segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

STJ pode deliminar papel do conceito de insumo na apuração de créditosno







A controversa discussão sobre o conceito de insumos empregado no inciso II do artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003[1] parece estar prestes a ganhar contornos mais uniformes — ao menos na esfera judicial.

Considerado o leading case da matéria, o Recurso Especial Representativo de Controvérsia Resp 1.221.170/PR foi finalmente incluído na pauta da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e seu julgamento está previsto para o dia 11 de fevereiro.

Embora alvo de antigo e intenso debate no meio jurídico, a discussão acerca dos limites da definição e também da utilidade desse conceito, para fins de registro de créditos das contribuições ao PIS e à COFINS, não poderia ser mais atual.

A bem da verdade, a ampla jurisprudência sobre o tema não mostrou, até o momento, indicativos mínimos de que esteja próxima de se consolidar numa direção una, deixando o contribuinte em delicada atmosfera de insegurança jurídica.

Assim, para os contribuintes interessados na definição da matéria, a inclusão do Resp 1.221.170/PR na pauta da sessão de julgamento do STJ pode ser o pretexto necessário para reacender e acalorar o debate jurídico sobre a questão.

A esse respeito, inclusive, na esfera administrativa, temos notado um crescente aprofundamento da análise do papel dos insumos na geração de créditos relativos às contribuições ao PIS e à COFINS, previstos no inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

Já há algum tempo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) desdobrou os possíveis tratamentos fiscais aplicáveis aos insumos, basicamente, em três correntes:
a mais restritiva, que se vale da analogia ao conceito atribuído aos insumos pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”)[2];
a mais ampla, que, por sua vez, utiliza o conceito atribuído às despesas necessárias para fins de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”)[3]; e,
a que vem prevalecendo nos julgados mais recentes, que dispensa os conceitos estranhos à legislação do PIS e da COFINS, concentrando-se exclusivamente na interpretação das Leis n.°s 10.637/2002 e 10.833/2003[4].

É nessa terceira corrente que, a nosso ver, está inserida a base jurídica necessária para a atuação estratégica junto aos ministros dos Tribunais Superiores.

A concentração da discussão na dicção do inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 mostra-se fundamental para um deslinde do Resp 1.221.170/PR mais favorável ao contribuinte.

Atualmente, a discussão sobre a inteligência do inciso II do artigo 3° das citadas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 vem paulatinamente se sofisticando, a tal ponto que a própria necessidade de definição do conceito de insumo está sendo questionada entre alguns conselheiros do CARF.

Em linhas gerais, de acordo com a nova ótica, é preciso ter em mente a intenção do legislador, ao empregar o termo “insumo”. Para tal, o intérprete deve necessariamente se valer da hermenêutica jurídica, cuja função principal é a de fornecer os instrumentos de interpretação dos enunciados jurídicos necessários à construção do real sentido da norma neles contida.

Isso significa dizer que, além do critério gramatical, a interpretação da norma contida no texto legal deve considerar também os aspectos lógico, histórico, sistemático e teleológico.

Em muitos casos, esses aspectos são extraídos, por exemplo, da própria Exposição de Motivos, ocasião na qual o legislador expõe as razões que justificariam a aprovação de determinada norma.

No caso dos créditos de PIS e COFINS, a Exposição de Motivos da MP 135/2003 (convertida na Lei 10.833/2003) pode ser utilizada como referência para entendermos quais dispêndios estariam aptos a gerar o aproveitamento de créditos, na sistemática da não cumulatividade aplicável ao PIS e à COFINS.

A esse respeito, a Exposição de Motivos da MP 135/2003 dispõe que “Por se ter adotado, em relação à não-cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona.”

Note-se que a Exposição de Motivos não considera o conceito estrito de insumo para justificar a sistemática de apuração de créditos das contribuições ao PIS e à COFINS.

Se considerarmos a justificativa posta nessa Exposição, podemos inferir que a intenção do legislador, ao inserir o termo “insumo” no inciso II do artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 poderia ser apenas a de instituir um qualificador para os bens e os serviços passíveis de gerar créditos.

Isto é, na sistemática não cumulativa, gerariam créditos aqueles bens e serviços que, além de necessários à manutenção da fonte produtora, fossem adquiridos com a característica de “fator de produção”, definido pela Economia como cada elemento necessário para produzir a mercadoria ou o serviço[5].

Para os defensores desta ideia, ao não mencionar especificamente os insumos, o legislador foi claro na sua intenção de não restringir os créditos a esse conceito, pretendendo apenas permitir o registro de créditos decorrentes de custos e despesas inerentes à atividade.

Se analisadas, como um todo indivisível, as hipóteses previstas no artigo 3° das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, verificamos que os custos e despesas incorridos na geração de receitas ali elencados obedecem a um critério de seleção.

Nos incisos I e II[6], o legislador inseriu todos os custos fundamentais à realização da atividade do contribuinte, elencando não apenas os produtos adquiridos para revenda (atividade comercial), como aqueles bens e serviços classificáveis como insumo tanto na fabricação do produto (atividade industrial) como na prestação de um serviço (atividade de prestação de serviços).

