terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Trânsito em julgado deve ser adequado a cada caso







Ultimamente muito tem se discutido sobre a possibilidade da expedição de mandado de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, antes que ocorra o trânsito em julgado formal e material das condenações, nos casos em que a Suprema Corte atua em sede de Ação Penal Originária.

Em matéria penal, a coisa julgada deve ser entendida como a qualidade de imutabilidade da decisão judicial de mérito ou de seus efeitos, após se esgotarem todos os recursos cabíveis.

Esse conceito, mais moderno, que vem sendo propagado pela doutrina acerca da imutabilidade da decisão judicial, tem como base estrutural o pensamento de Liebman, ao prelecionar que "a coisa julgada não é um efeito da sentença e muito menos pode identificar-se com a eficácia declaratória da mesma sentença: a coisa julgada é algo mais que se acresce à decisão para aumentar a sua estabilidade" (in Manuale di Diritto Processuale Civile, 3ª ed., vol. III, Milano, 1976, pág. 137).

Ao aplicar o instituto da coisa julgada no processo penal, em regra, o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado no sentido de que, inexistindo o trânsito em julgado da decisão judicial de mérito, se mostra impossível o cumprimento imediato da pena de prisão, ressalvados os casos de prisão cautelar.

Desde o reconhecimento da inconstitucionalidade da execução provisória da pena no julgamento do HC 84.078 pelo STF, a Corte Suprema assentou o entendimento de que o cumprimento antecipado da pena ofende o direito subjetivo constitucional de não-culpabilidade. Esse posicionamento se embasa, de forma relevante, no Pacto de São José da Costa Rica, ao estabelecer que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa” (art. 8º, I).

Recentemente o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, requereu a prisão imediata dos acusados nos autos da Ação Penal Originária 470/MG. No entanto, embora tenha o procurador-geral alegado que foi a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre um pedido de execução imediata de pena decretada pelo próprio Tribunal, e que acima dele inexiste instância revisora, o presidente do Supremo Tribunal Federal negou o pleito e reafirmou o entendimento de não ser cabível o início da execução penal antes do trânsito em julgado da condenação e, no caso específico, completou o ministro Joaquim Barbosa a prisão cautelar não se justificava.

De outra banda, noticiou a Folha de São Paulo, na edição de 9 de janeiro de 2013, coluna Painel, que, nos autos da Ação Penal Originária 396/RO, em que figura como réu o deputado Natan Donadon, o procurador-geral da República também requereu no dia 8 de janeiro, a execução imediata da pena aplicada ao mencionado deputado federal. Segundo relatou o procurador-geral da República, o acusado foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal em sua composição plenária, a 13 anos, 4 meses e 10 dias de prisão em regime inicialmente fechado.

Apontou ainda o procurador-geral da República, que o acórdão condenatório foi impugnado por meio de embargos de declaração, que foram desprovidos pelo Plenário do STF em 13 de dezembro de 2012 e, muito embora não tenha sido publicado o acórdão dos embargos de declaração e, consequentemente, ainda não tenha sido formalizado seu trânsito em julgado, a aplicação imediata da pena de prisão é medida que se impõe, pois o acórdão condenatório carrega a característica de definitividade. (doc. 8901-PGR-RG, petição datada de 8.1.2013)

A comparação entre os casos mencionados determina a necessidade de se fazer um corte temporal em relação ao processo da Ação Penal Originária 470/MG (mensalão) e a Ação Penal Originária 396/RO (deputado Natan Donadon).

Na Ação Penal Originária 470/MG (mensalão), sequer houve a publicação do acórdão condenatório. Assim, a meu ver, não ocorreu a concretização da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se aqui corretamente o entendimento da impossibilidade de se iniciar o cumprimento das penas impostas aos réus, porquanto os recursos cabíveis em relação à condenação podem levar à sua alteração, no que tange à fixação das penas e seu regime de cumprimento.

Estando a jurisdição aberta à interposição inicial de embargos de declaração, ainda que de forma excepcional e atípica, pode ocorrer a modificação do julgado por meio do que parte da doutrina e jurisprudência denomina efeitos infringentes ou modificativos, afastando, por ora, a conclusão de que o acórdão, neste caso, possui carga de definitividade.

