

Entretanto, rebate o advogado, a Kiss não foi construída pelo seu cliente — nem o prédio nem o interior da casa. O autor entrou na administração da boate apenas no segundo semestre de 2010. À época, garante, havia alvará de localização e dos bombeiros já concedidos. Posteriormente, os alvarás e as licenças foram renovadas, e a casa foi adequada às exigências formuladas por todos os réus.

‘‘Caso seja verdade que a boate Kiss nunca deveria ter recebido Alvará de Localização e Funcionamento, Licença de Operação e alvará de bombeiros, então é fundamental que se diga que foi exatamente a concessão desses alvarás que convenceu o autor a entrar na administração da casa noturna com segurança’’, diz o criminalista. Ou seja, a responsabilidade é do poder público, segundo ele, pois foi por causa da legalidade desses atos administrativos que o empresário não só adquiriu o empreendimento como fez uma série de modificações — e todas com o conhecimento dos entes públicos arrolados na ação.

A conduta de cada agente
Na ação protocolada na 1ª Vara Cível Especializada da Fazenda Pública de Santa Maria, o advogado Jader Marques discrimina a conduta dos dois principais agentes públicos: o prefeito santa-mariense, Cezar Schirmer, e o promotor de Justiça Marcelo Lozza, que já foi alvo de outro processo.

Conforme a inicial, o prefeito, que sempre alegou desconhecer a situação estrutural e documental da boate, agiu com negligência quando respondeu ofício ao promotor, assinalando atraso na documentação da boate. Apesar disso, deixou de tomar as medidas cabíveis no caso. ‘‘A sua omissão foi fundamental para dar ares de legalidade ao ato administrativo equivocado, sendo evidente que estava plenamente ciente das condições da empresa, dos prazos de alvará, da pendência de pedidos de renovação e, como gestor público com dever de agir, jamais operou para que a situação se resolvesse’.’

Marques diz que o agente do Ministério Público, com sua negligência, foi um dos maiores responsáveis pelo fato da boate continuar a promover festas. A seu ver, Lozza não observou a documentação que lhe foi remetida pelos órgãos responsáveis pela fiscalização. Caso contrário, teria percebido que o alvará concedido pelo Corpo de Bombeiros vencia em agosto de 2012; ou seja, expirou enquanto ainda tramitava o inquérito civil. Também deveria ter exigido a elaboração do novo Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio ou a comprovação de sua renovação.

O mais grave, na percepção do advogado do empresário, foi que Marcelo Lozza permitiu que a casa funcionasse durante o andamento das obras quando firmou o Termo de Ajustamento de Conduta. ‘‘O TAC é sinalagmático; ou seja, o réu também fez constar que atuaria na fiscalização das obras, o que envolve, obviamente, tudo o que diga respeito à reforma estrutural realizada. Em especial, era do promotor Lozza o dever, conforme cláusula oitava, de fiscalizar o cumprimento do acordo. As madeiras e a espuma foram colocadas na boate Kiss durante o inquérito e fizeram parte das obras referentes à acústica, porque foram medidas tomadas para resolver o problema que era objeto principal do TAC.’’

Notícia-crime arquivada
Não foi a primeira vez que a defesa do empresário tentou responsabilizar o promotor de Justiça por negligência na condução do inquérito civil público que investigou a poluição sonora em seu estabelecimento. Na notícia-crime que ofereceu ao Órgão Especial do TJ-RS — que tem a competência de julgar entes públicos —, Spohr sustentou que a colocação das espumas na boate estava diretamente vinculada ao TAC firmado em decorrência do inquérito.

O inquérito, porém, não foi analisado. O parecer do procurador-geral de Justiça à época, Eduardo de Lima Veiga, "não conheceu" do pedido "em razão da ilegitimidade do requerente para manejá-lo".

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, considerou que, tendo a autoridade competente e legítima para analisar o caso, solicitado o arquivamento do expediente, não caberia ao Tribunal de Justiça reexaminar tal posição.

Clique aqui para ler a inicial da ação indenizatória.
Clique aqui para ler o relatório da Polícia Civil.
Clique aqui para ler o acórdão do TJ-RS que arquivou a denúncia contra o promotor.
Processo 027/11600006930 (RS)


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.



Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2016, 15h29

Novo Código de Processo Civil traz mudanças nas demandas de saúde






Atualmente, sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, todas as ações judiciais que versem sobre saúde da pessoa humana desafiam as tradicionais ações de obrigação de fazer. E ínsito ao ajuizamento dessas ações de conhecimento é o pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela, para se evitar o perecimento do direito (à vida e/ou saúde do indivíduo enfermo).

Na prática, uma vez deferida a liminar antecipatória, logo no início do processo entregue a prestação jurisdicional principal, conformada a parte demandada com o seu conteúdo ou mantida essa decisão pelo Tribunal em 2º grau, o processo acaba virando uma verdadeira demanda zumbi, desinteressante para autor e réu, abarrotando os escaninhos da Justiça.

Sob essa sistemática até hoje vigente, anos após o deferimento da tutela antecipatória, finalmente a sentença é prolatada confirmando-se integralmente a liminar, sem nenhuma surpresa para as partes. Para o autor, já reabilitado em sua saúde, o serôdio veredicto final já lhe parece desimportante.

Seja como for, à luz do velho CPC vigente, o cumprimento da liminar antecipatória pelo réu não importa em perda superveniente do objeto da ação. Mesmo que nada mais interesse ao autor após o cumprimento dessa decisão interlocutória. O juiz ainda será refém da necessidade de exaurir o processo de conhecimento prolatando sentença de mérito, mesmo que valendo-se de um prestativo “Ctrl+C, Ctrl+V” no seu capítulo decisório.

Promovendo verdadeira (boa) revolução nas demandas de saúde, o novo CPC de 2015, que entrará em vigor em março deste ano, colocará um fim a todo esse desperdício de tempo.

A partir da vigência do novo CPC vem aí a chamada Tutela Provisória. Nos casos das demandas de saúde, mais especificamente, a Tutela Provisória de Urgência Antecedente.

Sim. O novo CPC possibilitará que o outrora pedido liminar que verse sobre a antecipação dos efeitos da tutela no bojo da ação de obrigação de fazer seja uma demanda própria e única. Sem a necessidade da veiculação de um processo de conhecimento propriamente dito.

Noutras palavras, a petição inicial pode limitar-se ao solitário requerimento da tutela antecipada. Uma vez deferida, tornar-se-á estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso, extinguindo-se o processo.

A decisão que conceder a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, no prazo fatal de dois anos contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.

Em verdade, a Tutela Provisória de Urgência Antecedente remonta ao instituto de direito processual francês da référé provision, o qual permite que o processo se limite à tutela provisória. Evitando-se, assim, a indesejada eternidade dos processos judiciais.

Sabe-se que a maioria esmagadora das demandas de saúde no país, principalmente aquelas propostas pelo Ministério Público e Defensoria Pública, em trâmite nas Varas da Fazenda Pública, representam grave e aflitiva violação do postulado da dignidade da pessoa humana, a sonegação do mínimo existencial pelo Estado. É verdadeiramente preocupante a negativa de acesso aos cidadãos mais carentes a um sistema público de saúde eficiente. Praticamente, Ministério Público e Defensoria Pública vêm se tornando a porta de entrada obrigatória do brasileiro para se reclamar do direito à saúde pública, universal e gratuita.

A judicialização do direito à saúde virou regra. A arguição, como matéria de defesa, dos princípios da separação dos Poderes e da Reserva do Possível pelo Poder Público não subsistem mais na jurisprudência pátria moderna. Assim, nada mais justo a introdução da Tutela Provisória de Urgência Antecedente em nosso ordenamento processual civil, pondo logo termo ao que seria um longo processo mesmo ciente o réu de que não teria argumentos.


Carlos Eduardo Rios do Amaral é defensor público do estado do Espírito Santo



Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2016, 7h34

Em Goiás, partes receberão por e-mail decisões, despachos e acórdãos





Os representantes das partes dos processos que correm com o desembargador Carlos Alberto França, do Tribunal de Justiça de Goiás, irão receber os despachos, decisões e acórdãos por e-mail a partir do dia 1º de fevereiro. A medida não tem efeito de intimação e, segundo o julgador, visa melhorar a prestação jurisdicional, uma vez que torna mais rápido o conhecimento do trâmite antes da cientificação oficial.

