quarta-feira, 11 de março de 2015

"Não se pode corromper o processo para combater a corrupção"







É impossível ser contra combater a corrupção. Mas o caminho para isso não pode ser a transformação do processo em um meio ilegal de obter confissões, pois os fins não justificam os meios. Assim defende o novo presidente da Associação dos Advogados de São Paulo,Leonardo Sica, ao afirmar que a delação premiada precisa ser usada com reservas. “Eu não posso prender uma pessoa e condicionar a liberdade dela a uma delação, isso é absolutamente ilegal!”

O mesmo se aplica aos casos em que o meio escolhido para combater a corrupção é dificultando o trabalho dos advogados. Sica explica: “Em recentes operações da Polícia Federal foram feitas interceptações da comunicação entre advogado e cliente e isso é inadmissível, isso afeta o Estado de Direito mais do que o crime que está sendo apurado. A gente não pode corromper o processo para combater a corrupção”.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, o presidente da Aasp falou também de velhas dificuldades: a morosidade do Judiciário e o processo eletrônico ainda assombram a advocacia. Além de exigir a implementação do processo eletrônico com perfeição, advogados já dizem esbarrar nas suas consequências: "aumentaram as dificuldades de encontrar com o juiz, que, muitas vezes, não se sente obrigado a atender o profissional", afirma Sica, que presa pelo encontro e diz ser necessário adequar o processo digital ao que entende por “Justiça boa”.

Com 92 mil associados, a Aasp passou por um momento raro da sua história. Na última corrida para a direção da associação, duas chapas se candidataram para o posto — nos últimos seis anos, a escolha se deu com chapa única.

A chapa da oposição — até então fora do quadro — apontou para a falta de comunicação entre associados e conselheiros. Vencedora, a chapa da situação, liderada por Leonardo Sica, promete ampliar as maneiras de participação na entidade.

Leia a entrevista:

ConJur — A delação premiada virou um dos principais meios de investigação e aponta-se que ela chegou a ser usada como moeda de troca. Nesse caso, os fins justificam os meios?
Leonardo Sica — Controlar e reduzir a corrupção é um objetivo necessário para o país, mas os fins não justificam os meios. Pelo contrário, os meios têm que ter uma identidade com o fim. Se o fim é controlar a corrupção e restabelecer a legalidade, eu não posso corromper o processo e tornar o processo um meio ilegal de obter confissões. Corromper o devido processo legal também é uma forma de corrupção, então a gente precisa combater a corrupção com legalidade, reforçar o processo penal. A delação precisa ser usada com reservas, eu não posso prender uma pessoa e condicionar a liberdade dela a uma delação, isso é absolutamente ilegal.

ConJur — Os advogados criminalistas estão recebendo tratamento de criminosos nas operações da Polícia Federal?
Leonardo Sica — Desde sempre os criminalistas enfrentam a confusão entre o crime e o advogado. O advogado não defende o crime, ele defende a pessoa que está sendo acusada. Em recentes operações da Polícia Federal, foram feitas interceptações da comunicação entre advogado e cliente e isso é inadmissível, isso afeta o Estado de Direito, mais do que o crime que está sendo apurado. Muitas vezes o que tem se buscado é combater a corrupção por meio de dificultar o trabalho dos advogados de defesa, então o advogado não consegue ver os autos, não consegue falar com o cliente que está preso... Esse não é um caminho bom, a gente não pode corromper o processo para combater a corrupção.

ConJur — Podemos falar que o Brasil aderiu de vez o Direito Penal do Inimigo?
Leonardo Sica — Em alguns aspectos sim. Eu acho que quando se elegem bodes expiatórios, algumas poucas pessoas são punidas para combater a corrupção no país inteiro, isso é um pouco de Direito Penal do Inimigo, porque você está descarregando em duas ou três pessoas a expectativa de uma nação inteira de lidar com um problema que é imenso no país e isso é muito ruim, isso não é justo. Não se faz justiça dessa maneira. Ninguém pode ser punido para servir de exemplo aos outros, a pessoa só pode ser punida em razão do que ela fez.

ConJur — Nos processos criminais, vemos o público fazer confusão entre o que é o cliente e o que é o advogado. As prerrogativas dos advogados estão ameaçadas?
Leonardo Sica — Acho que elas têm sido constantemente ameaçadas, porque têm sido confundidas. A prerrogativa do advogado não é do advogado e sim do direito de defesa do cidadão que está sendo defendido pelo advogado. O advogado não carrega a prerrogativa como um privilégio seu, é algo que ele exerce para defender o interesse de alguém e, mais do que isso, para defender o devido processo legal, para defender que a pessoa seja julgada de acordo com as regras do jogo. Quando você abate uma prerrogativa do advogado você pode estar abatendo uma possibilidade de defesa do devido processo legal.