A respeito, vejamos a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, que inclusive cita alguns entendimentos jurisprudenciais sobre o tema:

A doutrina e a jurisprudência, contudo, admitem, em casos excepcionais, a hipótese dos chamados embargos de declaração com efeito infringente, em que há alteração substancial do julgado. É de se ressaltar que a modificação substancial do julgado só ocorre quando, em decorrência da correção dos vícios de omissão, contradição ou obscuridade, há, por conseqüência lógica e natural, transformação do conceito do julgado. Nesse sentido, Adroaldo Furtado Fabrício: “Nada impede, pois, que a petição de embargos inclua pedido de feição ‘infringente’ – mas o pedido primário do embargante há de ser, obrigatoriamente, o de remoção de algum dos defeitos tratados no citado artigo; só como imperativa decorrência lógica dessa correção poderá sobrevir o provimento do pedido secundário de modificação” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. “Embargos de declaração: importância e necessidade de sua reabilitação” in Meios de impugnação ao julgado cível: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 60). No mesmo sentido, confira-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça: “É admitido o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes, em caráter excepcional, para a correção de premissa equivocada, com base em erro de fato, sobre a qual tenha se fundado o acórdão embargado, quando tal for decisivo para o resultado do julgamento” (STJ, 3ª T., EDcl no REsp. nº 599.653/SP, Min. Nancy Andrighi, D.J. de 22.08.2005). Em sentido assemelhado: STF, 2ª T., Emb. Decl. no Ag. no AI nº 410.536/RJ, Min. Cezar Peluso, j. 12.08.2008, D.J. de 28.08.2008, STF, 2ª T., RE nº 115.911/SP, Min. Eros Grau, j. 24.06.2008, D.J. de 14.08.2008 e STF, 2ª T., Emb. Decl. RE nº 223.904/MG, Min. Ellen Gracie, j. 14.12.2004, D.J. De 18.02.2005. (“Os embargos de declaração como recurso”in Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 179

Com efeito, considerando que subsiste a possibilidade de atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração, o acórdão da Ação Penal Originária 470/MG poderá em tese sofrer alterações, sendo inviável, por enquanto, o início do cumprimento das penas impostas aos acusados.

No entanto, na Ação Penal Originária 396/RO, o quadro processual é diferenciado. Conforme salientou o Procurador-Geral da República na petição em que foi requerida a prisão do deputado Natan Donadon, o acórdão condenatório proferido pelo Supremo Tribunal Federal já foi publicado e os embargos de declaração propostos foram julgados improcedentes e, por via de consequência, a condenação foi mantida na sua íntegra.

É certo que, no ato da publicação do acórdão condenatório da Ação Penal Originária 396/RO, abriu-se para a defesa a possibilidade de impugná-lo por meio de embargos declaratórios, para sanar suas eventuais omissões, obscuridades ou contradições, bem como poderia haver a remota possibilidade de se obter efeitos infringentes de caráter modificativos.

Entretanto, diante do desprovimento dos embargos de declaração inicialmente interpostos, inegavelmente, neste caso, já se produziu materialmente o efeito da coisa julgada, e o julgamento do mérito já se revestiu da qualidade da imutabilidade ou definitividade, pois foi ele submetido ao filtro dos embargos de declaração e o Supremo Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade de alteração dos fundamentos da condenação em virtude da não ocorrência dos defeitos processuais da omissão, contradição ou obscuridade.

Assim, salvo a existência de erro material, toda matéria e discussão relativa a fatos inerentes à pretensão punitiva sustentada pela defesa já foram apreciadas no julgado de mérito ação penal originária e nenhum defeito processual foi visualizado na ocasião do julgamento dos embargos de declaração.

Nesse passo, considerando que o Supremo Tribunal Federal ao exercer sua jurisdição originária, não se submete a outro órgão de caráter jurisdicional da República, tem-se por incabível, na seara da Ação Penal Originária 360/RO, a possibilidade de revisão da condenação.

