quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Decisão discute direitos autorais de cantor religioso e vínculo empregatício com Igreja evangélica


Cantor de igreja evangélica consegue reconhecimento de vínculo empregatício e indenização por violação de direitos autorais em CDs produzidos e vendidos pela instituição religiosa 

Raramente se discutem na Justiça do Trabalho questões ligadas à violação de direitos autorais, já que, em geral, elas são analisadas sob o ponto de vista do direito civil ou penal. Mas, quando a violação de direitos autorais surge no contexto de uma relação de trabalho ou de emprego, a JT tem competência para apreciar e julgar a matéria.

Na 10ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Marcelo Furtado Vidal julgou um desses raros casos, em que um cantor religioso pediu o reconhecimento de vínculo de emprego com uma igreja evangélica. Além disso, o cantor relatou que recebeu a quantia de 10 mil reais pela gravação de 30 mil cópias de CD's de sua autoria, cujo sucesso ensejou diversas outras tiragens. Mas, de acordo com o reclamante, a igreja, a gravadora e as empresas de reprodução e distribuição de produtos fonográficos religiosos, também reclamadas no processo, se recusaram a lhe pagar os valores devidos sobre a venda de CD's dessas tiragens extras.

Analisando os fatos e as provas, o julgador identificou a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego. E descobriu ainda que foi imposto ao cantor religioso a assinatura de um contrato de cessão e transferência de direitos autorais. Por isso, ele decidiu declarar o vínculo empregatício entre as partes, condenando a igreja evangélica ao pagamento das parcelas típicas da relação de emprego. Foram deferidas também as indenizações por danos materiais e morais decorrentes da violação dos direitos autorais do cantor, a serem pagas pelas reclamadas, de forma solidária.
Relação de emprego X serviços voluntários decorrentes da devoção religiosa 


Ao pedir o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, o reclamante alegou que se apresentava como cantor em shows musicais nas igrejas da ré por todo o Brasil, em cronograma definido pela empregadora, sendo indispensável a autorização patronal para as apresentações. De acordo com os relatos do cantor, eram pagas a ele todas as despesas e custos com hotéis, viagens, vestuário e instrumentos musicais, já que os réus se beneficiavam da mão de obra ao receberem quase toda a parte dos dividendos das doações dos fiéis. Segundo o cantor, a remuneração consistia em pagamento antecipado de R$ 10.000,00 pela autorização de gravação inicial de 30 mil cópias de CD's, recebendo também doações das igrejas, em média, de R$ 2.500,00 por mês. Ele disse ainda que havia uma espécie de punição conhecida como "disciplina", pela qual quem descumprisse regras impostas pela instituição religiosa ficaria impedido de realizar outros shows no período.

A ação foi ajuizada em face da igreja evangélica, da gravadora que produziu o CD do cantor, do missionário fundador da igreja, que também era o proprietário da gravadora, e das empresas que replicaram o CD. O pedido de reconhecimento de vínculo empregatício foi formulado em relação aos três primeiros réus. Negando a existência de relação de emprego, eles alegaram que a atividade desenvolvida pelo cantor era de cunho estritamente religioso, caso típico de prestação de serviços voluntários por fiel da Igreja, como forma de demonstração da própria fé e do amor ao próximo.

Enfatizaram os réus que a oportunidade para participar nos cultos como cantor só veio em um segundo momento, alguns meses após a formalização do contrato de cessão de direitos autorais, e que a atividade era voluntária, sem qualquer expectativa de retribuição financeira. Reiteraram que o cantor, na qualidade de membro da instituição religiosa, contribuiu para o trabalho pastoral da Igreja, evangelizando através da música e dedicando-se ao cumprimento do objetivo principal da Igreja, que era anunciar a Palavra de Deus. Salientaram os réus que, embora possa ter havido algum tipo de pagamento, em valores ou em utilidades, isso não era salário, mas simples retribuição para subsistência, o que afastaria a onerosidade necessária à configuração do vínculo de emprego. Disseram ainda que também a subordinação não foi comprovada, tendo em vista que a prova testemunhal demonstrou que não havia fiscalização ou controle das atividades do cantor e porque o procedimento chamado "disciplina" não era forma de punição.

Entretanto, ao analisar o conjunto de provas, o juiz sentenciante verificou que as testemunhas ouvidas a rogo dos réus poucas vezes tiveram contato com o autor, algumas delas em apenas uma única ocasião. Por essa razão, não poderiam elucidar, de forma detalhada, como se dava a prestação dos serviços do autor aos réus. Por outro lado, as testemunhas indicadas pelo reclamante conviveram com ele diretamente dentro da igreja evangélica, presenciando as condições vivenciadas por ele. Dentre essas testemunhas, o julgador destacou o depoimento do repórter da igreja, que relatou ter anunciado várias vezes os locais em que o reclamante iria cantar. Disse que ele cantava em cultos quase a semana inteira, em várias cidades e que, muitas vezes, recebia do pastor. Informou ainda que havia horário determinado para comparecer aos cultos e que isso acontecia às 07h, às 14h e às 17h. Em caso de falta, o cantor levava advertência. O repórter confirmou que o reclamante não podia mandar outro cantor em seu lugar. Quanto à punição, disse que, quando o membro da igreja está sob "disciplina", ele fica impedido de fazer qualquer trabalho, sendo variável a duração dessa restrição. Nessa circunstância, a pessoa "disciplinada" não pode mais participar de qualquer atividade da igreja.

Nesse contexto, o magistrado acolheu como verdadeiras as informações prestadas pelas testemunhas ouvidas a pedido do autor, entendendo evidenciados todos os elementos caracterizadores do vínculo de emprego.

