sexta-feira, 12 de junho de 2015

Justiça do Trabalho condena Bradesco por obrigar empregados a transportar valores sem escolta



A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu de recurso do Bradesco contra condenação ao pagamento de indenização de R$ 500 mil a título de indenização por danos morais coletivos por exigir que seus empregados do setor administrativo transportassem valores sem escolta. Segundo a Turma, o valor tem caráter pedagógico e não é exorbitante perante a condição econômica da instituição financeira.

A condenação se deu em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) a partir de sentença condenatória encaminhada pela Vara do Trabalho de Colíder (MT), que reconhecia a prática do banco de utilizar empregados de funções burocráticas ou administrativas (caixas, escriturários, chefes de conta, etc.) para o transporte de valores. Em novembro de 2007, o MPT chegou a se reunir com representantes do Bradesco nos municípios de Colíder e Peixoto de Azevedo (MT). Eles admitiram a prática, mas a empresa recusou proposta de assinatura de termo de ajustamento de conduta (TAC).

Na ação civil pública, o MPT observou que a prática "se perpetua em diferentes partes do Estado", e nem as condenações em ações individuais em montantes expressivos (uma delas de mais de R$ 119 mil), foram suficientes para desestimular a conduta do Banco.

Em sua defesa, o Bradesco argumentou que valores até 7.000 UFIRs (aproximadamente R$ 10 mil na época) podem ser transportados por empregados não treinados especificamente para essa função, conforme a Lei 7.102/83. No entanto, segundo o juiz de origem, a lei não dispensa a presença do vigilante no transporte de valores. "A única omissão que se vislumbra é quanto ao tipo de veículo a ser utilizado", enfatizou, ao condenar a instituição financeira a pagar R$ 500 mil para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mais multa de R$ 100 mil para cada transporte feito de forma ilegal. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região.

Em recurso de revista, o Bradesco questionou a condenação alegando, entre outros pontos, que possuis contratos de prestação de serviços de segurança e que teria sido obrigado a cumprir obrigação não prevista na Lei 7.102/1983.

No entanto, o relator do caso, ministro José Roberto Freire Pimenta, ressaltou que o Regional esclareceu que a existência do contrato não afastava o dever de indenizar, uma vez que as testemunhas ouvidas comprovaram o transporte sem escolta. "O fato de haver empresa contratada não leva à conclusão de que o banco sempre a utilizou e nunca exigiu de seus empregados a realização da atividade", afirmou, lembrando que o exame da matéria pelo TST exigiria o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

Quanto ao valor da indenização, o relator avaliou que a condição econômica do Bradesco e o caráter pedagógico da pena tornam razoável e proporcional a condenação fixada pela instância ordinária. "Esse valor compensa adequadamente o dano moral sofrido pela coletividade", concluiu.

A decisão foi unânime.

(Paula Andrade/CF)


Fonte: TST

Indenização por litigância de má-fé não exige prova de prejuízo à parte contrária


A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou com a controvérsia relativa ao pagamento de indenização decorrente da litigância de má-fé, prevista no artigo 18, capute parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Em julgamento de embargos de divergência relatados pelo ministro Luis Felipe Salomão, o colegiado concluiu que essa indenização não exige verificação de prejuízo efetivamente causado pela parte com a conduta lesiva praticada no âmbito do processo.

Com base na doutrina e em precedentes, Salomão analisou a evolução legislativa e as mudanças que o tema vem experimentando desde o CPC de 1939 até o novo código (Lei 13.105/15), que entrará em vigor no próximo ano. No novo CPC, a litigância de má-fé é regulada na seção que trata da responsabilidade das partes por dano processual. A conclusão do ministro é que, para a fixação da indenização, a lei só exige que haja um prejuízo potencial ou presumido.

O relator reconheceu que há precedentes no STJ que exigem a comprovação do prejuízo efetivamente causado à parte contrária, enquanto outros julgados afirmam não ser necessária tal comprovação.

“Tenho que o preenchimento das condutas descritas no artigo 17 do CPC, que define os contornos fáticos da litigância de má-fé, é causa suficiente para a configuração do prejuízo à parte contrária e ao andamento processual do feito”, consignou o ministro em seu voto, ressaltando que a exigência de comprovação do prejuízo praticamente impossibilitaria a aplicação da norma e comprometeria sua eficácia, por se tratar de prova extremamente difícil de ser produzida pela parte que se sentir atingida pelo dano processual.

Deslealdade processual

Para Luis Felipe Salomão, após recente julgamento realizado pela Corte Especial pelo rito do recurso repetitivo, ficou incontroverso no âmbito do STJ que a indenização prevista no artigo 18 do CPC tem caráter reparatório e decorre de um ato ilícito processual.

De acordo com o ministro, o dispositivo legal em discussão contém elemento punitivo em relação à deslealdade processual e também reparatório, ao prever a indenização à parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu. 

Em seu voto, o ministro ressaltou que a tese quanto à necessidade de comprovação do prejuízo causado muitas vezes impossibilita que o próprio juiz possa decretar de ofício (sem pedido da parte) a litigância de má-fé, já que o prejuízo nem sempre está efetivamente comprovado nos autos.

Divergência

Os embargos de divergência foram interpostos por uma empresa contra acórdão da Terceira Turma do STJ (REsp 1.133.262) relatado pelo ministro Sidnei Beneti, que entendeu pela necessidade de prévia comprovação do prejuízo supostamente causado por comportamento processual malicioso da outra parte. 

A empresa sustentou que o artigo 18 do CPC não exige prova porque a sua finalidade com a imposição do dever de indenizar não é reparar eventual dano, mas sim punir a parte litigante de má-fé para que ela não repita a conduta.

O relator dos embargos entendeu que a intenção de opor resistência injustificada ao andamento do processo ficou bem caracterizada no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo e por isso deu provimento aos embargos para reformar a decisão da Terceira Turma e restabelecer a indenização fixada pela corte capixaba.

Fonte: STJ

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Resenha do filme "O Capital"



“O Capital ” (Le Capital),
de Constantin Costa-Gavras
(2011)




Eixo Temático

A partir da crise estrutural do capital em meados da década de 1970 desenvolveu-se um complexo reestruturativo do capitalismo mundial caracterizado pelas politicas neoliberais que impulsionam o desenvolvimento da financeirização da riqueza capitalista. No bojo do capitalismo dourado do pos-guerra constituiram contradições orgânicas na dinâmica do capital que, com a grande crise da década de 1970, iriam contribuir para a afirmação do capital financeiro como fração predominante do capitalismo global. A hipertrofia do capital ficticio levou a constituição do capitalismo das bolhas financeiras, cuja dinâmica de acumulação volátil e instável imprimiu sua marca na conjuntura do sistema mundial do capital nos "trinta anos perversos" (1980-2010). Com o capitalismo predominantemente financeirizado o dinheiro afirmou-se como capital-dinheiro, expondo o capital em geral em sua face mais fetichizada. Ao debilitar o poder de barganha do trabalho, o capital-dinheiro como capital ficticio fez o mundo a sua imagem e semelhança, abrindo um temporalidade histórica de barbarie social caracterizada, por um lado, pela crise e irracionalidade social, e por outro lado, por uma intensa concorrencia entre as frações internas do capital pelo dominio do globo.