Ademais, a qualificação da definitividade da decisão judicial de mérito da ação penal originária 396/RO já se operou. E essa conclusão, como dito, decorre do fato de que o referido processo penal, neste caso, se desenvolve perante a mais alta Corte do País que não possui instância revisora de mérito e porque os embargos de declaração propostos já foram rejeitados e, desta forma, houve a formação plena da coisa julgada formal e material, ainda que não tenha sido publicado o acórdão dos embargos declaratórios.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem dado exemplos nesta linha de pensamento, ao decidir pela possibilidade de ser iniciado o cumprimento da pena, quando a defesa do acusado utiliza expedientes ou recursos protelatórios, manifestamente incabíveis e de caráter abusivo com o objetivo de retardar o trânsito em julgado da condenação. A respeito veja-se os seguintes precedentes do STF: AI 715215 AgR-ED-ED, AI 759.450-ED/RJ, HC 99.157/RJ, RMS 23.481-AgR-ED-ED/DF, AI 741.016-AgR-ED-ED/RR e AI 716.970-AgR-ED-AgR-ED/RJ.

Por fim, ainda que se cogite o ajuizamento de revisão criminal da condenação, vejo que essas conclusões se mantêm, principalmente em razão da excepcionalidade de eventual concessão de antecipação de tutela para sustar provisoriamente os efeitos da coisa julgada, visto que, a princípio, a medida antecipativa da tutela só tem cabimento em casos de teratologia, o que não se vislumbra no julgado condenatório do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal Originária 396/RO.

Assim, conclui-se pela necessidade de adequação e releitura dos institutos da coisa julgada e dos embargos de declaração aos caracteres das ações penais originárias em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal e diferenciar as circunstâncias concretas de cada caso sob a ótica do princípio da não-culpabilidade e da necessidade de se emprestar maior efetividade as decisões judiciais condenatórias prolatadas pela cúpula do Poder Judiciário Nacional.

REFERÊNCIAS

LIBMAN, Enrico Túlio. “Manuale di Diritto Processuale Civile”, 3ª ed., vol. III, Milano, 1976, pág. 137.

DINAMARCO, Cândido Rangel. “Os embargos de declaração como recurso” inNova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 179.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969
I
Marcos Alaor Diniz Grangeia é desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia.



Revista Consultor Jurídico, 14 de janeiro de 2013, 15h47

Declaratórios devem ser acolhidos em caso de erro sobre fato






A elevação do volume da demanda jurisdicional e da correspondente resposta apresentada pelo Poder Judiciário é fato notório, além de formalmente identificado pelo relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça.

Tal acréscimo da produtividade dos já sobrecarregados magistrados brasileiros — os quais, a propósito, situam-se entre os mais produtivos do mundo —, traz consigo a elevação do risco de prolação, em um ou outro caso dentre os numerosos feitos mensalmente sentenciados, de provimento excepcionalmente prolatado com base em fato essencial equivocadamente considerado pelo julgador.

Identificando o erro sobre fato, o parágrafo 1º do artigo 485 Código de Processo Civil delimita que há “há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido”, conclusão adotada a partir de “atos ou de documentos da causa” (inciso IX do mesmo artigo).

Em princípio, a oposição de embargos de declaração em casos que tais não estaria permitida pela redação restritiva dos incisos I e II do artigo 535 do Código de Processo Civil. Tal oposição estaria franqueada apenas aos casos de omissão jurisdicional na análise de pedido expresso da parte ou às hipóteses de obscuridade ou de contradição observadas internamente ao ato jurisdicional embargado.

Qual expediente processual deve o procurador, então, adotar ao observar que a sentença restou prolatada com base em pressuposto de fato equivocado? Deve opor os aparentemente descabidos embargos de declaração? Ou deve desde logo interpor o recurso de apelação, partindo da premissa de que o magistrado sentenciante não poderá retificar a sentença, pois ela não conta precisamente com os vícios da omissão, contradição ou obscuridade em sua conceituação precisa?

Ao deslinde da questão, é relevante ter em mente a premissa de que o processo é instrumento eminentemente público, por meio do qual se dá a exteriorização e a eficácia de uma das três funções do poder do Estado: a função ou o poder jurisdicional. Pela atuação dessa importante função de poder implementa-se um particular e grave serviço público: a prestação jurisdicional. É por esse serviço que o Estado age para analisar e afirmar a existência de direitos e para garantir os parâmetros de seu exercício, pacificando conflitos de interesses.

Princípios constitucionais como o da efetividade da jurisdição e da tutela jurisdicional, da eficiência, da razoável duração dos processos e da justiça, interpretados em conjunto com princípios processuais como da instrumentalidade, impõem uma proveitosa mudança de paradigmas interpretativos sobre os limites da atuação do julgador no momento posterior à prolação de sentença. Há que se repesarem os valores que informam a existência tanto do processo em si considerado quanto do modelo processual adotado, redefinindo-se a técnica processual para que as justas expectativas que se depositam sobre a existência e finalidade do processo sejam adequadamente atendidas.

