terça-feira, 27 de outubro de 2015

Empresa de ônibus que oferecia sanitários mistos, malcheirosos e com insetos indenizará empregada


O zelo pela decência e respeito no ambiente de trabalho é obrigação imposta ao empregador, a fim de preservar a integridade moral, física e até psicológica dos empregados. Nesse sentido, existe norma do Ministério do Trabalho que exige o fornecimento de condições mínimas de higiene e conforto no ambiente de trabalho (NR-24 da Portaria 3214/78 do MTE, referente às condições sanitárias nos locais de labor). Mas, apesar disso, não são poucos os casos em que empresas parecem ignorar esse direito dos trabalhadores, como na situação analisada pela juíza Cristina Adelaide Custódio, em sua atuação na 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Uma cobradora de ônibus buscou na JT indenização por danos morais, em razão das precárias condições em que se deu sua prestação laboral. Segundo afirmou a trabalhadora, os sanitários disponibilizados pela empregadora apresentavam péssimas condições de assepsia, sendo utilizado de forma mista e semiaberta, e ainda franqueados ao público em geral. Além disso, exalavam enorme mau cheiro e neles proliferavam agentes biológicos nocivos à saúde.
Ao examinar os depoimentos das testemunhas, a magistrada constatou que a trabalhadora tinha razão. Uma delas informou que ninguém fazia a limpeza nos banheiros e sequer havia material para isso. E, como consequência, havia insetos no banheiro. Diante disso, a julgadora concluiu que a cobradora trabalhou em local desprovido de sanitários em boas condições de uso, pela utilização coletiva da população em geral, sofrendo risco de contaminação.
Na visão da julgadora, a empresa feriu a dignidade da trabalhadora, por não lhe proporcionar o mais elementar direito para o exercício de suas atividades profissionais. E mais: a empregadora desrespeitou as normas coletivas da categoria que trazem determinação acerca da manutenção dos sanitários em perfeitas condições de higiene, ressalvando a necessidade de um banheiro por gênero. "Em tais casos, o dano moral é patente, pois é evidente que fatos dessa natureza fazem nascer na vítima o sentimento de que fora desprezado e humilhado", concluiu a juíza que, considerando a gravidade da conduta, revelada na indiferença e tratamento desrespeitoso por parte da empresa, bem como a capacidade econômica das partes e a finalidade pedagógica da reparação, fixou a indenização em R$2.000,00.
A empresa recorreu da decisão, que manteve a condenação, mas a reduziu para o importe de R$1.000,00, quantia considerada mais condizente com a extensão do dano e compatível com valores arbitrados em casos semelhantes.

PJe: Processo nº 0010255-65.2015.5.03.0007-RO. Data de publicação da decisão: 02/06/2015Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Defensoria pode ajuizar ação civil pública contra aumento abusivo de plano de saúde de idosos




A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que a defensoria pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se discute abusividade de aumento de plano de saúde de idosos. A decisão unifica entendimento até então divergente no tribunal.

A defensoria pública é instituição prevista na Constituição, encarregada de prestar orientação jurídica e defender os necessitados que comprovarem insuficiência de recursos. A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, adotou interpretação mais ampla da expressão “necessitados” (artigo 134, caput, da Constituição), conforme firmado pela Segunda Turma em 2011, no julgamento do REsp 1.264.116.

Naquele julgamento, o ministro Herman Benjamin afirmou que, no campo da ação civil pública, o conceito deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis.

Em seu voto, o ministro Benjamin afirmou que a expressão inclui “os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras,/; enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado”. A relatora concordou com tal definição.

Limitação

O caso vem do Rio Grande do Sul. Na ação civil pública, a defensoria pública gaúcha pediu a declaração de abusividade de aumentos de plano de saúde em razão da idade do segurado.

A Quarta Turma do STJ, reformando o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu que haveria um limitador constitucional à atividade da defensoria pública: a defesa dos necessitados. Isso restringiria sua atuação nas ações coletivas na defesa de interesses individuais homogêneos (diante de grupos determinados de lesados) relativos somente às pessoas notadamente necessitadas de recursos financeiros (condição econômica). Por isso, não teria legitimidade para propor a ação.

Necessitados jurídicos

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul recorreu (por meio de embargos de divergência) para que a Corte Especial definisse o tema, uma vez que a Primeira Seção do tribunal já teria julgado reconhecendo a legitimidade dela para esse tipo de ação.

Por unanimidade, a Corte Especial acolheu o recurso e reconheceu a legitimidade da defensoria pública para ajuizar a ação civil pública em questão. A ministra Laurita Vaz também lembrou que, no caso, o direito fundamental que se pretende proteger com a ação está entre os mais importantes: o direito à saúde. Além disso, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição.

Fonte: STJ

NJ ESPECIAL: Tese Jurídica Prevalecente nº 5 do TRT-MG dispõe sobre responsabilidade trabalhista em caso de terceirização em atividade fim de concessionárias de energia elétrica






Em nova Sessão Ordinária do Tribunal Pleno do TRT de Minas, realizada no dia 17/09/2015, mais uma Tese Jurídica Prevalecente foi editada, desta vez a de nº 5. O incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) foi suscitado pelo Ministério Público do Trabalho, no processo TST: RO-00085-2014-066-03-00-5 (CNJ: RO -0000085-85.2014.5.03.0066). Aprovada por maioria simples de votos, a TJP nº 5 ficou com a seguinte redação:
"CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTALAÇÃO E REPARAÇÃO DE REDES, CABOS, LINHAS ELÉTRICAS E OUTRAS ATIVIDADES AFINS. ATIVIDADE-FIM. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RESPONSABILIDADE.I - É ilícita a terceirização de serviços de instalação e reparação de redes, cabos e linhas elétricas, o que inclui a ligação e a religação na unidade consumidora, instalação, reforço, reparo ou manutenção de ramais, alimentadores, transformadores, postes, equipamentos de segurança e cabos, pois constituem atividade-fim ao desenvolvimento das empresas distribuidoras de energia. Diante da nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços, pessoa jurídica de direito privado, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora, responsável solidária pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado. Inaplicável, nessa hipótese, o § 1º do art. 25 da Lei 8.987/95. II - O óbice ao reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços integrante da Administração Pública Indireta (inciso II e § 2º do art. 37 da CR/88) não a isenta de, com base no princípio constitucional da isonomia, responder subsidiariamente pelos direitos assegurados aos empregados da empresa prestadora, por força da aplicação da OJ 383 da SBDI - I do C. TST e ante a configuração de sua conduta ilícita. Inteligência do art. 927 do Código Civil, da OJ 383 da SBDI - I e do item IV da Súmula 331, ambos do TST.".
Histórico do IUJ: Processo de origem - Entendendo a matéria objeto do incidente


