sábado, 19 de setembro de 2015

Justiça cassa regra da OAB-PE que se antecipa a aposentadorias em tribunais






A Justiça Federal em Pernambuco cassou uma resolução da seccional pernambucana da OAB que dava início às votações para listas sêxtuplas de quinto constitucional antes mesmo de as vagas serem abertas. Para o juiz Edvaldo da Silva Batista Junior, da 10ª Vara Federal Cível de Recife, como o requisito para advogados serem nomeados desembargadores é de 10 anos de experiência, antecipar a inscrição de candidatos prejudicaria interessados nas vagas.

O pedido para cassar a regra foi feito pelo advogado Ricardo Lopes Correia Guedes. Ele reclama da Resolução 2/2015 da OAB de Pernambuco, que altera a Resolução 11/2011 para autorizar o Conselho Seccional da OAB-PE a se reunir para definir listas sêxtuplas antecipadamente.

A Resolução 2/15 autoriza a antecipação, mas apenas no caso de haver uma vaga aberta e outra para abrir dentro dos próximos três meses. A regra ainda permite à OAB a votar listas de tribunais diferentes ao mesmo tempo.

O que motivou a reclamação do advogado foi a abertura de prazo para que candidatos se inscrevam numa vaga que abrirá no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em Pernambuco. A OAB se antecipa à aposentadoria do desembargador Pedro Paulo Nóbrega, que completa 70 anos no dia 31 de outubro deste ano.

Para o advogado, a antecipação da escolha dos candidatos, além de ser um desrespeito ao desembargador, fere a competência exclusiva do Conselho Federal da OAB para regulamentar eleições nas seccionais da autarquia. 

De acordo com o texto da resolução, tudo isso está baseado nos “princípios da racionalidade e economicidade e o elevado custo financeiro dos certames eleitorais”. A norma também considera “a conveniência de se reunir em um único certame o processo de escolhe” às vagas do quinto constitucional da advocacia.

Segundo o juiz federal, no entanto, ao antecipar o momento de exigência de requisitos para a inscrição na vaga, a Resolução do Conselho Regional restringe os objetivos que foram constitucionalmente previstos. “Além de exceder os limites legais, a Resolução, no tocante à antecipação das inscrições, fere frontalmente o princípio da isonomia, criando distinções onde a lei não o fez, inovando no ordenamento jurídico”, disse.

Processo 0806148-22.2015.4.05.8300
Clique aqui para ler a decisão.
Clique aqui para ler a resolução da OAB-PE.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2015, 9h28

Tecelã tenta responsabilizar empresa por aborto e é condenada por litigância de má-fé



A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou uma tecelã prestadora de serviços da Companhia Cacique de Café Solúvel por litigância de má-fé em processo trabalhista. O colegiado não conheceu do recurso de revista da trabalhadora contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que concluiu que a empregada alterou a verdade dos fatos ao tentar responsabilizar a empresa por um aborto que sofreu.

Contratada em 2005, a tecelã foi demitida dois anos depois, sem justa causa, após ser diagnosticada com tendinite. Na época, ela chegou a cumprir período de licença médica e ter recomendações para ser transferida de função, tanto devido à doença quanto por complicações em sua gravidez. Mas, segundo a trabalhadora, a empresa ignorou a gravidade da situação, aumentou sua carga de trabalho – o que teria contribuído para o aborto – e, depois, providenciou a rescisão de seu contrato de trabalho.

Os juízos inferiores reconheceram o direito da trabalhadora a algumas verbas rescisórias e trabalhistas, mas não o nexo causal da doença e do aborto com as atividades desempenhadas na empresa. Por isso negaram a ela a indenização por dano moral, material e por assédio moral. O pagamento de horas extras e adicional noturno também foi negado à tecelã, por inconsistências em seus depoimentos.

Para o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) as versões apresentadas pela tecelã para vários pontos do processo foram conflitantes, o que comprovou a má intenção da trabalhadora em obter vantagem indevida às custas da empresa. Ela alegou, no entanto, ter ficado "sob forte emoção", nervosa e confusa, durante o depoimento, após ser questionada sobre o aborto que sofreu. Mas, com base nas provas juntadas ao processo, o TRT não aceitou a justificativa e condenou a trabalhadora ao pagamento de multa equivalente a 1% do valor total da causa.