ConJur — Quais são as prerrogativas que a Aasp mais tem lutado para garantir?
Leonardo Sica — A gente tem desde situações mais simples, como, por exemplo, juízes que não querem receber advogados. Isso é uma questão recorrente, infelizmente. É triste que no ano de 2015 a gente ainda tenha que discutir casos de juízes que simplesmente não querem falar ou receber advogados. Também há problemas de acesso aos autos, em várias esferas. Muitas vezes a gente percebe que o acesso aos autos é usado como instrumento de poder.

ConJur — As audiências de custódia vieram em um bom momento? Qual a sua opinião sobre elas?
Leonardo Sica — As prisões superlotadas são uma condenação da sociedade para o futuro, com taxas de aprisionamento crescente, especialmente em São Paulo. A cidade vai batendo ano a ano todos os recordes de superlotação carcerária e acho que nós, como profissionais do Direito, precisamos fazer alguma coisa para isso. A audiência de custódia é uma maneira de fazer com que a nossa Justiça recorra menos à pena de prisão, que deve ser o último, extremo e reduzido recurso. Prender jovens desnecessariamente é condenar uma parte do futuro da nação.

ConJur — A Aasp passou por uma disputa inédita no final de 2014 para cadeiras do seu Conselho Diretor. Nos últimos seis anos, a escolha se deu com chapa única. Qual é o significado disso para o senhor?
Leonardo Sica — A Aasp está se tornando mais forte, mais visível e mais importante, então é natural que ela seja objeto de disputa. A disputa é legítima, é democrática e serviu para colocar mais discussões sobre a advocacia em evidência. Para nós, o resultado foi expressivo, a situação venceu com uma diferença de 3 para 1 em relação à oposição.

ConJur — Durante as eleições, a chapa da oposição apontava para a falta de comunicação entre associados e conselheiros. Eles afirmaram que os associados querem participar, mas não têm voz. O senhor concorda?
Leonardo Sica — Eu acho essa critica estranha, porque o associado tem vários canais de comunicação com a Aasp. Há a ouvidoria, o Facebook, o Twitter, a central de atendimento por telefone, a sede que faz centenas de atendimentos por dia, os diretores e os conselheiros. Nós somos procurados por advogados e respondemos sempre que possível. Só que é evidente que em 92 mil associados, um ou outro talvez não consiga se comunicar da maneira que pretende, mas os canais de comunicação existem e são vários. Independentemente disso, a gente sempre está fazendo grandes esforços para ampliar. Vamos lançar um número de WhatsApp para atender os associados, também para se comunicar.

ConJur — O doutor enxerga a eleição como uma tendência para os próximos anos?
Leonardo Sica — Depende das circunstâncias. Esse ano, pretendemos ampliar as maneiras de participação na Aasp. Vamos ter um comitê de novos advogados para atingir os profissionais mais jovens, um centro de estudos mais permanente, onde os advogados vão poder participar, e outros projetos que estão por vir. Somos 21 conselheiros que pretendem representar 92 mil associados. Ampliar o conselho está fora de questão, porque isso é muito casuísta e dá a impressão de que estamos tentando criar cargos, mas precisamos abrir novos espaços.

ConJur — Advogados novos ou recém formados não têm esse costume de participar de alguma associação?
Leonardo Sica — Uma das principais metas para 2015 é recuperar o interesse associativo dos mais jovens. É um diagnóstico comum que as novas gerações estão perdendo o interesse em se associar a qualquer tipo de associação. A gente fez uma pesquisa entre os advogados não associados à Aasp e descobrimos que 84% dos advogados conhecem a Aasp. Então a gente precisa recuperar esse interesse para mostrar para os advogados mais jovens que é importante ter associações fortes. As associações são os canais para que os interesses se encontrem.

ConJur — E o que vai ser feito para tentar fazer com que eles mudem de ideia?
Leonardo Sica — Primeiro vamos abrir um espaço institucional próprio, uma comissão de novos advogados. Vamos intensificar a comunicação por redes sociais e vamos elaborar cursos de formação para os estudantes de último ano de faculdade que tenham interesse na advocacia e para os recém-formados. Vamos também retomar um projeto antigo que está meio paralisado, chamado "Aasp nas Faculdades". Fizemos uma reunião com os cinco diretores das principais faculdades de Direito da capital de São Paulo, e a nossa ideia é estar presente por meio de cursos, debates e palestras. Queremos identificar os assuntos de interesse dos mais jovens para conversar com eles e ainda levar a ideia de o quão importante é ter uma associação forte e participar dela.

ConJur — Quais são os desafios para a advocacia de São Paulo em 2015?
Leonardo Sica — A grande maioria das reclamações de advogados que recebemos estão concentradas em dois temas: processo eletrônico e morosidade. O processo eletrônico tem o grande desafio de ser implementado e de funcionar de uma maneira positiva e de não repetir no ambiente digital os vícios do processo de papel. Precisamos ter uma convergência entre advogados e tribunais para entender o quanto o processo eletrônico pode melhorar a administração da Justiça. No momento, estamos enfrentando muitas dificuldades que são naturais, já que sair do papel para o digital é uma mudança de paradigma violenta.