Os e-mails serão enviados após remessa dos autos e disponibilização nos sistemas oficiais do Poder Judiciário. Os endereços eletrônicos dos destinatários devem ser informados na qualificação das partes — prática, atualmente, observada na maioria dos instrumentos de mandatos ou peças processuais. Caso a informação seja inexistente nos autos, a equipe do gabinete poderá fazer contato telefônico com os representantes.

As instruções do procedimento estão na Circular 001/2016, assinada por França. Segundo o texto, para colocar em prática as inovações, foi considerado que os advogados das partes, embora recebam as intimações dos comandos judiciais pelo Diário da Justiça Eletrônico, quando se inicia a contagem dos prazos processuais, buscam informações sobre a prolatação de despachos e decisões judiciais em processos nas secretarias dos órgãos ou por meio de pesquisas nos sistemas disponibilizados pelo Poder Judiciário para consulta pública.

Além disso, a documento menciona que a intimação dos advogados, da advocacia e da Defensoria Pública pelo órgão oficial e a remessa dos autos para intimação do Ministério Público de Goiás demandam tempo, o que pode ocorrer, também, para a disponibilização do pronunciamento judicial nos sistemas de consulta pública. Assim, os interessados, se desejarem tomar conhecimento do teor da decisão judicial anteriormente à intimação, tinham que fazer pesquisas na busca de informações sobre o andamento processual.

O texto menciona o princípio da cooperação, que deve orientar a relação entre os sujeitos processuais na busca de uma prestação jurisdicional em tempo razoável. Esse ponto ocupa lugar de destaque nas normas do Código de Processo Civil, que irá entrar em vigor no mês de março. A mesma normativa prevê, inclusive, concessão de prazo para as partes sanarem irregularidades ou manifestarem nos autos, em prestígio da decisão de mérito mais justa e efetiva. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO.

Clique aqui para ler a circular.


Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2016, 9h18

A coisa julgada na sistemática do novo CPC

Interesting Image
 
 
 
    Boa tarde.

   Trataremos hoje dos limites objetivos da coisa julgada, matéria sobre a qual o Novo CPC inovou, e muito. Isso é facilmente constatado a partir do cotejo entre os dispositivos do CPC/73 (arts. 469, III e 470) e do Novo Código (arts. 503, §§1º e 2º e 504) que tratam do tema. Isso porque, na nova sistemática processual civil, inexistirá o óbice descrito no art. 469, inciso III, do CPC/73, segundo o qual não faz coisa julgada material a apreciação da questão prejudicial decidida incidentalmente no processo. Essa regra não encontra correspondência no NCPC (v. art. 504).

   Pelo contrário: o Novo Código, além de extinguir a ação declaratória incidental prevista nos arts. 5º, 325 e 470 do CPC/73 (há divergência doutrinária sobre este ponto – v. Enunciado nº 111 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC), expressamente permite que a coisa julgada material acoberte a resolução de questão prejudicial, desde que preenchidos os requisitos cumulativos dos §§1º e 2º do art. 503 (nesse sentido, da cumulatividade entre os pressupostos, é também a conclusão do Enunciado nº 313 do FPPC).

   Nas palavras de Teresa Arruda Alvim WAMBIER, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogerio Licastro Torres de MELLO, “O legislador foi excessivamente cuidadoso: disse que a resolução de questão prejudicial, que fica acobertada pela coisa julgada, (a) deve ser expressa (não há decisões implícitas no direito brasileiro!); (b) desta resolução deve depender o julgamento do mérito (se não depender, não se tratará de questão prejudicial!) (art. 503, §1º, I); e (c) deve ter a seu respeito, havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia (art. 503, §1º, II). Se não houver contraditório, e discordância entre as partes, não se tratará de QUESTÃO! Este dispositivo, na verdade, só demonstra o cuidado do legislador, em não estender a autoridade da coisa julgada em desrespeito ao contraditório.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, 2015, p. 823-824).