O Incidente de Uniformização de Jurisprudência teve origem em ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT) em face da empresa ENERGISA MINAS GERAIS DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A (processo 000085-85.2014.503.0066), na qual alegou que a ré vem terceirizando serviços de empreitada em linhas de distribuição urbanas e rurais e serviços técnicos especializados em energia elétrica nas redes de distribuição, inclusive na construção e manutenção de alimentador; substituição de poste e transformador queimado; instalação de equipamento de proteção; construção de ramal rural e reforço à rede de distribuição, os quais são objeto dos contratos firmados e ordens de serviços expedidas pela empresa. Segundo o MPT, esses serviços são essenciais à atividade-fim da ré, caracterizando terceirização ilícita. Por isso, a empresa deve se abster de adotar esses procedimentos, bem como de renovar ou prorrogar os contratos com suas terceirizadas, registrando os empregados dessas, além de ser condenada ao pagamento de danos morais coletivos.

Ao analisar o caso, o juiz sentenciante, Hitler Eustásio Machado Oliveira, titular da Vara do Trabalho de Manhuaçu, acolheu o pedido do MPT, condenando a reclamada a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$100.000,00 e, ainda, a cumprir as determinações de cessar a terceirização de quaisquer serviços a serem executados na rede de distribuição de energia elétrica, incluindo a ligação na unidade consumidora, instalação, reforço, reparo ou manutenção de ramais, alimentadores, transformadores, postes, equipamentos de segurança e cabos, sob pena de multa diária de R$5.000,00, até o limite de R$500.000,00. A empresa deverá também se abster de prorrogar ou renovar os contratos vigentes com suas terceirizadas, que tenham por objeto esses serviços, sob pena de ter que pagar a mesma multa.

A empresa recorreu da sentença e a matéria foi submetida ao exame da 9ª Turma do TRT/MG que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso da empresa para, julgando improcedentes todos os pedidos do MPT, absolvê-la da condenação imposta na sentença de Primeiro Grau. Prevaleceu na Turma o entendimento de que as concessionárias de serviço público, especialmente do setor elétrico, receberam expressa permissão legal para repassar suas atividades (artigo 25, parágrafo 1º, da Lei nº 8.987/1995), até mesmo as finalísticas. Assim, a maioria da Turma reconheceu que a terceirização dos serviços realizada pela reclamada é lícita, vencido o juiz convocado relator, Paulo Emílio Vilhena da Silva, que, assim como o juiz sentenciante, a considerava ilícita.

Inconformado, o MPT apresentou recurso de revista, admitido pelo desembargador 1º Vice-Presidente do TRT-MG, José Murilo de Morais, diante da demonstração de entendimentos divergentes sobre a matéria no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, tendo sido o processo remetido ao TST.

Foi então que o MPT apresentou petição suscitando o incidente de uniformização, o que também admitido pelo Desembargador 1º Vice-Presidente do TRT/MG, JOSÉ MURILO DE MORAIS, em razão da existência de decisões atuais e conflitantes sobre o tema, dessa entre as Turmas do próprio TRT mineiro, citando, como por exemplo, os recursos ordinários julgados pelas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª Turmas (Processos nºs 01859-2013-057-03-00-3, 00891-2012-114-03-00-0, 01181-2013-072-03-00-1, 0 1611-2013-114-03-00, 01425-2013-019-03-00-7, 01206-2013-107-03-006, 01849-2013-10-5-03-00, 01063-2013-097-03-00-0). Assim, o desembargador determinou que o processamento do incidente de uniformização da jurisprudência, nos termos dos parágrafos 4º e 5º do art. 896 da CLT e da Resolução GP Nº 9, de 29 de abril de 2015, sobre o seguinte tema:

O serviço de instalação e reparos de redes de distribuição configura atividade essencial aos fins sociais das empresas distribuidoras de energia e, portanto, constitui atividade-fim da empresa tomadora?

A questão foi trazida à análise do Pleno do TRT mineiro, culminando na edição da Tese Jurídica Prevalecente nº 5, abordada nesta NJ Especial.
O procedimento da Uniformização da Jurisprudência


Após ser instaurado, o IUJ foi distribuído ao desembargador relator Márcio Ribeiro do Valle e, então, remetido à Comissão de Uniformização de Jurisprudência, que se manifestou, apresentando as teses jurídicas que vem sendo adotadas sobre o tema e sugerindo a redação do verbete para fins de uniformização jurisprudencial.

O Ministério Público do Trabalho também emitiu parecer, acolhendo a proposta apresentada pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência, embora sugerindo algumas adequações.
Teses Divergentes
Primeira corrente - Terceirização ilícita


Em levantamento, a Comissão de Uniformização de Jurisprudência (CUJ) identificou uma corrente jurisprudencial que reconhece a ilicitude da terceirização de serviços relativos à instalação, reparação de linhas, redes e cabos elétricos, por constituírem atividades essenciais ao desenvolvimento das empresas distribuidoras de energia e, assim, não se enquadrariam nas hipóteses previstas no art. 25, § 1º, da Lei 8.987/95. Dessa forma, seria nulo o contrato firmado com a empresa interposta, formando-se o vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviço de energia elétrica, respondendo ambas as empresas solidariamente pelas verbas trabalhistas devidas ao trabalhador terceirizado. E, na hipótese desta terceirização ilícita dos serviços mencionados se dar com empresa integrante da Administração Pública, por força do inciso II, § 2º, do art. 37 da CF/88, não seria possível a declaração do vínculo de emprego, mas, em razão da isonomia, seriam devidos ao empregado terceirizado os mesmos direitos assegurados ao empregado da tomadora, desde que exerçam a mesma função.
Segunda corrente - Terceirização lícita


