segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Teses escritas não ganham causas; advogado precisa dar atenção a audiências


Teses escritas não ganham causas; advogado precisa dar atenção a audiências




Apenas escrever as teses não leva à vitória nas causas. O advogado precisa dar mais atenção às audiências para tirar seu caso da vala comum. Quem ensina é o advogado Gustavo Albuquerque, sócio do escritório Godim Advogados Associados. Ele palestrou nesta quarta-feira (15/10) na Fenalaw 2014, maior feira jurídica da América Latina.

“O sistema está tão insustentável que, se o advogado não conseguir explicar as teses na audiência, elas não serão levadas em consideração”, explica. Isso acontece, segundo ele, porque os juízes não leem as teses, por falta de tempo (Na foto, os advogados Adriana Losito e Gustavo Albuquerque, que trataram do tema das audiências).

A falta de atenção com as audiências é tido como o “grande gargalo” do contencioso de massa. “Quem trabalha com Direito do Consumidor precisa se esmerar para fazer da audiência o momento chave para ganhar o processo”, insiste.

Foco “do” cliente
O trabalho de escritórios contratados por empresas para cuidar dos casos de massa é ainda mais importante levando-se em conta que os departamentos jurídicos fazem um trabalho de gestão e prevenção. Isso significa juntar tudo o que o escritório terceirizado oferece e fazer com que isso vire subsídio que evite novas demandas. 

Os escritórios de advocacia, segundo a advogada Flávia Malheiros (foto), sócia do Malheiros Advogados, são uma extensão do departamento jurídico e ajudam a minimizar os custos da empresa. Com isso, as bancas são cada vez mais parceiras do negócio.

Para a advogada Adriana Losito, gerente jurídica de Relação de Consumo da empresa GVT, o escritório é um braço externo que alcança o que os departamentos jurídicos não conseguem — daí a importância do trabalho de convencimento junto aos juízes. 

Para tanto, segundo ela, o foco dos escritórios precisa ser o do cliente — ou seja, a banca deve se preocupar com o que o departamento jurídico espera dela. “Quem precisa ter foco 'no' cliente é o departamento jurídico e a empresa, para resolver as demandas dele. As bancas devem entender o que nós queremos delas”, resume.

Acordo por acordo
Muitos afirmam acordos em causas massificadas na Justiça é um risco, porque o advogado pode acabar fomentando um cenário de novas ações. Mas não é isso que se vê na prática, de acordo com Adriana Losito.

É claro que, antes de tomar qualquer decisão em relação a acordos ou processos judiciais, a empresa precisa conhecer a cartela de clientes, e a quantidade e a qualidade de seus processos. Além disso, é preciso identificar a causa raiz, saber quem são os ofensores, ter um suporte para saber o subsídio dessas ações e rastrear.

Mas feito esse mapeamento e identificados quais são os melhores cenários para se fazer o acordo, o ideal é separar os processos e mandá-los a uma célula de negociação, para se tentar recuperar aquilo que foi perdido — que não é o dinheiro, mas sim o consumidor. Isso inclui conquistar a sua confiança e se desculpar.

Mas se os riscos forem favoráveis e se houver a possibilidade de ganhar a ação, é preciso colocar o problema na mão de um escritório de advocacia para fazer a construção de tese jurídica e resgatar a imagem pelo ângulo de que a empresa realmente tinha razão. “Isso impede fomentar a indústria do dano moral, que cresce muito”, opina a advogada.

Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2014, 8h24

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Atraso de salários autoriza rescisão indireta mas não gera dano morais se não provado outros prejuízos ao trabalhador




Atraso de salários autoriza rescisão indireta mas não gera danos morais se não provados outros prejuízos ao trabalhador 

Quando o próprio empregador pratica uma falta grave que torne insuportável a continuação do contrato de trabalho, o empregado pode tomar a iniciativa de romper o vínculo, sem prejuízo no recebimento das verbas rescisórias. Assim, ocorre a rescisão indireta do contrato de trabalho (artigo 483 da CLT). E, devido à natureza alimentar do salário, indispensável para o atendimento das necessidades básicas do trabalhador e de sua família, quando o empregador deixa de pagá-lo ou efetua o pagamento com atraso, de forma repetida, a falta é considerada grave o suficiente para justificar a rescisão indireta. Foi com esse pensamento que a juíza Raquel Fernandes Lage, em atuação na Vara do Trabalho de Araxá, reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho pretendida por um empregado. Mas a julgadora entendeu que as faltas patronais constadas não justificam o pagamento de indenização por danos morais que também foi requerida pelo empregado em razão do descumprimento das verbas trabalhistas.