   A esses requisitos previstos nos incisos I e II do §1º do art. 503 (somados também à competência do juízo em razão da matéria e da pessoa para resolver a questão prejudicial como questão principal – art. 503, §1º, inciso III), deve-se acrescentar o do §2º do mesmo dispositivo, que diz não se aplicar o disposto no parágrafo anterior (não fazendo coisa julgada a decisão sobre a questão prejudicial, portanto) se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

   A finalidade clara da nova regra é dar o máximo rendimento à atividade jurisdicional, evitando-se a rediscussão sobre a mesma questão jurídica e a prolação de futuras decisões eventualmente contraditórias. Dessa forma, os limites objetivos da coisa julgada no NCPC devem ser enxergados a partir dessa nova ótica, analisando-se quais questões prejudiciais decididas expressa e incidentalmente obedeceram aos pressupostos do art. 503, §§1º e 2º do Novo Código, independentemente de provocação específica.
Daí porque correto também o entendimento consolidado no Enunciado nº 165 do FPPC, qual seja: “(art. 503, §§1º e 2º) A análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada, independentemente de provocação específica para o seu reconhecimento. (Grupo: Coisa Julgada, Ação rescisória e Sentença; redação revista no VI FPPC – Curitiba).”.

   Por fim, é importante destacar a posição de parcela da doutrina no sentido de ser possível que as partes, utilizando-se da cláusula geral de negociação processual prevista no art. 190 do NCPC, acordem “que a coisa julgada se forme sobre uma determinada questão prejudicial”, tendo em vista que “a vinculatividade da coisa julgada atingir uma determinada questão está na esfera de disposição das partes.” (cf. Antonio do Passo CABRAL, In. Breves comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, 2015, p. 1298).

    Ainda essa semana reabriremos as inscrições para o Curso de Extensão e Atualização à Nova sistemática processual civil. Fique ligado e continue acompanhando conosco as novidades do NCPC! 

Um abraço.
Rafael Alvim e Felipe Moreira
Fonte: Instituto Contemporâneo

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Diatribes ao Código de Processo Civil de 2015 (segunda parte)






Retomo análise sobre algumas questões societárias fixadas no novo Código de Processo Civil, iniciada na última coluna.

9. O CPC/2015 cuidou de regular, como visto, a indevidamente denominadaação de dissolução parcial de sociedade, mas nada dispôs a respeito da ação de dissolução de sociedade propriamente dita, isto é, da destinada à dissolução completa (total). Essa omissão é gravíssima, visto que esse código revogou as disposições que se continham no CPC/1939 (arts. 655 a 674), mantidas em vigor pelo CPC/1973 (art. 1.218, inc. VII)[1]

10. Nesses dispositivos era previsto um procedimento expedito, necessário para evitar que a sociedade permanecesse no mercado, se dissolvida estivesse ou se dissolvida devesse estar. Refiro-me aqui à necessária distinção entre a dissolução de pleno direito e a dissolução contenciosa.

No regime do Código de 1939, essa distinção era nítida: a primeira era decidida por ação declaratória que se limitava a um pronunciamento judicial asseverando estar dissolvida a sociedade pela ocorrência da causa prevista na lei (art. 656, § 1º); a outra era decretada por sentença de natureza constitutiva, uma vez feita a prova de que a situação fática exigida tinha ocorrido, o que demandava um rito próprio que culminava numa audiência de instrução e julgamento, a não ser que as alegações do requerente restassem desde logo comprovadas (art. 656, § 2º).

O Código Civil, em boa hora, dispensou a ação declaratória para as causas de dissolução ipso jure, ao estabelecer em seu art. 1.036, parágrafo único, que, “dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial.” Essa é a única disposição que continuará a viger, após a entrada em vigor do CPC/2015.[2]

11. Como consequência, a ação de dissolução contenciosa de sociedade ficará submetida ao procedimento comum (CPC/2015, art. 1.046, § 3º). Isso significa que, ao receber a inicial, o juiz designará “audiência de conciliação ou mediação, com antecedência mínima de 30 dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 dias de antecedência” (art. 334), para só então, frustrada a composição amigável, fluir o prazo de 15 (quinze) dias conferidos à defesa (art. 335, inc. I).

O juiz só proferirá sentença se não houver provas a produzir ou ocorrer a revelia (art. 355), visto que, do contrário, terá de sanear o processo e, se não houver prejudiciais, designar nova audiência – esta, de instrução e julgamento (art. 357 e incisos). Não é preciso prosseguir para se ter certeza de que o procedimento comum é totalmente inadequado para tal ação.

12. É caso de se sustentar que a omissão quanto ao regramento da dissolução total leva à aplicação das disposições atinentes à dissolução parcial? Uma interpretação construtiva, visando a evitar a espera de uma audiência de conciliação, totalmente inadequada, permite ao intérprete, a meu ver, invocar a aplicação do art. 601 do CPC/2015, de forma que, proposta a ação dissolutória, a sociedade e os sócios seriam citados para, em 15 dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação. Em razão disso, incidiria o disposto no art. 603, segundo o qual, “havendo manifestação expressa e unânime com a dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação” (caput); contestado o pedido, só então passaria a ser observado o procedimento comum (§ 2º). 