Para o juiz sentenciante, ficou claro que o autor, como cantor religioso, não prestava serviços somente de cunho espiritual em benefício da comunidade religiosa, mas, sim, em proveito da pessoa jurídica da Igreja, para a qual empregava seus dons artísticos para a evangelização dos fiéis, mas com caráter oneroso, já que essa auferia lucros, em cifras consideráveis, com a venda dos CD's por ele gravados. "Importante ressaltar que restou devidamente comprovado que o reclamante prestou serviços de forma pessoal (não podia fazer substituir-se por outrem), subordinada (havia determinação das igrejas de que deveria comparecer nos cultos e, inclusive, punições na forma de disciplinamento com a determinação de afastamento do labor, em espécie de aplicação de penalidade de suspensão), não eventual (cantava por vários dias durante a semana), e mediante o recebimento de remuneração (houve o pagamento não somente pelos CD's gravados, mas também pelas apresentações em cultos e shows)", completou.

Conforme acentuou o julgador, é possível existir um contrato de trabalho entre o cantor religioso e sua Igreja, porque esta última constitui pessoa jurídica de direito privado, pela regra do inciso IV artigo 44 do Código Civil e, nessa condição, pode celebrar contratos de trabalho ou ser considerada empregadora. O magistrado reiterou que o cantor religioso pode, independentemente de sua devoção religiosa, estabelecer com a Igreja um contrato de trabalho para a prestação de serviços, os quais, mesmo compatíveis com os deveres de fé e devoção, com eles não podem ser confundidos.

Portanto, de acordo com as ponderações do julgador, o interesse espiritual do reclamante não afasta, por si só, o vínculo de emprego, pois a fé e o trabalho não se excluem. Ao contrário, é razoável crer que um empregado encontre sua realização pessoal e profissional simultaneamente.

"De tudo, o que se pode concluir é que a submissão do autor às determinações da Igreja não decorria pura e simplesmente de sua fé, mas sim em razão da subordinação jurídica existente no liame contratual. A ideia, por certo, é a de que, ao assumir a função de cantor, assumiu, por consectário, o compromisso de propagar e respeitar a doutrina da igreja, o que, todavia, não implica a não existência de subordinação, pois, além de propagar a fé, deveria cumprir e observar todas as ordens emanadas da Igreja", finalizou o juiz sentenciante, reconhecendo o vínculo empregatício entre as partes.
Direitos autorais no contrato de trabalho 


O principal argumento dos réus foi o de que o cantor cedeu de forma livre e espontânea os direitos decorrentes das composições de sua autoria e que sobre o contrato firmado entre as partes não recai nenhum tipo de vício de consentimento. Alegaram que a cessão de direito constitui ato jurídico perfeito, nos termos do artigo 49 da Lei 9.610/98, e que não há prova de que o autor foi obrigado a ceder seus direitos autorais. Assim, argumentaram, não tendo havido coação na cessão dos direitos autorais, não se pode falar em existência de prejuízos materiais e morais.

Inicialmente, o juiz salientou que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar a matéria, tendo em vista que a pretensão de receber indenizações por danos materiais e morais decorre ao menos de relação de trabalho, já que o contrato de cessão e transferência de direitos autorais foi formalizado antes da admissão do autor como empregado, o que se enquadra na expressa previsão contida no artigo 114, inciso I, da Constituição Federal.

O magistrado iniciou a sua fundamentação com os seguintes questionamentos:"Seria justo que alguém lucrasse pelo trabalho, a inspiração e a arte de outro sem que o autor da obra participasse dos lucros? Certamente que não. Cada emissora de rádio, show ou outro tipo de empreendimento com fins lucrativos deve prestar a devida parcela do seu lucro a quem ajudou a produzir essa arte. Por outro lado, a Igreja é um empreendimento com fins lucrativos? Não, segundo a definição do próprio Estado brasileiro".

Continuando a sua reflexão sobre a matéria, o julgador observou que, no caso, não se trata de simples participação do cantor em cultos religiosos que não gerariam lucros. Na audiência, a ré confessou, através de seu preposto, que os CD's gravados pelo autor eram vendidos na sua livraria, no valor unitário de R$ 15,00 a primeira tiragem, com 30 mil CD's, e mais duas tiragens de 3 mil cada.

Ao examinar a prova documental, o magistrado considerou que os documentos juntados ao processo, que demonstram a cessão e transferência de direitos autorais às rés para duplicação, replicação e tiragem de CDs gravados pelo autor, são nulos de pleno direito porque constituem verdadeira renúncia aos direitos materiais sobre a obra que criou. Entretanto, ele ressaltou que a ilegalidade do ato não consiste simplesmente na assinatura de um contrato de cessão e transferência de direitos autorais, até porque tal possibilidade é prevista na legislação que regula a matéria (Lei 9.610/1998, em seu artigo 49), mas, sim, na comprovação de que os cantores da Igreja reclamada o são obrigados a fazê-lo. Foi isso que o julgador descobriu ao analisar o depoimento de uma testemunha. Segundo as declarações dessa testemunha, que também atuou como cantor na igreja, era necessário assinar um termo de renúncia de direitos autorais, pois essa era a condição imposta pela igreja para continuar cantando.

"Ora, o direito patrimonial garante aos autores usufruírem da utilização de suas obras, notadamente em casos como o presente em que eivados de ilegalidade os atos para sua suposta cessão e transferência", concluiu o juiz sentenciante ao julgar procedente o pedido de indenização a título de danos materiais, em face das vendas de CD`s gravados pelo cantor. Com base na aplicação de vários critérios de cálculo, referentes a quantias, números, lucro e despesas, os valores foram fixados em 200 mil reais, para a indenização por danos materiais, e em 15 mil reais, para a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos autorais do cantor.