No caso, o reclamante afirmou que empresa não lhe pagou o 13º salário de 2013, além de não ter realizado qualquer recolhimento de FGTS. Disse que os salários estavam sendo pagos apenas parcialmente e com atraso e que a reclamada lhe deve ainda três meses de salário. Ao se defender, a empresa reconheceu que, por estar enfrentando dificuldades financeiras, vem pagando salários em atraso. Reconheceu que deve ao reclamante o 13º salário de 2013 e, em parte, os salários de maio e junho de 2014.

Ao analisar a prova documental, a magistrada constatou que não foram apresentados comprovantes de pagamento válidos, já que aqueles existentes no processo não estão assinados pela empregada. Também não houve comprovação dos depósitos de FGTS. Assim, concluiu que, de fato, a empregadora descumpriu obrigações importantes do contrato de trabalho. Segundo a julgadora, "enquanto o dever de prestar seus serviços seja a principal obrigação do empregado, a do empregador consiste no pagamento dos salários na data do seu vencimento, tendo em vista que dele o empregado depende para a sua subsistência e da sua família. A falta de observância das obrigações contratuais e legais constitui grave infração das obrigações patronais e autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador."

Em razão das irregularidades praticadas pela ré, a magistrada declarou a rescisão indireta, nos termos do artigo 483, alínea 'd' da CLT e condenou a empregadora ao pagamento das parcelas em atraso e das verbas cabíveis na dispensa sem justa causa, além das multas dos artigos 477 e 467 da CLT.

Mas, em relação à indenização por dano moral, na visão da magistrada, o descumprimento da obrigação de pagamento dos direitos trabalhistas, por si só, não ofende a honra ou a moral do trabalhador. Ela ressaltou que esse descumprimento é compensado pela incidência de juros e correção monetária, bem como pela aplicação das multas previstas na legislação trabalhista, ou mesmo do reconhecimento da rescisão indireta. Cabia ao reclamante demonstrar que, em decorrência da falta da empresa, ocorreram outros fatos capazes de ofender sua dignidade, o que não ficou comprovado, no caso. Por isso, o pedido de indenização por danos morais foi julgado improcedente. Não houve recurso ao TRT/MG.( nº 01371-2014-048-03-00-6 )
Fonte: TRT3ª

Gerente receberá indenização de R$50 mil por ofensas de superior


Gerente receberá indenização de R$ 50 mil por ofensas de superior



A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho fixou em R$ 50 mil o valor de indenização por dano moral a ser paga pela Total E&P do Brasil Ltda. a uma gerente que conseguiu provar tratamento desrespeitoso por seus superiores hierárquicos. A indenização foi fixada anteriormente em R$ 100 mil, mas a Turma deu provimento a recurso da empresa e reduziu o valor.

A gerente descreveu na ação trabalhista que era constantemente criticada e chamada de idiota e incompetente por dois diretores da empresa. Relatou que as conversas com eles ocorriam sempre em tom agressivo e que, após se afastar do trabalho com diagnóstico de transtorno do pânico, o tratamento piorou. A trabalhadora pediu indenização no valor de R$ 950 mil, equivalente a dez vezes o salário que recebia na época.

Em defesa, a empresa alegou que nenhum empregado ou diretor cometeu qualquer ato que pudesse sugerir algum tipo de perseguição pessoal, e que os diretores apenas cobravam da gerente o bom cumprimento de suas tarefas, "como é lícito supor ser o direito de qualquer chefe em relação aos seus subordinados". Algumas testemunhas, porém, confirmaram a versão da trabalhadora.

Humilhações

O juízo da 20ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou o pedido improcedente por falta de prova consistente dos fatos narrados. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), porém, entendeu que as provas testemunhais deixaram claras as humilhações sofridas e o abuso de direito da empregadora, condenando-a ao pagamento de indenização de R$ 100 mil.