Tal solução, contudo, abre portas para uma inevitável polêmica, porque afasta o cumprimento do que está expressamente disposto no já referido art. 1.046, § 3º. De mais a mais, exige o consentimento unânime, o que não acontece com facilidade em sociedades com vários sócios. Afora a insustentável exigência da presença de todos os sócios e da sociedade na relação processual, acima já criticada, melhor seria que o legislador de 2015 mantivesse hígida a previsão do Código de 1939, que determinava, quanto à dissolução de pleno direito, a oitiva dos interessados em 48 horas e, ato contínuo, a prolação da sentença.

De todo modo, tal procedimento não faz sentido quando se trata de pedido de autodissolução, feito pela sociedade. Se a sociedade, em deliberação majoritária, decide dissolver-se por ocorrência de causa que considera consumada (CC, arts. 1.071, VI, e 1.076, I; Lei 6.404/1976, art. 136, X), não cabe aos sócios, vencidos na deliberação, buscar obter do Poder Judiciário o reconhecimento ou a proteção de um direito que não têm. 

Por outro lado, não se deve confundir aquilo que o CPC/2015 confunde. É preciso ter em conta que se está a lidar com dois institutos que não se identificam, ou seja, a dissolução e a liquidação. A dissolução é o momento, como a morte; a liquidação é a situação jurídica que se estabelece após a dissolução englobando o processo ou o conjunto de atos destinados a pôr fim ao patrimônio social e a extinguir a pessoa jurídica que pela sociedade era constituída. 

E aí se vê a impossibilidade de aplicação dos dispositivos do CPC/2015 que tratam da denominada “fase” de liquidação da sentença de dissolução parcial à liquidação da sentença de dissolução total. As situações são profundamente distintas. A ação dissolução total visa à cessação da atividade social com extinção da sociedade e, bem assim, de todos os seus direitos e obrigações, ao passo que a ação de dissolução parcial – melhor dizendo, a ação de liquidação da quota do sócio que se desliga da sociedade – tem por escopo, exclusivamente, retirar do patrimônio social a fatia a que tem direito esse sócio, com a manutenção do restante desse patrimônio na atividade social da sociedade, que continuará a agir com e por seus demais sócios. 

Assim, na dissolução (total) não há avaliação alguma nem necessidade de nomeação de perito para apurar haveres por não se buscar a determinação do valor da quota de participação de nenhum dos sócios; nela é designado um liquidante (isto é, um administrador) para ultimar as negociações pendentes, realizar todo o ativo, pagar o passivo e distribuir as sobras aos sócios. Nesse propósito, dá-se a liquidação total do patrimônio social. Consequentemente, não há fundo de comércio a considerar, valor de intangíveis etc.; tudo se resolve com a realização do ativo (isto é, com a conversão em dinheiro de contado dos bens, móveis, imóveis, corpóreos e incorpóreos), que é o modo próprio de determinação de todos os preços, a não ser que os sócios, reunidos, tomem deliberação diversa. 

Esse escopo não se viabiliza pela aplicação das disposições dos arts. 602-609 do CPC/2015, que objetivam conferir ao sócio o valor daquilo que corresponder à parcela do patrimônio social que lhe cabe. Tal valor é determinado mediante verificação das contas e avaliação dos componentes do ativo, quando houver, para ser pago ao sócio, sem que a sociedade necessite de um administrador (liquidante) para ultimar os negócios pendentes, que, em regra, não sofrem solução de continuidade. 

13. À falta de qualquer norma que ampare um processo de dissolução e liquidação total da sociedade, o magistrado deve orientar-se pelas disposições do Código de 1939? Isso, infelizmente, não é possível, visto que não é dado ao intérprete restaurar lei revogada. Também não se revela factível a aplicação dos dispositivos da Lei Falimentar sobre a realização do ativo e pagamento do passivo, dado seu caráter cogente com regras destinadas à satisfação dos direitos de terceiros (credores), cujos interesses são antagônicos aos da sociedade e de seus sócios.