ConJur — O advogado ainda vê o processo eletrônico como um desafio ou está aceitando mais essa ideia?
Leonardo Sica — A ideia está aceita na advocacia, mas a prática para o advogado ainda tem sido muito difícil. Os sistemas não estão aprimorados, nos campos processuais existem muitos pedidos que o advogado não consegue fazer, porque o sistema não aceita. O sistema não pode julgar, quem julga é o juiz. Além disso, os sistemas não se conversam, cada Justiça tem o próprio...

ConJur — Os advogados já sentem algumas mudanças no Judiciário com a chegada do processo eletrônico, como, por exemplo, os juízes receberem menos os advogados?
Leonardo Sica — Sim, a gente tem recebido várias reclamações. Advogados dizem que não conseguem mais encontrar o juiz, porque como o processo é digital, o juiz muitas vezes não se sente obrigado a atender o profissional. Tem que ser o contrário. Precisamos adequar o processo digital ao que a gente entende de uma Justiça boa.

ConJur — Qual é a maior carência do advogado que atua em São Paulo?
Leonardo Sica — A morosidade afeta muito o cotidiano do advogado. Para enfrentá-la, vamos procurar trilhar três caminhos. O primeiro, parceria com os tribunais. Advogados e juízes precisam conversar, eles não podem estar em polos opostos. A segunda é atacar aquilo que nos parece a principal causa da morosidade: a gestão dos processos e do fórum. Juízes não são gestores, eles são concursados e treinados para decidir processos e aplicar a lei, não são treinados para administrar cartórios, varas e tribunais muito complexos. Com a campanha “De olho no Fórum”, a Aasp percebeu que, muitas vezes, no mesmo fórum, tem uma vara que funciona muito bem e uma vara que funciona muito mal. Então, o problema não é estrutural, o problema é evidentemente de gestão. Mas o juiz não é gestor, então precisamos achar quais são as melhores formas de gestão da vara e dos processos.

ConJur — A Aasp já tem algumas sugestões para melhorar a gestão?
Leonardo Sica — A gente precisa achar ferramentas de gestão para que os juízes possam compartilhar o que deu certo e o que deu errado e mexer também no modelo de Justiça que a gente tem. Existem métodos dentro do processo que podem tornar a Justiça menos morosa, então precisamos falar mais de oralidade e resolver menos as coisas no papel e mais verbalmente, decisão de incidente sem audiência, então os juízes precisam decidir em audiência. Muitas vezes o advogado faz um pedido que vai concluso para o juiz, e ele demora meses para decidir. Nesse caso, seria melhor resolver tudo na audiência, as partes estão ali, isso tem a ver com oralidade também.

ConJur — Qual é o seu posicionamento em relação aos métodos alternativos de resolução de conflitos?
Leonardo Sica — Precisamos investir muito em mediação e conciliação. Eu sei que o Tribunal de Justiça de São Paulo é também favorável a isso. Apresentamos à corte um projeto de mediação e conciliação para vencer algumas resistências na área e incluir advogados, juízes e promotores em um projeto real de oferecer para a sociedade a mediação e conciliação como soluções boas, não como soluções burocráticas de limpar prateleira. Devem servir como métodos de resolver conflitos que não precisam do processo.

ConJur — O advogado vai receber menos com os meios extrajudiciais de solução de conflito?
Leonardo Sica — Eu acho uma avaliação errada. A Justiça morosa desmoraliza a atuação do advogado perante o cliente. O advogado que não resolve processos não é útil, então deixa de ser importante. É preciso buscar métodos alternativos em que o advogado possa participar ativamente como faz em outros países. A gente precisa superar essa resistência cultural e essa propensão excessiva ao litígio, precisamos diminuir o número de litígios.

ConJur — O quanto a Aasp chega ao interior do estado?
Leonardo Sica — A atuação é bem forte no interior do estado. Especialmente com a internet, a gente consegue oferecer para os advogados do interior de vários estados do Brasil, quase todos os produtos e serviços que a gente oferece para o da capital. Até os cursos e aulas também são oferecidos pela internet por uma rede de satélite. Nós temos uma rede de ensino telepresencial que tem em mais de 400 cidades do país. Além disso, pretendemos fazer cada vez mais eventos fora de São Paulo. Já estivemos em Itu, São José do Rio Preto, vamos para Marília em março e ainda haverá o encontro anual que vai ser em Santos.

ConJur — Na sua gestão, qual é o principal objetivo da Aasp?
Leonardo Sica — Recuperar o interesse associativo dos advogados mais jovens, ampliar a atuação nacional da AASP. O objetivo é fortalecer a entidade em três áreas: defesa de prerrogativas dos advogados, suporte profissional e produção de conteúdo.