Sobre o tema, vale a lição de Michele Taruffo: “Um modelo processual — e isso vale para todos os modelos de processo — nasce assim da combinação de escolhas ideológicas e de instrumentações técnicas. Combinações variáveis sobretudo em função da variedade das escolhas ideológicas, dado que a técnica, em si considerada, é neutra e vazia. Isso implica que a análise de um modelo processual deve ter em consideração primeiramente a sua dimensão ideológica, sendo a dimensão técnica importante, mas não decisiva. (Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, v. 63, n. 1, p. 63-92, Mar. 2009, tradução nossa, p. 71-72).

O processo civil, pois, deve ser instrumento justo e ético de obter a tutela jurisdicional. O respeito à justiça e à ética impõe aos atores do processo e, portanto, a esse próprio instrumento, a irrestrita observância dos princípios constitucionais que lhe são afetos e o respeito aos parâmetros processuais predeterminados.

Assim, princípios como o do devido processo legal, do prévio contraditório, da ampla defesa, da razoável duração do processo e da eficiência, da razoabilidade e proporcionalidade e da efetividade da prestação jurisdicional devem ser constantemente curados pelo juiz e pelas partes na busca do processo ético e justo.

Portanto, o que se espera do processo, sob o aspecto ontológico, verdadeiramente, é o resultado prático, substancial, material que ele serve a viabilizar. Assim não fosse, o processo assumiria papel principal, em vez de seu papel assessório e instrumental. Mais que o exclusivo direito de acesso ao Poder Judiciário ou que o direito de ver judicialmente apreciada certa pretensão, o processo deve servir eficazmente à efetiva tutela jurisdicional de direitos. A existência de direitos e seu livre exercício devem ser prestigiados pelo processo, que utilmente serve senão que para lhes garantir o reconhecimento e para permitir sua fruição.

Nesse contexto, “o processo justo está diretamente relacionado com a justiça do seu resultado”, conforme leciona Sergio Chiarloni (Giusto processo, garanzie processuali, giustizia della decisione. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, v. 62, n. 1, p. 129-152, Mar. 2008., p. 146, tradução nossa).

A retratação sentencial proposta permite que o provimento judicial seja prontamente ajustado e mesmo integralmente substituído, em caso de o próprio magistrado sentenciante apurar a procedência dos esclarecimentos fáticos contidos na peça de embargos de declaração. Acelera-se, assim, a efetiva e justa prestação jurisdicional, ensejando ainda, eventualmente, o adiantamento do encerramento do feito. Mais que isso, a retratação permitirá entregar ao verdadeiro sucumbente os ônus do decurso do tempo de tramitação processual, desestimulando comportamentos meramente protelatórios.

Não se pretende com o processo apenas encenar um pseudo-resultado, assim entendido o resultado técnico dissociado da justa solvência de uma crise de interesses. Para que o resultado eficaz seja alcançado, o juiz deve analisar a crise que lhe é apresentada tomando em conta de consideração todas as circunstâncias fáticas relevantes ao encontro da solução legítima e justa.

O exercício do juízo de retratação sentencial é, nesse contexto, justamente a oportunidade ensejada ao magistrado para que substitua um seu anterior entendimento formalmente expressado, por outro pronunciamento ajustado aos exatos fatos relevantes do processo.

Alguns dispositivos contidos no Código de Processo Civil preveem a possibilidade do exercício do juízo de retratação da sentença. Dentre eles, destaca-se o artigo 463 e seus incisos I e II. Esse dispositivo consagra a ideia de que o Juízo de primeiro grau encerra a sua jurisdição no caso concreto com a prolação da sentença, não podendo mais revê-la senão apenas para lhe corrigir meras inexatidões ou, por meio de embargos de declaração, para integrá-la, suprimindo omissão, contradição ou obscuridade dela constante. Neste último caso, somente reflexamente à correção da mácula objeto da oposição declaratória poderá atribuir efeitos infringentes e eventualmente modificar substancialmente o teor da sentença embargada.