Na Primeira Turma do TST, o ministro relator Walmir Oliveira da Costa não conheceu do recurso de revista por violação àSúmula 221 do TST. E, por decisão unânime, ficou mantida a condenação.

(Ailim Braz/CF)

Fonte: TST

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Turma reconhece validade de cartões de ponto sem assinatura de empregado




Com base no voto da desembargadora Camilla Guimarães Pereira Zeidler, a 3ª Turma do TRT de Minas considerou válidos os cartões de ponto apresentados sem a assinatura de um empregado de uma distribuidora, reformando a sentença que havia presumido verdadeira a jornada alegada na reclamação trabalhista. Com isso, as horas extras deferidas deverão ser apuradas pelos espelhos de ponto apresentados aos autos.

Na sentença, o juiz de 1º Grau havia entendido que os cartões de ponto não se prestavam a provar a jornada cumprida. Como fundamento, apontou que os documentos não abrangiam todo o contrato de trabalho, mostravam marcação invariável e muitos não continham assinatura do reclamante. Esse contexto levou o magistrado a acatar por verdadeira a jornada indicada na inicial, com amparo na Súmula 338 do TST, condenando a reclamada ao pagamento das horas extras.

No entanto, ao examinar o recurso apresentado pela reclamada, a Turma de julgadores teve entendimento diverso. É que, conforme observou a relatora no voto, o parágrafo 2° do artigo 74 da CLT não prevê a assinatura do empregado no espelho do registro de ponto eletrônico como condição de sua validade. Nesse sentido, foi citada ementa de decisão do TST, entendendo que a ausência de assinatura do empregado no cartão de ponto, por si só, não o invalida. Segundo a decisão, cabe ao empregado provar que a jornada registrada não é verdadeira, uma vez que o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT apenas exige, para os estabelecimentos com mais de dez empregados, que seja feita a anotação da jornada em registro manual, mecânico ou eletrônico.

Além disso, a magistrada constatou que os cartões de ponto não registram horários uniformes. Assim, em princípio, são válidos como meio de prova. Ela destacou que a folha de ponto apontada pelo juiz sentenciante como exemplo de marcação britânica, na verdade, não contém nenhum registro, ressalvado o período de férias. E considerou em sua análise o que foi declarado por testemunha quanto à jornada cumprida.

Nesse cenário, os julgadores deram provimento ao recurso da distribuidora para, reformando em parte a sentença, determinar que as horas extras deferidas sejam apuradas pelos espelhos de ponto juntados ao processo, deduzindo-se as efetivamente pagas.( 0000607-13.2014.5.03.0099 ED )
Fonte: TRT3

Planos de saúde coletivos devem se submeter às regras sobre abusos do CDC






As operadoras de planos de saúde conseguiram aquilo que as instituições financeiras tentaram sem sucesso, que foi afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos seus contratos. Por incrível que possa parecer, decorre do disposto no art. 35-G da Lei 9.656/98 a aplicação subsidiária do Código apenas àqueles contratos estabelecidos “entre usuários e operadores de produtos”.

Como é notório, a imensa maioria das operadoras de planos de saúde só oferece no mercado planos de saúde coletivos, intermediados por entidades de classe, empresas empregadoras e por administradoras de benefícios. Essa intermediação descarta, segundo a lei, a aplicação mesmo subsidiária do Código de Defesa do Consumidor aos contratos coletivos de planos de saúde.

As operadoras aperceberam-se das brechas legais e da falta de proteção dos contratantes nos planos coletivos e passaram a não firmar mais contratos individuais ou familiares. Segundo números oficiais da ANS, os consumidores de planos coletivos empresariais cresceram de 6,1 milhões, em março de 2000, para 33,8 milhões, em março de 2015. Em contrapartida, os consumidores dos planos individuais ou familiares cresceram apenas de 4,7 milhões para 10 milhões no mesmo período, praticamente o mesmo crescimento experimentado no número de consumidores dos planos coletivos por adesão, de 3,0 milhões em março de 2000, para 6,7 milhões em março de 2015.