A empresa recorreu ao TST questionando a condenação e o valor arbitrado. A Turma manteve o entendimento relativo ao dano moral, mas deu provimento ao recurso em relação ao valor, considerado desproporcional ao dano causado. O voto do relator, ministro Hugo Scheuermann, no sentido de reduzi-lo para R$ 50 mil, foi seguido por unanimidade.


(Taciana Giesel/CF)
Fonte: TST

Indenização de R$68 mil por bombom estragado é enriquecimento ilícito


Indenização de R$ 68 mil por bombom estragado é enriquecimento ilícito




Encontrar objeto estranho em uma embalagem de alimentos não caracteriza, por sí só, a possibilidade de indenização por dano moral da empresa fabricante. Assim entendeu, por maioria de votos, a 4ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, ao negar o provimento de ação indenizatória movida contra a empresa Chocolate Garotos. Na ação, a apelante queria uma indenização de R$ 67.800 por encontrar larvas de inseto em uma caixa de bombom de R$ 6,99, da qual ela não comeu nenhum bombom.

A decisão vai de encontro a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que condenou a Coca-Cola a pagar quase de R$ 15 mil a uma moradora de São Paulo por ter encontrado um corpo estranho em uma garrafa de refrigerante. É que no caso dos bombons, a Justiça entendeu que o fabricante não pode ser responsabilizado pela armazenagem e venda de produto fora da validade pelo lojista.

Ao negar a continuidade da ação, o desembargador Carlos Teixeira Leite, relator do recurso no tribunal, apontou três razões fundamentais. Em primeiro lugar, o voto diz que a recorrente não provou que havia ingerido o bombom estragado. Segundo o acórdão, havia fotos da embalagem lacrada com detalhes dos insetos, mas não dos bombons consumidos. Não havia sequer pedido de testemunho em juízo do cunhado da apelante, que a teria presenciado comer o bombom.

A decisão afirma que a mera constatação de objeto estranho é “insuficiente para causar um abalo moral indenizável” e, se considerado que as empresas de produtos industrializados atuam em larga escala, “uma ou outra falha pontual [é] esperada e até mesmo tolerável”, diz o documento.

O voto afirma, também, que o defeito na embalagem foi “antes, uma falha na conservação do produto pelo comerciante, do que propriamente na fabricação”, o que inviabiliza a ação direta contra a fabricante do bombom.

No acórdão, o desembargador apontou como fato mais grave a tentativa de enriquecimento pela judicialização de uma questão. “Tanto é assim que sequer cuidou ela de requerer nos autos a substituição da caixa de bombons por uma nova ou mesmo ser ressarcida pelos R$ 6,99 despendidos, limitando-se a pleitear uma reparação no absurdo valor de R$ 67.800”.

Clique aqui para ler o acórdão.


Alexandre Facciolla é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2014, 8h49

Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência


Direito penal do fato ou do autor? A insignificância e a reincidência



Machado de Assis tem um conto chamado Suje-se gordo. Não tem vírgula, não. Não é “suje-se, Gordo”. Trata de um julgamento do qual se tira a seguinte lição: vá fundo na “maracutaia”. Tem de valer a pena. Se é para se sujar, suje-se gordo. Quem praticou pequeno delito, lascou-se; quem “sujou-se gordo”, deu-se bem. Essa é a moral da história do conto de Machado de Assis.

Relendo o conto, dou-me conta das discussões sobre os critérios para aferir o que é bem jurídico relevante em terrae brasilis. Historicamente o direito penal tem sido feito para os que não têm e o direito civil para os que têm. Já disse isso várias vezes (afinal, sofro de LEER – Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo): o Código Criminal de 1830 foi feito para pegar escravos, o de 1890, para pegar ex-escravos e seus filhos, e o de 1940 para proteger nitidamente a propriedade privada contra os ataques da patuleia, a ponto de dobrar a pena no furto nos casos de escalada, chave falsa, etc. Elementar isso, pois não?