A Comissão de Uniformização de Jurisprudência também apontou a existência de uma segunda corrente, que reconhece a licitude da terceirização de serviços relativos à instalação, reparação de linhas, redes e cabos elétricos, em razão de expressa autorização legal, na forma do art. 25, § 1º, da Lei 8.987/95.
Questão da responsabilidade da administração pública


Quanto à responsabilidade do ente da Administração Pública, a Comissão ressaltou que há entendimento no TRT/MG no sentido de que, em razão da terceirização ilícita realizada, a prestadora e a tomadora respondem solidariamente, na forma dos dispositivos dos arts. 186, 942 e 927 do Código Civil, mas, de outro lado, também existem decisões que declaram apenas a responsabilidade subsidiária, nos termos da Súmula 331, V, do TST.
Uniformização sugerida pela CUJ (Comissão de Uniformização de Jurisprudência)


Nesse contexto, com base no art. 190, II e III, do Regimento Interno, a Comissão de Uniformização de Jurisprudência sugeriu a seguinte redação do verbete para fins de uniformização jurisprudencial sobre a matéria em foco: "CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTALAÇÃO E REPARAÇÃO DE REDES, CABOS E LINHAS ELÉTRICAS. ATIVIDADE-FIM. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RESPONSABILIDADE. 1. É ilícita a terceirização de serviços de instalação e reparação de redes, cabos e linhas elétricas, pois constituem atividade-fim da concessionária de energia. Diante da nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços, pessoa jurídica de direito privado, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora, responsável solidária pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado. Inaplicável, nessa hipótese, o § 1º do art. 25 da Lei 8.987/95. 2 - O óbice ao reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços integrante da Administração Pública Indireta (inciso II e § 2º do art. 37 da CR/88) não a isenta de, com base no princípio constitucional da isonomia, responder solidariamente pelos direitos assegurados aos seus empregados que exerçam a mesma função. Inteligência do art. 927 do Código Civil, da OJ 383 da SBDI - I e do item V da Súmula 331, ambos do TST".
A uniformização proposta pelo MPT


O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, fez algumas adequações ao verbete sugerido pela CUJ, nos seguintes termos:


"1. É ilícita a terceirização de serviços relativos à instalação de linhas, redes e cabos elétricos, incluindo a ligação na unidade consumidora, instalação, reforço, reparo ou manutenção de ramais, alimentadores, transformadores, postes, equipamentos de segurança e cabos, pois constituem atividades essenciais ao desenvolvimento das empresas distribuidoras de energia. Diante da nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços, pessoa jurídica de direito privado, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora. Interpretação sistemática do § 1º do art. 25 da Lei 8.987/95 com a ordem jurídico-trabalhista.
2 - O óbice ao reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços integrante da Administração Pública Indireta (inciso II e § 2º do art. 37 da CR/88) não a isenta de, com base no princípio constitucional da isonomia, responder solidariamente pelas diferenças salariais e consectários, devidos aos empregados da empresa prestadoras, por força da aplicação da OJ 383 da SBDI ¿ I do C. TST. Inteligência do art. 927 do Código Civil e do item V da Súmula 331, do TST". (f. 75-v/76).
A tese vencedora
Afinal, terceirização lícita ou ilícita?


No entendimento do desembargador relator, que acabou prevalecendo na decisão do Pleno (porque acolhido pela maioria dos desembargadores), o desempenho das atividades de instalador e reparador de redes de distribuição de energia, entre outras atividades afins como a ligação e a religação na unidade consumidora, para a tomadora de serviços - empresa do ramo da distribuição de energia - seja integrante ou não da Administração Pública, não objetiva a prestação de serviços verdadeiramente especializados, ligados à atividade-meio da tomadora, mas, sim, de autêntica atividade-fim, motivo pelo qual não se pode ter como lícita a terceirização havida entre tomadora e prestadora de serviço.

Em seu voto, o relator registrou que, tais serviços "terceirizados" pela tomadora sempre foram essenciais ao seu empreendimento, tendo em vista sua conhecida condição de empresa de distribuição de energia. Nesse quadro, embora "terceirizada", as atividades, então examinadas, são desempenhadas de acordo com o direcionamento e os interesses da tomadora, tendo em conta sua atividade primordial a distribuição de energia.

"A atividade-meio não deve ser entendida como uma das etapas do processo produtivo, mas, sim, como aquela que serve de mero suporte à atividade principal da empresa, concessionária do serviço de distribuição de energia. E tais funções - instalação e reparo de redes de distribuição de energia - inserem-se, diretamente, no âmbito das atividades essenciais à empresa de distribuição de energia", destacou o relator.

Ele frisou, ainda, que o artigo 25 da Lei n.º 8.987/95 não autoriza a terceirização das atividades de manutenção de linhas e redes de distribuição de energia elétrica pelas empresas concessionárias de serviço de energia elétrica, porque essas atividades estão inseridas na atividade-fim dessas empresas. "As atividades de instalação e reparo das redes de distribuição fazem parte do universo da atividade-fim das empresas do ramo de distribuição de energia, tratando-se de atribuições que possibilitam a oferta de energia, através da instalação e manutenção de suas redes de distribuição. Logo, a atividade aqui terceirizada não é de suporte, mas sim de concentração de esforços naquilo que é vocação principal da tomadora de serviços, ou seja, os seus serviços de distribuição de energia elétrica", registrou o relator, em seu voto.

Dessa forma, ele concluiu que a terceirização desses serviços pelas empresas do setor elétrico configura, sim, intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços, exceto quando a tomadora dos serviços for empresa integrante da Administração Pública, por força do inciso II, § 2º, do art. 37 da CF/88, como no caso.

Por fim, o relator observou que esse entendimento está de acordo com a atual jurisprudência do TST, seja a tomadora dos serviços integrante ou não da Administração Pública.
Responsabilidade do Administrador Público: solidária ou subsidiária?


No que se refere à responsabilidade do ente Público tomador de serviços, segundo o desembargador, não há um consenso no âmbito do TST a respeito da responsabilização solidária do ente integrante da Administração Pública. Inclusive, ele citou algumas decisões do TST pela adoção da responsabilidade apenas subsidiária do ente Público e, outras, pelo reconhecimento da responsabilidade solidária, juntamente com a empresa prestadora dos serviços.