O juiz havia deferido, ainda, uma indenização por danos morais, no valor de 10 mil reais, decorrente da exposição do reclamante em meios de comunicação da igreja. Mas, a 8ª Turma do TRT-MG decidiu excluir esse valor da condenação, por entender que não houve prova consistente desse fato. Por maioria de votos, a Turma julgadora decidiu também aumentar o valor da indenização por danos materiais, de 200 mil para 360 mil reais. Foi mantida a condenação solidária da gravadora, uma vez que ficou caracterizada a formação de grupo econômico.

(Processo nº 01062-2012-010-03-00-1-RO) 





Fonte: TRT 3° Região.

Gerente de banco sequestrada e exposta a situação de extremo risco será indenizada



Uma gerente geral de agência e seus filhos foram sequestrados ao retornarem para casa, sendo mantidos em cárcere privado. A trabalhadora ficou por mais de dez horas em poder dos criminosos, que a obrigaram a ir, na manhã seguinte, até a agência bancária e abri-la para que fosse realizado o assalto, em troca da libertação dos filhos da gerente. A ameaça sofrida à própria vida e a de seus filhos causou intenso abalo psicológico à trabalhadora, levando-a a se afastar do trabalho por cerca de 40 dias. A filha da gerente também submeteu-se a sessões de psicoterapia, em decorrência do trauma sofrido.

Esses os fatos averiguados pela juíza convocada Sabrina de Faria Fróes Leão, em sua atuação na 7ª Turma do TRT de Minas, ao negar provimento ao recurso do banco, que pretendia ser absolvido da condenação de pagar indenização por danos morais à bancária. A julgadora não teve dúvidas de que a lamentável situação vivenciada pela trabalhadora decorreu da atividade desenvolvida em prol do banco, atividade essa que a expôs a situação de extremo risco de assaltos, já que detinha cargo de elevada notoriedade e guardava a chave da agência bancária. E, conforme ficou comprovado, nenhuma medida de segurança era adotada, o que deixava a trabalhadora em situação de extrema vulnerabilidade.

A magistrada considerou que o risco se acentuou ainda mais pela ausência de preparação da gerente para o exercício dessa atividade de risco e da conduta omissiva patronal em adotar as medidas de segurança que, embora não garantissem a total incolumidade física da trabalhadora, poderiam evitar o abalo emocional oriundo do estresse próprio da incumbência. E, nesse aspecto, a juíza entendeu que o banco agiu culposamente na medida em que adotou conduta negligente quanto ao procedimento de abertura da agência que, na sua percepção, de forma alguma poderia ser deixado a cargo da empregada e em condições totalmente desprotegidas.

Na visão da magistrada, o crime de que a bancária foi vítima não era inesperado, nem imprevisível, uma vez que os serviços prestados envolviam atividade de risco. E, apesar de registrar que os crimes devem ser prevenidos e reprimidos pelas autoridades públicas competentes, sendo uma questão desegurança pública, a juíza destacou que a nossa constituição assegurou a redução dos riscos inerentes ao trabalho, incumbindo, pois, ao empregador propiciar condições ideais para que o trabalho contratado seja executado de forma segura. Assim, entendendo presentes os requisitos da responsabilidade civil (dano, nexo de causalidade e culpa da empregadora), ela considerou devida a indenização por danos morais, com fundamento nos artigos 186 e 927 do CC.

A julgadora ressaltou que, ainda que não se configurasse a responsabilidade subjetiva, a condenação do banco, no caso, se faria com base na responsabilidade objetiva. "Como se vê, atualmente, há nítida evolução das discussões travadas em torno da responsabilidade civil, mormente após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, invertendo-se o ônus da prova em favor da vítima e presumindo-se a culpa do empregador, salvo se for produzida prova convincente em sentido contrário, o que não ocorreu no caso", finalizou.( 0000642-70.2014.5.03.0002 ED )





Fonte: TRT 3° Região.

Cancelamento indevido de plano de saúde de trabalhador gera dano moral


O cancelamento indevido de plano de saúde viola o direito da personalidade dos empregados. Com esse entendimento a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que condenou uma empresa a pagar R$ 14,1 mil de indenização por danos morais e materiais a um funcionário que, ao chegar ao hospital para acompanhar uma cirurgia de sua mulher, descobriu que o plano havia sido cancelado indevidamente.

O funcionário aderiu ao plano de saúde da empresa desde a admissão, em março de 1998 e, após ser dispensado em março de 2008, solicitou a manutenção do convênio, conforme prevê o artigo 30 da Lei 9.656/1998. Na reclamação, relatou que, na data marcada para o procedimento na companheira, foi surpreendido com a informação de que o plano havia sido cancelado devido à rescisão do contrato de trabalho. Segundo ele, ao ser contatada, a empresa sugeriu adiar a cirurgia até que a situação fosse regularizada, mas, devido ao quadro de saúde da companheira, decidiu arcar particularmente com o procedimento.

A defesa da empresa sustentou que o pedido de continuidade do plano foi enviado ao convênio. A entidade também afirmou que mantém o plano de saúde por "mera liberalidade", uma vez que a norma coletiva da categoria não a obriga a isso.

O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Fortaleza condenou a empresa ao pagamento de R$ 40 mil por danos morais, além de R$ 4,1 mil (custo da cirurgia particular) por danos materiais. O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará) manteve a condenação, mas reduziu para R$ 10 mil a indenização por danos morais.