O problema é que, em pleno Estado Democrático de Direito, ainda continuamos com essa atribuição liberal-individualista de sentidos ao que seja bem jurídico. Isso salta aos olhos quando comparamos os tipos penais do furto qualificado com crimes como sonegação de tributos e lavagem de dinheiro (poderia fazer um quadro comparativo, mas o espaço não permite).

A todo o momento isso volta à tona. A falta de uma filtragem hermenêutico-constitucional na legislação penal continua fazendo vítimas cotidianamente. E quem mais sofre são naturalmente os componentes do andar de baixo da sociedade.

Digo isso para retornar à discussão sobre o sentido do princípio que vem salvando, em determinadas circunstâncias, a teoria do bem jurídico no tocante aos crimes contra a propriedade, especialmente o furto. O problema é a falta de uma universalização de sua aplicação. Ou, mais do que isso, posso afirmar que o problema é a ausência do critério da igualdade na sua aplicação pelos tribunais.

Explico. Recentemente o Superior Tribunal de Justiça voltou a enfrentar a questão da aplicação da insignificância no crime de descaminho, considerando para tal o valor de R$ 10 mil (artigo 20, caput, da Lei 10.522/02) e/ou a Portaria 75 do Ministério da Fazenda que, em seu artigo 1º, inciso II, fixou o valor mínimo de R$ 20 mil para execução de dívidas tributárias.

A problemática veio à baila no AgR no Recurso Especial 1.4.657-RS (2014/07126-). O caso concreto não apresenta relevância para ser discutido, porque o valor ilidido não chegou a R$ 100. Entretanto, o que é importante voltar a discutir é a (ausência de uma) criteriologia utilizada pelo Poder Judiciário para dizer se uma conduta é insignificante penalmente ou não.

Minha questão, aqui, não é enfrentar e/ou criticar a aplicação analógica da Portaria 75 do Ministério da Fazenda (veja-se a decisão do TRF-3) ou o valor pela metade determinada pela Lei. Tampouco quero questionar a aplicação do favor legis para a sonegação de tributos prevista pela Lei 10.684/03, que estabelece que o pagamento do valor sonegado antes do recebimento da denúncia é causa de extinção da punibilidade. Também não quero discutir ofavor legis dado no artigo 168-A, parágrafo 2º do Código Penal a quem sonega contribuições da previdência... Igualmente não vou questionar a aplicação de uma jurisprudência generosa para quem paga o tributo sonegado mesmo após a sentença transitada em julgado (caso, por exemplo, de Marcos Valério que, no Recurso Especial 942.769/MG, o STJ decidiu pela extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal pelo pagamento de parcelas não recolhidas em momento posterior ao recebimento da denúncia, consagrando o entendimento que o pagamento do tributo a qualquer tempo enseja o fim da possibilidade de responsabilização penal). Não é isso que está em causa.

Mas, então, o que quero discutir? Simples. Quero colocar em xeque a isonomia, a igualdade e a República. Ou existe igualdade, isonomia ou não somos republicanos (na verdade, não somos, mas como sou um otimista “como se”, a partir da filosofia do als ob de Hans Vaihinger...). Como explicar que juízes e tribunais da República se negam a aplicar os mesmos critérios para os crimes contra o patrimônio sem violência, como o furto, a apropriação indébita e o estelionato?

Dois problemas sérios. O primeiro é não aplicar o favor legis da sonegação de tributos para quem devolve a res furtivae nos casos de furto, apropriação indébita ou estelionato. Por que o sujeito que sonega é mais cidadão que o que furta? Por que alguém que ataca o patrimônio do povo é melhor visto pelo establishment que alguém que mete a mão no patrimônio de um particular?

Segundo: por que alguém que pratica descaminho é mais bem visto que alguém que furta? Ou seja, por que para quem pratica descaminho o valor da insignificância chega a valores que a maioria da malta leva um ano ou mais para ganhar e para o furto R$ 200 já é muito? Aliás, se pensarmos em alguns setores do Judiciário e do Ministério Público, o tal principio da insignificância nem existe (ver aqui). A questão do modus aplicativo da insignificância mostra-se extremamente problemática. Veja-se, a esse respeito, o HC 101.998 (Rel. Min. Toffoli, 1ª Turma do STF, j. 23-11-2010), envolvendo furto de barras de chocolate, sendo que a 1ª Turma do STF entendeu que não incidia o princípio da insignificância ao caso porque o agente seria reincidente específico em crimes contra o patrimônio. Ali, houve nítida violação do Direito Penal do fato, aplicando-se o vetusto Direito Penal do autor, a despeito da inexpressiva lesividade da conduta ao bem jurídico tutelado (no caso, nove barras do chocolate diamante negroavaliadas em R$ 45).