Contudo, considerando que as fontes produtoras possuem outros dispêndios que embora não sejam exclusivamente investidos na execução de sua atividade, são fundamentais para ela, com a finalidade de viabilizar a sistemática da não cumulatividade, o legislador incluiu nos demais incisos do citado artigo 3° despesas que, independentemente de possuírem a qualidade de insumos da atividade, poderiam gerar créditos.

Nesse sentido, além dos insumos, podem gerar créditos de PIS e COFINS também alguns gastos com: aluguéis de prédios e equipamentos utilizados nas atividades da empresa; contraprestações de operações de arrendamento mercantil; bens do ativo imobilizado ou intangível para locação a terceiros ou utilização na atividade; edificações e benfeitorias em imóveis de terceiros; energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica; alguns benefícios indiretos de pessoal etc.

Seguindo essa lógica, é forçoso concluir que, como os dispêndios que integram o custo da produção variam conforme a atividade, a única forma de se observar um critério isonômico de aplicação da norma e, além disso, conferir efetividade à não cumulatividade dessas contribuições, seria atribuir ao insumo conceito variável conforme o objetivo social de cada empresa.

Desse modo, a forma mais eficiente de avaliar se um bem ou serviço teria natureza de insumo passível de gerar um crédito de PIS e COFINS perpassaria, necessariamente, pela avaliação do caso concreto. Há, portanto, evidente necessidade de ser compreendida a realidade de cada empresa para determinação dos insumos geradores de crédito, conforme o seu processo produtivo[7].

Essa ideia vem ganhando força nos debates mais sofisticados entre os conselheiros do CARF[8] e, até hoje, é a que mais se aproxima de uma aplicação efetiva da sistemática da não cumulatividade.

Longe de considerar a sofisticação da discussão que vem sendo desenvolvida no CARF, para avaliar as expectativas para o julgamento do Resp 1.221.170/PR no próximo dia 11 de fevereiro, a experiência nos mostra que o seu resultado é imprevisível, na medida em que o quadro atual do posicionamento do STJ em relação ao tema, nas duas Turmas, ainda não está definido[9].

Razão pela qual, em outras palavras, essa é a ideia que deve ser desenvolvida e trabalhada junto ao Poder Judiciário, que, de acordo com os precedentes manifestados até hoje, ainda não amadureceu efetivamente o conceito dessa discussão.

Vale mencionar um caso que está atualmente em trâmite no STJ e que também se prestaria bem ao papel de leading case, o REsp 1.246.317/MG, ainda pendente de decisão final, em que se discute a natureza dos gastos com matéria-prima de limpeza e desinfecção, bem como serviços de dedetização aplicado no ambiente produtivo de uma indústria alimentícia.

Nesse caso, no voto já proferido do relator ministro Mauro Campbell Marques, um dos fundamentos do julgamento parcial favorável ao contribuinte é exatamente a ideia de “essencialidade” ao processo produtivo, que é a tônica que deve ser dada à interpretação da legislação, quando se refere a insumos que geram créditos de PIS e de COFINS.

No geral, a nova linha de interpretação conferida à sistemática de créditos de PIS e COFINS nos parece bastante razoável, na medida em que, diante da vasta e imprevisível gama de possibilidades de atividades desenvolvidas pelas empresas — e das variantes inerentes a cada negócio —, pretender determinar genérica e absolutamente o que se qualificaria como insumo, além de anti-isonômico, pode contrariar o fundamento original da edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

Não se pode, antes de tudo, perder de vista a finalidade em si da sistemática não cumulativa de apuração dessas contribuições, qual seja: a de desonerar o contribuinte da repercussão econômica que um sistema de tributação cumulativo acarretaria no preço final do seu produto.



[1] Leis n.°s 10.637/2002 e 10.833/2003

Art. 3° (...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; (grifos nossos)


[2] Acórdão n.° 203-12.469, sessão de 17.10.2007.


[3] Acórdão n.° 3202-00226, sessão de 08.12.2010.


[4] Acórdão n.° 9303-01.740, sessão de 09.11.2011.


[5] Castañeda, José, Lecciones de Teoria Economica, 5ª reimpr., Madrid, 1982, pp.241-392.


[6] Art. 3° Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (Regulamento)

I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(...)

II – (já transcrito).


[7] A nosso ver, o processo produtivo do bem ou do serviço deve estar muito bem delimitado, de modo que os aplicadores da lei tenham condições de demarcar o seu início e o seu fim, para fins de creditamento de PIS e COFINS atrelados aos bens e serviços qualificáveis como insumo. Para tal, a questão probatória (documentação interna, laudos externos, por exemplo ) podem assumir papel de fundamental importância. 


[8] Acórdão n.° 3302-001.168, sessão de 11.08.2011. Em especial, declaração de voto do Conselheiro Leonardo Mussi.