ConJur — Como que está a relação da advocacia com o Judiciário?
Leonardo Sica — A relação cotidiana entre advogados e juízes atualmente é tensa e precisa passar por um período de aproximação. Esse é o papel das entidades. Precisamos criar espaços de consenso para advogados, juízes e promotores identificarem interesses comuns, que são os interesses da cidadania.

ConJur — Tensa por quê?
Leonardo Sica — Existe uma tensão natural. Advogados, juízes e promotores estão em um ambiente do fórum que é tenso. E é difícil se distanciar do ambiente do tribunal para se enxergarem como parceiros. Muitas vezes, o meu melhor parceiro é aquele que discorda de mim e pode me alertar para as circunstâncias e fatores que talvez eu não preste atenção. Então é preciso um certo distanciamento do cotidiano.

ConJur — O cidadão confia na Justiça?
Leonardo Sica — Existe uma sensação um pouco bipolar, de confiança e desconfiança. O cidadão procura muito o Judiciário, mas confia pouco naquilo que a Justiça possa produzir, porque a Justiça é lenta, morosa e complexa. É de difícil compreensão. Então tem um nó a ser desatado para fazer a Justiça funcionar melhor.

ConJur — O período determinado para as férias dos advogados prejudica o jurisdicionado?
Leonardo Sica — Não prejudica. A Constituição prevê que o serviço Judiciário é ininterrupto. A suspensão de prazo por vinte dias não paralisa o processo, só evita que prazos sejam abertos. E ela também não paralisa processos emergentes, pedidos cautelares, processos de réu preso, esses prazos continuam correndo. Com o período, o advogado apenas faz jus a um direito universal que é o direito às férias.

ConJur — Quais serão os debates jurisprudenciais mais importantes que o Judiciário vai enfrentar em 2015?
Leonardo Sica — O debate sobre Habeas Corpus. Existe aí uma disputa entre os limites do HC nas cortes superiores e no Supremo Tribunal Federal. Acho que houve um retrocesso nos últimos anos sobre o pretexto de reduzir a carga de trabalho dos tribunais, o STF e o Superior Tribunal de Justiça restringiram as possibilidades de HC.

ConJur — Essa restrição ao recurso atinge o direito de defesa do acusado?
Leonardo Sica — Sim. O Habeas Corpus é o último remédio para o réu em processo criminal, que é a situação mais aguda que uma pessoa pode estar envolvida e não ter outro recurso. Ao longo do tempo, os tribunais brasileiros, principalmente o Supremo, construíram uma doutrina de Habeas Corpus muito forte no Brasil, mas essa doutrina cedeu em pouco tempo por força do excesso do volume de processo, o que é inaceitável. Entre um processo lento e com maior possibilidade de direito de defesa e um processo rápido com pouca possibilidade de defesa, eu prefiro um processo lento e com direito de defesa. A qualidade da Justiça não é medida por números.

ConJur — A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) demanda atividade conjunta de vários departamentos do mesmo escritório e a discussão das políticas internas das bancas. Para 2015, a área de contencioso deve crescer? Dizem que “quando a crise vem, a disputa aumenta”...
Leonardo Sica — Eu acho que a nova Lei Anticorrupção e a Lei de Lavagem de Dinheiro realmente impuseram uma nova realidade para os escritórios de advocacia. O que vem se fazendo é atribuindo para o setor privado uma parcela da missão de controle da legalidade das operações financeiras, contábeis e comerciais. Isso é uma tendência mundial. O setor privado cada vez mais vai funcionar também como guardião da legalidade, então os advogados têm que se educar para trabalhar nessa nova realidade para prevenir a ilegalidade, o que me parece saudável.

ConJur — Como o senhor vê a questão da atuação dos advogados estrangeiros no Brasil?
Leonardo Sica — A gente precisa procurar uma solução mais adequada do que simplesmente proibir. A proibição significa fechar-se às realidades do mercado global em um país que é tido hoje em dia como um “player global”. É preciso encontrar uma maneira de regulamentar que advogados estrangeiros atuem no país. Um advogado estrangeiro no Brasil nunca vai tomar o lugar do advogado nacional. O advogado nacional foi criado aqui, conhece as leis, conhece o país, conhece as instituições. Eu acho que um advogado estrangeiro poderá trabalhar em parceria com um advogado daqui.

ConJur — O Conselho Nacional de Justiça decidiu que juízes e membros do Ministério Público deviam também passar pelos detectores de metais nos tribunais. Isso aconteceu após reclamação dos advogados. Esse é o ideal de igualdade ou seria tirar os detectores de vez?
Leonardo Sica — A vida moderna nos impõe a aceitação de certos incômodos para viver em sociedade. O detector de metal é um incômodo, mas aí vem a questão da igualdade. Se uns têm que passar, outros também têm que passar, porque se é uma questão de segurança não justifica que uns sejam vigiados e outros não.