Mas o relator defendeu que a responsabilidade solidária da empresa concessionária de serviço público de energia elétrica contraria o disposto na Súmula 331, IV, do TST, segundo a qual o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive se este tomador se tratar de órgãos da administração direta, como no caso examinado.

Ele ponderou que, embora o item V da Súmula nº 331 do TST condicione a responsabilização subsidiária do ente integrante da administração pública, tomador de serviços, à comprovação de culpa in vigilando (ausência de fiscalização quanto ao cumprimento dos direitos trabalhistas dos terceirizados), a responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas devidos independe dessa culpa, mas decorre do fato de que a contratação do trabalhador por meio da empresa interposta foi ilícita.
A redação final escolhida para o verbete da uniformização da jurisprudência


Assim, tendo em vista os fundamentos apresentados, para o fim de uniformizar a jurisprudência no âmbito do TRT/MG, conforme determina o artigo 896, § 3º, da CLT, o relator concluiu por acolher, em parte, o parecer da Comissão, com algumas das adequações apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho, sobretudo quanto às demais atividades desempenhadas pelos trabalhadores do setor elétrico, a fim de solucionar os questionamentos acerca de atividades. Sugeriu, então, a seguinte redação do verbete de jurisprudência, tendo em vista o posicionamento majoritário do TRT/MG, o que foi acolhido pela maioria dos desembargadores integrantes do Tribunal Pleno, formando a Tese Jurídica Prevalecente nº 5, nos seguintes termos: "CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTALAÇÃO E REPARAÇÃO DE REDES, CABOS, LINHAS ELÉTRICAS E OUTRAS ATIVIDADES AFINS. ATIVIDADE-FIM. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RESPONSABILIDADE. I - É ilícita a terceirização de serviços de instalação e reparação de redes, cabos e linhas elétricas, o que inclui a ligação e a religação na unidade consumidora, instalação, reforço, reparo ou manutenção de ramais, alimentadores, transformadores, postes, equipamentos de segurança e cabos, pois constituem atividade-fim ao desenvolvimento das empresas distribuidoras de energia. Diante da nulidade do contrato de trabalho firmado com a prestadora de serviços, pessoa jurídica de direito privado, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora, responsável solidária pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado. Inaplicável, nessa hipótese, o § 1º do art. 25 da Lei 8.987/95. II - O óbice ao reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços integrante da Administração Pública Indireta (inciso II e § 2º do art. 37 da CR/88) não a isenta de, com base no princípio constitucional da isonomia, responder subsidiariamente pelos direitos assegurados aos empregados da empresa prestadora, por força da aplicação da OJ 383 da SBDI - I do C. TST e ante a configuração de sua conduta ilícita. Inteligência do art. 927 do Código Civil, da OJ 383 da SBDI - I e do item IV da Súmula 331, ambos do TST.".
Teses vencidas


Por fim, o desembargador registrou que, no julgamento do IUJ, ficaram vencidas as seguintes teses: 1) deve ser tida como lícita a terceirização de serviços relativos à instalação, reparação de linhas, redes e cabos elétricos, uma vez que haveria expressa autorização legal, na forma do art. 25, § 1º, da Lei 8.987/95; 2) a responsabilidade, no atinente ao óbice do reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços integrante da Administração Pública Indireta (inciso II e § 2º do art. 37 da CR/88), não a isenta de, com base no princípio constitucional da isonomia, responder solidariamente pelos direitos assegurados aos empregados da empresa prestadora, por força da OJ 383 da SBDI - I do TST; 3) é ilícita a terceirização apenas dos serviços de instalação de redes, cabos e linhas elétricas pois constituem atividades-fim da concessionária de energia; e 4) por força do art. 25 da Lei 8.987/95, que autoriza a terceirização de atividades inerentes, não há óbice para que se verifique, no caso concreto, a subordinação estrutural com a empresa tomadora de serviço. Processo: TRT-00085-2014-066-03-00-5-IUJ. Acórdão publicado em 17/09/2015

Notícias jurídicas anteriores sobre o tema:

09/08/2013 - Terceirizado consegue reconhecimento de isonomia salarial com empregados da Cemig
20/10/2010 - Princípio da isonomia de salários não se confunde com equiparação salarial
17/12/2007 - 1ª Turma mantém condenação da Cemig por terceirização ilícita de mão-de-obra

Clique AQUI e confira o acórdão que deu origem ao IUJ

Clique AQUI e confira o acórdão que firmou a Tese Jurídica Prevalecente nº 5

Clique AQUI e confira a relação de todos os INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA suscitados

Clique AQUI para ler as decisões anteriores do TRT mineiro sobre a matéria

Cultivar mágoas é atraso na vida dos profissionais do Direito



Por Vladimir Passos de Freitas


Os profissionais do Direito, e também os estudantes, costumam guardar mágoas que levam consigo, alimentando-as por longo tempo, às vezes por toda a vida. Na maioria das vezes elas se originam de uma decisão contrária aos interesses do ofendido ou até mesmo de um conflito de opiniões. O fato é que as mágoas azedam as relações entre as pessoas. Mas o que leva, na área do Direito, alguém a sentir-se magoado? Bem, as causas são infinitas. Vejamos algumas a título de exemplo.

Um estagiário pode ofender-se com a chefia porque, ao seu modo de ver, seu trabalho não é reconhecido. Um advogado pode ter mágoa do Poder Judiciário porque um juiz obrigou-o a esperar longo tempo antes de iniciar a audiência e não deu nenhuma justificativa. Um promotor de Justiça pode estar ofendido contra a instituição, porque foi-lhe negado o direito de cursar mestrado no exterior. Um juiz pode ter mágoa do Tribunal ao qual está vinculado, porque suas antecipações de tutela são sistematicamente revogadas. Um candidato em um concurso pode cultivar este sentimento pelo simples fato de não ter sido aprovado.

A mágoa é um sentimento unilateral, quase sempre é ignorado pelo suposto causador. O psiquiatra Augusto Cury mostra com clareza que “ninguém tem o poder de nos ferir, a não ser que permitamos ou que haja lesão física. A virtualidade dos pensamentos nos liberta e nos protege, mas não sabemos usar essa proteção”.[1]

Como reage o magoado? Via de regra isolando-se e internalizando suas queixas. Algumas vezes narrando-as, repetidamente, aos familiares e amigos mais próximos. Frases amargas como: “aquele Tribunal de Justiça é onde mais se pratica injustiça”; “de nada adianta trabalhar muito, auxiliei a Secretaria a dar andamento a todos os processos e não recebi nem um obrigado”; “na Polícia não adianta ser honesto, ninguém reconhece”.