Ao analisar o recurso de revista da empresa, o ministro Alberto Bresciani, relator, assinalou que a supressão de direito incorporado ao contrato de trabalho, causa dano ao direito da personalidade do empregado e, consequentemente, a necessidade de reparação financeira. A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.





Revista Consultor Jurídico, 9 de setembro de 2015.

Tornozeleira pode ser mais um mecanismo de fiscalização da Lei Maria da Penha


Como é de conhecimento geral, a Câmara de Deputados analisa o Projeto de Lei 4972/2013, que estabelece o uso de monitoramento eletrônico, no intuito de fiscalizar e, por que não, controlar a conduta de agressores envolvidos em crimes de violência doméstica.

Segundo o próprio autor do projeto, deputado David Alcolumbre (DEM-AP), o escopo é aumentar a segurança da vítima, quando da imposição de restrição judicial na fase pré-processual. No caso da lei que disciplina a violência doméstica, mais conhecida como Lei Maria da Penha, quando se elenca o rol das medidas protetivas de urgência aplicadas ao agressor, não está prevista a possibilidade de controle do efetivo afastamento físico do agressor, da pessoa da vítima e/ou testemunhas — artigo 22, e seus incisos da referida lei. Assim, apenas com o advento do referido projeto de lei em trâmite, no nosso sentir, é que possibilitará ao Poder Judiciário a fiscalização da mencionada medida protetiva com a utilização da monitoração eletrônica.

Atualmente, a Lei 12403/2011 apenas prevê a hipótese de utilização de tornozeleira eletrônica quando da substituição de prisão cautelar do então agressor, vedada por falta de amparo legal e qualquer entendimento diverso. Assim, ao contrário do que, por exemplo, adotam os Estados Unidos e Portugal, a monitoração eletrônica não pode ser usada para garantir a efetivação das medidas de afastamento em casos de violência doméstica, pois está ausente previsão legal nesse sentido.

É de conhecimento público que o estado de São Paulo não se utiliza de tal procedimento, até porque o Poder Executivo não dispõe das referidas tornozeleiras eletrônicas para utilização judicial na fase do artigo 319, inciso IX do Código de Processo Penal e, muito menos, para utilização em medidas protetivas de urgência, repito, sem previsão legal.

Em pesquisa na jurisprudência de outros estados, conforme julgamento — Habeas Corpus Criminal 1.000.13.096144-4/000 961444-21.2013.8.13.0000/ TJMG — também só se efetiva o uso de monitoração eletrônica quando exista o descumprimento de medidas protetivas, as quais determinariam a prisão preventiva e, só aí, a substituição da medida prisional pela tornozeleira eletrônica. 

Nesse sentido:

Habeas Corpus Criminal 1.000.13.096144-4/000 961444-21.2013.8.13.0000/ TJMG Ementa: Habeas Corpus – LEI MARIA DA PENHA – USO DE TORNOZELEIRA – FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA – NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS – INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER OUTRA MEDIDA CAUTELAR PREVISTA NO ART. 319 DO CPP – ORDEM DENEGADA. 1. O uso de monitoração eletrônica não configura constrangimento ilegal quando determinado por decisão judicial fundamentada, tendo em vista a necessidade e adequação da medida, mormente em se tratando de agente que descumpriu medida protetiva anteriormente deferida, ao ter se aproximado de sua ex-companheira, sem permissão judicial. 2. Denegado o Habeas Corpus (TJMG – 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Eduardo Brun, julg. 26/2/2014). 

Assim, diante desse contexto, cabe trabalharmos para a efetiva alteração legislativa, instituindo o monitoramento eletrônico como mais um mecanismo de fiscalização das medidas protetivas de urgência, aplicadas ao ofensor na Lei Maria da Penha, ampliando o rol do artigo 22, disciplinando com maior detalhamento a forma de vigilância da conduta do agressor, assim aumentando a segurança da vítima e garantindo a efetiva aplicação e eficácia da lei especial. 

Referências bibliográficas:
"Tornozeleiras eletrônicas vão proteger vítimas de agressão doméstica em AL" (G1/Alagoas – 27/5/2015). http://www.compromissoeatitude.org.br, pesquisa em 21/7/2015.
Bianchini, Alice. "Monitoramento eletrônico aplicado a casos de violência doméstica". http://www.jusbrasil.com.br,(http://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121814218/monitorame-nto-eletronico-aplicado-a-casos-de-violencia-domestica) pesquisa em 21/7/2015.




Revista Consultor Jurídico, 9 de setembro de 2015.

Falta de explicação em atraso de mercadoria gera dano moral, decide TJ-RS


O atraso injustificado na entrega de mercadoria e o lançamento de seguro de garantia estendida, não contratado pelo consumidor, configuram abuso de direito indenizável e não mero transtorno ou dissabor. Por isso, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulmanteve sentença que condenou a Magazine Luíza a indenizar em R$ 5 mil uma consumidora de Porto Alegre, que só recebeu o seu produto depois do Natal.

No primeiro grau, a juíza Ema Denize Massing, da 2ª Vara Cível do Foro Regional do Sarandi, na capital, disse que a empresa tem de esclarecer o consumidor acerca dos prazos de entrega da mercadoria adquirida — e cumpri-los, sob pena de frustrar a expectativa do comprador. Assim, como não procedeu desta forma com a consumidora-autora, nem veio ao processo apresentar contestação no primeiro grau, está caracterizado o dano moral.