O cabimento da retratação de sentença por decorrência do julgamento dos embargos de declaração, pois, não enseja dúvida. Para que isso ocorra, contudo, o ato deve estar formalmente maculado pelo vício da omissão, da contradição ou da obscuridade. Se um desses vícios houver, caberá ao julgador revisar sua sentença para torná-la formal e materialmente justa. Note-se, todavia, que tal expediente processual tem como objetivo estrito a declaração do verdadeiro sentido, ou a integração, de uma decisão portadora de omissão, de obscuridade ou de contradição em seus próprios termos. Os embargos de declaração, portanto, permitem que o juiz revisite apenas internamente sua sentença, cotejando a mútua adequação de seus próprios termos, em princípio sem nova apreciação dos fatos que lhe deram ensejo.

Todavia, a justa prestação jurisdicional não pode ser negada pelo exclusivo argumento da impossibilidade de superação, no caso concreto, do disposto no artigo 463 do Código de Processo Civil ou da máxima de que “o juiz esgota sua jurisdição com a prolação de sentença”.

O dever de observância irrestrita e incondicionada dos termos materiais desse dispositivo legal (artigo 463, CPC) não pode suplantar o dever do magistrado com a entrega da justa tutela jurisdicional, com a instrumentalidade material do processo e com o valor da justiça.

A ampliação, no caso concreto, das hipóteses de cabimento do juízo de retratação de sentença é medida necessária ao real cumprimento de postulados constitucionais, sobretudo ao da efetividade da prestação jurisdicional e ao da justiça das decisões emanadas do Poder Judiciário.

A finalidade da presente proposição de afastamento da limitação legal em questão é ensejar que o magistrado sentenciante reveja, com vista nos reais fundamentos de existência do processo e nos princípios constitucionais e direitos fundamentais, seu inicial entendimento veiculado pela sentença que, equivocadamente, restou fundada sobre erro de fato.

Evidentemente que a presente hipótese não visa a estimular a oposição dos embargos de declaração em toda e qualquer hipótese de mera insatisfação da parte com o resultado do julgamento ou em relação a erro sobre fato que não seja relevante ao deslinde do feito. O presente artigo visa, antes e exclusivamente, a destacar meio processual de correção imediata, em caso de erro sobre fato essencial, de ato sentencial cuja reforma pelo órgão revisor mostra-se de pronto identificada pelo próprio magistrado sentenciante.

Ao fim e ao cabo, com a extensão jurisprudencial das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, que podem ser opostos também em face de sentença prolatada a partir de erro sobre fato relevante, pretende-se atribuir máxima eficácia aos princípios da efetividade da jurisdição e do devido processo legal material, ou substantive due process of law.

Se a necessidade de reforma da sentença originária, porque prolatada com erro sobre fato, é admitida pelo próprio juízo sentenciante, por qual razão remeter tal declaração ao Órgão recursal? Por que esperar que órgão jurisdicional superior reveja uma determinada sentença fundada em erro sobre fato essencial, se o próprio órgão que a prolatou admite a necessidade dessa pronta retificação? Não parece haver mesmo sentido em submeter a parte prejudicada a esse desnecessário lapso temporal.

A vinculação do magistrado é certamente com o cumprimento da lei, mas também e sobretudo com o respeito e com a eficácia dos princípios constitucionais, dos direitos fundamentais e, de resto, com a realização da Justiça no caso concreto. Nesse contexto, em sendo o caso de aferição de erro sobre fato essencial, deverá o magistrado sentenciante desde logo prestigiar a via da retratação de sentença, dando acolhimento aos embargos de declaração.

O exercício da judicatura indica que hipóteses que tais — de erro judicial sobre fato relevante — são casos ínfimos em relação ao elevado número de sentenças proferidas mensalmente por cada magistrado brasileiro. Justamente por serem excepcionais, essas hipóteses merecem da jurisdição tratamento também excepcional, mediante a admissão e acolhimento dos embargos de declaração opostos ao fim de prontamente corrigi-los.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça chancelam o entendimento aqui esposado. Essas cortes sufragam, com efeito, o cabimento dos embargos de declaração também em face de provimento jurisdicional que, a despeito de não contar com contradição, obscuridade ou omissão no conceito técnico estrito, foi prolatado com base em pressuposto de fato equivocadamente considerado pelo julgador. Nesse sentido da serventia dos embargos de declaração para corrigir também esse quarto possível vício da sentença, veja-se: STF: STA 446 MC-AgR-ED/CE; SS 4119 AgR-ED/PI; AI 492629 AgR-ED-ED/RS; RE 203981 ED/PE; RE 193775 ED/SP; RE 203054 ED/RS; RE 191203 AgR-ED/SP; STJ: EDAGRESP 412393; EADRES 720186; ADRESP 1242507; RESP 1065913.