[9] Na 1ª Turma, o Ministro Napoleão Nunes (Resp n.° 1.020.991/RS) já proferiu voto favorável aos contribuintes, enquanto Benedito Gonçalves (AgRg no REsp 1230441/SC) e Sérgio Kukina (Resp 1.020991/RS) já se mostraram contrários. Contudo, dentre os demais membros da Turma, a Ministra Marga Tessler ainda não apreciou a matéria e, a Desembargadora Convocada Regina Helena Costa somente teve a oportunidade de apreciar a questão no Tribunal Regional Federal de Origem.

Na 2ª Turma, por sua vez, os ministros Mauro Campbell e Humberto Martins já proferiram votos favoráveis ao contribuinte, mas, com relação aos demais Herman Benjamin, Og Fernandes e Assesette Magalhães, é impossível prever. (Resp n.° 1.147.902/RS; AgRg no REsp 1125253/SC; AgRg no REsp 1335014/CE; AgRg no REsp 1429759/SC; Resp 1245773/ RS)

Vale notar que, recentemente, no julgamento do Resp n.° 1.235.979/RS, de 14.12.2014, o Relator Ministro Herman Benjamin proferiu voto desfavorável ao creditamento de despesas com combustíveis, lubrificantes e peças de reposição de veículos utilizados na entrega de mercadorias produzidas pelo contribuinte, restando vencido pelos Ministros Mauro Campbell, Humberto Martins e Cesar Asfor Rocha. O Ministro Og Fernandes não participou do julgamento. 



Rafaela Canito é advogada do BMA - Barbosa Mussnich Aragão Advogados, pós graduada em Direito Tributario na UFF.



Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2015, 6h26

Tribunal dos EUA cassa direito constitucional do réu a um advogado







O Tribunal Superior de Utah, em Salt Lake City, decidiu, na sexta-feira (30/1), cassar o direito do réu Curtis Allgier a um advogado de defesa, pela forma agressiva, grosseira e ameaçadora que ele tratou todos os defensores públicos e advogados apontados pela corte para lhe dar assistência jurídica, de acordo com o site Courthouse News Service e os jornais Daily News e New York Times.

Em sua decisão, os ministros do tribunal escreveram que decretar a “perda do direito a um advogado é uma medida drástica”. Porém Allgier recusou os serviços de todos os advogados apontados pela corte “em termos aviltantes, depreciativos”, além de ser “muito hostil a todos eles e lhes fazer ameaças”. Ele acusou os advogados de não usar as táticas de defesa que ele exigiu.

Allgier, um adepto da supremacia branca, tem todo o rosto e parte do peito coberto por tatuagens neonazistas entre as quais suásticas, um desenho aparentemente de Hitler no tórax e, na testa, a palavra skinhead — definição atual de uma subcultura do “poder branco” que, em uma de suas facções, promove o racismo e o neonazismo, muitas vezes de forma violenta.

Em suas próprias petições aos tribunais, Allgier usou táticas protelatórias e tumultuantes, diz a decisão. Em uma petição, ele se referiu aos advogados como charlatões e palhaços burros, com os quais teve o “desprazer desonroso” de se relacionar. “Eles nunca terão a honra de estar na presença do meu Deus Ariano ou de ter qualquer contato comigo, ponto final”, ele escreveu.

Allgier foi condenado em 2007 a 8 anos e seis meses de prisão por arrombamento e falsificação. Após uma semana na prisão, ele se queixou de dores nas costas e foi levado ao Hospital da Universidade de Utah para exames. Quando o carcereiro Stephen Anderson, 60, tirou suas algemas para que fizesse um exame de imagem por ressonância magnética, Allgier lutou com ele, tomou sua arma e o matou.

Na fuga, ele roubou um carro, mas foi perseguido por um “batalhão” de policiais por toda a cidade, até ser preso novamente. Depois disso, ele enfrentou acusações de homicídio qualificado, de desarmar o policial, de fuga qualificada e assalto qualificado. Para evitar a pena de morte, ele se declarou culpado de assassinato e, em 2012, foi “sentenciado a prisão perpétua sem qualquer possibilidade de liberdade condicional”.

Ultimamente, ele vem tentando retirar a confissão de culpa e o acordo que fez com a Promotoria para não ser sentenciado à morte e quer novo julgamento, no qual ele pretende fazer a autodefesa. Uma questão a decidir é se ele perdeu ou não o prazo para fazer isso.

O tribunal de Utah chegou a pedir à Associação de Defensores Jurídicos para cuidar do caso, mas a entidade convenceu os juízes que era impossível fazer isso. Vários advogados, apontados pelo tribunal anteriormente, declararam ao tribunal que não podiam mais representar o réu, por “quebras irreparáveis do relacionamento advogado-cliente”.

Uma das ameaças que ele fazia aos advogados era dizer que poderia facilmente descobrir os endereços deles, porque tinha muitos partidários fora da prisão. Dentro de algum tempo, os advogados recebiam uma carta dele em suas residências, sem nunca terem informado a ele seus endereços.