Pouco importa se tem o ofendido razão ou não, e às vezes até pode ter. O que importa é que manter acesa a chama da mágoa causa mal físico e psicológico ao seu portador e que, por vezes, transforma-se em sentimento de profundo rancor ou até mesmo ódio. Os reflexos físicos posteriores são inevitáveis, problemas gástricos, ansiedade, pressão elevada e outros tantos.

Como é visto o magoado? Regra geral como alguém negativo e isto pode resultar em uma má imagem. Ray Grose observa que “obviamente é fundamental que você crie e mantenha a melhor imagem possível e uma imagem que seja a mais adequada à sua organização”.[2]

Mas o que significa imagem adequada ao perfil da organização? Sabidamente, cada instituição, pública ou privada, tem seus valores, suas regras, explícitos ou implícitos. Um escritório de advocacia que atue na área trabalhista a favor do trabalhador, permite que o advogado tenha uma imagem menos formal, inclusive para interagir com a clientela. Diferente será a situação em um tradicional escritório destinado à advocacia empresarial. Aí, para os homens, o terno e a gravata serão obrigatórios.

Órgãos públicos também cultivam seus modelos. Magistratura, Polícia Federal, Ministério Público e outros, colocam-se no termo amplo de organização e seus membros assumem um modelo médio de conduta, adequando-se ao que deles se espera.

A imagem adequada ao perfil da organização não se resume na vestimenta, nos cabelos ou na forma de expressar-se, mas também no comportamento. E aí, seja qual for o local de trabalho, instituição pública ou entidade privada, a higidez mental é essencial para ter-se respeito e ser prestigiado. O magoado, evidentemente, revela perfil inadequado e será colocado de lado.

Evidentemente, desta postura podem advir resultados que influenciarão diretamente na vida profissional do envolvido. Imagine-se uma juíza que, preterida na indicação por merecimento, sinta-se profundamente ofendida porque sempre manteve a Vara em dia, ao contrário dos três incluídos na lista tríplice. Ao externar sua mágoa, o único resultado será obter a antipatia dos integrantes da lista e a repulsa dos desembargadores que não a escolheram. Aceitar o fato, encarando-o como parte da vida profissional, poderá significar entrar na lista na primeira vaga que vier a ser aberta. Não aceitar, pode significar ver seu sonho mais distante.

A mágoa poderá exteriorizar-se de forma direta, como no exemplo acima, ou de forma indireta, pulverizada. Esta costuma dar-se por ação ou omissão.

Um oficial da Policial Militar pode ter mágoa da Polícia Civil porque levou vários suspeitos ao delegado de Polícia e este não lavrou o auto de prisão em flagrante. Consequentemente, recusa-se a prestar qualquer colaboração à PC, não escondendo a sua repulsa. Na verdade, o oficial da PM não soube lidar com a frustração e não absorveu o fato de que, no sistema judiciário, cada um é uma peça dentro da engrenagem. Todos, vez por outra, são contrariados por um terceiro que poderá rever o ato. Por exemplo, um ministro do STJ sujeita-se a ver seu ato anulado por um ministro do STF e este, em agravo regimental, pelos seus colegas. A revolta só fará deteriorar as relações entre as duas instituições, sem qualquer vantagem a quem quer que seja.

Outras. A perda de uma importante chefia na Defensoria Pública pode ser a possibilidade de iniciar um curso de mestrado, aproveitando-se a maior disponibilidade de tempo. A decepção com um professor que se mostrou egoísta em um momento decisivo, pode dar oportunidade a conhecer melhor a natureza humana e suas deficiências, tornando o ofendido mais maduro e resiliente.

Vejamos um exemplo de omissão. Imagine-se um servidor da Justiça do Trabalho que, inconformado por não obter reajustamento de seus vencimentos, simplesmente reduz seu trabalho a quase nada. A revolta não é contra alguém em particular, mas sim contra o Congresso e a presidência da República. Qual será o resultado? Simples, as pessoas que dele dependem e que nada têm a ver com a disputa, sofrerão as consequências do atraso nos processos. O magoado, em seu íntimo, saberá que está prejudicando terceiros e isto, psicologicamente, lhe será nocivo.

Do que se falou é possível extrair-se duas conclusões. A primeira delas já ficou implícita, ou seja, o quanto é inútil e nocivo cultivar mágoas. A segunda é que a utilização do tempo dedicado a mágoas deve ser utilizado de forma positiva e, assim, constituir uma poderosa alavanca para a plena realização pessoal.

Em suma, na área do Direito mágoas inúteis devem ser postas de lado e, no seu lugar, a melhor via é ocupar o pensamento com coisas boas e positivas, na busca da transformação dos sonhos profissionais em realidade.



[1] CURY, Augusto. A fascinante construção do eu, 2ª. edição. São Paulo: Academia, p. 126.
[2] GROSE, Ray. Como vender você. São Paulo: Laselva, 2011, p. 11.


Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2015, 8h01

Banco responde por negar crédito baseado em regra de seguradora



Instituição financeira responde solidariamente por negativa discriminatória de seguradora. Dessa forma, um banco terá de indenizar em R$ 15 mil uma cliente que teve crédito negado exclusivamente por ter deficiência física. A decisão é da 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Na ação, a consumidora diz que abriu processo de contratação de linha de crédito para financiamento de compra de imóvel. Ela alega que o crédito foi negado por ela ser portadora de deficiência auditiva congênita.

Em sua defesa, o banco alegou que o empréstimo não foi concretizado por ser obrigatória a contratação de seguro habitacional e que a seguradora competente, em face dos documentos de saúde apresentados pela autora, negou a contratação do seguro.

O banco foi condenado em primeira instância. De acordo com a juíza Carmen Nicea Bittencourt Maia Vieira, do 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF, o ato discriminatório foi evidente, pois a recusa do financiamento deu-se com base unicamente devido à deficiência.

Após recurso, a 2ª Turma Recursal do TJ-DF manteve a condenação. De acordo com o colegiado, foi comprovado pelo documento assinado e carimbado por escriturário do banco que a consumidora teve o crédito imobiliário negado, exclusivamente, em razão da sua deficiência auditiva.