Temas-chave: crise e capitalismo global; neoliberalismo e financeirização da riqueza capitalista; capital financeiro e barbarie social.

Filmes relacionados: "Wall-Street - Poder e Cobiça"/"Wall Street - O dinheiro nunca dorme" de Oliver Stone; "Margin Call", de ; "A Grande Virada" de ;






Constantin Costa-Gavras é o cineasta do poder. Nos filmes de Costa-Gavras, o problema do poder do capital se coloca de maneira incisiva e obsessiva, seja como poder político, como nos filmes “Z” (1968) – um clássico do cinema político, ou ainda “Estado do Sítio” (1970), “A confissão” (1972) ou mesmo “Amém” (2002); seja como poder econômico, com o seu mais recente filme: “O capital” (2012). Mas, a obsessão de Costa-Gavras em dissecar o poder o leva a tratar também do drama da proletariedade, como ocorreu, por exemplo, no filme “Éden à Oeste” (2009), que conta a história de Elias, um jovem imigrante que chega a Paris para tentar ganhar o pão nosso de cada dia. Deste modo, existe uma ligação umbilical entre poder (político ou econômico) e proletariedade, isto é, o drama social de homens e mulheres exploradas e espoliadas de sua humanidade pelo movimento do capital como metabolismo social estranhado. Portanto, por trás da sanha do poder do Estado político, com suas conspirações e ditaduras militares, existe o drama humano pressuposto das vitimas do poder do capital, como Charlie Horman em “O desaparecido” (1982), Sam Baily em “O Quarto Poder” (1997) ou mesmo Kurt Gerstein e Riccardo Fontana em “Amém” (2002). Na verdade, poder e riqueza contem em si, como pólo antitético, alienação e miséria humana. Poder/riqueza e alienação/miséria humana, dois pólos antitéticos, mas indissociáveis, no mundo social do capital, estão presentes na longa filmografia de Costa-Gavras.

Por outro lado, Costa-Gavras expõe homens obcecados pelo poder e, ao mesmo tempo, homens transtornados pela perda do poder. Por exemplo, no filme “O Corte” (2005), Bruno Davert é um executivo-chefe desempregado, homem de poder, que, ao cair em desgraça, demitido pela lógica reestruturativa do capital, decide matar seus concorrentes. O poder (e o sujeito do poder) é tão irracional e perverso, quanto lógico-racional. Bruno Davert é a própria expressão da razão instrumental que calcula com frieza e crueldade seus atos de barbárie. O poder, como o Mefistófeles do “Fausto” (de Goethe), escraviza docemente quem o possui. Mas não se trata de mera escravidão, mas sim, de gozo perverso. O homem burguês (como o Fausto de Goethe) é um homem fascinado pelo poder. Ele deseja (e goza) com o poder: o poder social estranhado (e fetichizado) que o desefetiva como ser humano-genérico. Na verdade, os pólos antitéticos (poder/riqueza-alienação/miséria humana) se confundem, pois a alienação do homem do seu poder social – mesmo que o poder social assuma a forma histórica de poder social estranhado do capital - o faz sentir-se alienado e miserável, caindo na loucura de resgatar o poder perdido por métodos cruéis e irracionais (como é o caso de Bruno Davert em “O Corte”). 

Talvez Costa-Gavras queira nos dizer que existe uma racionalidade perversa na barbárie social. Portanto, o cineasta franco-grego é o cineasta da modernidade tardia do capital em suas dimensões irremediavelmente contraditórias, sendo, por exemplo, da mesma estirpe de um Stanley Kubrick, embora o cineasta norte-americano tenha sido superior no plano da plasticidade estética. 

O filme “O Capital” (2012) não foge a regra da filmografia de Costa-Gavras. Ele expõe a anatomia do poder econômico-financeiro do capital. Produzido no clima da crise européia (2010-2011) com sua política de austeridade neoliberal em prol dos interesses do capital financeiro, Costa-Gavras retratou no filme as intrigas do mundo das finanças globais. O banqueiro Marc Tourneuil, escritor e executivo financeiro do banco mais poderoso da Europa (o Phenix, com cerca de 100.407 funcionários em 49 países). Marc Tourneuil ascende à presidência do banco quando seu titular (Jack Marmende) adoece devido a um câncer de testículo. 

Logo no começo do filme, Costa-Gavras nos brinda com figuras metafóricas que permeiam a narrativa do filme. Primeiro, a cena inicial de Jack Marmande jogando golfe. A câmera focaliza o banqueiro arremessando, com uma tacada, a bola de golfe e logo a seguir cai paralisado no chão. A bola de golfe é a figura do mundo manipulado pelas personas do capital financeiro. Não é a toa que o filme começa com um jogo. Na verdade, a lógica do capitalismo-cassino, o capitalismo global predominantemente financeirizado. é a lógica do jogo.





O câncer nos testículos do presidente do banco Phenix é a própria metáfora da esterilidade do capitalismo global. A perda da virilidade do banqueiro é a metáfora da crise do provedor de riqueza fictícia, incapaz de realizar a reprodução hermafrodita da riqueza abstrata. Jack Marmande é o financista eunuco, que, com o câncer nos testículos, tornou-se literalmente incapaz de procriar. É o homem-metáfora da mundialização do capital nos seus limites derradeiros. Mas “O Capital”, de Costa-Gavras não é apenas um filme de homens estéreis, burgueses eunucos, guardiões do capital fictício; mas é também um filme sobre relações afetivas estéreis que nunca se consumam, pois falta às singularidades humanas a entrega de si. Por exemplo, Marc Tourneuil, o banqueiro todo-poderoso do Phenix, e a jovem Nassim, top model da high society endinheirada, têm uma relação afetiva estéril. A mulher-fetiche que seduz Marc Tourneuil, sempre lhe escapa, nunca se entregando sexualmente a ele. Ao mesmo tempo, Nassim espolia Marc Tourneuil, pedindo-lhe empréstimos milionários (apenas no final do filme, Marc Tourneuil consegue estuprá-la no interior de uma imensa limusine). Mas, outras metáforas permeiam o filme: o nome do mais poderoso banco europeu (Phenix) é a figura mitológica que renasce das cinzas. Renascer das cinzas é o que o sistema mundial do capital fictício tem feito nas últimas décadas de crises financeiras (1987, 1996, 2000 e 2008). No “trinta anos perversos” de capitalismo global, o capital financeiro sempre renasceu das cinzas provocadas pelo estouro das bolhas especulativas. Ao constituir-se como regime institucional internacional que lhe dá suporte, as finanças mundializadas criaram raízes na própria ordem sociometabolica do capital. Portanto, a financeirização da riqueza capitalista não é uma mera deformação da lógica da economia capitalista, como Keynes imaginou na década de 1930, capaz de extirpá-la por meio de políticas econômicas conduzidas pelo Estado nacional, mas sim, tornou-se traço crucial do próprio organismo metabólico da produção do capital nas condições de sua crise estrutural. 