Assim, o tribunal superior decretou a perda de seu direito constitucional a um advogado, porque não há mais nada o que fazer para garanti-lo. E deu um prazo de 30 dias para discordar por escrito da decisão do tribunal.

Os tribunais americanos têm uma história de julgamentos que são tumultuados pelos réus e, às vezes, são obrigados a retirá-los do tribunal do júri e apontar advogados para ajudar a proteger os interesses daqueles que insistem em fazer a própria defesa. São também confrontados, com frequência, com um problema difícil de resolver: alguns réus atacam e ameaçam seus advogados ou exigem que ajam de uma forma que viola a ética profissional.

O defensor público David Corbett, um dos que foram apontados pelo tribunal para defender Allgier, disse aos jornais que, vez ou outra, têm um relacionamento difícil com réus que não confiam neles, apesar de todo o esforço que fazem. “Todo defensor público já teve um cliente que o chamou de impostor público ou de infrator público” já nos primeiros contatos, ele disse.

O problema se deve, em grande medida, aos ossos do ofício de defensor público nos EUA — como ocorre em outros países. Além da falta de recursos financeiros, a Defensoria Pública convive com sobrecargas de trabalho, que já se tornaram impossíveis de administrar, diz o New York Times. As pessoas podem ter de esperar meses, antes de consultar um defensor público. Muitos réus pobres acabam fazendo a própria defesa em ações criminais.


João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.



Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2015, 10h25

CNJ puniu cinco magistrados e afastou outros cinco em 2014






O Conselho Nacional de Justiça puniu cinco magistrados ao longo do ano passado, sendo que dois deles foram aposentados compulsoriamente, dois receberam advertência e um foi afastado de suas atividades, mantendo vínculo com o tribunal (pena de disponibilidade, que impede o juiz ou desembargador de atuar na advocacia, por exemplo). Outros cinco foram afastados temporariamente, em caráter preventivo.

A informação compõe relatório anual do CNJ, que deverá ser entregue nesta segunda-feira (2/2) ao Congresso Nacional, durante abertura da sessão legislativa. O presidente do conselho, ministro Ricardo Lewandowski (foto), apresentará o balanço dos programas desenvolvidos pelo órgão e sua movimentação processual no ano passado.

O documento não informa mais detalhes sobre o perfil dos magistrados punidos. O número de decisões foi menor do que em 2013, quando 12 magistrados tiveram aposentadoria compulsória (pena máxima na Lei Orgânica da Magistratura) e foram aplicadas outras sete punições: quatro censuras, uma advertência, uma remoção compulsória e uma disponibilidade.

Em 2014, foram promovidas 25 sessões plenárias, sendo 20 sessões ordinárias e cinco extraordinárias, quando foram analisados 770 processos, entre atos normativos, pedidos de providências e procedimentos de controle administrativo. Foram recebidos ao todo 7.088 processos, e 8.424 foram arquivados.

Também houve dez correições ou inspeções em unidades judiciárias. A Corregedoria Nacional de Justiça recebeu 4.772 processos e finalizou 5.766 – seguem em tramitação 2.953 ações. Outro número destacado no balanço foi o resultado da Semana Nacional de Conciliação: das 258 mil audiências promovidas em tribunais do país, mais de 50% foram conciliadas.

Novas normas
O CNJ aponta ainda que publicou 14 resoluções e quatro recomendações com o objetivo de melhorar a eficiência do Judiciário brasileiro. Entre elas está a Resolução 190/2014, que inclui no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) pretendentes domiciliados no exterior (brasileiros ou estrangeiros, devidamente habilitados nos tribunais estaduais). A Recomendação 49 determina a apuração de crimes de tortura relatados em estabelecimentos prisionais.

Os mutirões carcerários, aliás, que desde 2008 fazem inspeção nessas unidades, analisou 4.816 processos em nove estados, tendo concedido 1.444 benefícios, segundo o levantamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

Clique aqui para ler a íntegra do relatório.

Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2015, 7h33

Gerente de rede internacional de hotéis enviado para a Argentina receberá adicional de transferência



A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho concedeu a um gerente de hotel da rede Morumby Hotéis Ltda. o direito de receber adicional de transferência pelos dois anos em que foi transferido para trabalhar em hotel da rede (do grupo Hyatt) na cidade de Mendoza, na Argentina. Ele provou nas instâncias inferiores que houve fraude à legislação trabalhista, pois tinha que pedir demissão a cada vez que era transferido a pedido da rede, e teve reconhecida a unicidade contratual por todo o período trabalhado.

O gerente foi contratado pela rede para trabalhar em Acapulco, no México. Em setembro de 2001, o grupo determinou sua transferência para São Paulo e, segundo ele, teve que pedir demissão para assumir o cargo no Hotel Grand Hyatt no Brasil, onde trabalhou até junho de 2005. Em seguida, foi transferido, mediante novo pedido de demissão, para o Nuevo Plaza Mendoza, hotel integrante do grupo, onde atuou por mais de dois anos, para, posteriormente, retornar a São Paulo.