A única solução, a meu ver, está em serem observadas as normas sobre liquidação extrajudicial contidas no Código Civil. Aliás, nesse Código contém-se a previsão de que, ocorrendo uma causa de dissolução (total), segue-se a liquidação extrajudicial ou judicial – esta última com a realização de assembleias presididas pelo juiz (art. 1.112), observado o que a respeito dispõe a lei processual (art. 1.111).

Como, a partir de 2016, não haverá lei processual a respeito, a solução será seguir as regras do Código Civil, com a designação do liquidante, consoante dispuser o contrato social, ou por eleição dos sócios (art. 1.038) para dar cumprimento aos seus deveres (art. 1.103). Além de concluir as negociações pendentes, o liquidante converte todos os bens em dinheiro, paga os credores da sociedade e procede ao rateio das sobras, independentemente de interferência judicial, uma vez que esta, como no Código de 1939, é bastante restrita.

Cabe aos sócios, também por deliberação em assembleia e segundo suas conveniências, determinar rateios por antecipação da partilha à media em que se apurem os haveres sociais. Ao juiz é conferida a função de presidir as assembleias, dirimir o empate e, ao cabo, julgar as contas do liquidante. Podem existir ocasionalmente outras intervenções judiciais, como, por exemplo, a relativa à destituição do liquidante (art. 1.038, § 1º, inc. II).

A função do magistrado na dissolução é a de declarar dissolvida a sociedade na presença de causa dissolutória ipso jure ou de decretá-la, mediante instrução, na ocorrência das demais causas. Não é de se imprimir à liquidação da sociedade foros de procedimento contencioso, mas de dar liberdade aos sócios para definir seus rumos e problemas, validar as deliberações que tomarem em reunião ou assembleia e, para ser breve, tomar as contas do encarregado de realizá-la ao final. 

Penhora de quotas de sócio

14. Outro problema bastante grave está na regulação da penhora de quotasde sócio de uma sociedade por quem é seu credor. Ao invés de determinar que as quotas sejam avaliadas e levadas a leilão, como qualquer outro bem do devedor, o CPC/2015 faz malabarismos despropositados, uns afrontando o próprio sistema processual, outros criando obstáculos quase intransponíveis para o credor, e abre espaço para novas demandas judiciais, que poderiam ter sido evitadas. 

De fato, uma vez realizada a penhora de quotas sociais, referido Código determina que a sociedade, em prazo não superior a três meses, apresente balanço especial, na forma da lei, destinado à fixação do valor da quota ou quotas penhoradas e as oferte aos demais sócios, com observância do que dispuser o contrato social acerca do direito de preferência; se os sócios, a tanto intimados por via da sociedade (arts. 799, inc. VII e 876§ 7º), não se interessarem pela aquisição ou a sociedade não as puder adquirir, esta fica obrigada a depositar em juízo o valor apurado, em dinheiro (art. 861 e §§ 1º e 2º).

Se a sociedade não puder ou não quiser promover a liquidação da quota do sócio devedor, o juiz, a pedido dela ou do credor exequente, pode nomear “administrador” para tal fim, o qual tem de apresentar a forma de liquidação para aprovação judicial. O prazo de três meses antes referido pode ser ampliado pelo juiz da execução se o pagamento das quotas superar o valor do saldo de lucros e reservas, exceto a legal, ou colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade (§ 4º). Também é prevista a possibilidade de ser determinado o leilão judicial das quotas, caso não haja interesse dos demais sócios e da sociedade em adquiri-las e a liquidação seja excessivamente onerosa (§ 5º). 

Essas disposições revelam-se despropositadas por criarem, no seio do processo de execução, um procedimento formal e complicado para o credor satisfazer seu crédito, o qual poderia ser perfeitamente evitado. Efetivamente, penhoradas quotas sociais, a sociedade fica obrigada a proceder a uma prévia apuração de haveres (determinação do valor da quota); sujeita-se, além disso, a uma eventual administração judicial e aos ônus daí decorrentes e, ainda, a oferecer aos demais sócios as quotas do devedor, que a ela não pertencem e assim por diante. Esses são alguns dos comandos incompreensíveis e estranhos aos princípios processuais.