Nesse último julgado, aponta de forma precisa o relator, ministro Luiz Fux, então no STJ: “(...) 2. Assim, há erro de fato quando o juiz, desconhecendo a novação acostado aos autos, condena o réu no quantum originário. "O erro de fato supõe fato suscitado e não resolvido", porque o fato "não alegado" fica superado pela eficácia preclusiva do julgado - tantum iudicatum quantum disputatum debeat (artigo 474, do CPC). (...). 3. A interpretação autêntica inserta nos §§ 1º e 2º dissipa qualquer dúvida, ao preceituar que há erro quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.” (STJ; REsp 1.065.913; 1.ª Turma; DJE 10/09/2009).

Ao magistrado, portanto, cabe cuidar da efetividade de sua atividade decisória, cotejando os resultados dela decorrentes com os objetivos da própria existência do valioso serviço jurisdicional que está a prestar. Cabe-lhe, no desencargo dessa função de poder, sindicar a justiça de sua sentença, em verdadeiro exercício de saneamento material da justa tutela jurisdicional.

Isso porque a tutela jurisdicional não existe senão para ser justa.


Guilherme Lucci é juiz federal em Campinas(SP), especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura e mestrando em Efetividade da Jurisdição pela PUC-SP.



Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2014, 6h32

Erro de interpretação não pode ser considerado erro de fato, diz TST


A caracterização do erro de fato como causa para rescindir uma decisão judicial exige que seja apontado um fato que não corresponde à realidade do processo — sendo que um erro de interpretação não é suficiente para isso. Seguindo esse entendimento a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho negou um recurso em ação rescisória interposto pela família de um piloto de aeronaves, morto em acidente aéreo em Rio Branco, em 2002.

As família buscou na Justiça anular um acordo extrajudicial firmado com a companhia aérea, na qual aceitou o valor de R$ 464 mil com exoneração de responsabilidade. Porém, segundo a família, o acordo foi firmado pouco depois do acidente, quando as herdeiras ainda estavam emocionalmente abaladas. Depois de aceito, a família ficou sabendo que o salário do piloto era de R$ 8 mil, muito superior ao que a empresa havia informado.

Por considerar que houve a intenção de lesá-la, a família pediu a anulação da transação e a condenação da empresa e da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), fabricante da aeronave, a pagar indenização de mais de R$ 3 milhões. A companhia área defendeu a legalidade da transação, firmada sem qualquer afronta à lei. Já a Embraer sustentou sua ilegitimidade para figurar no processo, alegando que nunca teve relação de trabalho com o piloto.

Pedido improcedente
O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Manaus julgou o pedido improcedente, por entender que não houve dolo ou fraude no acordo, uma vez que não havia nos autos prova de que empresa teria orquestrado a situação para causar prejuízo às herdeiras. Ainda segundo a sentença, não houve vício de consentimento capaz de colocar em xeque a manifestação de vontade dos familiares.

Após recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM-RO) manteve a decisão, destacando que, se a família foi ressarcida no acordo extrajudicial validamente celebrado, não caberia o pedido de indenização. Para desconstituir essa decisão, a família ajuizou ação rescisória alegando que o TRT-11 teria deixado de julgar o pedido de anulação do acordo por vício de consentimento, o que caracterizaria erro de fato. A corte regional, porém, negou a rescisória, afirmando que a questão foi enfrentada, restando apenas o inconformismo das herdeiras diante da decisão desfavorável.

A família novamente recorreu, desta vez ao TST, mas o recurso foi negado. Segundo a SDI-2, a família apontou o erro de fato equivocadamente, como erro quanto à apreciação e valoração das provas. "Impossível evocar-se erro de fato se as circunstâncias destacadas foram consideradas nos fundamentos do julgado que se ataca, embora de forma contrária aos interesses da parte", afirmou o relator, ministro Alberto Bresciani. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.


Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2015, 16h28

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Pesquisa Pronta passa a divulgar novos temas toda semana



A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou a periodicidade de divulgação da Pesquisa Pronta, que vinha sendo disponibilizada mensalmente. A partir de agora, serão divulgadas duas novas pesquisas toda semana, sempre na segunda-feira.

