Horas in itinere são as horas gastas pelo trabalhador no percurso de casa para o trabalho, e vice-versa, que devem ser pagas como extras pelo empregador quando não há transporte público regular até o local de trabalho e o empregador fornece a condução. A matéria é regulada pelos artigos 58, parágrafos 2º e 3º da CLT. Mas será que esse direito pode ser limitado ou suprimido por meio de norma coletiva?
Esse foi mais um tema objeto de uniformização pelo Tribunal Pleno do TRT de Minas, em Sessão Ordinária realizada no dia 13/08/2015. O Incidente de Uniformização de Jurisprudência-IUJ foi suscitado de ofício pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no RR-11382-77.2014.5.03.0167, nos termos do parágrafo 4º do artigo 896 da CLT. Por maioria absoluta de votos, o Pleno determinou a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme nº 41, com a seguinte redação:"HORAS IN ITINERE - NORMA COLETIVA.
I - Não é válida a supressão total do direito às horas in itinere pela norma coletiva.
II - A limitação desse direito é válida, desde que a fixação do tempo de transporte não seja inferior à metade daquele despendido nos percursos de ida e volta para o trabalho".
Histórico do IUJ - Processo de origem - Entendendo a matéria objeto do incidente
A sentença proferida pelo juiz Cléber José de Freitas, da 3ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas, deferiu ao reclamante, ex-empregado da empresa Iveco Latin America Ltda, 20 minutos extras diários, a título de horas in itinere (ou de percurso) com base em laudo pericial, limitados aos períodos não alcançados por instrumento normativo.
A decisão reconheceu a legitimidade da cláusula de Acordos Coletivos de Trabalho que isentavam a ré da obrigação de pagar horas in itinere, nas condições lá descritas. Nos termos da norma coletiva, a ré ofereceria o transporte subsidiado, sendo que o tempo gasto no trajeto casa-trabalho e vice-versa não seria computado na jornada de trabalho, nem como hora in itinere e nem como tempo à disposição.
A condenação alcançou apenas os períodos não abrangidos pelos instrumentos, quando ficou demonstrado que havia um trecho não servido por transporte público compatível com o horário de entrada e saída, compreendido entre uma rodovia e portão de acesso do estabelecimento da ré. O magistrado se baseou no fato de que, para perfazer a distância no transporte coletivo, eram necessários 10 minutos para a ida e 10 minutos para a volta, ou seja, 20 minutos diários.
Inconformado, o trabalhador recorreu insistindo no direito à integralidade das horas in itinere. O argumento apresentado foi o de que os ACTs que suprimem direitos não poderiam ser considerados válidos. No entanto, a 9ª Turma do TRT-MG não acatou a pretensão, nos termos do voto do desembargador Ricardo Antônio Mohallem.
"A negociação coletiva é clara e não padece de invalidade. A possibilidade de as partes autonomamente regulamentarem os efeitos do tempo consumido no percurso da casa para o trabalho e vice-versa, tem respaldo na liberdade de negociação coletiva por meio das entidades sindicais, com status constitucional (art. 7º, XXVI da CF), e, portanto, força suficiente para modificar normas ordinárias, notadamente em se tratando de jornada de trabalho, na qual é ampla a negociabilidade", constou da fundamentação do acórdão, que confirmou o entendimento adotado na sentença. (Processo nº 0011382-77.2014.5.03.0167).
Na sequência, o trabalhador interpôs recurso de revista e o relator, Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, determinou o processamento de uniformização de jurisprudência, por constatar a existência de decisões atuais e díspares quanto ao tema examinado. A determinação da uniformização jurisprudencial se deu por força do contido no parágrafo 8º do artigo 896 da CLT, com a redação conferida pela Lei nº 13015/2014.O procedimento da Uniformização de Jurisprudência
Após ser instaurado, o IUJ foi distribuído ao desembargador relator Jales Valadão Cardoso. A Comissão de Jurisprudência se manifestou, assim como o Ministério Público do Trabalho, que opinou no sentido de ser inválida a supressão total do direito ao pagamento das horas in itinere por meio de negociação coletiva. A limitação desse direito só seria válida quando a fixação do lapso temporal não for inferior à metade do tempo despendido no percurso de ida e volta para o trabalho, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.Correntes pró e contra
Com base no parecer da Comissão de Uniformização de Jurisprudência, o relator destacou a existência de três correntes de entendimento no âmbito do TRT da 3ª Região sobre a validade da norma coletiva que suprime o direito às horas in itinere.
A primeira corrente não admite a supressão total das horas in itinere, mas considera válida a norma coletiva que arbitra o tempo médio de deslocamento, desde que comprovada a sua razoabilidade e o equilíbrio entre o pactuado e a realidade dos fatos.
A segunda corrente, por sua vez, declara a nulidade da cláusula que suprime, ainda que parcialmente, o direito às horas de percurso, por entender que esse direito é indisponível (parágrafo 2º artigo 58 CLT, acrescentado pela Lei nº 10.243/2001), alçado à categoria de norma geral de tutela do trabalho. Como exceção, os adeptos dessa segunda corrente apontam as microempresas e empresas de pequeno porte, que poderão fixar, mediante acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, como autorizado no parágrafo 3º artigo 58 CLT, acrescentado pela Lei Complementar nº 123/2006.
Por fim, a terceira corrente considera válida a norma coletiva que suprime o direito às horas in itinere, porque este não é indisponível e, pelo princípio do conglobamento, deve ser presumida a concessão de vantagens correspondentes, incluídas no instrumento coletivo.Redação proposta e entendimento do relator
Adotando a sugestão da Comissão de Uniformização de Jurisprudência (que acompanhou a primeira corrente), o redator propôs uma redação sucinta e técnica para a Súmula uniforme:HORAS IN ITINERE - NORMA COLETIVA:
I - Não é válida a supressão total do direito às horas in itinere pela norma coletiva;
II - A limitação desse direito é válida, desde que a fixação do tempo de transporte não seja inferior à metade daquele despendido nos percursos de ida e volta para o trabalho.
O desembargador ressalvou, no entanto, que o seu entendimento pessoal é alinhado à terceira corrente, considerando que a norma coletiva pode até mesmo diminuir o valor dos salários (inciso VI artigo 7º da Constituição Federal). Para ele, o argumento que as horas in itinere não podem ser objeto de negociação, porque seriam irrenunciáveis, não é razoável. Isto porque a regra do inciso XXVI artigo 7º da Constituição Federal determina o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e não contempla exceções que, segundo o magistrado, deveriam ser expressas, dada a sua hierarquia. Caso contrário, segundo ponderou, haveria inversão do princípio da hierarquia das normas jurídicas, ou seja, a lei ordinária limitar o alcance da norma constitucional.
Por maioria absoluta de votos, o Tribunal Pleno determinou a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme de nº 41, com a redação proposta pelo relator.Proc. nº 11382-2014-167-03-00-0-IUJ. Acórdão publicado em 03/09/2015
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