A tendência de crescimento dos planos coletivos empresariais superou o dobro do crescimento do número de contratantes de planos privados de assistência à saúde, no mesmo período. Muitos contratantes de planos individuais e familiares, sob a enganosa alegação de preços mais baratos, acabaram alterando seus contratos para coletivos. Contratos tipicamente familiares, que abarcam três a quatro vidas de uma mesma família, estão sendo disfarçados como coletivos empresariais.

De acordo com os números da ANS, em 2014 mais de quarenta milhões de usuários eram contratantes de planos coletivos enquanto que apenas dez milhões eram contratantes de planos individuais ou familiares. A proporção já era de um usuário de plano individual para quatro usuários de planos coletivos, com tendência de diminuição do primeiro grupo e de crescimento do segundo grupo.

A inoperância da ANS e as brechas propositalmente inseridas na lei pelos planos de saúde já deixam desprotegidos mais de quarenta milhões de consumidores brasileiros, que podem ter seus contratos rescindidos unilateralmente, sofrer reajustes abusivos porque não limitados pela ANS e diminuições da rede credenciada, a partir de simples negociação com a pessoa jurídica que intermediou os contratos coletivos firmados pelos consumidores.

O parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/98 veda a recontagem de carências, a suspensão e a rescisão unilateral dos contratos de planos de saúde individuais ou familiares, deixando sujeitos a essas arbitrariedades por parte das operadoras de planos de saúde os contratantes dos planos coletivos.

O parágrafo único do artigo 16 da Lei 9.656/98 assegura a obtenção de cópia do contrato, do regulamento e das condições gerais apenas aos contratantes de planos individuais ou familiares. Vale dizer, os contratantes de planos de saúde coletivos não têm assegurado o direito básico à informação consagrado pelo artigo 6º, III do Código do Consumidor.

O artigo 35-E da Lei 9.656/98, no seu inciso III, veda a suspensão ou rescisão unilateral apenas dos contratos individuais ou familiares, sendo que o parágrafo 2º desse artigo sujeita à prévia aprovação da ANS apenas os reajustes dos planos individuais e familiares.

A falta de proteção dos contratantes de planos coletivos vem levando a inúmeras práticas abusivas, que acabam tendo que ser corrigidas no Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça já identificou a litigiosidade envolvendo planos de saúde como um problema, a ponto do TJ-SP criar uma câmara temática visando reduzir o número desses conflitos. A despeito da judicialização já ser insuportável, está sendo cogitada a liberação dos reajustes também dos planos de saúde individuais. Se isso acontecer, a exemplo do que já ocorre com os planos coletivos, muitos consumidores serão expulsos indiretamente pela impossibilidade do pagamento das mensalidades ou passarão a contratar planos mais baratos, com menor cobertura.

A diminuição do número de usuários de planos de saúde repercute diretamente nas políticas de saúde pública, porque quem não tem acesso à saúde privada acaba sendo atendido pelo SUS. Assim como uma quebradeira dos planos de saúde pode inviabilizar a saúde pública, reajustes abusivos também podem inchar o já combalido sistema público de saúde.

Não é demais lembrar que saúde é um dos pressupostos da dignidade da pessoa humana, eleita como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil pelo artigo 1º da Constituição Federal. Sem tratamento de saúde adequado não existe vida digna. Muitos, infelizmente, não têm acesso a tratamentos de saúde adequados e quem tem, em um futuro próximo, deixará de ter, em virtude de discriminações ilícitas entre usuários de planos de saúde individuais e coletivos criadas pela própria Lei 9.656/98.

Consumidor, nos termos do artigo 2º, “caput” da Lei 8.078/90 é quem adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Nesse sentido os contratantes de planos coletivos também ostentam claramente a condição de consumidores, porque utilizam diretamente os serviços prestados pelas operadoras. A relação é indireta apenas na forma de contratação e de pagamento, sendo direta em relação à utilização. Negar a condição de consumidores dos usuários de planos coletivos, portanto, é uma falácia que apenas aproveita aos contratantes mais fortes dessa relação, que são as operadoras de planos de saúde.