"Não bastasse isto, os danos morais restaram caracterizados, porque se trata de dano in re ipsa; isto é, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados causadores de ofensa moral à pessoa são presumidos, independendo, portanto, de prova’’, completou o relator da Apelação, desembargador Guinther Spode.

A juíza e o relator também concordaram que a cobrança de garantia estendida pela Magazine Luíza foi abusiva, já que sem o consentimento da autora. A primeira, no entanto, condenou à ré ao ressarcimento simples do valor pago na parcela debitada do seguro. Spode foi além: decidiu que a repetição de indébito deve ser feita em dobro, já que há previsão clara no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).

Ação indenizatória
A autora noticiou, na inicial, que em 12 de dezembro de 2013 comprou na Magazine Luíza um video game PlayStation 3 para presentear o seu neto naquele Natal. A loja teria informado prazo de 10 dias para fazer a entrega, mas não cumpriu o prazo.

Depois de muitos telefonemas e sem solução, a autora resolveu ir à Justiça, para compelir a loja a entregar o produto ou devolver o dinheiro — em dobro. Pediu também indenização pela frustração da compra e o desfazimento do contrato firmado de seguro de extensão de garantia, no valor de R$ 225,51. A 2ª Vara Cível do Foro Regional do Sarandi, em Porto Alegre, negou a antecipação de tutela.

Em 18 de fevereiro de 2014, durante a fase de instrução do processo, veio aos autos a notícia de que o produto havia sido entregue, o que levou à extinção do pedido ressarcimento neste ponto. Ou seja, a autora só recebeu o aparelho dois meses e seis dias após a compra. Citada, a ré não apresentou defesa, sendo decretada a revelia.






Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2015.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Faculdade de Direito inglesa oferecereembolso para graduado sem emprego

Uma faculdade de Direito na Inglaterra está prometendo reembolsar os recém-formados que não conseguirem emprego em até nove meses após o fim do curso. A promessa é baseada em números. Dos graduados no ano passado naUniversity of Law, 97% estavam trabalhando na área jurídica em menos de nove meses. A anuidade na faculdade chega a 10 mil libras (quase R$ 60 mil). O reembolso vale para a metade desse valor. 

A promessa de reembolso não é novidade na Inglaterra. Ela vem sendo usada há algum tempo para atrair os estudantes, que precisam pedir empréstimos altos para pagar os custos com a graduação. A BPP Law School, por exemplo, oferece aos graduados uma vaga em qualquer outro curso se eles não arrumarem emprego em até seis meses de formados.





Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2015.

Liminar depois de pedido de vista inauguranova fase no STF, diz advogado



Pelo artigo 12 da Lei 9.868/1999, o Supremo Tribunal Federal pode deixar de apreciar os pedidos de liminares contidos nas ações diretas de inconstitucionalidade ou nas ações declaratórias de constitucionalidade que chegam à corte e passar direto ao julgamento do mérito. A medida é excepcional e visa a resolução mais célere de casos emblemáticos — já que a legislação prevê a análise do caso em até 30 dias. Contudo, um levantamento feito pelo advogado Rafael Koatz mostra que, dos 361 processos protocolados entre 2012 e 2013, o STF aplicou o rito abreviado a 272 deles. Emais: poucos foram os casos até agora submetidos ao Plenário.

Segundo o advogado, o recorte revela muito mais que um meio de se tentar driblar a enorme demanda do STF. Uma das explicações dos ministros para recorrerem ao rito especial de tramitação está no artigo 10 da mesma lei que dita as regras para o julgamento das ADIs e ADCs. Esse dispositivo proíbe, salvo no período do recesso judicial, a concessão de medida cautelar de forma monocrática.

Porém, um fato recente pode significar uma saída — e, de certa forma, uma manifestação de irresignação por parte dos ministros — para essa espécie de círculo vicioso que o Supremo se envolveu, avalia o advogado. No último dia 21 de agosto, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar após um pedido de vista da ministra Rosa Weber adiar o julgamento de uma ADI que teve início dias antes no Plenário. Até onde se tem notícias, essa é a primeira vez que uma medida assim é adotada no tribunal.

A liminar foi concedida na ADI 5326, ajuizada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) contra atos conjuntos do Poder Judiciário e do Ministério Público de São Paulo e de Mato Grosso que retiraram da Justiça estadual e repassaram à Justiça do Trabalho a competência para conceder autorização de trabalho artísticos para crianças e adolescentes. Marco Aurélio concedeu a liminar “por estar convencido da urgência na apreciação do tema”.

Koatz fez o levantamento para a tese de doutorado Deliberação e Procedimento no STF: Discutindo a Relação, que defendeu na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No estudo, ele relata o processo de regulação do STF, que é feito por iniciativa de seus próprios integrantes. Na avaliação dele, a liminar inédita é um exemplo típico de como a corte pode ser reinventar.

E também de como pode, por meio de ações concretas, dar respostas à sociedade. De acordo com ele, o Supremo vem sendo muito criticado em razão de pedidos de vista que, nas palavras do ministro Marco Aurélio, são verdadeiros “perdidos de vista”. O caso mais exemplificativo é o do ministro Gilmar Mendes na ação que discute a constitucionalidade do financiamento privado das campanhas eleitorais. O pedido de vista, suspendendo o julgamento, foi feito há 17 meses.

“Essa nova situação muda a dinâmica do tribunal, pois permite que o relator de um caso não fique adstrito à conclusão desse julgamento no âmbito do plenário e implemente uma medida que ele considere urgente”, explica Koatz.

Apesar dessas manifestações, Koatz afirma que o Supremo precisa se empenhar para fazer valer seu papel de corte constitucional. “O STF vem ganhando essa importância, mas ainda não soube adaptar-se à essa nova realidade para qual foi redefinido a partir de 1988”, diz.