ConJur — Como vai ser o advogado do futuro?
Leonardo Sica — O advogado do futuro precisará ser um profissional ágil que tenha na linguagem um instrumento importante, não um obstáculo. As pessoas de fora do Direito costumam dizer que não entendem o que nós falamos, então é um profissional que tem que ter uma linguagem moderna. Além disso, é um profissional do processo eletrônico, um profissional que vai aprender a trabalhar em ambiente virtual, é um profissional que vai ter que compreender que existem outras maneiras de produzir o Direito que não só o processo. O Judiciário não dá conta da demanda e aí é o papel do advogado de viabilizar e estudar formas de produzir o Direito para os clientes, sem recorrer ao processo. Então eu acho que o que o advogado do futuro precisa desenvolver de diferente dos advogados tradicionais é a criatividade. Criatividade nunca foi um traço típico do advogado, eu acho que precisa ser daqui adiante.

ConJur — O senhor é favorável ao foro especial por prerrogativa de função?
Leonardo Sica — Todos os deputados, senadores, ministros, chefes de estado são julgados só pelo Supremo Tribunal Federal, isso está atrapalhando o cotidiano da corte suprema, que virou uma corte penal de julgar políticos, isso cria uma situação de desigualdade. Embora isso dependa do Legislativo, eu acho que o STF deveria apoiar a bandeira de acabar com o foro privilegiado, de julgar as questões constitucionais mais importantes, as questões constitucionais que vão ser julgadas pelo Plenário, como já fez no passado, células-tronco, enfrentar talvez as questões de interrupção de gravidez e de aborto.

ConJur — O juiz de primeiro grau não se sentiria intimidado de julgar as autoridades que hoje têm prerrogativa?
Leonardo Sica — Pode ser que sim, pode ser que não, assim como ele pode ficar intimidado de julgar o vizinho dele... Acho que julgar é uma missão difícil mesmo. Acho que os juízes têm condições de julgar autoridades, mas para isso existe o duplo grau também...

ConJur — Mas quando o juiz conhece uma das partes ele pode se declarar impedido de julgar o caso.
Leonardo Sica — O juiz é um ser humano comum. Mas acho que por isso que também que existem as esferas de controle. O juiz tem o tribunal acima dele. Mas a prerrogativa de foro precisa ser repensada de uma forma mais inteligente e mais produtiva, da maneira que está, favorece injustiças e trava a pauta do STF, o que não é razoável. Além disso, acho que existe uma concentração de poder excessiva no Supremo, que acaba decidindo o mandato de todos os políticos da esfera federal do Brasil. Para os ministros, isso não é saudável.O ministro aposentado Cezar Peluso, o ministro Luís Roberto Barroso, a vice-presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, estiveram conosco no ano passado e todos se manifestaram para a necessidade de mudar a disciplina do foro prerrogativa de função no Brasil, talvez mantendo o Supremo Tribunal Federal como foro privilegiado do presidente da República e de outras poucas autoridades.


Livia Scocuglia é editora da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2015, 8h08

Itaú indenizará bancária demitida por justa causa por acusação não comprovada


A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou, nesta quarta-feira (3), o Itaú Unibanco S.A. a pagar R$ 30 mil a título de indenização por dano moral a uma bancária de uma agência de Uberlândia (MG) demitida por justa causa acusada de ato de improbidade. A justa causa foi posteriormente revertida em juízo diante da fragilidade das provas, mas, em virtude do fato, a bancária desenvolveu depressão.

A alegação do banco foi a suposta apropriação de valores depositados em conta de clientes, considerada falta gravíssima. A instituição sustentou que foram cometidos três atos ilícitos sucessivos, passíveis de enquadramento como improbidade, motivo listado na CLT (artigo 462, alínea "a", da CLT) para a aplicação da justa causa.

A dispensa foi revertida pelo juízo da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia diante da ausência de provas consistentes de que as movimentações tivessem efetivamente sido realizadas pela bancária. A sentença, porém, julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral, por entender que não houve ato ilícito por parte do banco que justificasse o dever de indenizar. O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a decisão.

No recurso ao TST, a bancária insistiu na indenização, sustentando que o banco foi "imprudente" ao demiti-la sumariamente, sem qualquer inquérito administrativo que comprovasse sua culpa, e que passou a ter depressão profunda depois da dispensa. "A doença não existia antes. Ao contrário. A empregada estava em franca ascensão no serviço, tinha acabado de ter uma filha. Estava no auge de sua vida", afirma seu advogado.