Afirmou que, durante todo o período, a empresa praticou atos com o intuito de burlar a lei trabalhista, com simulação de pagamentos, descontos indevidos e obrigando-o a se demitir a cada transferência. Em janeiro de 2010, ao ser dispensado, buscou na Justiça a declaração de unicidade contratual, com o pagamento de verbas trabalhistas retroativas a 2004 e o adicional de transferência do período em que ficou na Argentina.

A Morumby Hotéis sustentou que o gerente foi empregado por dois períodos distintos e que, quando pediu demissão para se mudar para a Argentina, teve a rescisão homologada de acordo com a lei. Afirmou que não se tratou de transferência, pois o hotel naquele país não integrava o grupo, e que somente depois de o empregado ter passado mais de dois anos na Argentina é que retornou ao Brasil e foi recontratado, não havendo que se falar em unicidade contratual.

A 64ª Vara do Trabalho de São Paulo entendeu que houve apenas uma grande diversidade de contratos internacionais que não poderiam ser vistos como únicos. Assim, deferiu ao gerente apenas a integração aos salários de R$ 3 mil a titulo de salário utilidade (moradia, luz, água e telefone), com reflexos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) reformou a sentença para reconhecer a unicidade contratual de setembro de 2001 a janeiro de 2010, uma vez que o gerente foi transferido para hotel na Argentina do mesmo grupo, na mesma função, sob o comando do mesmo chefe direto.

TST

No TST, ao examinar recurso do gerente, a Quarta Turma deferiu o pedido de pagamento de adicional de transferência, por contrariedade à Orientação Jurisprudencial 113 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1). Para a relatora, ministra Maria de Assis Calsing, a simulação da rescisão se deu com o intuito de afastar a incidência das normas trabalhistas, visando, inclusive, ao não reconhecimento da transferência provisória. "Evidenciada a unicidade contratual, o fato de o empregado ter sido contratado no Brasil, transferido para a Argentina e retornado ao Brasil indica o caráter provisório da transferência", afirmou. A decisão foi unânime. Após a publicação do acórdão, a rede hoteleira opôs embargos de declaração, ainda não examinados.

(Fernanda Loureiro/CF)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Prescrição de execuções fiscais e correção do DPVAT são destaques na pauta do STJ para 2015


O ano judiciário, que será inaugurado nesta segunda-feira (2), vai começar acelerado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A previsão é que nos próximos meses sejam analisados temas de grande repercussão na vida dos cidadãos. Num dos julgamentos mais aguardados, a Primeira Seção vai definir a sistemática para contagem da prescrição intercorrente (prescrição após a propositura) em ações de execução fiscal (REsp 1.340.553).

A questão tem reflexo sobre cerca de 27 milhões de execuções fiscais em trâmite no Brasil. Só no TJSP, a decisão sobre a sistemática da prescrição poderá afetar imediatamente até 1,81 milhão de execuções que estão suspensas.

Trata-se de um recurso repetitivo, cujo julgamento foi interrompido em 26 de novembro do ano passado por pedido de vista do ministro Herman Benjamin. Até o momento, o único a dar seu voto foi o relator, Mauro Campbell Marques, que negou provimento ao recurso da Fazenda Nacional.

IR sobre férias

Ainda na Primeira Seção, deve ser retomado o julgamento do recurso repetitivo que definirá a incidência ou não de Imposto de Renda (IR) sobre o adicional de um terço de férias gozadas (REsp 1.459.779). O relator também é o ministro Mauro Campbell Marques, que votou para afastar a cobrança do tributo.

Para o ministro, o adicional tem características de verba indenizatória, destinada a compensar dano in re ipsa (dano presumido) sofrido pelo trabalhador no exercício de suas funções profissionais durante o período trabalhado até fazer jus às férias. Sendo verba indenizatória, não incide o imposto. O ministro Benedito Gonçalves está com vista dos autos.

O tributo é de competência da União e vem incidindo sobre o adicional de férias gozadas dos servidores públicos federais. Por causa da afetação desse tema como repetitivo, 750 recursos especiais estão sobrestados nas cortes de segunda instância aguardando a decisão do STJ.

Seguro obrigatório

Já na Segunda Seção, que analisa matérias de direito privado, o julgamento de um recurso repetitivo será subsidiado pelos debates promovidos em uma audiência pública, a ser realizada no próximo dia 9. O processo trata da possibilidade de atualização monetária dos valores fixados em 2006 para o seguro DPVAT (REsp 1.483.620).

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino é o relator e avalia que o assunto merece ser debatido com a sociedade. As inscrições para a audiência estão abertas até a próxima quarta-feira (4). Leia mais aqui.

No caso destacado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que, se a indenização decorre de acidente ocorrido após 29 de dezembro de 2006, a correção monetária deve incidir a partir da publicação da Medida Provisória 340/06, “sob pena de prejuízo ao beneficiário”.