Ademais disso, nada justifica sob o prisma constitucional a distinção de tratamento operada pela Lei 9.656/98 entre contratos de planos de saúde individuais e coletivos. O serviço se não é o mesmo é muito semelhante e a condição jurídica dos usuários é rigorosamente a mesma. Sem falar que o artigo 5º, XXXII da Constituição Federal coloca a defesa do consumidor como um direito fundamental, protegido por cláusula pétrea inclusive.

Qualquer lei que restrinja direitos de consumidores típicos é inconstitucional e assim deve ser reconhecida. Não há porquê diminuir os direitos dos contratantes dos planos coletivos em relação aos direitos dos contratantes dos planos individuais. A vulnerabilidade e a necessidade dos serviços é a mesma. Reajustes de planos coletivos sempre são “negociados” com as pessoas jurídicas que representam os consumidores sob a ameaça de rescisão unilateral dos contratos. Rescindido o contrato com a pessoa jurídica milhares e milhares de consumidores ficarão sem acesso à saúde privada, tendo que contratar novos planos de saúde, com recontagem de carências.

Está mais do que na hora dos operadores do direito refletirem sobre a questão dos planos coletivos no Brasil e passarem a enfrentar as práticas abusivas nos contratos coletivos de planos de saúde à luz do Código de Defesa do Consumidor, impedindo reajustes exagerados, rescisões unilaterais de contratos que deixam na rua consumidores doentes e diminuições das coberturas contratuais, que configuram também forma de aumento indireto dos planos de saúde, porque paga-se o mesmo por um serviço de qualidade bastante inferior. Não temos dúvida de que essas distinções operadas pela Lei 9.656/98 são inconstitucionais e assim devem ser reconhecidas, em sede de ADI no controle concentrado de constitucionalidade, ou incidentalmente nos processos no controle difuso de constitucionalidade.


Arthur Rollo é doutor pela PUC-SP e advogado.


Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2015, 7h30

Para desembargador, paternalismo não pode orientar ações de consumo





Para Werson Rego, especialista tem mais condições de tomar decisões impopulares
TJ-RJ

As câmaras especializadas em direito do consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro completaram dois anos de funcionamento no último dia 2 de setembro. Mas além da comemoração, a data foi também um convite à reflexão. O desembargador Werson Rego, que atua na 25ª Câmara Especializada, verifica uma tendência cada vez maior de decisões que afirmam direitos a consumidores mesmo quando há regra em sentido contrário. Na avaliação dele, isso indica uma tendência ao paternalismo exacerbado. 

Segundo o desembargador, das 27 câmaras cíveis existentes no TJ-RJ, apenas cinco são especializadas. Essas unidades chegam a receber 45% de todos os recursos que chegam ao tribunal e o volume de processos impressiona seus integrantes. Para driblar isso, a administração estipulou que todo desembargador recém-promovido tem que passar pelo juízo especializado. Assim, em muitos casos, as vagas são ocupadas por quem nunca teve contato com a matéria consumerista. 

“Um efeito disso é que, por não haver essa especialização, em um primeiro momento, pode-se achar que, por se tratar de câmara especializada em direito do consumidor, há que se proteger o consumidor indistintamente. E com isso corre-se o risco de transformar as câmaras especializadas em direito do consumidor em câmaras de proteção do consumidor”, acrescenta.

A fim de mudar esse cenário, entidades como a Harvard Law School Association of Brazil e Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, em parceria com o tribunal, desenvolvem um projeto acadêmico-científico que prevê ações múltiplas, sendo a principal delas a formação dos integrantes dessas câmaras e dos servidores que os apoiam. Segundo Rego, que coordena a iniciativa, a finalidade é entender o alcance das decisões proferidas.

“O objetivo é estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico”, explica.

Um dos pontos altos do projeto ocorrerá no dia 9 de novembro, no TJ-RJ, com a promoção do evento Protagonismo Judicial, Segurança Jurídica e Paternalismo Pretoriano: Desafios em Tempos de Incerteza. “A ideia é mostrar que o ativismo [judicial] é importante, mas também que é preciso entendermos os limites desse protagonismo. O julgador tem que respeitar as atribuições constitucionais dos outros poderes”, afirma.

Leia a íntegra da entrevista.