O filme “O Capital”, de Costa-Gavras nos mostra a rápida ascensão de Marc Tourneuil, homens de letras e homem de confiança do banqueiro presidente do banco Phenix, que o considera “um homem jovem e talentoso, atributos que não são incompatíveis”. Ao ascender no circulo de poder das finanças, Marc Tourneuil torna-se alvo de intrigas palacianas dos membros do conselho administrativo sob o comando de De Suze, acionista majoritário, que aguarda o momento certo para destituí-lo. Mas Tourneuil, desde o começo, tem consciência das conspirações palacianas e contrata um investigador privado para acompanhar seus desafetos. 

Ele assume o cargo de presidente do Phenix disposto a lutar pelo poder, custe o que custar. Como jovem ambicioso no mundo das grandes finanças, Tourneuil possui um senso pragmático (e maquiavélico, no sentido pleno da palavra) na disputa pelo poder. Mas a posse do poder significa para Tourneuil, obter respeito. Num certo momento do filme, Diane, esposa de Marc, perguntou a ele: “O que você quer?”. Ele diz: “Dinheiro. Para ser respeitado”. Noutro momento, dialogando com a mulher observa: “Para você, o dinheiro é passado. Para mim, é o futuro. Menor o salário. Menor o respeito”. No mundo do capital, dinheiro é Poder. Dinheiro é Respeito. 




O filme de Costa-Gavras contém pérolas da filosofia do dinheiro como capital. Não se trata apenas do dinheiro como meio de circulação ou meio de pagamento, mas sim, dinheiro como capital, isto é, valor que se auto-valoriza. Existe uma mudança ontológica na forma de ser-dinheiro. Portanto, não se trata do mero dinheiro, mas sim do dinheiro como capital: dinheiro que faz mais dinheiro, dinheiro como capital fictício que assume as mais diversas formas de especulação: moedas, commodities, títulos públicos, ações, papéis e obras de arte. Um detalhe: no filme vemos a presença de obras de arte valiosas pintadas por Matisse e Modigliani nas salas luxuosas dos escritórios dos bancos e nos iates de luxos. Os objetos da arte clássica adquiriram valor de troca. Enfim, sob o capitalismo global financeirizado, o dinheiro como capital que se autovaloriza, desceu à Terra apropriando-se das objetivações supremas do espírito humano, convertendo-as em mero valor de troca sem lastro com o valor-trabalho. O capital-dinheiro é o fetiche em sua forma luminosa

Por outro lado, por trás das intriga palacianas do banco Phenix, temos as disputas entre frações do capital financeiro internacional (europeus versus norte-americanos, ou ainda, franceses versus alemães). As disputas territoriais que levaram governos a muitas guerras no passado, tornaram-se hoje disputas financeiras e comerciais por territórios intangíveis do poder financeiro global. Trata-se de uma disputa silenciosa e voraz nos bastidores dos circuitos financeiros globais, tão intransparente quanto a natureza do capital-dinheiro. 

O mais poderoso banco europeu (o Phenix) tornou-se alvo de ambição de um fundo especulativo norte-americano de espírito predador, que quer adquiri-lo para retirar-lhe a personalidade francesa (a França é o pais das regulamentações sociais que incomoda o capital especulativo-parasitário). Como diz Marc: “Gostam de Paris, mas não da França. Muitas leis sociais”. O fundo de investimentos norte-americano, acionista do Phenix, representado pelo mega-especulador Dittmar Rigule, quer torná-lo o maior banco do mundo, um banco de predadores com o espírito do “capitalismo de cowboy”, convertendo, deste modo, o Phenix num banco à la americano. De repente, Marc Tourneuil encontra-se no fogo cruzado destes interesses de poder do capital financeiro que aparece como o movimento dos múltiplos capitais disputando a hegemonia da ordem financeira internacional.

O jogo de poder do fundo especulativo norte-americano contra Marc Tourneuil é deveras sinuoso. Falsidade, desconfiança e hipocrisia são as marcas do capitalismo farsesco. Primeiro, os adversários de Marc Tourneuil buscam desprestigia-lo, obrigando-lhe a fazer um downsizing no Phenix; como diz o presidente do Phenix, um downsizing que não pareça corte de pessoal (sic). Eis a dimensão farsesca do capitalismo financeirizado. Ao obrigar Marc Tourneuil a fazer um corte de pessoal, seus desafetos queriam enfraquecê-lo politicamente, tornando-o vulnerável a ação dos especuladores. Mas Marc Tourneuil consegue driblá-los, adotando uma curiosa tática maoísta. Como sugeriu Diane, mulher de Marc Tourneuil, o comunista chinês Mao Tse-tung usou as bases para eliminar seus rivais. Finalmente, o presidente do Phenix tornou a operação de downsizing um sucesso de mercado. Deste modo, o tiro dos seus rivais saiu pela culatra. 

Por outro lado, o especulador Dittmar Rigule busca convencer Marc Tourneuil a comprar o banco Mitzuko, banco japonês falido, visando, deste modo, desvalorizar as ações do Phenix, levando o fundo especulativo norte-americano a adquirir o banco francês, demitindo Tourneil e empossando outro presidente. É a jogada decisiva da luta entre frações do capital financeiro (a fração norte-americana e a fração européia francesa). 

Na medida em que o capital financeiro se fortaleceu nas últimas décadas de capitalismo global, o sistema mundial do capital se auto-dilacera em contradições não-antagônicas internas de amplas proporções. Parafraseando Marx e Engels, poderíamos dizer que, ao criar o mundo à sua imagem e semelhança, o capital financeiro criou civilização em demasia, meios de subsistência em demasia, indústria em demasia, comércio em demasia, capital fictício em demasia. O mundo do capital tornou-se estreito demais para abranger toda a riqueza que criou. 