A seguradora recorreu, invocando jurisprudência do STJ segundo a qual, “na ação de cobrança de indenização do seguro DPVAT, o termo inicial da correção monetária é a data do evento danoso”. Desde 2006, as indenizações pagas pelo DPVAT são em valor fixo, de R$ 13.500 em caso de morte ou invalidez permanente (total ou parcial) e de R$ 2.700 como reembolso à vítima no caso de despesa com assistência médica e suplementar devidamente comprovada.

Venda de sentenças

Na Corte Especial, a expectativa é pelo julgamento do recebimento da denúncia numa ação penal que trata da suposta prática de corrupção no Tribunal de Justiça de Tocantins (APn 690). O relator, ministro João Otávio de Noronha, deve levar o caso para análise do colegiado no dia 26 de fevereiro, a partir das 10h.

Em dezembro de 2010, o STJ autorizou a Polícia Federal a deflagrar a operação Maet, investigação que resultou no afastamento de desembargadores do tribunal estadual. Juntamente com servidores, eles são acusados de venda de decisões judiciais e de liberação prematura de precatórios contra o estado de Tocantins mediante retenção de parcela de seus valores para distribuição entre julgadores e advogados intermediadores.

O processo estava previsto para a última sessão da Corte Especial de 2014, mas a Defensoria Pública da União, que representa um dos réus, conseguiu o adiamento porque só teve dois dias para analisar o caso.

Pirâmide financeira

A Quinta Turma deve retomar o debate do habeas corpus que vai definir a competência para o julgamento de ação penal no caso da empresa Embrasystem, acusada de operar pirâmides financeiras com o nome BBom (HC 293.052). A ação penal tramita na Justiça Federal por crimes contra a economia popular e o sistema financeiro nacional, por lavagem de dinheiro e por formação de quadrilha.

A defesa alega que se trata apenas de crime contra a economia popular e que a competência, portanto, seria da Justiça estadual de São Paulo. Pede, também, a liberação de valores que foram bloqueados pela autoridade federal.

O relator, desembargador convocado Walter Guilherme, votou pela concessão do habeas corpus, transferindo a ação para a Justiça estadual. O ministro Jorge Mussi pediu vista do processo.

Energia

Entre as questões ligadas ao setor de energia, deverá ser concluída a análise pela Primeira Seção de um mandado de segurança (MS 20.432) ajuizado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) que pede a prorrogação da concessão da Usina Hidrelétrica de Jaguara por mais 20 anos.

O relator do caso era o ministro Ari Pargendler, já aposentado, que votou para negar o pedido da Cemig. A ministra Assusete Magalhães está com vista dos autos.

Preso absolvido

Na Segunda Turma, será julgado o caso de um cidadão que foi condenado e preso por erro do Judiciário. Denunciado pelo crime de latrocínio, ele foi condenado à pena de 23 anos de reclusão. Inconformado, ele conseguiu na Secretaria Nacional de Direitos Humanos auxílio institucional e assistência judiciária para uma revisão criminal.

Depois de oito anos preso, foi comprovada sua inocência. Nesse período, segundo a defesa, ele foi torturado e sofreu tentativa de homicídio. Entrou na Justiça com ação de indenização. A sentença condenou o estado de Minas ao pagamento de R$ 891 mil, a título de danos morais, mas o Tribunal de Justiça local reduziu o valor para R$ 300 mil.No STJ, o recurso do cidadão pede que se mantenha o valor da sentença. Já o estado pede que o autor não seja indenizado, sob a alegação de que a situação não caracterizaria erro judiciário. A relatora é a ministra Assusete Magalhães (REsp 1.395.782).
Fonte: STJ

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A celeridade não se alcança sem mecanismos de solução extrajudicial







É louvável o esforço que tem sido feito no sentido de dotar o processo do trabalho de rapidez, a fim de que se cumpra o mandamento da Constituição Federal de duração razoável do processo, à luz de seu artigo 5º, LXXVIII.

Basta lembrar neste sentido a nova Lei 13.015, de 21 de julho de 2014, de iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho e cuja aprovação no Congresso Nacional deu-se com o empenho da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho. 

A agilização na tramitação dos recursos de revista, com a efetiva uniformização da jurisprudência pelos tribunais regionais, significará sensível redução no prazo de solução de conflitos judiciais trabalhistas.

Não olvidemos, ademais, do Projeto de Lei 606/2011, do Senado Federal, cujo objetivo é imprimir celeridade à fase de execução de sentença no processo do trabalho e que, de igual forma, partiu da iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho.

De fato torna-se mais do que necessário dotar o processo do trabalho de celeridade no arbitramento dos conflitos e no cumprimento de suas decisões, devolvendo-lhe a efetividade que já teve em tempos passados, quando o volume de processos em trâmite era razoável, permitindo aos órgãos judiciais dar uma resposta rápida ao jurisdicionado.