O relator do recurso, ministro Mauricio Godinho Delgado, ressaltou que a jurisprudência do TST é no sentido de que a dispensa por justa causa, mesmo revertida em juízo, não justifica, em regra geral, reparação por dano moral à imagem do trabalhador. No caso, porém, a empregada foi acusada de improbidade. "A acusação de ato ilícito criminal sem qualquer comprovação acabou por afrontar gravemente a honra e a imagem da trabalhadora, ao ponto de, inclusive, deixá-la depressiva, o que enseja a indenização por danos morais", concluiu. A decisão foi unânime.

(Carmem Feijó e Dirceu Arcoverde)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Advogado de empresa sediada em Londres responderá por dívida de empresa brasileira



A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a recurso interposto por um advogado que teve sua conta bancária penhorada para pagamento de dívida trabalhista. Ele terá de pagar quase meio milhão de reais porque foi considerado representante da empresa estrangeira que era a principal sócia da devedora.

O processo foi movido em 2005 por um ex-empregado da Total Trading Ltda. na 35ª Vara do Trabalho de São Paulo (capital) para reconhecimento de vínculo de emprego. Sem bens a serem penhorados para pagar a dívida, o juiz determinou que os sócios da sócia majoritária, a Casten Eurotrade LLP, com sede em Londres, arcassem com os valores.

A execução contra a empresa estrangeira também foi infrutífera. Como na Junta Comercial de São Paulo o advogado consta como seu único representante e procurador, a execução foi então dirigida a ele.

Após ter R$ 468 mil bloqueados em sua conta bancária pagamento da dívida, o advogado recorreu alegando que, além de não fazer parte da demanda, jamais havia atuado como sócio, apenas como procurador da Casten. Sem êxito na primeira instância, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) na tentativa de convencer o juízo de que não houve tempo para defesa antes da penhora de seus bens e que, por isso, não restava meios para sua subsistência e de sua família. No entanto, o TRT-SP também entendeu que a decisão estava correta e manteve a penhora.

"Verdadeiro administrador"

Ao julgar os embargos de terceiro do advogado, o TRT-SP observou que "não é novidade no mundo jurídico a existência de artifícios fraudulentos" utilizados por empresas estrangeiras sócias de empresas nacionais para não assumir os deveres inerentes às suas atividades. "Essas empresas se utilizam dos chamados ‘testas de ferro'", assinalou o Regional, para o qual "essas pessoas são os verdadeiros administradores do negócio".

No julgamento do agravo no TST, os ministros da Quarta Turma concordaram com a tese de que o advogado, de fato, atuava como administrador da empresa estrangeira, e que detinha poderes para gerir seus ativos financeiros e tomar as decisões necessárias para a viabilização do objetivo social da executada principal. Segundo o relator, ministro João Oreste Dalazen, a procuração outorgada pela empresa dava ao advogado poderes não de "simples procurador, mas sim verdadeiro administrador da sociedade estrangeira, com poder para gerir seus ativos financeiros da forma que bem entendesse".

O ministro endossou a decisão do TRT, fundamentada no artigo 1.016 do Código Civil, que responsabiliza os administradores solidariamente perante a sociedade e aos terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções. "A admissibilidade do recurso restringe-se ao exame de violação direta e literal de dispositivo da Constituição Federal, e a discussão da responsabilidade quanto ao débito em execução tem fundamento direto na legislação infraconstitucional", concluiu.

(Natália Oliveira/CF/RR)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Órgão Especial rejeita questão de ordem de entes públicos sobre responsabilidade subsidiária




O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou questão de ordem suscitada pela União e pelo Estado de São Paulo em 20 processos que tratam da responsabilidade subsidiária da Administração Pública por dívidas trabalhistas de prestadoras de serviços. Nos 20 casos, o TST rejeitou a alegação de que o Órgão Especial não teria competência para analisar os agravos regimentais interpostos contra despachos da Vice-Presidência negando seguimento a recursos extraordinários sobre a matéria.

O argumento dos entes federativos era o de que o Órgão Especial estaria usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que a responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento das verbas trabalhistas de empregados terceirizados é tema de repercussão geral reconhecida. Assim, o agravo contra o despacho teria de ser analisado pelo STF (artigo 544 do Código de Processo Civil), e não pelo TST (artigo 557, parágrafo 1º).

ADC X Repercussão Geral

O vice-presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, fundamentou seu voto no fato de que, após o reconhecimento da repercussão geral da matéria, o STF, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, decidiu parte do tema, entendendo que, nos casos em que está comprovada a sua culpa pelo descumprimento das regras trabalhistas por empresas interpostas, os entes públicos são responsáveis subsidiários pela dívida decorrente. "Restou como matéria a ser discutida na repercussão geral apenas as hipóteses em que não houve registro algum sobre culpa, em que esta foi presumida ou nas quais se adotou a tese da responsabilidade objetiva", assinalou.