Portanto, no filme “O capital”, Costa-Gavras salientou a disputa entre frações européia e frações norte-americanas do capital financeiro. Estamos diante das lutas no interior do próprio capital financeiro que se auto-dilacera para concentrar-se cada vez mais. Por exemplo, sindicatos, por exemplo, não aparecem como protogonistas do filme. Como elemento antípoda antagônico ao capital, o trabalho organizado fragilizou-se pelo movimento do capitalismo global. Portanto, uma das dimensões da crise do capital é contraditoriamente, a fragilização de seu contraponto antagônico: o trabalho organizado hoje incapaz de constituir obstáculos à sanha devoradora do movimento do capital. Apenas num momento do filme, quando ocorre o downsizing, percebe-se a referencia aos sindicatos e governos, meros coadjuvantes do poder do capital no plano mundial. Num certo momento do filme, um desempregado aparece querendo falar com Tourneuil; mas ele afasta-se, embora no intimo, Marc Tourneuil queira fazer algo pelo miserável - ele fantasia um deposito na conta do desempregado. 

Deste modo, o jogo pesado no filme “O capital” ocorre entre posições no interior do próprio capital financeiro, deixando-se de lado as instituições de regulação do sistema – os sindicatos e governos subsumidos à lógica estrutural do Estado neoliberal. Eis o verdadeiro sintoma da crise estrutural do capital: o capital em geral sob a forma fictícia encontra seu limite ao destacar-se em demasia do trabalho organizado e dos governos nacionais, driblando o controle dos fluxos financeiros globais (como diz o diretor-executivo do Phenix em Londres, num diálogo com Marc Tourneiul, utiliza-se “robôs financeiros sem intervenção humana à margem da regulamentação” para driblar o controle dos fluxos financeiros globais). 

No mundo do capital, impõe-se a lei da selva. O thriller de Costa-Gavras é um jogo de intrigas na esfera do poder. São poucos os momentos em que Marc Tourneuil desce à Terra: ele se locomove em jatinhos ou mega limusines que o projetam noutra territorialidade social. O mundo social de Marc Tourneuil não é efetivamente o mundo dos homens. No filme, muitos contatos entre as pessoas ocorrem por meio de telas digitais, sendo tão virtuais quanto o próprio dinheiro. A presença da virtualidade no filme é freqüente. Por exemplo, nas comunicações à distancia e operações de negócios utilizando smarthopnes. As novas tecnologias digitais aparecem inclusive nos games que fascinam as crianças: o filho de Marc, que aparece apenas uma vez, jogando videogame, sendo obrigado pelo pai a falar inglês; ou ainda, as crianças na casa dos pais de Marc Tourneuil no interior da França, fascinadas diante dos gadgets eletrônicos presenteados pelo banqueiro. Enfim, telas digitais constituem cada vez mais a sociabilidade virtual do capitalismo fictício. 

O filme de Costa-Gavras expõe, com sutileza, o fetichismo das relações humanas instrumentais organizadas como um jogo que visa manter posições de poder e fazer cumprir o espírito da financeirização. Com exceção dos personagens subalternos – Diane Tourneuil, os familiares e empregados do banco, por exemplo - todos são conscientemente devotos fieis do Deus-Capital. O próprio Marc Tourneuil, entrega-se de corpo e alma ao jogo das finanças mundializadas, tornando-se narrador da lógica do dinheiro como capital. Diz Marc Tourneul:“O dinheiro é um cão que não pede carinho; lance a bola cada vez mais longe e ele a traz, indefinidamente.” Ou ainda: “Dizem que o dinheiro é um instrumento. Estão errados. O dinheiro é o amo. Quanto melhor o serve, melhor ele te trata.” 

Na verdade, o poder persegue sua manutenção; como gozo perverso, o poder se auto-reproduz vorazmente. Marc Tourneuil não abdica do jogo do poder – ele joga vorazmente, até o final do filme. Eis uma qualidade ontológica do poder. O poder não renuncia, mas pelo contrario tenta se manter. É o que faz Marc Tourneuil, personagem central visceralmente contraditório. Como homem burguês, ele é a própria contradição viva que, as vezes, divaga e imagina confrontar o ethos do capital, insurgindo-se – pelo menos, no plano da fantasia - contra a mediocridade do mundo burguês. Este é um traço do homem burguês como homem esquizóide, homem dividido entre a civilização e a barbárie do capital. Como disse Marx e Engels: “As condições da sociedade burguesa são estreitas demais para abranger toda a riqueza que criou”. Entretanto, a riqueza humana de Marc Torneuil permanece, como ideal, no plano da fantasia: ele aparece como incapaz de confrontar efetivamente a lógica do capital. A esquizofrenia de Marc Tourneuil ocorre nos momentos de lapso que ele imagina agir de outro modo autenticamente pessoal (por exemplo, expulsando os sogros ávidos em saber do salário dele, ou ainda dando ajuda para o desempregado Elias Gigou, “sem trabalho há três meses”; ou demitindo a filha medíocre do presidente do banco). 

Marc Tourneuil desce à Terra dos homens comuns quando visita os pais e recebe a critica ácida do tio que questiona a lógica das finanças globais. A cena do almoço em família é um verdadeiro interrogatório do presidente do banco Phenix. Começa com a pergunta singela de Pierre, parente de Marc Tourneuil: “Se eu tiver dinheiro, em que devo investi-lo?”. Entretanto, Marc se recusa a ser consultor financeiro da família. Responde: “Na sua família, Pierre. E o principal, evite os bancos. Jogam com teu dinheiro, até que te deixam sem nada.” 

A seguir perguntam a Marc: “Quando alguém ganha 150 mil por ano, em que ele gasta?”. O banqueiro diz: “Eu também me pergunto. Por sorte, Diane me ajuda”. E observa: “O que me tranqüiliza é que os jogadores de futebol ganham 5 vezes mais e gastam tudo.” As perguntas à mesa se dirigem também ao pai de Marc: “Como é ter um filho tão importante?”. Ele responde: “Só sei que o vejo cada vez menos”. Diane, esposa de Marc, não perde a oportunidade de dizer: “Também o vejo cada vez menos. E tenho que ir a jantares chatos onde só se fala em dinheiro”. A relação de Marc com a esposa é marcada por afeto e carinho e ao mesmo tempo, distanciamento - não poderia ser diferente: o tempo dele é dedicado ao dinheiro-fetiche, faltando-lhe tempo para a família - em nenhum momento aparece Marc Tourneuil com a família. O tempo de vida do homem burguês é um tempo cativo. 

Mas o interrogatório em família adquire uma nova dimensão quando o tio de Marc intervém. As perguntas pessoais são substituídas por inquirições políticas. Não se fazem meras pergunta, mas acusações políticas contra aquilo que Marc Tourneuil representa: o capital financeiro. Coloca-se o problema da responsabilidade pessoal diante das atrocidades financeiras cometidas pelo sistema das finanças mundializadas: “Seu banco obtém benefícios e você demite as pessoas. Como lida com isso?”. Marc Tourneuil não foge à pergunta? Diz: “Muito mal, tio. O Banco estava afundando. Tive que salvá-lo. E tive que despedir para salvar 100 mil empregos.” O tio indigna-se com a resposta burocrática de Marc: “Não me venha com isso. Cansei de ouvir isso. Sangrou as pessoas três vezes: (1) a bolsa quer sangue. Você realoca, funcionários perdem emprego; (2) você os sangra como clientes; (3) pressiona os Estados endividados e quem paga é o cidadão. E como o funcionário é cliente e cidadão, você o fode três vezes. O dinheiro contamina tudo.”. 