Todavia acreditamos que diante do enorme volume de ações judiciais que tramitam nos tribunais, num movimento crescente ano a ano, por mais eficiente que seja o processo judicial, não será possível dar a resposta rápida almejada, como se constata de uns anos para cá, pois impossível a qualquer estrutura judicial responder prontamente ao volume de ações ajuizadas.

Os juízes, desembargadores e ministros vivem o drama de proferir decisões cuidadosas, mas demoradas em razão da avalanche de processos que lhes são submetidos, ou decidir de forma mais rápida, mas sem o cuidado desejado na elaboração da decisão.

A propósito, como noticiou esta ConJur em 23 de janeiro, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2014 julgou quase 400 mil recursos, o que revela o despropositado volume de feitos distribuídos a cada um dos seus trinte e três Ministros, excetuando-se os integrantes da administração, que não têm a atuação judiciária como os demais.

O mesmo se diga em relação ao Tribunal Superior do Trabalho, cujo site dá contra de que no ano de 2012 julgou cerca de 230 mil processos e no ano de 2013 este número subiu para mais de 300 mil recursos, atentando-se ao número de 27 ministros que o compõem, excluindo de igual modo os integrantes da administração do Tribunal.

Basta um simples cálculo para constatar o despropósito do volume de processos atribuídos a cada integrante de um Tribunal Superior, fato este que se reproduz nos Tribunais Regionais, Tribunais de Justiça e no primeiro grau de jurisdição.

Diante desta realidade é importante ressaltar o enorme esforço dos magistrados para minimizar os efeitos da demora na solução dos feitos, mas com graves prejuízos, que se estendem aos servidores do Poder Judiciário, de sua saúde e vida familiar e social.

No âmbito do Poder Judiciário a solução dos conflitos é lenta e assim continuará, não obstante tanto os esforços realizados em relação à estrutura, quanto à dedicação de seus integrantes, pois a obediência ao princípio do devido processo legal (CF, 5º, LIV) exige a observância de determinados atos processuais que somados ao volume excessivo de feitos impede a rápida e segura solução judicial.

Deste modo é preciso criar e utilizar os mecanismos de solução extrajudicial, para desafogar o Poder Judiciário, a fim de permitir que as soluções judiciais sejam seguras e rápidas.

No âmbito do Poder Judiciário Trabalhista é necessário que a grande maioria dos conflitos, que dizem respeito a matéria de fato e a meros cálculos aritméticos, não venha a ser submetida ao crivo do juiz pois é desnecessário, mas sejam solucionados por instâncias extrajudiciais, desafogando a Justiça do Trabalho.

Todavia, para a real eficácia destas formas alternativas de solução dos litígios, é preciso que as partes tenham total segurança quanto à imparcialidade do organismo encarregado da arbitragem, além da certeza de que não será mera formalidade, com posterior questionamento judicial do decidido.

Nesse sentido lembremo-nos das Comissões de Conciliação Prévia, de que se ocupa a Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 625-A a 625-H, que diante do momento político em que foram criadas e da forma fixada na lei redundaram em descrédito e fracasso para o fim de agilizar a solução do conflito.

Trata-se de problema de solução difícil, mormente para um país que não tem a cultura da solução do conflito pela auto-composição, nem pela solução extrajudicial.

É preciso implantar organismos seguros e independentes para compor os conflitos trabalhistas, reservando o acesso ao Poder Judiciário aos conflitos mais complexos, cuja solução será mais célere na medida em que o volume de feitos assim permitir.

Contemporaneamente é necessário ensinar à população as vantagens da utilização dos meios extrajudiciais de solução dos conflitos, cuidando-se da segurança dos litigantes, para uma solução adequada, ao mesmo tempo que se combata o preconceito contra os meios alternativos de solução de litígios.

Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.



Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2015, 8h00

Complexo de Maradona e quando o juiz se nega a reconhecer a nulidade







Diego Armando Maradona é uma figura controversa e, quem sabe, possa nos ajudar a entender a complexidade do reconhecimento de nulidades no processo penal, especialmente quando o juiz não viu ou não quer ver a jogada faltosa. Assim é que o exemplo clássico, no futebol, é o gol de mão de Maradona na Copa do Mundo de 1986, já que embora violando as regras do futebol (não vale gol de mão) foi validado. Vale a pena assistir aqui.

No Brasil, a doutrina diferencia a mera irregularidade (sem violação do conteúdo do ato), da inexistência (por ausência de requisito de sua validade — alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), nulidade relativa e nulidade absoluta. Em relação a essa distinção, também com Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal), pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do processo como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do CPP (artigos 563-573), além de ultrapassado, é confuso[1]. Adota a compreensão mitológica da verdade substancial (CPP, artigo 566, bem criticada por Salah Khaled Jr.), possui dispositivos revogados noutros locais do próprio CPP (artigo 564, III, “a”, “b”, “c”, III), bem como indica compreensão civilista, incompatível com o devido processo legal substancial, da ausência de prejuízo — pas nullité sans grief (CPP, artigo 563). A ausência de prejuízo é um estelionato processual. Sempre. Assim é que, superada a distinção arbitrária e sem sentido, todas as hipóteses de violação ao devido processo legal substancial serão declaradas nulas[2], manejando-se a noção de doping, conforme sublinhei no livro A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal.