Ives Gandra Filho lembrou que, recentemente, a Primeira Turma do STF entendeu que não cabia mais à Vice-Presidência do TST sobrestar processos com base no Tema 246 da tabela de repercussão geral nos casos em que a culpa do ente público ficou demonstrada. E, no julgamento da Reclamação 16094, o Plenário reiterou que as decisões baseadas na responsabilidade subjetiva (com comprovação de culpa) não desrespeitam a autoridade da decisão do Supremo na ADC 16.

"A pretensão de levar ao STF milhares de feitos para rediscutir a configuração de culpa nos casos concretos esbarraria na Súmula 279 daquela Corte, que impede o reexame de fatos e provas em recurso extraordinário, e vai na contramão da sistemática da repercussão geral", concluiu.

Multa

Com a rejeição da questão de ordem, o Órgão Especial negou provimento aos agravos e determinou a baixa dos processos à origem, para que se proceda à execução. E, diante da insistência da União e do estado em levar o caso ao STF ou rediscuti-lo no TST, considerou a interposição dos agravos protelatória, aplicando a multa prevista no artigo 557, parágrafo 2º, do CPC para agravo manifestamente inadmissível ou infundado. Como o dispositivo permite multa de 1% a 10%, o vice-presidente assinalou que, em caso de reincidência, aplicará o percentual máximo.

Baixa

Na mesma sessão, o Órgão Especial negou provimento a mais de 200 agravos que discutiam o mesmo tema, em processos nos quais a culpa da Administração Pública ficou caracterizada. A decisão segue o entendimento adotado na sessão de fevereiro do Órgão Especial no sentido de não manter o sobrestamento desses casos, que não estariam entre aqueles que precisam aguardar a decisão do STF na matéria com repercussão geral reconhecida.

(Carmem Feijó)

Processo: Ag-ED-AIRR-46-63.2010.5.19.0008. Os demais processos seguem a mesma fundamentação.

Leia mais:


O Órgão Especial do TST é formado por dezessete ministros, e o quórum para funcionamento é de oito ministros. O colegiado, entre outras funções, delibera sobre disponibilidade ou aposentadoria de magistrado, escolhe juízes dos TRTs para substituir ministros em afastamentos superiores a 30 dias, julga mandados de segurança contra atos de ministros do TST e recursos contra decisão em matéria de concurso para a magistratura do trabalho e contra decisões do corregedor-geral da Justiça do Trabalho.
Fonte: TST

Direito ambiental é tema da 30ª edição de Jurisprudência em Teses

Já está disponível no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a 30ª edição de Jurisprudência em Teses, que trata do tema direito ambiental. Tomando como base precedentes dos colegiados que compõem o tribunal, a Secretaria de Jurisprudência identificou diversas teses sobre o assunto.

Uma das teses destacadas diz que não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, não existindo permissão ao proprietário ou posseiro para a continuidade de práticas vedadas pelo legislador. Entre os precedentes em que a tese se baseia está o REsp 1.172.553, julgado pela Primeira Turma em maio do ano passado.

Outra tese identificada afirma que o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva. Um dos precedentes que sustentam o entendimento jurisprudencial é o REsp 1.237.893, da Segunda Turma, julgado em setembro de 2013.

Conheça a ferramenta

Lançada em maio de 2014, a ferramenta Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses de determinado assunto que foram identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

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Fonte: STJ

Consumidor tem cinco anos para ajuizar ação por dano causado por cerâmica defeituosa



O consumidor tem cinco anos para pedir na Justiça a reparação dos prejuízos causados por cerâmica com defeito de fabricação. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o prazo previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), adequado aos casos de perdas e danos decorrentes do chamado fato do produto.

No caso, em 22 de março de 2002, o consumidor ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o fabricante da cerâmica e a loja que vendeu o produto. Contou que em julho de 2000, nove meses depois de ter adquirido o produto, usado em seu imóvel, foram detectados problemas que exigiram a substituição das peças.

Antes de ir à Justiça, o consumidor procurou a fabricante, que, segundo ele, embora tenha reconhecido o vício, não ofereceu indenização compatível com as despesas necessárias à substituição do revestimento.

A sentença entendeu que houve decadência do direito de reclamar porque teria sido superado o prazo de 90 dias entre o surgimento do vício do produto e a propositura da ação.

Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a decadência, reconheceu o dano material e, por maioria, julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral. Fabricante e comerciante foram condenados solidariamente a pagar R$ 3.528,64, corrigidos monetariamente a partir do ajuizamento da ação e com juros de mora a contar da citação.

No recurso, o fabricante sustentou que o consumidor não teria mais o direito de reclamar porque teria passado o prazo de 90 dias previsto no artigo 26 do CDC. Disse que não seria aplicável o prazo de cinco anos, pois não se trataria de responsabilidade por fato do produto.