Finalmente, o tio comunista provoca o sobrinho banqueiro com a pergunta: “Por que destroem a sociedade para pagar a dívida?”. O presidente do Phenix concorda - em parte - com as criticas feitas pelo tio (adiante, ele observaria para o pai: “Ele tem alguma razão”). Entretanto, Marc resigna-se e apresenta a sua racionalidade das coisas. Provocativamente, diz que o capital financeiro realiza às avessas o sonho dos comunistas que almejavam a internacionalização do trabalho. Por isso diz cinicamente para o tio que, “cumprimos seu sonho de juventude”. E salienta: “Vocês não queriam a internacionalização? Aqui está. O dinheiro não tem fronteiras, o trabalho, tampouco...Olhe, vê este brinquedo? Comprei em Londres. É alemão. Feito na Indonésia, por crianças. Acaso o mundo que você sonhava iria alimentar essas crianças? Nossa internacionalização o fará. Também trabalho para isso. O dinheiro nunca dorme. É como leite no fogo. Se não vigia, evapora e é preciso demitir”.

Enfim, Marc Tourneuil vive num mundo de racionalidades instrumentais em disputa. Por um lado, as racionalidades do capital e do trabalho; e por outro lado, as racionalidades da concorrência entre os múltiplos capitais – o que está posto no filme “O capital”. Ao sair, o pai de Marc recomenda ao filho cuidado com os americanos: “Eles só pensam em dinheiro”. Marc retruca: “São como nós, homens de negócio”. E conclui: “Como disse um banqueiro: Faço o trabalho de Deus.” 

O homem burguês cultiva prazeres e fantasias. Marc Tourneuil recusa as orgias sexuais, mas fascina-se com uma top model: Nassim. Trata-se de fantasia à primeira vista. Na verdade, Marc Tourneuil vive imerso em fantasias. Noutro momento, salientamos o papel de mulher-fetiche de Nassim, pura fantasia estéril como o capital fictício. A relação de Marc com Nassim é deveras estranha: ele deixa-se levar pelo fascínio que tem por ela e deixa-se inclusive ser explorado por ela ao pagar suas dividas. Mas nos momentos que se encontra com ela, ela sempre foge de relações intimas. Na boate, Nassim tenta dopá-lo; quer mantê-lo próximo e distante ao mesmo tempo, num jogo de manipulação. Alias, como salientamos acima, no filme “O capital”, de Costa-Gavras, tudo é jogo. As relações pessoais são meras abstrações, como o próprio capital-dinheiro, com a dimensão fictícia (e fantasiosa) compondo as interações pessoais.





É importante salientar que o filme de Costa-Gavras expõe, nas entrelinhas, o problema do precariado, isto é, o problema da juventude imersa numa futuridade precária. O capital financeiro, fração perversa do capital em geral, movimento abstrato supremo do capital-dinheiro, hostiliza a juventude pois ela representa efetivamente o futuro. O capital financeiro corroi a futuridade. A discriminação com a juventude aparece em alguns detalhes do filme “O capital”. Num certo momento, um importante acionista do Phenix, ao saber da indicação de Marc Tourneuil para presidente do banco, observa: “Corremos um risco nomeando alguém tão jovem”. Mas na reunião de posse do novo presidente do Phenix, Jack Marmande salientou que Marc Tourneuil é “um homem jovem e talentoso, atributos que não são incompatíveis”. Enfim, apesar de ser jovens, pode-se ser talentoso. 

Noutro momento, por exemplo, a discriminação do capitalismo global predominantemente financeirizado contra os jovens aparece num diálogo entre Marc Tourneuil e Nassim na boate. A top model observa um casal de velhos especuladores endinheirados divertindo-se na boate. Diz ela: “Quando for velha, gostaria de ser como eles”. Marc, um pouco dopado, retruca veementemente: “Como eles, não. Não quero terminar assim. Engordam seus fundos de pensão espremendo os mais jovens. São uns mercadores de escravos.” E arremata: “Os velhos controlam tudo. Me obrigam a demitir as pessoas e a sangrar o banco”. É o que explica o crescimento do precariado nos países capitalistas mais desenvolvidos. 

Entretanto, o filme indica que o capital financeiro considera como problemáticos não apenas os jovens, mas também os velhos, sustentados pelas pensões da previdência social deficitária. Os velhos constituem uma nova camada do proletariado precário do capitalismo global do século XXI. Como observou o diretor-executivo do Phenix na Inglaterra: “O problema do Japão, que logo será o nosso, são os velhos”. Enfim, a fratura da futuridade provocada pelo capitalismo global financeirizado atinge as duas etapas da vida humana alongada no século XXI: juventude – trajetória alongada pela precariedade de transição para a vida adulta; e velhice, alongada pelo aumento da expectativa de vida no século XXI.


Giovanni Alves (2013)




FONTE: http://www.telacritica.org/OCapital.htm

S.O.S: O que fazer com o terrorismo de empresas de cobrança?





Quando repito uma frase famosa hecha le ley, hecha la trampa, não é apenas uma frase de efeito. Conseguimos esgarçar os mínimos laços éticos da sociedade pindoramense. O cidadão é refém de empresas fantasmas e outros quetais. Vamos a um caso bizarro.

Tenho um financiamento pelo Bradesco-Tudo-de-Bra-pra-você referente à compra de um automóvel. Não escolhi o Tudo-de-Bra, é claro. Foi imposição da concessionária. Pago religiosamente em dia. Tenho todos os recibos. Neste mês, recebi um telefonema de uma empresa de cobrança de São Paulo, chamada RR Advocacia. Quatro ligações me dizendo que eu estava inadimplente, atrasado na prestação e que teria que discutir a “questão”. Disse-lhes, já na primeira ligação, às 9h53, que estava paga e que eles fizessem o que quisessem. E que não mais ligassem. Continuaram a ligar. Na verdade, não sei quantas vezes. Também recebi no dia 9 um SMS (9h35) de um telefone da Bahia (71-86055861 — que não atende quando você liga de volta), cobrando-me a mesma coisa. Eles atacam de todos os lados. Dia 10, 9h41: SMS dizendo para entrar em contato URGENTE (sic) para pagar o débito (08000030800). A via cruci não para. Liguei para lá — Débora me atendeu. Falando gerundês. Dizendo que meu nome poderia ficar “sujo” (sic) se eu não pagasse.