Confunde-se a má formação do ato com a sanção. A nulidade não é uma sanção, nos diz Robles[3], justamente porque o efeito convencional da regra procedimental do fair play exclui do âmbito dos efeitos válidos o ato realizado em desconformidade com a regra do jogo. Entretanto, o crucial para que isso ocorra é a declaração de nulidade. Sem ela o que se produziu em desconformidade com as regras do jogo, por omissão do juiz condutor do feito, passa a gerar efeitos. Assim é que ganha relevo a existência de juízes cientes do seu papel de garantidores das regras do jogo. Sem o ato declarativo da exclusão, os efeitos das jogadas ilícitas permanecem no ambiente processual e geram efeitos. Como a nulidade somente pode acontecer ex post ao ato, o critério da decisão deve ser um só: na sua constituição o ato atendeu as regras do jogo processual? Com a resposta negativa o ato deve ser declarado nulo. Mas existe magistrado que frauda o ato processual pelos fins, desconsiderando os meios (ilícitos).

O cumprimento da regra de ação pode se dar dentro ou fora dos limites da regra do jogo processual. O descumprimento da regra processual implica na ausência de requisito de validade e, por via de consequência, da não produção do efeito a que se destinava. Não se trata da análise posterior da sua valoração de conteúdo. Na formação da jogada houve descumprimento de regra constitutiva. Se as regras procedimentais da formação válida da ação dos jogadores ou do julgador não são obedecidas, a ação é um nada jurídico e, portanto, descabe discutir a ausência de prejuízo. A noção de prejuízo somente se sustenta para validação de ações processuais ilegais, como se pudesse convalidar os efeitos das ações realizadas com jogo sujo. Os efeitos das jogadas ilegais não encontram respaldo democrático justamente porque seu processo de formação está viciado pelo descumprimento das formas e, com isso, pode ser algo no mundo da vida processual, mas de nenhuma qualificação jurídica válida.

A teoria da ausência de prejuízo (CPP, artigo 593) prende-se a uma noção civilista de aproveitamento de atos incompatível com o processo como garantia do acusado em face do Poder Estatal. Em última instância significa que o Estado estabelece por lei as regras do procedimento, há descumprimento, mas em nome do resultado, especialmente no caso de provas ilícitas, o juiz se demite do seu papel de garante das próprias regras, validando os efeitos do ato viciado. Portanto, não pode ser vista como uma sanção ao jogador e sim como falta que retira os efeitos das consequências do ato em desconformidade com as regras do procedimento. Se as regras do jogo podem ser desconsideradas em nome do resultado, qual o sentido delas? Nenhum. Se o jogador, mesmo ciente da ilicitude, vai adiante no ato irregular por saber que os efeitos podem seduzir o julgador, não se pode mais falar, nem mesmo, de processo penal, mas sim de jogo cínico. Contorna-se o descumprimento das regras procedimentais porque no jogo não há mais juiz, mas sim coadjuvante dos jogadores, diretamente: um juiz interessado no resultado. Em uma afirmação: o juiz só apita para um lado e, portanto, inexiste jogada fora da lei.

Do ponto de vista das táticas, muitas vezes, mesmo com jogo sujo, doping, se o juiz não reconhecer, os efeitos da ação permanecem. Daí muitos arriscarem blefes, trunfos e jogadas dúbias que contam com leniência do julgador. O mais interessante é que o jogo sujo continua a ser jogo até que o juiz declare a nulidade. Então correr os riscos de não ser reconhecido, pelo juiz, o jogo sujo pode ser uma das táticas dos jogadores. Até porque pela ausência de prejuízo, criou-se a lei da vantagem no processo penal, não fosse ela incompatível com o devido processo legal substancial.

O gol de Maradona com a mão foi validado pelo juiz. No Processo Penal muitas jogadas nulas são validadas. Na Copa do Mundo inexiste órgão recursal. No Processo Penal sim. Resta saber se os julgadores terão coragem de anular decisões, principalmente as que contam com amplo apoio popular. O tempo dirá quem pode ser chamado, de fato, de magistrado. Do contrário, la garantia soy yo.

[1] PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013; BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitação do Poder de Punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012; PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal: São Paulo: Atlas, 2013; FIORATTO, Débora Carvalho. Teoria das Nulidades Processuais: Interpretação conforme a Constituição. Belo Horizonte: DePlácido, 2013.
[2] SOUZA, Alexander Araujo de. O Abuso do Direito no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007; ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: RT, 2007; DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Rocoo, 1997; BARBOSA, Livia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
[3] ROBLES, Gregorio. As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Trad. Pollyana Mayer. São Paulo: Noeses, 2011, p. 182.


Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC.



Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2015, 8h01

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...