ConJur — Qual é o objetivo do projeto ?
Werson Rego — Estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico. O julgador tem que saber como o mercado interpreta uma decisão judicial. Se julgarmos contra a regra, aumentamos os riscos nos mercados, que vão se proteger. E como? Embutindo o risco nos preços dos serviços e produtos. No final, quem pagará a fatura é o consumidor. Quando se pensa estar protegendo um consumidor ao dar a ele uma proteção jurídica sem um efetivo direito, esta conta será dividida com todos os consumidores daquele mercado. Então, surge a pergunta: será que os outros consumidores, sabendo disso, vão querer pagar esta conta ou vão preferir que o juiz seja rigoroso na análise de quem tem ou não razão?

ConJur — Como será possível fazer isso?
Werson Rego — Trabalhando em diversas frentes: a especialização do julgador, a qualificação da sua assessoria, a orientação adequada aos agentes econômicos e a formação de base teórica a dar suporte a todas essas ações, entre outras. A ideia é mostrar que a judicialização é um fenômeno social crescente e que o protagonismo judicial é importante. No entanto, o ativismo judicial deve respeitar certos limites. As câmaras do consumidor têm que atuar com o foco na segurança jurídica. É preciso levar paz, harmonia e equilíbrio para os mercados de consumo. E isso se faz dando razão a quem tem, reconhecendo direitos a quem tem, sem se preocupar muito se trata-se do fornecedor ou consumidor. Deve-se deixar de lado as rotulações a fim de evitar-se preconceitos que podem levar à adoção de uma postura de paternalismo exagerado. O consumidor tem que ser protegido, por ser vulnerável, mas não pode ser tratado como incapaz. 

ConJur — Mas essa postura dos juízes não é exigido pelo próprio CDC, que é uma legislação mais protecionista?
Werson Rego — Não existe problema em termos uma legislação paternalista. O problema está no excesso. O Código de Defesa de Consumidor é um exemplo de paternalismo jurídico, mas o vocábulo paternalismo tem que ser desmitificado. Não posso encarar o vocábulo como algo ruim. Paternalismo jurídico significa proteção jurídica do vulnerável. E é normal que existam leis que protejam o vulnerável. O CDC cumpre também essa finalidade. Neste sentido, temos um paternalismo jurídico positivo, por assimetria de informações, que visa a tutela do vulnerável. Ou seja, em que o Estado pode intervir para assegurar ao indivíduo a tomada da decisão mais adequada.

ConJur — De que maneira o consumidor é tratado como incapaz?
Werson Rego — Retirando dele a responsabilidade pelos atos que pratica. O consumidor que, devidamente informado e esclarecido, que teve o prazo de reflexão, fez a sua escolha e errou, deve assumir a responsabilidade. Se tudo o que se exigia do fornecedor foi satisfeito, não se pode retirar do consumidor a responsabilidade pelo ato de decidir. Não podemos apenas dizer “ele fez um mal negócio, vamos rescindir o contrato e devolver a ele tudo o que pagou”. Deve-se respeitar as escolhas que ele fez livremente. 

ConJur — Há muitas decisões nesse sentido?
Werson Rego — Sim. No entanto, devemos trabalhar para corrigir isso. Do contrário, incidiremos no que a doutrina refere como paternalismo pretoriano.

ConJur — Por que os juízes julgam assim?
Werson Rego — Pela conjugação de alguns fatores. O primeiro por um sentimento humano: há uma tendência do ser humano em tutelar e proteger o mais fraco, solidarizando-se com o mesmo. Segundo, como se tratam de mercados complexos e dinâmicos, com normatizações específicas, se o julgador não tiver uma formação acadêmica ampla e, ao mesmo tempo, conhecimento das particularidades desses mercados, a qualidade da decisão pode ficar comprometida. Há também a ausência de visão a longo prazo. Muitas vezes se foca apenas no processo específico, na situação pontual que foi levada ao julgamento, sem se preocupar com o impacto e a repercussão da decisão a médio e longo prazos nos mercados nos quais a discussão se estabeleceu. 