Sigo. E volto dois dias. No mesmo dia 8 de junho recebi um e-mail (eles informam um e-mail: caue.motta@rradvocacia.adv.br), dizendo que estava atrasada a prestação e que se eu quisesse fazer negociação amigável (sic), entrasse em contato com o e-mail, esse acima, ou por telefone. Dizia o email: tens prazo. “O tempo é limitado”. Caso contrário... Bem, o que acham?

Respirei profundamente e... liguei. Pedi para falar com um advogado. Disseram que os encarregados (que penso serem advogados) ainda não haviam chegado. Só podia ser atendido por funcionários. Liguei de novo e até brinquei com a moça que me atendeu, dizendo que eu não tinha dinheiro e queria “negociar”, só para ver até onde iriam. Passaram-me para outra moça — técnica em negociação (sic) — que, falando gerundês, ofereceu-me uma “boa” proposta: o Bradesco tomaria meu carro e me devolveria parte do dinheiro. Seria um “bom negócio” para mim (vejam o absurdo: dei 60% de entrada, uma fortuna, já paguei 10 parcelas e eu devolveria ternamente o carro — ah, a mocinha ainda me perguntou: o carro está em bom estado? Senão vai dificultar!). Disse-lhe: mas só uma prestação (pouco mais de R$ 2 mil) e já vão tomar o carro ou “se propõem a recebê-lo”? “— Sim, é a norma do banco”. “— Quem são vocês, perguntei?” “— Somos a empresa de advocacia que cobra as contas atrasadas dos clientes do Bradesco”. Vejam: eu pago em dia; informei tudo isso (e não adiantou); e, vejam: o “atraso” era de... 5 dias! E já estava com o “advogado”.

Falei-lhe então a verdade: (repeti) que eu já havia pagado e que jamais uma proposta dessas poderia ser aceita. Ela me disse: “— fazemos isso todos os dias”. Uau. Coitado desse povo (coitado no sentido estrito da palavra).

Mas quem é a empresa? Quem é RR Cobrança ou RR Advocacia? Não tem telefone no site. Tentei ligar de novo para o telefone da tal RR. Falei com Armando, Vitor, Micheli, Edileide, Flávia (supervisora) e Arnaldo Aquino (este era o chefe do departamento de cobrança). Todos disseram que não podiam falar sobre quem era o encarregado. Não estavam autorizados. Quer dizer: eles podem lhe perturbar, ameaçar de cobrança judicial, mas você não tem o direito de saber quem é o advogado responsável. Façam-me o favor! Pedi de novo para falar com o advogado. Coloquei tudo isso no viva voz para que minha equipe ouvisse. Todos (de Armando à Arnaldo) disseram: o encarregado ainda não chegou. Insisti: sou advogado e queria falar com o advogado que assina pelo escritório. Disse-lhes: indago tudo isso como profissional de advocacia. E eles, burocraticamente, diziam: não podemos dizer quem é o encarregado. Surreal!

Liguei para a OAB de São Paulo para saber quem estava por trás de RR Cobrança ou RR Advocacia. A OAB não soube dizer, porque com esse nome não tinha nenhuma sociedade ou empresa de advocacia. RR é nome de fantasia, como Casas da Banha ou Balão Mágico.

Liguei para o BRADESCO-TUDO-DE-BRA-PRÁ-VOCÊ (fone 40044433) e a atendente Elaine Moura me disse que só podia informar que a empresa de cobrança se chamava RR. Só. Insisti: Só RR? E Elaine: Sim, aqui só está escrito RR. Bingo. E me passou o telefone da RR: 08005805002. Binguíssimo. Foi para onde já havia ligado...! Voltei à estaca zero. Pedi para seis pessoas de minha equipe procurarem alguma pista da tal RR, dos sócios que não se sabe quem são, etc. Nada. Tudo fantasma. Fomos atrás do site e facebook. Nenhum telefone. Nenhuma pista.

Por fim, às 11h30 descobri que RR Advocacia ou RR Cobrança vinha de Rocha e Ruiz Advogados Associados. Então liguei novamente para a OAB-SP e fui informado que o único número registrado da Rocha e Ruiz Advogados era 40833867. Liguei imediatamente para lá e tive mais uma decepção, já que a atendente afirmou que eu estava ligando para a... cobrança Itaú (um setor da RR). O Itaú faz a mesma coisa que o Bradesco, só para registrar.

Era o fim de uma longa jornada malsucedida, em que passei horas e horas perdendo o meu precioso tempo sem resolver o grande imbróglio criado por eles.

Pindorama: faroeste caboclo — só não se sabe quem são os mocinhos
Eis o que o Brasil virou. Eis o que virou a advocacia de Pindorama. Se nem eu consigo resolver isso, o que dizer de pessoas que não tem acesso aos mecanismos institucionais? Pindorama virou um país do vale-tudo. Da anomia. Um país de fancaria. Você recebe telefonemas e e-mails de uma empresa de cobrança (que tem por trás, segundo o e-mail, uma empresa de advocacia) e não consegue saber com quem você está tratando.

E a ética? E a legislação? Pode um grupo de funcionários ficar ligando e cobrando contas atrasadas (atrasadas — sic — porque não era o caso) e fazendo “negociação” (sic) que envolve direitos fundamentais das pessoas? Não esqueçamos (Pindorama ainda é capitalista): Um bem — no caso, um automóvel — é uma propriedade. E a propriedade tem proteção constitucional. Está no artigo 5º. E quem quer negociá-la (retirá-la) de você é uma mocinha-não-advogada? Uma prestação atrasada (sic) e o Tudo-de-Bra-Prá-Você, através da RR Advocacia, já quer tirar o bem financiado? Um bem cuja entrada foi de mais de R$ 80 mil seria devolvido por causa de uma prestação e a mocinha diz que “isso seria bom para mim”? Quem vai querer fazer financiamento num banco como esse? Fujam do Tudo-de-Bra (esse banco desconhece o código do consumidor e a Constituição que estabelece respeito aos direitos fundamentais). Esse banco não espera nem os dez dias que constam no boleto e já manda para o escritório de advocacia, que passará a aterrorizar o vivente? Fujam dos escritórios de cobrança (o que é impossível, porque bancos como o Bradesco e Itaú remetem nos primeiros dias para o advogado). Fujam de RR Cobrança. Fujam para as montanhas. Lá está o cume. E só o alto da montanha é um lugar seguro contra a barbárie. Socorro, OAB-SP. Socorro, OAB nacional. Socorro, Febraban. Socorro Procon. E o Ministério Público, nada faz em relação a isso? O site da empresa está recheado de queixas. Basta acessar.