"O dano moral é evidente e deve ser indenizado. A grave situação de constrangimento a que foi submetida a consumidora, acrescida do claro menosprezo do fornecedor aos deveres que lhe são impostos pela Lei 8.078/90, violaram a honra e a dignidade da autora, configurando o dano moral passível de compensação pecuniária", diz o acórdão.

A turma afirmou, ainda, que a alegação de que a seguradora não autorizou a averbação na apólice da operação de financiamento não merece ser acolhida, uma vez que a responsabilidade das empresas é solidária, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

O colegiado manteve valor de R$ 15 mil de indenização fixado na sentença. Para a Turma, a indenização foi fixada moderadamente considerando a gravidade do ilícito praticado e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.

Clique aqui e aqui para ler as decisões.
0706261-95.2015.8.07.0016


Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2015, 8h16

"No Brasil, estamos usando a pena como instrumento de vingança institucional"




Por Pedro Canário




Em quatro anos e dez meses, o ministro João Otávio de Noronha será presidente do Superior Tribunal de Justiça. Dos mais antigos integrantes da corte, ele passou os últimos anos em posições privilegiadas de observar e interferir no processo de formação de juízes do Brasil.

O diretor da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) é crítico: “Aqui você faz uma prova de decoreba, um teste psicotécnico, toma posse do cargo, faz um curso de um mês e começa a trabalhar”, afirma, em entrevista à ConJur. Noronha esteve na França para acompanhar o sistema de Justiça e ver como são formados os magistrados de lá. E tirou alguns exemplos, como um curso de 27 meses que faz parte do concurso. Quem não for aprovado ao final do período, não pode ser juiz.

“Como é que um jovem de 24 anos que nunca nem namorada teve direito vai julgar causas de Direito de Família? Que experiência ele tem? Como ele pode sentar com a senhora idosa que está separando, com problemas com os filhos e o marido, e conciliar?”, questiona. “O jovem juiz precisa ser preparado, aprender a medir as repercussões de suas decisões no seio social, estudar psicologia judiciária.”

Noronha também trata de uma realidade já incontornável no Brasil. Ao juiz não basta conhecer Direito, ter cultura jurídica e domínio da técnica judiciária. “É preciso ser um líder”, vaticina. O ministro conta que o juiz precisa estudar administração e saber administrar uma vara. Segundo ele, muitas vezes a produtividade é afetada por problemas de relacionamento entre o magistrado e os funcionários, ou porque ele trata mal os servidores e passa a ser boicotado.

O ministro também acaba de terminar seu mandato como ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Durante as eleições presidenciais de 2014, foi corregedor-geral Eleitoral. Em outras palavras, o "xerife" do processo eleitoral.

A conclusão a que Noronha chega é que o maior problema dos partidos é a falta de organização, o que se refle em contas mal prestadas.

Ele concorda com a ideia de que as eleições estão cada vez mais judicializadas. “Todo mundo que perde quer ganhar no tapetão.” Mas também observa o outro lado da mesma moeda: “A influência do poder econômico e do poder político é altamente questionada, e macula a vontade popular. Se a Dilma tivesse dito, por exemplo, que não teria dinheiro para aumentar — como ela já deveria saber — o Bolsa Família, e não teria dinheiro para o crédito educacional... Se tivesse dito toda a verdade, o eleitor teria votado nela, na mesma quantidade? Eu não acredito. E isso é o quê? É abuso de poder político”.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor esteve na França, como diretor das escolas de magistratura. Que tipo de comparação é possível fazer entre os juízes de lá e os brasileiros?
João Otávio de Noronha — Estive na França examinando seu sistema de recrutamento de juízes. No Brasil, você faz uma prova de decoreba, depois um psicotécnico, toma posse, faz um curso de um mês e começa a trabalhar, julgando causas com plena autonomia, que importam, com repercussão no patrimônio e na liberdade do seu semelhante. Na França é o contrário, o juiz passa 27 meses na escola da magistratura, mais de dois anos. Mas não fica estudando Direito Civil e Direito Constitucional, ele fica aprendendo a ser juiz. Estuda psicologia judiciária.

ConJur — O juiz entra na carreira mais preparado para o trabalho que fará, então.
Noronha — O juiz de 22, 23, 24, 25 anos que passa no concurso não tem uma experiência de vida, e nem é preparado para ser juiz. Como é que um jovem de 24 anos que nunca nem namorada teve direito vai julgar causas de família? Que experiência ele tem? Como ele pode sentar com a senhora idosa que está separando, com problemas com os filhos e o marido, e conciliar? Ele precisa ser formado para isso, precisa ser preparado para fazer a mediação. Não cabe ao juiz maltratar o réu, o réu tem um mínimo de dignidade. Precisamos aprender que a pena tem uma função reparativa e não só punitiva. Estamos tomando a pena no Brasil hoje como um instrumento de vingança institucional.

ConJur — O que o juiz brasileiro precisa aprender?
Noronha — Precisamos preparar o jovem para lidar com a administração da vara. Às vezes ele não produz porque administra mal, trata mal seus funcionários e é boicotado pela sua equipe. Ele precisa aprender a ser líder, a decidir com segurança. O jovem precisa ser preparado, estudar psicologia judiciária, aprender a medir a repercussão das suas decisões no seio social. Você às vezes, por uma formalidade, tira uma criança de um lar e põe num abrigo, tenho visto muito isso.Temos que preparar o jovem a ser juiz, e isso requer um espaço de tempo e requer investimento, precisamos aprender a investir em formação. E a Enfam é importante para direcionar e acompanhar a formação dos magistrados recém-ingressos na carreira, de forma a garantir-lhes uma formação profissional baseada numa abordagem humanística.

ConJur — Hoje não se investe em formação?
Noronha — O Brasil não tem essa paciência. Os tribunais querem, logo que o juiz é aprovado, colocá-lo numa vara do interior. É pior ficar sem juiz ou colocar um juiz mal preparado, que vai assumir a comarca e criar mais problemas do que resolver, e desmoralizar a própria instituição? Essa é a nossa grande preocupação: formar um juiz para que ele possa entregar à sociedade uma prestação jurisdicional não apenas justa, mas adequada.