Aqui, novamente temos de lembrar a questão fulcral: igualdade, isonomia e aplicação por integridade e coerência. De um lado, R$ 10 mil para descaminho; de outro, R$ 10 negado para furto (ou outros valores para furtos que não tratem de reincidência). Também os pequenos crimes cometidos contra o meio-ambiente são vistos com mais simpatia por setores do Poder Judiciário, como, por exemplo, a absolvição de pessoas que pescaram um peixe dourado (sete quilos) recentemente (ver aqui). Registre-se, desde logo, a correção da decisão do 3ª. Turma do TRF 1ª. Região. O difícil é entender a movimentação de toda a máquina pelo Ministério Público Federal para ver condenados 3 patuléus que, de caniço e samburá, foram pescar alguns peixes. Interessante: naquele Habeas Corpus do caso Valério acima relatado, o parecer do MPF foi a favor da aplicação do favor legis da lei da sonegação, mesmo contra legis, porque já transitada em julgado a condenação do contador do mensalão. Dois pesos, duas medidas...

Sigo. Fui o primeiro a aplicar isonomicamente a lei da sonegação de tributos e o furto sem prejuízo (já tratei disso em outra coluna). Fui também o primeiro a aplicar o favor legis da lei da sonegação para o estelionato:


ESTELIONATO. ÔNUS DA PROVA.
No estelionato, mesmo que básico, o pagamento do dano, antes do oferecimento da denúncia, inibe a ação penal. O órgão acusador deve tomar todas as providências possíveis para espancar as dúvidas que explodam no debate judicial, pena de não vingar condenação (Magistério de Afrânio Silva Jardim).

Lição de Lênio Luiz Streck: os benefícios concedidos pela Lei Penal aos delinquentes tributários (Lei 9.249/95, artigo 34) alcançam os delitos patrimoniais em que não ocorra prejuízo nem violência, tudo em atenção ao princípio da isonomia. Recurso provido para absolver o apelante. (BRASIL. TARS. 2ª Câmara Criminal. Apelação criminal nº 297.019.937. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. Data do julgamento: 25 de Setembro de 1997). (íntegra aqui)

E isso lá nos anos 90 do século passado. Aliás, escrevi sobre isso já um ano após a Constituição de 1988.

Passados tantos anos, ainda não conseguimos encontrar um ponto de estofo para a aplicação equânime (falo da fairness dworkiniana) do critério-principio da insignificância. Penso que, para isso, temos que nos desvestir da velha dogmática jurídica, carcomida pelo paradigma liberal-individualista de bem jurídico.

Ainda estamos inseridos no imaginário que albergou o Código de 1940. Somos, portanto, a-históricos. Perdemos o trem da história. Vivemos do passado. A doutrina penal, em boa parcela, continua utilizando os exemplos de Caio, Mévio e Tício, onde a vigência é igual à validade e o patrimônio individual é mais importante que o patrimônio de todos. Afinal, o que é isto — a teoria do bem jurídico-constitucional? Eis uma boa pergunta a ser respondida.

Enquanto não encontrarmos uma resposta adequada, vamos continuar a aplicar a insignificância de modo ad hoc. Do mesmo modo, vamos continuar a aplicar favores legais para um grupo social e deixar de aplicar para a maioria, que frequenta o andar de baixo de nossa sociedade estamental.

Numa palavra e como retranca: entre Hobbes e Rousseau, torço pelo Hobbes F.C., portanto, não tenho ilusões com o direito penal, com a sociedade de bem estar, com a bondade humana, etc. Não sou nem minimalista, nem maximalista: apenas a favor de um direito penal e uma teoria do bem jurídico constitucionalmente adequados. Nisso está o tratamento equânime (fairness) dos bens jurídicos a ser penalizados; nisso está a forma republicana de aplicar a lei: se um sonegador pode receber benesses ao devolver o valor sonegado, por que razão o cara do furto não pode fazer o mesmo? Ou arrumamos isso ou temos de dar razão ao personagem do conto de Machado: suje-se gordo!