Nesse sentido, o advogado defende uma série de outras mudanças. Ele destaca três. “A primeira diz respeito à mudança cultural, interna aos próprios ministros, com relação à compreensão do papel da Suprema Corte na realidade brasileira atual. Outra mudança é interpretativa: o STF precisa revisitar e abandonar determinados dogmas que estão solidificados. Também são necessárias mudanças regimentais para dinamizar o processo de deliberação. Essas três dimensões precisam ser repensadas no âmbito do tribunal”.

Leia a íntegra da entrevista:

ConJur — No mês passado, o ministro Marco Aurélio concedeu uma liminar que autoriza crianças a participarem de trabalhos artísticos. Isso depois de o Plenário ter iniciado o julgamento da ação que trata do tema e a ministra Rosa Weber pedir vista. Na sua opinião, que repercussão esse procedente pode ter na corte?
Rafael Koatz — Até onde temos conhecimento, essa é a primeira vez que um ministro do Supremo defere uma liminar após o caso ter sido submetido ao tribunal pleno. Essa medida é muito interessante e inovadora porque muda a dinâmica do funcionamento do tribunal. Sobretudo a partir do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes na ADI do financiamento das campanhas eleitorais, depois de vários votos pela inconstitucionalidade do financiamento privado, o tribunal passou a receber muitas críticas acerca da formulação dos pedidos de vista como instrumentos para obstar a conclusão de julgamentos desfavoráveis à interpretação adotada por um determinado ministro. Temos alguns casos em que efetivamente as ações permanecem paralisadas por longos anos. Um estudo da Fundação Getulio Vargas, inclusive, mostra que, embora os ministros formulem pedidos de vista em número muito reduzido, quando o fazem, extrapolam em muito o prazo regimental previsto para devolvê-los.

ConJur — O que diz o regimento interno do STF?
Rafael Koatz — Diz [que o processo tem que ser devolvido em] 20 dias ou duas sessões. Isso não é muito cumprido, a ponto de o ministro Marco Aurélio, que foi quem deu essa liminar, já ter se referido aos pedidos de vista como ‘perdidos de vista’. Essa nova situação muda a dinâmica do tribunal, pois permite que o relator de um caso não fique adstrito à conclusão desse julgamento no âmbito do plenário e implemente uma medida que ele considere urgente.

ConJur — Mas o ministro não poderia apenas ter dado a liminar antes de levar o caso ao plenário?
Rafael Koatz — A Lei 9.868/1999, que trata da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, veda, no artigo 10, a concessão de medidas liminares monocraticamente pelos ministros. A norma excepciona isso exclusivamente em hipóteses como as férias ou o recesso forense e atribui a competência [para conceder ou não liminares] ao presidente do tribunal. A racionalidade por trás desse dispositivo é que, quando o tribunal concede uma medida dessa natureza, suspende uma decisão do Congresso Nacional e isso não deve ser feito de forma individual. A amplitude desse dispositivo ainda é algo muito divergente no STF. Então, por regra, é proibido aos ministros concederem liminares monocraticamente. Isso, no entanto, não significa que não seja possível. Apesar da proibição legal, em casos excepcionais, o STF tem reconhecido a possibilidade de concessão monocrática de liminar em ADI, sobretudo por conta da sobrecarga do Plenário e a urgência ou a dificuldade de submeter o caso imediatamente a um julgamento pelo Plenário.

ConJur — Como isso é possível?
Rafael Koatz — Os ministros levam em consideração a excepcionalidade. É importante dizer que, apesar da proibição do artigo 10, os ministros possuem poder geral de cautela, que é ínsito ao exercício da jurisdição. Então, a despeito dessa proibição, o ministro do STF tem poder, no seu exercício do poder geral de cautela, para evitar uma circunstância que possa comprometer a ordem constitucional, para suspender a eficácia de uma lei flagrantemente inconstitucional ou para resguardar o ordenamento jurídico.

ConJur — Mas a concessão de uma liminar após o julgamento no Plenário ter se iniciado tem previsão legal?
Rafael Koatz — Essa é uma situação totalmente nova. E é isso o que difere o caso: a concessão de uma liminar após a ação ter sido submetida ao Plenário. Com isso, o ministro Marco Aurélio disse ao tribunal: “eu tentei submeter a questão ao plenário, pois eu a considero urgente e trouxe isso ao conhecimento de todos e à deliberação colegiada. Não foi possível, no entanto, concluir esse julgamento por conta de um pedido de vista. Se esse pedido de vista foi formulado com intuitos protelatórios ou não, não vem ao caso, mas o fato é que existe uma medida de urgência aqui que foi reconhecida e que precisa ser implementada com a suspensão desses atos até a deliberação posterior”. No caso, o julgamento foi suspenso por conta do pedido de vista que foi antecipadamente formulado pela ministra Rosa Weber. Sim, pois não era ela quem votaria naquele momento de deliberação. Ela interrompeu o ministro Luís Roberto Barroso e pediu vista. Então, essa circunstância [a concessão da cautelar após o pedido de vista] muda a dinâmica. É que o relator fica, na verdade, refém do pedido de vista, que pode ou não demorar a ser devolvido ao Plenário. Com isso, reduz-se as chances de críticas ao tribunal de que os pedidos podem ser protelatórios.

ConJur — O senhor acha que a atitude do ministro Marco Aurélio foi uma resposta a essas críticas?
Rafael Koatz — É uma iniciativa que de alguma forma até protege o tribunal.