Isso começou a valer já nesta semana. Na segunda-feira (12), foram divulgadas pesquisas sobre dois novos temas: submissão da Fazenda Pública à necessidade de depósito prévio prescrita pelo parágrafo 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil; e observação do período depurador do artigo 64, inciso I, do Código Penal, para afastar os maus antecedentes criminais.

A ferramenta foi criada para facilitar o trabalho dos advogados e de todos os interessados em conhecer a jurisprudência pacificada no âmbito do STJ. No portal, o usuário pode consultar pesquisas previamente realizadas sobre temas jurídicos, bem como acórdãos com julgamento de casos notórios. A busca dos documentos é feita em tempo real e, por isso, o resultado encontrado estará sempre atualizado.

Clicando nos links relacionados aos temas, é possível ter acesso a acórdãos e súmulas do STJ, selecionados por relevância jurídica e divididos por ramos do direito.

O serviço está disponível em Jurisprudência > Pesquisa Pronta, na página inicial do STJ. As pesquisas mais novas podem ser encontradas no link Assuntos Recentes.Para acessar diretamente a página da Pesquisa Pronta, 

clique aqui.

Fonte: STJ

Vídeo explica vantagens do processo judicial eletrônico





As mudanças trazidas pela implantação do processo judicial eletrônico da Justiça do Trabalho (PJe-JT) são objeto de um vídeo institucional produzido pelo Comitê Gestor Nacional do Pje-JT, como parte de uma campanha nacional de esclarecimento sobre o novo sistema. A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário mais avançado em termos de informatização do processo judicial, e hoje já existem mais de 1,5 milhão de processos que tramitam exclusivamente em meio eletrônico desde seu início.

Facilidade de acesso, visualização simultânea, agilidade de tramitação, redução de gastos e ganhos ambientais são algumas das vantagens do PJe-JT. "O processo acaba tramitando de forma mais rápida", afirma a coordenadora nacional, desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockman. Para o cidadão, outro lado positivo é a facilidade de acesso ao Judiciário, "de qualquer lugar onde haja internet".

O PJe-JT já está instalado em mais de 70% das Varas do Trabalho e nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho. O presidente do TST, ministro Barros Levenhagen, espera que, até o fim de sua gestão, em fevereiro de 2016, o sistema esteja funcionando em órgãos judicantes do Tribunal – Turmas e sessões especializadas.

Confira o vídeo:



Fonte: TST

Pastor tem vínculo de emprego reconhecido com Igreja Universal




A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um pastor e a Igreja Universal do Reino de Deus por entender presentes requisitos caracterizadores, como horário definido para reuniões habituais, folga semanal, natureza não eventual do trabalho no gerenciamento da igreja e participação obrigatória em cultos e programas de rádio e TV, além de remuneração mensal, com subordinação a metas de arrecadação. Com isso o processo retornará ao Tribunal Regional de Trabalho da 9ª Região (PR) para que examine as verbas decorrentes dessa relação.

O pastor foi inicialmente contratado na função de obreiro em Curitiba (PR), com salário fixo e mensal. Dois anos depois passou a atuar como pastor, até a demissão sem justa causa, após 14 anos.

Ele disse na reclamação trabalhista que era obrigado a prestar contas diariamente, sob ameaças de rebaixamento e transferência, e tinha metas de arrecadação e produção. Também recebia prêmios, como automóvel ou casa, de acordo com a produtividade, e era punido se não cumprisse as metas. Sua principal função, segundo informou, era arrecadar, recebendo indicação para pregar capítulos e versículos bíblicos que objetivavam estimular ofertas e dízimos.

Cunho religioso

O pedido de reconhecimento de vínculo empregatício foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau, com entendimento de que a atividade era de "cunho estritamente religioso", motivada por vocação religiosa e visando principalmente a propagação da fé, sem a existência da subordinação e a pessoalidade típicas da relação de emprego.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença. Um dos fundamentos foi o de que o pastor ingressou na igreja "movido por fatores que não se coadunam com os econômicos", uma vez que, em sua ficha pastoral, consta como motivo de sua conversão "desenganado pelos médicos".