A isso acresce nada ser previsto a respeito do procedimento a ser observado pela sociedade para concretizar essas determinações. E a apuração pela sociedade do valor das quotas de seu sócio, tirante a mais que provável parcialidade, irá possibilitar ao sócio e ao seu credor o direito de impugná-la, porque, embora não prevista a hipótese, incide o preceito constitucional que assegura a qualquer cidadão pedir proteção judicial contra qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito e, bem assim, o que confere a todos o amplo direito de defesa (CF, art. 5º, inc. XXXV e LV).

Isso tudo deveria ser eliminado para, desde logo, incidir o preceito contido no § 5º do mencionado art. 861. Tal previsão normativa, porém, conquanto seja a única adequada, só tem lugar quando se frustrar o procedimento de liquidação ali regulado. É que, prevista a possibilidade de constrição judicial das quotas sociais, tem-se a apreensão de bens concretos e atuais do devedor, as quais, como quaisquer outros, podem sujeitar-se à avaliação e ser leiloados, sem necessidade alguma do tratamento diferenciado, para resolver plenamente a execução.

Efetivamente, levadas a leilão as quotas do sócio devedor, os demais sócios e a sociedade (atendidas as condicionantes legais) teriam possibilidade de licitar e de ter assegurada, nessa oportunidade, a preferência de aquisição, se prevista no contrato social. Não exercida a preferência ou, na ausência de previsão legal ou contratual a respeito, sendo as quotas arrematadas por terceiro estranho ao quadro social, a ele seriam transferidos, desde logo, os direitos patrimoniais por elas representados (não os pessoais, intransmissíveis por esse meio) e a execução restaria encerrada. Assim, a apuração de haveres só apareceria se o arrematante não quisesse ser ou não fosse admitido como sócio.

O legislador bem poderia ter adotado a orientação introduzida pela reforma de 2004 no Código Civil italiano que, disciplinando o procedimento na penhora de quotas, estabeleceu que a determinação judicial de venda das quotas penhoradas deve ser comunicada à sociedade e que, quando referidas quotas forem adjudicadas, a sociedade pode obstá-la apresentando outro adquirente que ofereça o mesmo preço nos dez dias subsequentes (art. 2.471).

15. Ainda nessa matéria há a condicionante de a sociedade só poder adquirir as quotas penhoradas de seu sócio com recursos que não impliquem redução do seu capital social, utilizando-se de reservas disponíveis (CPC/2015, art. 861, § 1º). Mais adiante, tratando da dilação do prazo para pagamento das quotas, o § 4º desse mesmo artigo, admite-a se o montante desse pagamento “superar o valor do saldo dos lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social ou por doação”. 

A primeira observação é de que a sociedade não precisa dar satisfação a ninguém que não seja sócio quanto aos recursos que utilizará para adquirir as quotas do sócio devedor. Trata-se de matéria interna corporis que só aos sócios é dado impugnar. O que pode impedir uma sociedade de fazer um empréstimo bancário para comprar quotas, se não dispuser de recursos (lucros ou reservas) para fazê-lo, desde que seja essa a solução que lhe convenha adotar? 

A segunda observação é quanto à doação. A oração, destacada acima entre aspas, é incompreensível. Percebe-se que foi cópia fiel de parte da regra contida no art. 30, § 1º, letra “b”, da Lei das S. A., colada no texto do art. 861, § 4º, inc. I, do CPC 2015, sem a percepção de que não guarda sentido algum com o que ali é previsto. 

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).



[1] O Código de 1939 havia seguido a orientação prevalecente de sua época, segundo a qual dissolução e liquidação eram um só fenômeno. A respeito, TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, que considerava inútil o conceito de dissolução, preferindo eliminá-lo no anteprojeto do Dec.-lei 2.627/1940, para determinar, simplesmente, as causas pelas quais a sociedade entrava em liquidação (Sociedade por ações. 2ª. ed., v. 3, n. 713, p. 113-14. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1959).


[2] Como o art. 1.036, parágrafo único do Código Civil dispensou a ação declaratória de dissolução para as causas de dissolução de pleno direito, entendo que ele revogou o § 1º do art. 656 do CPC/1939; consequentemente, o CPC/2015, ao revogar o de 1973 e as disposições do CPC/1939 que seu art. 1.218 mantivera em vigor, não apanhou a regra do mencionado art. 656, § 1º, por já estar revogada.

Alfredo de Assis Gonçalves Neto é advogado e professor titular aposentado de Direito Comercial da Universidade Federal do Paraná.



Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2016, 8h04

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...