ConJur — É uma resposta às críticas ao pedido do ministro Gilmar Mendes na ADI do financiamento privado das campanhas?
Rafael Koatz — Acho que sim. É uma nova forma de o Supremo encarar essa crítica que vinha sendo feita pela sociedade, operadores do Direito e juristas de uma forma geral. E isso pode trazer uma nova dinâmica ao funcionamento do tribunal. O pedido de vista, na essência, tem uma razão de ser: habilitar o ministro a proferir uma decisão mais qualificada. O exercício da jurisdição constitucional é muito importante para ser feito de forma errônea. Mas agora isso evita a crítica que se faz ao pedido de vista de que ele estaria sendo usado como um óbice à adoção de medidas de proteção ao ordenamento jurídico.

ConJur — O senhor é autor de uma tese sobre a autorregulação do STF. No que consiste esse trabalho?
Rafael Koatz — No trabalho, eu analiso o funcionamento e o processo de deliberação do Supremo Tribunal Federal. Tento demonstrar, ao longo da tese, que o Supremo de hoje tem um papel diferente do que há muitos anos atrás. Ele vem ganhando uma dimensão como corte constitucional: ou seja, como órgão de cúpula responsável pelo controle da constitucionalidade das leis, embora tenha competências ainda residuais e importantes em matérias recursais ou originárias. O STF vem ganhando essa importância, mas ainda não soube adaptar-se à essa nova realidade para qual foi redefinido a partir de 1988. Tradicionalmente, no Brasil, temos um um modelo de deliberação em que os ministros votam em série e individualmente. Eles levam os seus votos escritos e os proferem como se fosse um discurso no parlamento. Então, a preocupação dos ministros nem sempre é com a identificação de partir das mesmas premissas. E isso é muito complicado no momento em que a gente começa a valorizar os precedentes. Valorizar os precedentes significa que um determinado caso julgado definitivamente pelo STF será capaz de orientar as instâncias ordinárias e o poder público em suas decisões. Só que ainda é difícil compreender quais são as razões de decidir que prevalecem em um caso, pois a nossa tradição é de somar votos. O acórdão exprime que “por unanimidade” ou “por maioria” votou-se no seguinte sentido, mas isso é muito pouco para identificar o que é efetivamente importante em uma decisão que deve ser replicada nos casos futuros, que deve nortear a atividade jurisdicional. Então o que eu tento demostrar, ao longo da tese, é justamente que o modelo de deliberação e funcionamento precisa mudar porque o tribunal está se tornando disfuncional. A crise do Judiciário vem de longa data, mas se aprofundou com a Constituição de 1988. Implementamos uma série de reformas, a maisimportante por meio da Emenda Constitucional 45/2004, a reforma do Judiciário. Mas ainda não foi ainda suficiente para fazer com que o número de processos no âmbito dos tribunais diminuísse. O STF teve uma redução expressiva, de 100 mil para um estoque hoje em torno de 55 mil processos, mas ainda assim são números fora da realidade se comparado a de outras cortes supremas. Então, o que tentei demonstrar é que não bastam reformas legislativas, o Supremo precisa repensar seu funcionamento interno e o seu processo de deliberação para efetivamente reconhecer e reduzir o número de casos.

ConJur — Na prática, como seria possível essa autorregulação?
Rafael Koatz — O STF precisa se reinventar e isso tem de partir dele próprio. E aqui me refiro ao regimento interno. O regimento interno atual do Supremo foi aprovado em 1981. Já foi objeto de algumas modificações ao longo dos anos, mas nenhuma específica para adequar os procedimentos à Constituição de 1988. As alterações foram pontuais. Na verdade, o Supremo tem decidido muitas questões relativas a matérias que seriam próprias do regimento interno por meio de questões de ordem, em discussões laterais no bojo de alguns processos.

ConJur — Como no caso da liminar da ADI da Abert.
Rafael Koatz — Exato.

ConJur — Na sua avaliação, como deveria se dar essa autorregulação?
Rafael Koatz — Destaco três as mudanças importantes que o Supremo precisa ter. A primeira diz respeito à mudança cultural, interna aos próprios ministros, com relação à compreensão do papel da Suprema Corte na realidade brasileira atual. Outra mudança é interpretativa: o STF precisa revisitar e abandonar determinados dogmas que estão solidificados. Também são necessárias mudanças regimentais para dinamizar o processo de deliberação. Essas três dimensões precisam ser repensadas no âmbito do tribunal.

ConJur — Na sua avaliação, a concessão de liminar após um pedido de vista pode se tornar algo comum no STF?
Rafael Koatz — Talvez seja uma nova forma de enfrentar o velho problema que é tentar priorizar a submissão do caso ao plenário, mas o julgamento não ser concluído. Então, defere-se monocraticamente a decisão. Isso pode, de alguma forma, tornar mais célere a apreciação dos pedidos de liminares. Agora, outra grande questão diz respeito ao artigo 12 da Lei 9.868/1999, que permite o Supremo julgar definitivamente a questão sem apreciar, antes, o pedido de liminar. Na minha leitura, esse dispositivo vem sendo aplicado de uma forma equivocada, na generalidade dos casos, quando deveria ser usado em exceção.