TST

Para o ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso do pastor ao TST, o desempenho da função para presidir cultos, com o auxílio de liturgia, por si só, não configura vínculo empregatício, nem o trabalho de distribuir ou recomendar literatura (folhetos, livros e revistas) e atuar na TV e rádio para disseminar a fé da igreja. Da mesma forma, o recebimento de remuneração, quando não objetiva retribuir o trabalho, e sim prover o sustento de quem se vincula a essa atividade movido pela fé, também não configura o vínculo de emprego, nos termos da Lei 9.608/98, que dispõe sobre o trabalho voluntário.

No caso, porém, o ministro assinalou haver fatos e provas fartas de elementos caracterizadores do vínculo, definidos no artigo 3º da CLT. "Diante desse quadro, a ficha pastoral de ingresso na instituição e de conversão à ideologia da igreja torna-se documento absolutamente irrelevante, uma vez que o seu conteúdo foi descaracterizado pelos depoimentos, sendo o contrato de trabalho um contrato realidade, cuja existência decorre do modo de prestação do trabalho e não da mera declaração formal de vontade", afirmou.

(Lourdes Côrtes/CF)


Fonte: TST

JT não reconhece vínculo de emprego entre Igreja e voluntária religiosa



*publicada originalmente em 11/06/2014 


O trabalho dedicado à igreja por vocação religiosa não configura relação de emprego. Com esse entendimento, o juiz Vítor Salino de Moura Eça, na titularidade da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, julgou improcedentes os pedidos formulados por uma fiel da Igreja Batista da Lagoinha, que pretendia ver reconhecido o vínculo de emprego com a Igreja.

A reclamante alegou que exerceu a função de coordenadora de marketing institucional, no período de 05.01.09 a 08.11.10, sem carteira assinada. Por sua vez, a reclamada negou a relação de emprego, sustentando que a prestação de serviços se deu por vocação religiosa, como obreira. A tese defendida pela ré foi a de que as tarefas derivavam de fé e não de relação de emprego. Ao analisar o processo, o magistrado entendeu que a razão está com a ré.

O caso foi considerado "sui generis" pelo julgador. É que a própria reclamante reconheceu que pratica o credo ministerial professado pela Igreja, sendo cristã evangélica. Ao mesmo tempo, informou que mantinha relação de emprego com a ré. "A situação por si só coloca a pendenga em uma zona gris", destacou o juiz. Ou seja, em uma zona cinzenta ou esfumaçada, que não permite saber, de forma absoluta, o tipo de relação estabelecido entre as partes.

O magistrado também estranhou o fato de a reclamante ter ajuizado a ação somente em outubro de 2012, já que o trabalho se deu até novembro de 2010. "O fato é juridicamente possível, contudo pouco crível. Isso porque, quem é dispensado e vive de seu trabalho não poderia, em tese, suportar tanto tempo sem remuneração e sem buscar a justa reparação", ponderou na sentença. De todo modo, passou a apreciar as provas, já que a reclamação foi ajuizada dentro do prazo de dois anos previsto para a prescrição.

No caso, a reclamante apresentou dois comprovantes de pagamento ao título de assistência religiosa. No entanto, o juiz não deu importância a esses documentos, entendendo que, isoladamente, não provam a relação emprego. Já a defesa foi instruída de documentos confirmando a posição da reclamante como obreira do Senhor. Um deles, uma ficha assinada pela própria autora, impressionou o magistrado, pois ela se identifica como voluntária religiosa, com afastamento do vínculo. Para o juiz, a ficha foi assinada de forma consciente, mesmo porque a reclamante é pessoa instruída, com formação acadêmica.

E mais: A própria interessada informou, em depoimento, que seu trabalho tinha a ver com a missão institucional da Igreja e era fiscalizado por um ministro de fé religiosa e não um administrador comum. Por sua vez, uma testemunha disse que professa o credo da reclamada e que lá trabalhava em função de sua fé, como também a reclamante.

E foi assim, examinando de forma minuciosa cada prova existente nos autos, que o juiz chegou à seguinte conclusão: "O conjunto probatório é claro e positivo. Não deixa a menor dúvida de que o trabalho prestado pela reclamante à reclamada tinha caráter civil-religioso e não trabalhista". Por esse motivo, a Igreja foi absolvida do pedido de vínculo de emprego, e, por consequência, de todos os demais pedidos formulados na reclamação. A sentença foi confirmada pelo TRT-MG.( 0001984-45.2012.5.03.0016 RO )

Fonte: TRT3º Região

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