Vício ou fato

Em seu voto, em que concluiu pela aplicação do prazo quinquenal, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou a diferença entre vício e fato do produto. Segundo ele, o vício afeta tão somente a funcionalidade do produto ou do serviço. Restringe-se ao próprio produto ou serviço e não inclui danos que eventualmente causem ao consumidor.

Quando esse vício for grave a ponto de repercutir sobre o patrimônio material ou moral do consumidor, a hipótese será de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Em outras palavras, nesses casos há um vício acrescido de um problema extra, um dano ao patrimônio jurídico material ou moral do consumidor.

O ministro esclareceu que, de acordo com a interpretação do STJ, os prazos de 30 e 90 dias estabelecidos no artigo 26 do CDC referem-se a vícios e são decadenciais (o consumidor perde o direito material). Já o prazo quinquenal previsto no artigo 27 do CDC é prescricional (perda do direito de ação) e se relaciona à reparação de danos por fato do produto ou serviço.

Na hipótese dos autos, o ministro destacou que o vício do produto era oculto e se revelou nove meses após a aquisição, quando o revestimento cerâmico já se encontrava instalado na residência do consumidor. Assim, para o relator, é evidente a existência de danos materiais indenizáveis relacionados com a necessidade de, no mínimo, contratar serviços destinados à substituição do produto defeituoso. O quadro configura fato do produto, sendo aplicável o prazo prescricional de cinco anos.
Fonte: STJ

terça-feira, 10 de março de 2015

Justiça não é sinônimo de justiçamento




[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta segunda-feira (9/3) com o título Prende e solta]

O título deste artigo revela autoria única. Quem prende e solta é o Estado-juiz, gerando toda sorte de perplexidade, de decepção para os cidadãos em geral. A ordem natural direciona a apurar para, selada a culpa, prender, em execução da pena privativa da liberdade de ir e vir.

Esse enfoque decorre da presunção do que normalmente ocorre; mais do que isso, do princípio constitucional da não culpabilidade: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

A impossibilidade de voltar-se ao estado de fato anterior exclui a denominada execução provisória da pena. A liberdade perdida, ante postura precoce, temporã, açodada, foge ao campo da devolução. Há, pois, de admitir-se uma premissa: o acusado, até então simples acusado, deve responder ao processo-crime em liberdade, assim permanecendo sob os holofotes da persecução penal, o que não é pouco em termos de reputação perante a sociedade.

A Constituição Federal, de forma indireta, contém mitigação a esse princípio, ao versar não só que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, como também que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

A prisão temporária é exceção, e mais ainda o é a preventiva. Presente o princípio da não culpabilidade, o legislador veio a afastar, como título da prisão provisória, até mesmo, o flagrante. Fê-lo mediante lei de 2011, estabelecendo a necessidade, se for o caso, de conversão em preventiva, uma vez não sendo oportuna e satisfatória a adoção, no caso concreto, de uma das medidas acauteladoras nela previstas.

Mas por que a população carcerária provisória chegou a patamar praticamente igual ao da definitiva, levando o Conselho Nacional de Justiça, na gestão do ministro Gilmar Mendes, a realizar um verdadeiro mutirão de soltura?

As razões mostram-se muitas. São potencializados — em inversão de valores, em abandono de princípios, da máxima segundo a qual, em direito, o meio justifica o fim, mas não este, aquele — aspectos neutros, de subjetivismo maior, sobressaindo o critério de plantão e, com isso, grassando a incerteza, a intranquilidade, a insegurança.

Em visão míope — e de bem-intencionados, nesta quadra estranha, o Brasil está cheio —, passou a vingar não o império da lei, mas a óptica do combate, sem freios, dos desvios de conduta, da corrupção, da delinquência de todo gênero.

A prisão preventiva talvez amenize consciências ante a morosidade da Justiça, dando-se uma esperança vã aos cidadãos, como se fosse panaceia perante esse mal maior que é a impunidade. A exceção virou regra, implementando-se, com automaticidade e, portanto, à margem da regência legal, esse ato de constrição maior que é a prisão.

As decisões nesse campo carecem de fundamentação, desaguando na concessão de ordem em habeas corpus. Por vezes, potencializa-se a imputação e, em capacidade intuitiva, presume-se que, solto, o investigado voltará a delinquir. Que se apure, viabilizando-se, à exaustão, o direito de defesa, para então, depois de incontroversa a culpa, limitar-se a liberdade, bem suplantado apenas pela própria vida.

Não é demasia lembrar Machado de Assis — a melhor forma de ver o chicote é tendo o cabo à mão. Justiça não é sinônimo de justiçamento. A sociedade não convive com o atropelo a normas reinantes. O desejável e buscado avanço social pressupõe o respeito irrestrito ao arcabouço normativo. É esse o preço a ser pago "e é módico, estando ao alcance de todos" por viver-se em um Estado Democrático de Direito.


Marco Aurélio Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal.



Revista Consultor Jurídico, 9 de março de 2015, 11h32

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...