ConJur — O senhor poderia citar um exemplo?
Rafael Koatz — O artigo 12 estabelece um rito especial para o processamento das ações, pois define um prazo mais curto para o julgamento em definitivo. No rito ordinário, previstos nos artigos 6º e 8º da Lei 9.868, uma ADI deve demorar, no mínimo, 60 dias para ser julgada. Já no especial do artigo 12, esse tempo se reduz para 30 dias. Mas esse rito vem sendo aplicado indistintamente a todos os casos em que há pedido de medida cautelar, justamente para evitar a necessidade de apreciação do pedido de medida cautelar e, assim, o duplo julgamento: ou seja, de ter que submeter o processo ao plenário para análise do pedido e, depois, para o mérito. A origem do artigo 12 está atrelada ao controle de constitucionalidade de medidas provisórias, para evitar que entrassem em vigor questionadas por ações diretas de inconstitucionalidade, mas isso se perdeu. Hoje o Supremo aplica o artigo 12 a todos os casos que têm pedido de medida cautelar e só excepcionalmente é que vai analisar ou não o pedido de liminar, ou no plenário ou monocraticamente. Fiz um levantamento e os dados são curiosos. Em 2012, de 177 ações propostas no STF, o rito do artigo 12 foi aplicado a 139 delas. Em 2013, de 184 ações, 133 foram submetidas ao rito do artigo 12. Esse rito era para ser exceção, mas virou regra. Esse rito é excepcional porque o dispositivo estabelece a necessidade de se demonstrar uma série de requisitos para que seja aplicado, inclusive a relevância da matéria constitucional debatida. O mais curioso é que o artigo 12 prevê a redução significativa dos prazos, em tese, ao permitir que os casos sejam definitivamente julgados em menos de um mês. Contudo, pouquíssimas ações nas quais esse rito foi aplicado tiveram seu mérito apreciado pelo tribunal. Das ações de 2012 e 2013, quase nenhuma delas foi julgada até hoje, 2015. Até a conclusão do meu trabalho, pouquíssimas tinham sido julgadas, isso apesar de já transcorridos todos os prazos previstos na lei.

ConJur — Por que esse rito vem sendo usado de forma indiscriminada?
Rafael Koatz — Uma das análises que eu fiz foi com base em um texto do ministro Gilmar Mendes e do seu assessor André Rufino do Vale. Eles sustentam que o artigo 12 tem sido aplicado indistintamente justamente porque os ministros não podem deferir liminares monocraticamente. Acho que a concessão de medida cautelar deve ser excepcional, mas a aplicação do artigo 12 também. Contudo, são pouquíssimas as ações em que não há pedido, e na grande maioria das ações em que há o pedido é postergado para análise do mérito.

ConJur — Na sua opinião, qual é a saída desse círculo?
Rafael Koatz — É um círculo vicioso. De um lado, entendo possível a concessão monocrática de medida cautelar em ADI, apesar do artigo 10 da Lei 9.868/1999. O Supremo está com a pauta sobrecarregada, tem que ser possível a apreciação monocrática. Agora uma das possibilidades para mexer com isso seria a atribuição dessas competências para as turmas.

ConJur — As competências das turmas foram alteradas há pouco tempo.
Rafael Koatz — Sim, para o recebimento de ações penais contra políticos. Houve de fato um deslocamento muito grande de competências do plenário para as turmas. O fortalecimento das turmas não significa o enfraquecimento do plenário. É também o fortalecimento do plenário, que a meu ver deveria exercer competência exclusivamente de corte constitucional: ou seja, julgar as discussões de constitucionalidade e matérias relativas a repercussão geral e súmulas vinculantes. São essas as matérias que o plenário deveria julgar, todas as demais, tanto de competência originária quanto os de competência recursal deveriam ser transferidas para as turmas.

ConJur — O senhor também é favorável a mudanças legislativas?
Rafael Koatz — As minhas propostas não passam por alterações legislativas. Procuro mostrar que o Supremo pode reconduzir o tribunal aos trilhos e se tornar um pouco mais rápido com relação à prestação jurisdicional sem alterações legislativas, mas com a melhoria do funcionamento e do processo de deliberação interna. De um lado, acho possível a ampliação das competências das turmas. De outro... o artigo 10, por exemplo, proíbe a concessão monocrática de medida cautelar, mas não o indeferimento [da liminar]. Então, porque os ministros não indeferem monocraticamente a decisão e não reservam a concessão para o plenário? E por que aplicar o 12 indistintamente a todos os casos? Se você quer o mínimo de colegialidade, uma possibilidade seria submeter [a ADI] à turma. Se a turma votar pela concessão, afeta-se o plenário para prosseguimento da votação dos outros. Se a turma decidir pelo indeferimento, já está indeferido, você já tem uma maioria expressiva de ministros que já votou pelo indeferimento. O artigo 12 vem sendo usado, na minha impressão, como uma forma de não julgar. Estrategicamente, é importante que o Supremo tenha o controle da sua agenda, sobre o que e quando vai decidir. Mas isso não pode levar o Supremo a jogar isso para um prazo indefinido.

ConJur — Não há sanção para quem demora a devolver o processo sob vista?
Rafael Koatz — Essa é uma questão polêmica. Deveria ter, mas estamos falando de prazos que são considerados pela doutrina processual como impróprios, pois não produzem nenhuma consequência. E deveriam produzir. Uma das consequências possíveis seria: não devolveu o pedido de vista no prazo regimental, o presidente o incluiria de plano na sessão. E se o ministro que pediu vista ainda assim não se sentir à vontade para votar, que se abstenha. O problema é que em matéria constitucional exige-se um quórum mínimo. Então, nem sempre é possível que a gente evite ou impeça que o ministro vote. Mas essa deveria ser uma consequência. O STJ, por exemplo, mudou seu o regimento interno recentemente justamente para prever que, não havendo devolução do pedido de vista no prazo regimental, o processo terá prosseguimento normal, com a inclusão novamente na pauta para julgamento.



Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2015.

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