ConJur — O que deve ser feito para se chegar a isso? Basta mexer no concurso?
Noronha — Precisamos mexer no concurso, mas nós temos trabalhado a formação. Os juízes hoje já ficam 420 horas [em curso], já ampliamos. Antes ficavam uma semana, depois passou para um mês e agora ele fica quatro meses estudando. Mas é pouco, precisamos ampliar, criar a verdadeira universidade da magistratura, onde o cidadão vai aprender a lidar com tudo, a julgar todos os tipos de causa, de empresa, de família, de sucessão.

ConJur — O juiz brasileiro é preparado?
Noronha — De uma certa forma, sim. Muito pelo seu talento, pela sua dedicação. Não falta cultura jurídica, mas de preparação de lidar como juiz. Decidir é uma arte, é um sacerdócio, você tem rituais, tem que ter psicologia. Não pode ofender o réu, você tem que tratar bem os advogados. Quantas brigas, quantos atritos têm entre juízes e advogados e promotor? Isso é falta de preparação. O juiz tem que se tornar um líder, tem que administrar a sua audiência, administrar o seu gabinete, lidar com as pessoas, relacionar com a sociedade. E as atividades da Enfam possibilitam ao juiz entender que é um agente político capaz de construir o modelo de justiça que os brasileiros anseiam. Uma formação mais completa possibilita ao magistrado refletir sobre as consequências de suas decisões na sociedade.

ConJur — Mas ainda existe a mentalidade de que o juiz não precisa se preocupar com a sentença tecnicamente perfeita, porque há três instâncias para corrigir...
Noronha — É isso o que queremos mudar. O juiz não tem que se desincumbir do processo, ele tem que entregar uma prestação jurisdicional justa, proferir uma sentença que resolva o conflito, que apazigue as partes. É um ato de irresponsabilidade julgar pensando que a instância superior vai reformar. Fica todo mundo fugindo da sua obrigação, que é entregar uma prestação jurisdicional justa. Isso é uma molecagem, um mal a ser combatido. O juiz tem que sentir que é importante. Ele decide, tem o poder de contribuir para a formação de uma pauta social. A sociedade se comporta e se pauta conforme as decisões judiciais, e ele tem que ser o primeiro agente disso, a dar exemplo nas suas decisões.

ConJur — O senhor concorda com a criação de filtros de acesso ao STJ?
Noronha — Plenamente. No mundo inteiro, os tribunais superiores têm crivo. Toda corte superior deve apenas julgar questões relevantes, e não se congestionar de processos e ficar se desincumbindo julgamento de causas repetitivas. Aqui devemos dar a última palavra na interpretação da lei federal. Temos que ter tempo para elaborar boas decisões e interpretar, e na medida em que a gente fica julgando, recebendo 1,5 mil, 2 mil processos todo o mês, não temos tempo para decidir com maturidade e com a análise que o jurisdicionado espera. Por isso precisamos de um filtro. O mundo inteiro tem. Não existe tribunal superior em que chegue a quantidade de processos que chega aqui.

ConJur — E esse filtro seria a partir do quê?
Noronha — Primeiro seria um procedimento de arguição de relevância, como tem no Supremo. Há uma PEC no Congresso sobre isso. Depois, por meio da inibição de alguns recursos desnecessários. E terceiro, tornar irrecorríveis decisões que já estão em conformidade com a orientação do STJ.

ConJur — Essa formulação exigiria mais dos juízes das instâncias inferiores, e o senhor mesmo aponta que há falta de preparo na magistratura.
Noronha — Há certa falta de preparo no inicio, mas muitos conseguem se superar em tempo e ser bons juízes. Mas, como o sujeito não foi formado adequadamente, aqueles que não têm vocação e nem tanto preparo técnico vão ser juízes ruins a vida inteira, e a nossa finalidade é não deixar que o juiz ruim entre no quadro da magistratura. Ou seja, é o concurso avaliá-lo em dois anos, e se ver que ele não tem pendor, ele sai.

ConJur — A magistratura costuma apontar que o CNJ tem metas ambiciosas de produtividade. Dá pra conciliar celeridade e qualidade?
Noronha — Não sei, mas essa obsessão por produtividade não pode ser tão grande como se tem visto. Se eu, aqui no tribunal, parar e for julgar só agravo, baixo meu número de processos. Só que os processos difíceis, os que a parte está esperando há muito tempo, vão ficar parados. Eu posso julgar 100 processos mais rápido que um só, mas esse um está aqui há muito mais tempo que os outros. É razoável não julgá-lo? Então, é necessário compatibilizar qualidade com velocidade, com a produtividade, só que tem que lembrar: no gabinete entram processos fáceis e repetitivos e processos difíceis, que têm que ter a mesma assistência que os fáceis. Por isso eu tenho muito receio e muita desconfiança do juiz muito produtivo. Não é um critério fácil de se aferir, precisava olhar cada gabinete para ver o que chega e o que sai qualitativamente.

ConJur — O que o senhor acha da transferência da análise da admissibilidade para as instâncias superiores?
Noronha — É inviável. É uma ingenuidade de quem defende essa tese que nós podemos acabar com a duplicidade do juízo de admissibilidade. É preciso dizer que, dos recursos especiais indeferidos nos tribunais regionais federais e nos tribunais de Justiça, apenas a metade entra com agravo para cá. Então, já segura a metade, quem vê que não tem chance não vem. O ganho de recebermos a metade do que manda cada estado é não ver todos de uma vez só. Também não adianta aumentar o tamanho da corte. Quanto maior um tribunal, mais difícil é a unificação da jurisprudência. A Corte de Cassação da Itália dobrou o número de juízes e não aumentou a produtividade. Então, temos que fazer o quê? Precisamos aprender a nos comportar conforme a interpretação da lei.

ConJur — E a admissibilidade do que é agravado é grande?
Noronha — É baixa. Do que sobe por meio de agravo, julgamos não mais que 10%.

ConJur — Entrando agora nas questões eleitorais, o senhor acha que a Justiça Eleitoral tutela demais a vontade do eleitor?
Noronha — Há realmente um excesso de tutela. A lei eleitoral regula o tamanho da propaganda, o tamanho do outdoor. Isso não era questão de ser regulada pela Justiça Eleitoral, cria uma burocracia, uma intervenção demasiada. Mas, afora isso, o que sobra de regulamento é muito importante para o TSE. A Justiça Eleitoral garante eleições limpas e transparentes, a urna eletrônica é um sucesso. Houve impugnação e não se provou nada. As impugnações dos registros têm tido julgamentos rápidos, veja quantos candidatos fichas-suja foram eliminados do sistema. A Justiça Eleitoral tem conseguido purificar um pouco o sistema eleitoral.