ConJur — Diante desse cenário, as decisões proferidas em direito de consumidor realmente cumprem a função pedagógica?
Werson Rego — Um dos objetivos desse esforço é conferir caráter pedagógico aos julgados das câmaras especializadas, que têm a missão não apenas de decidir os conflitos de interesse, mas também de orientar os mercados e pautar os agentes econômicos ao definir, com objetividade e clareza, o que é certo e o que é errado. Hoje não se tem a dimensão dessa função pedagógica; os julgados ainda são muito divergentes. As vezes há posições sobre uma mesma matéria conflitantes dentro da própria câmara. A segurança para decidir contramajoritariamente só o especialista tem. E para fazer isso, tem que ter o domínio da matéria e analisar o caso com muita profundidade para que se possa tomar uma decisão que contrarie o senso comum.

ConJur — Com as câmaras dos consumidores, uma nova demanda eclodiu no Órgão Especial, que são os conflitos de competência para avaliar se determinada matéria deve ser julgada pelas câmaras cíveis ou especializadas em direito do consumidor. Como o senhor avalia isso?
Werson Rego — É natural, primeiro pela novidade. Somos o único tribunal a ter câmaras especializadas em direito do consumidor. Ainda existe muitas incertezas. Temos uma especialização regimental, mas até chegar a uma especialização efetiva de julgamentos, ainda há um percurso. Daqui a um tempo, quando as câmaras já estiverem melhor estruturadas e houver certa uniformidade de entendimento em relação a questões que têm que ser julgadas, isso vai diminuir substancialmente. Para avançar precisamos estruturar melhor essas câmaras. O ideal também seria aumentar o número de câmaras do consumidor, até pela questão de volume de trabalho. Cinco câmaras respondem por 45% dos processos cíveis do TJ. E as outras 22 dividem os 55% que sobraram. Então, há muito o que fazer. 

*Texto atualizado às 14h35 desta segunda-feira (14/9). 



Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.



Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2015, 8h37

‘‘Empurrar’’ assinatura de jornal de forma ardilosa causa dano moral, decide TJ-RS








Cobrar por uma assinatura que o consumidor não fez, utilizando-se de suas informações bancárias de forma engenhosa, para enganá-lo, é conduta ilícita que configura o dever de indenizar. O entendimento levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a negar apelação do jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, condenado a reparar moralmente uma consumidora, ludibriada ao ‘‘aceitar’’ a promoção de assinantes ‘‘para experimentar’’. Após o fim da experiência, sem ser consultada, ela continuou recebendo o diário — com valor debitado em sua conta.

No primeiro grau, a juíza Romani Dalcin, da 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves, se convenceu que a parte autora não solicitou qualquer serviço. A conduta se revelou abusiva conforme o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe o envio de qualquer produto ao consumidor sem sua autorização.

Além disso, discorreu na sentença, o jornal não tem o direito de implementar contrato de prestação de serviços, inclusive com débito de valores em conta, após o fim do prazo de promoção. A seu ver, atribuir ao consumidor a responsabilidade pelo cancelamento de serviço — em caso de desinteresse pelo jornal — demonstra manobra ardilosa e abusiva, contrária a boa-fé negocial. Nesse ponto, a julgadora citou o artigo 37 do CDC que, em seu parágrafo 1º, deixa claro que é enganosa qualquer modalidade de informação capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Na percepção da juíza, embora a autora tenha autorizado o recebimento gratuito de exemplares por determinado período, acabou ludibriada em relação à conclusão da promoção. ‘‘Aqui, houve o incitamento da autora para que fornecesse seus dados bancários somente para fins de cobrança do custo do envio, restando ainda salientado pela atendente que não havia outra forma de pagamento, como boleto ou cartão. Ou seja, a ré utilizou o artifício de cobrança do custo de transporte dos exemplares durante a promoção no intuito de colhimento de dados de conta bancária da autora, que futuramente serviram para a efetivação de débito automático das mensalidades do jornal’’, elucidou.

Na corte, o desembargador-relator Marcelo Cezar Müller também viu má-fé, pois o réu ofereceu um produto e cobrou por outro não solicitado, aproveitando-se do fato de ter, em seu poder, os dados bancários da autora. Ele manteve a restituição dos valores pagos a mais e confirmou o quantumindenizatório por danos morais — fixado em R$ 2 mil. O acórdão foi lavrado, com entendimento unânime, na sessão do dia 30 de julho.