Ainda estou impactado: Um funcionário semialfabetizado (é o que apareceu e isso também decorre da avaliação de quem ouviu a conversa) — que atua em nome de um escritório de advocacia (pelo jeito, gigante, porque deve ter sucursais até na Bahia, em face do prefixo 71) — quer “negociar a devolução de seu carro”, porque será um “bom negócio”. E isso depois de perturbarem durante três dias com ligações telefônicas, SMS e e-mail! Não consigo acreditar. Ah: como tenho o comprovante, suponha-se que o banco no qual efetuei o pagamento não tenha remetido o dinheiro para o Tudo-de-Bra; e daí? Só mais uma prova de que nem os bancos se entendem entre si; isto se chama de canibalismo bancário e eu não tenho nada a ver com isso! De todo modo, comuniquei ao meu banco (Banrisul) — protocolo 154507702.

Isso deve acontecer diariamente a — e com — milhões de brasileiros, vítimas de cobranças indevidas, propostas indecorosas lesivas aos clientes, cobranças feitas por pessoas que não são advogados, empresas de cobrança que mandam email informando que se trata de cobrança de escritório de advocacia, para assustar o incauto. Se com seis dias de pretenso atraso já ocorre isso, imagine se o atraso for de trinta dias. Neste caso, eles esfolam o cliente, penduram no pau-de-arara e outros quetais.

É evidente que eles põem esse e-mail para assustar o cliente. Respondi o e-mail e não obtive resposta. Perguntei quem eram eles, etc. Nada. Era, pois, fake. Ética? Zero. Afinal, depois de dizerem que você está atrasado e que podem negociar isso, a colocação de um e-mail de escritório de advocacia dá o ar “oficial”.

Espero que seja feita investigação sobre o proceder do banco e das empresas desse jaez. E, por favor, se alguém souber o telefone de alguém da RR Advocacia ou RR Cobrança, passem-me. Quero falar com o Rocha ou o Ruiz. Um dos dois “R”s. Quero perguntar se eles acham ético o proceder da empresa que capitaneiam. E quero perguntar por que tentaram “negociar” comigo condições absolutamente leoninas. E colocarem alguém não-advogado para tratar de um assunto reservado a advogado (contrato envolvendo direito fundamental de propriedade de alto valor). E eles não sabem o que é repetição de indébito? Não sabem o que é perturbação do sossego alheio? Não sabem o que dano moral?

Isso. Curto e grosso. Perco a paciência com Pindorama, pois se tornou uma terra sem lei. E isso está ocorrendo em todas as áreas. Alunos desrespeitam professores; crianças com três ou quatro pais, cinco avôs; usucapião em terras públicas; leis desobedecidas cotidianamente, o que se tornou um tormento para os pindoramenses; você liga para um 0800 para reclamar e fala com uma máquina; ministro da Justiça que diz que, fosse preso, “se mataria”; condenados que são liberados porque não há vagas em presídios; companhias áreas que fazem cárcere privado de seus passageiros (5 horas as pessoas ficaram retidas na aeronave em um voo em Campinas no final de semana); empresas que oferecem internet a R$ 6,90 por semana (experimente para ver o que é possível acessar com isso); companhias telefônicas lesam milhões de pessoas em apenas um dia; nem o futebol está livre da corrupção; segurança pública num estado deprimente, já que o máximo que a polícia diz é que você deve levar o dinheiro do ladrão separado no bolso; Câmara dos Deputados coloca uma emenda de R$ 1 bilhão para construir um shopping; pessoas tomando soro em pé... Paro por aqui. Tem horas que dá vontade de largar tudo. Perdemos a capacidade de indignação. Fomos vencidos. E tudo sob a égide de um...Código do Consumidor! Viva! Hecha la ley, hecha la trampa. Pindorama: paraíso da iniquidade!

Post scriptum 1: vejam a reputação da empresa advocacia — o site é dela: (http://www.reclameaqui.com.br/indices/59412/grupo-rr/). Segundo o link aqui especificado, menos de 24% das pessoas que fizeram negócios com a empresa voltaria a negociar com ela. Que tal? Vejam a lista de reclamações (vale a pena ler — abram o link, por favor) e o que as pessoas pensam da RR. E isso faz tempo. E a OAB-SP, o que diz disso? 

Post scriptum 2: Resultado do certame da metáfora: houve 71 participações. Todas muito bem elaboradas. Parabéns a todos. Selecionei as cinco melhores, das quais duas são menções honrosas. Receberão os livros. Primeiro lugar, Fernando Mroskowski (Jurisdição e Decisão Jurídica); 2º. Paulo Silas Filho (Hermenêutica Jurídica em Crise); 3º. Rafael Wandermurem (O que é isto — decido conforme minha consciência); Menções honrosas (Flávio Soares da Silva e André Tomio da Silva, ambos ganhando o Compreender Direito. Depois falarei mais sobre a metáfora. Deem-me um tempo. Também os livros demorarão uns dias para mandar. Tenho de empacotá-los e enviá-los pelo correio. E isso dá trabalho. E esta semana foi pesada. O Rocha e o Ruiz me incomodaram demais. Tive que ir várias vezes ao supermercado para estocar comida. Obrigado a todos os que participaram.

Post scriptum 3. Lenio Streck na OAB de São Paulo dia 13, sábado: falarei sobre “As alterações hermenêuticas do novo Código de Processo Civil da extinção do livre conhecimento à exigência de coerência e integridade” no teatro Gazeta, promoção do Departamento Cultural da OAB-SP. Sábado (13/6) de manhã, 9 horas!



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2015, 8h00

Empregada doméstica com jornada reduzida receberá salário proporcional ao mínimo



A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo de uma empregada doméstica contra decisão que considerou regular o pagamento de salário proporcional ao mínimo nacional para jornada de 25 horas semanais. Segundo a Turma, a Orientação Jurisprudencial 358 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que admite o pagamento proporcional ao tempo trabalhado, se aplica também aos trabalhadores domésticos.

Depois de 14 anos de serviços, a empregada pediu demissão após discutir com a empregadora e ajuizou reclamação trabalhista afirmando que o salário anotado na carteira de trabalho era inferior ao mínimo regional. Segundo ela, embora a jornada anotada fosse das 7h45 às 13h, de segunda a sábado, o trabalho exigido ultrapassava a jornada registrada.

Sua versão foi contestada pela empregadora, que afirmou que ela trabalhava das 8h às 12h de segunda a sexta-feira, e à tarde trabalhava em outras residências.

Com base nas provas produzidas no processo, o juízo considerou verídica a jornada descrita pela empregadora, de cinco horas diárias, e julgou improcedente o pedido de diferenças. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou a sentença e negou seguimento ao recurso da trabalhadora, lembrando que a matéria está pacificada no TST pela OJ 358.