ConJur — A purificação das eleições não é, ou deveria ser, tarefa do eleitor?
Noronha — Não. Uma coisa é o eleitor votar, e a gente nunca despreza a vontade do eleitor. Mas e quando o eleitor é tapeado? Quando se utiliza dinheiro público extorquido para prometer algo que sabe que não vai realizar? Você acha que o eleitor sabia que o dinheiro da Petrobras estava financiando campanha? Se o eleitor soubesse, teria votado naqueles candidatos? É preciso alguém para zelar pela vontade do eleitor.

ConJur — E como é que se faz isso?
Noronha — Eliminando do sistema todos aqueles que burlaram o eleitor. A finalidade da Justiça Eleitoral é exatamente fazer prevalecer o voto popular consciente e combater as fraudes eleitorais. Paralelo a isso, temos a corrupção. As empresas doam para depois ganhar licitações, para renovar contratos, se metem em dívida para doar para a campanha. Isso é um absurdo que tem que ser banido, e está agora a nu no Brasil, o que é muito bom. O país está vendo o que estava atrás dessas obras, desse crescimento exagerado da Petrobras.

ConJur — O fim do financiamento eleitoral por empresas ajuda a combater a corrupção nas eleições?
Noronha — Não. Sou favorável ao financiamento empresarial, mas que se controle para evitar a lavagem. O pior é o caixa dois. Vai permitir financiamento público. Os funcionários públicos podem doar? Olha o PT, que tem um dízimo aí. Você acha o dízimo legal?

ConJur — Como assim?
Noronha — Criam cargos em comissão para aumentar a renda do partido, e o partido que está no poder sempre vai dar emprego para ter renda e aumentar. Por isso eu não acredito que a proibição do financiamento eleitoral vá resolver. O fator da corrupção não é porque tem doação de empresas privadas, é as pessoas corruptas estarem no sistema. Hoje eu duvido que as grandes construtoras vão fazer o que fizeram.

ConJur — Se desse transparência ao processo, talvez fosse mais efetivo, não é?
Noronha — Se você permitir a doação de pessoa jurídica, mas com site aberto, dizendo quem doou, quanto doou e para quem, e o partido disser para quem deu e de onde veio o dinheiro, ajudaria muito. Porque o eleitor saberá que o deputado está votando favorável a essa ou aquela empresa por ter recebido tanto na campanha dele.

ConJur — Existem outras ideias além do afastamento das empresas, como a regulamentação do lobby, ou proibir empresas que doaram para eleições de participar de licitações. Isso resolveria?
João Otávio de Noronha — Não. Porque aí estaríamos pressupondo que toda licitação é marcada e fraudulenta. Temos que corrigir o processo de licitação. Que se faça um processo de licitação sério, que o tribunal de contas fiscalize. Se a licitação for séria, acabou o problema. Não importa que a empresa tenha doado ou não. O Estado interferir na relação não resolve, proibir não adianta. Se a empresa é proibida de participar, bota um testa de ferro, por exemplo.

ConJur — As eleições estão ficando mais judicializados?
Noronha — Muito! Eu nunca vi um índice tão alto de judicialização como o das duas últimas eleições. Isso não é bom, todo mundo que perde quer ganhar no tapetão. Outros vêm [ao tribunal] com razão. A influência do poder econômico e do poder político é altamente questionada, e macula a vontade popular. Se a Dilma tivesse dito, por exemplo, que não teria dinheiro para aumentar — como ela já deveria saber — o Bolsa Família, e não teria dinheiro para o crédito educacional... Se tivesse dito toda a verdade, o eleitor teria votado nela, na mesma quantidade? Eu não acredito. E isso é abuso de poder político.

ConJur — Da experiência que o senhor teve como corregedor eleitoral, o que aponta como a maior dificuldade dos partidos?
Noronha — É a má organização. Muitos têm dificuldades de prestar contas porque são desorganizados. Outra dificuldade é legalizar dinheiro que, como a gente viu, entrou de formas escusas.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2015, 7h52

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Cinco novos temas estão na Pesquisa Pronta desta semana



A Pesquisa Pronta disponibiliza nesta semana, na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cinco novos temas para facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência do tribunal.

O primeiro tema é Oposição de embargos de declaração em razão de erro material, omissão, obscuridade ou contradição na – ou da – ementa.Nele, a jurisprudência traz o entendimento do tribunal no sentido de que, encontrando-se o voto condutor e sua respectiva ementa em desconformidade com a certidão de julgamento, impõe-se o acolhimento de embargos de declaração para que o vício de contradição seja sanado.

Em relação ao segundo tema, Incidência dos princípios da preservação da empresa, da função social e do estímulo à atividade econômica na recuperação judicial, o STJ já decidiu que, apesar de a execução não se suspender em face do deferimento do pedido de recuperação judicial, submetem-se ao crivo do juízo universal os atos de alienação voltados contra o patrimônio social das sociedades empresárias, em homenagem ao princípio da preservação da empresa.

Quanto ao terceiro tema, Configuração do delito descrito no artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro, o STJ tem o entendimento, firmado sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, que o crime tipificado no artigo 310 do CTB é de perigo abstrato, sendo desnecessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.

O quarto tema é Aplicação analógica da Lei 8.112/90 aos servidores públicos estaduais e municipais e mostra que o STJjá se pronunciou pela aplicação analógica da Lei Federal 8.112/90 nas omissões presentes nos estatutos dos servidores estaduais e/ou municipais.

Com relação ao quinto tema– Incidência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CLSS), nos juros de mora da repetição de indébito tributário –, a jurisprudência mostra que o STJ já decidiu que os juros incidentes na repetição do indébito tributário, não obstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, encontram-se dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.

Conheça a Pesquisa Pronta

A Pesquisa Pronta foi criada para facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é on-line e está totalmente integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Como sugere o nome, a página oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam pré-definidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta, na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notóriosfornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar em um assunto de interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com os espelhos de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.

Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...