Ação indenizatória
Em 24 de julho de 2012, a autora foi contatada por telefone pelo setor de vendas de assinaturas do jornal Pioneiro, que circula em Caxias do Sul e nos demais municípios da Serra gaúcha. Foi-lhe oferecida uma promoção para recebimento dos exemplares de forma gratuita, durante o período de dois meses, para ‘‘experiência’’.

Durante o diálogo que manteve com a atendente, ela deixou claro que não tinha interesse na assinatura do jornal, principalmente pelo fato de não tratar de matérias e notícias relacionadas à região de sua residência, pois reside em Bento Gonçalves. Na mesma ligação, questionou expressamente a atendente sobre o período posterior à remessa de exemplares gratuitos.

A resposta, segundo áudio anexado aos autos, é a seguinte: "A gente vai entregar para a senhora por 37 dias, de segunda a sábado (…) Caso a senhora queira entrar em contato para autorizar a gente ancontinuar mandado o jornal, a gente continua. Caso a senhora não autorize, a gente não pode mandar nada, por que a senhora está constando conosco uma experiência. Não é fechado o contrato com a senhora, por isso que o valor é diferente". A atendente se comprometeu a contatá-la após os 37 dias, para saber de seu interesse, mas não o fez.

Findo o prazo, mesmo sem autorização, ela continuou a receber diariamente o jornal em sua residência. Percebeu que, mensalmente, era debitado na sua conta o valor de R$ 41,90 sob a rubrica “débito automático Pioneiro”. Resolveu, então, contatar o jornal, a fim de suspender a cobrança — o que conseguiu, depois de muito insistir. Não recebeu, entretanto, os valores cobrados indevidamente.

Em face do ocorrido, a autora ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com Indenização por Danos Morais e Materiais contra a empresa jornalística, protocolada na 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves.

A empresa apresentou contestação. Argumentou que a autora aceitou os termos da proposta, feita por telefone, ou seja, teria concordado em receber o diário pelo período de 37 dias, pagando o valor de R$ 0,97 o exemplar. Sustentou que o diálogo registrado no sistema de telemarketing revela autorização da consumidora, incluindo os dados bancários, para débito automático.

No diálogo, segundo a defesa da empresa, foi salientado que a regra da promoção obrigava a autora a entrar em contato com o jornal após o período de 37 dias. Assim, se não houvesse o cancelamento do jornal, o valor normal do custo do exemplar passaria a ser debitado em conta, mantendo-se o contrato por tempo indeterminado. Como procedeu ao pedido de cancelamento quando contatada pela consumidora, não se poderia falar em abusividade de conduta a dar margem a reparações.

Clique aqui para ler o acórdão.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.



Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2015, 11h16

Relação entre investidor e bolsa de valores é regida por lei especial, não pelo CDC




As relações donos de ações e bolsas de valores são especiais e não podem ser reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. De acordo com decisão da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, são a Lei 6.385/1976 e as instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do setor, que tratam das relações entre investidores e bolsas.

Por isso, o tribunal deu provimento recurso da BM&F Bovespa contra decisão que a condenou a indenizar um grupo de investidores por perdas em investimentos.

O relator do Agravo de Instrumento, desembargador Paulo Sérgio Scarparo, escreveu no acórdão que o CDC, pelo seu caráter paternalista, tende a equilibrar as relações de consumo diante da enorme disparidade entre fornecedor e consumidor. Este último, como a parte vulnerável, não detém o conhecimento técnico-científico da outra.

Entretanto, advertiu o desembargador, no caso das relações comuns nas bolsas de valores, não há vulnerabilidade. Segundo Scarparo, citando a doutrina do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, o CDC se presta a proteger a parte mais fraca contra formas assimétricas de mercado. Sem assimetria, não cabe a sua aplicação.

"Por mais que haja a prestação de um serviço, no caso, não pode o investidor ser qualificado como destinatário final do bem econômico transacionado, tampouco ser identificado como vulnerável, hipossuficiente na relação, face ao inequívoco conhecimento dos riscos inerentes a ele. Não bastasse isso, não restou demonstrada pela parte autora a caracterização de hipossuficiência a justificar a incidência do diploma consumerista", justificou. O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de agosto.

Clique aqui para ler o acórdão.


Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.



Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2015, 12h23

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...