No agravo pelo qual pretendia trazer a discussão ao TST, a doméstica insistiu na jornada superior a 25 horas semanais. O relator, porém, afirmou que, demonstrado o cumprimento da jornada semanal de 25 horas segundo registros do TRT, o pagamento do salário proporcional ao mínimo nacional é lícito. Para se concluir pela jornada superior seria necessário reexaminar fatos e provas, vedado no TST pela Súmula 126.

A decisão foi unânime.

(Lourdes Côrtes/CF)


Fonte: TST

Em regime de separação convencional, cônjuge sobrevivente concorre com descendentes




O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, qualquer que seja o regime de bens do casamento, e se este for o da separação convencional, ele concorrerá com os descendentes à herança do falecido.

O entendimento é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia reconhecido o direito de uma viúva à herança do falecido.

Segundo o tribunal estadual, "a viúva não foi casada com o autor da herança pelo regime da separação obrigatória, assim não se aplica a ela a exceção legal que impede certas pessoas de sucederem na condição de herdeiro necessário". No recurso ao STJ, uma filha do falecido sustentou que a viúva não seria herdeira necessária.

O relator, ministro Moura Ribeiro, que ficou vencido, votou para dar provimento ao recurso, pois em sua opinião “não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte”.

Sempre necessário

O ministro João Otávio de Noronha, cujo entendimento foi acompanhado pela maioria da seção, explicou que o legislador construiu sistemas distintos para a partilha de bens por morte e para a separação em vida por divórcio.

Noronha afirmou que, conforme preconiza o artigo 1.845 do Código Civil, o cônjuge será sempre herdeiro necessário, independentemente do regime de bens adotado pelo casal. De acordo com ele, no regime de separação convencional de bens, o cônjuge concorre com os descendentes do falecido, conforme entendimento da Terceira Turma nos Recursos Especiais 1.430.763 e 1.346.324.

Segundo o ministro, no artigo 1.829 do CC estão descritas as situações em que o herdeiro necessário cônjuge concorre com o herdeiro necessário descendente. “Aí sim, a lei estabelece que, a depender do regime de bens adotado, tais herdeiros necessários concorrem ou não entre si aos bens da herança”. Entretanto, a condição de herdeiro necessário do cônjuge não fica afastada pela lei nos casos em que não admite a concorrência, “simplesmente atribui ao descendente primazia na ordem da vocação hereditária”, explicou.

Sem amparo

Para Noronha, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar nos casos em que o regime de casamento é a comunhão universal ou parcial, ou a separação obrigatória, “não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatória”.

Nessa hipótese, acrescentou, “o cônjuge casado sob tal regime – bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns – é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença de descendentes), ainda não haveria bens a partilhar”.

Leia o voto vencedor.

Fonte: STJ

Vigilância eficaz, por si só, não caracteriza como crime impossível a tentativa de furto em comércio




A existência de um eficiente sistema de segurança não basta para que eventual tentativa de furto em estabelecimento comercial seja considerada crime impossível – o que excluiria a possibilidade de punição. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial repetitivo (tema 924), cuja relatoria é do ministro Rogerio Schietti Cruz.

Para efeito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, ficou definido que “a existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial”. Essa tese vai orientar a solução de processos idênticos, e só caberão novos recursos ao STJ quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado.

No caso julgado como representativo da controvérsia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu a tese de crime impossível e absolveu duas acusadas de tentativa de furto dentro de um supermercado que tinha sistema de vigilância eletrônica. Para o TJMG, como a conduta foi monitorada pelo circuito interno de TV e por vigilantes, elas jamais teriam conseguido executar o furto, por isso o bem jurídico tutelado pelo direito penal, nesse caso, jamais esteve em risco de ser violado.

O Ministério Público mineiro recorreu ao STJ sustentando que “a mera vigilância exercida sobre as acusadas não constitui óbice, por si só, à consumação do delito”. Disse que, mesmo quando a pessoa tem seus passos monitorados, há sempre a possibilidade, ainda que remota, de que ela consiga driblar o esquema de segurança, enganando ou distraindo o vigilante ou fugindo com o produto do furto.

O caso foi considerado representativo de controvérsia em função da multiplicidade de recursos com fundamentação idêntica.

Perdas no varejo

A questão em debate era saber se o episódio configurou uma tentativa de furto, passível de punição (artigo 14, II, do Código Penal), ou se caracterizou o chamado crime impossível, diante da total ineficácia do meio empregado pelo agente (artigo 17 do CP).

Schietti disse que os sistemas de vigilância eletrônica podem evitar furtos, minimizando perdas, mas não impedem completamente a ocorrência desses crimes no interior dos estabelecimentos comerciais.

O ministro citou pesquisa feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), segundo a qual 40% das perdas do varejo em 2013 foram decorrentes de furtos, e avaliou que isso representa uma situação “dramática” especialmente para os pequenos comerciantes, que convivem com um índice de perda maior.

Para a doutrina jurídica, segundo Rogerio Schietti, a tentativa inidônea – isto é, o ato que não tem capacidade para levar à consumação do crime – somente se caracterizará como tal na hipótese de absoluta ineficácia do meio utilizado. Da mesma forma, ressaltou o ministro em seu voto, deve-se excluir a punibilidade por tentativa inidônea somente nas hipóteses que não gerem perigo concreto nem abstrato.

“Os atos do agente não devem ser apreciados isoladamente, mas em sua totalidade”, declarou o ministro, ao explicar que o criminoso pode se valer de atos inidôneos no início da execução e depois, percebendo sua inutilidade, passar a praticar atos idôneos.

Inidoneidade relativa

O ministro salientou que, no caso em análise, “o meio empregado pelas agentes era de inidoneidade relativa, visto que havia a possibilidade de consumação”, ainda que remota. Ele esclareceu que não se trata de fazer apologia da punição, mas de “concretização do dever de proteção, por meio de uma resposta proporcional do direito sancionador estatal a uma conduta penalmente punível”.

O relator lembrou que a interpretação dada pelo STJ é também uma resposta ao “justiçamento privado”, quando comerciantes, sob o pretexto da impunidade, acabam por executar medidas à margem do direito (como o uso de “salas de segurança” e até esquadrões da morte). De acordo com Schietti, o direito penal deve ser usado para minimizar a reação violenta ao desvio socialmente não tolerado e para garantir os direitos do acusado contra os excessos dos sistemas não jurídicos de controle social.

Por unanimidade de votos, o colegiado deu provimento ao recurso especial para reformar o acórdão que contrariou os artigos 14, II, e 17 do CP e para reconhecer que é relativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado de vigilância eletrônica, afastando-se a alegada hipótese de crime impossível. Com isso, o TJMG deverá prosseguir no julgamento da apelação da defesa e analisar outras questões apontadas contra a sentença condenatória.Leia o voto do relator.
Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...