Post Scriptum : o STJ rompe com o tabu da reincidência
Leio que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, trancou — de forma acertada — ação penal em um caso de furto de chocolate vindo de São Paulo (ler aqui). O paciente era reincidente. Esse assunto ainda era tabu, tanto é que o Supremo Tribunal Federal afetou ao plenário a discussão da aplicação ou não do princípio da insignificância nos casos de reincidência. Aqui também quero dizer que fui o primeiro a defender a tese de que a reincidência tem de ser discutida, mormente em termos de ser ou não inconstitucional. Trata-se de um bis in idem e uma violação da secularização que deve haver, no direito penal, entre direito e moral. O Estado não pode punir a sua própria incompetência. E nem pode pretender “melhorar” o indivíduo. Direito penal não é para isso. Durante um considerável período, a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) aplicava minha tese. Perdi recentemente no Supremo Tribunal. Mas, pelo jeito, deixei algumas sementes.

Não será dito, por óbvio, que a reincidência é, “em si”, inconstitucional. Mas pode ser que será dito — como já o foi pela 6ª Turma do STJ — que, em determinados casos, ela não se aplica. Como venho sustentando, toda aplicação de princípio no processo penal é uma hipótese de nulidade parcial sem redução de texto. Mas esse é um assunto para outra coluna. 

Post Scriptum II: a dialética do concreto e o direito
Efetivamente, tenho de estudar mais. Minha ignorância não tem limites. Por isso, leio de tudo. E como aprendo coisas... Há pouco, li no ConJur um artigo em que se fazia uma ode a um tal Princípio da Livre Interpretação da Norma em Concreto (ler aqui). Simplesmente incrível. Ao saber da “existência” desse princípio (mais um para minha coleção) — coisas que se descobre aqui no ConJur — fiquei pensando em, efetivamente, estocar alimentos. O que seria “livre interpretar a norma em concreto”? Confiar na sapiência e na cognição do juiz? No seu sentimento do “justo”? Na sua liberdade de dizer o que é justo? Por favor. O que mais os juristas descobrirão e inventarão? By the way, não resisto em contar: Lembro-me de uma brincadeira com as palavras. Meu professor de filosofia no mestrado na década de 80 mandou ler o livro A Dialética do Concreto, de Karel Kosik. Fui à livraria da universidade. Lá, o moço me disse: “ — Dialética do Concreto? Concreto, concreto... Hum, hum. Vá na parte da física. Ali tem tudo sobre concreto, asfalto, pedras”. Pois é. Interpretar livremente a norma em concreto deve ser algo parecido. Sim... In concreto!


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2014, 8h00

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Defensoria pede que Levy Fidelix pague R$1 milhão por declarações antigays



“DISCURSO DE ÓDIO”
Defensoria pede que Levy Fidelix pague R$ 1 milhão por declarações antigays

8 de outubro de 2014, 15h00


As declarações feitas por Levy Fidelix (PRTB) contra homossexuais geraram mais um questionamento na Justiça, dessa vez pelas mãos da Defensoria Pública de São Paulo. Uma Ação Civil Pública apresentada na última terça-feira (7/10) pede que o candidato à Presidência no primeiro turno e o partido dele paguem R$ 1 milhão de indenização por danos morais.

Em debate na Rede Record entre presidenciáveis, promovido em 28 de setembro, Levy (foto) foi questionado pela então candidata Luciana Genro (PSOL) sobre a aceitação de casais formados por pessoas do mesmo sexo. Ele respondeu que “aparelho excretor não reproduz” e defendeu a necessidade de que a maioria “enfrente” essa minoria.

“Este discurso de ódio é incompatível com o respeito à dignidade da pessoa humana, não só da pessoa, individualmente considerada, mas da dignidade de uma coletividade”, diz a petição inicial. A Defensoria quer que o dinheiro da indenização seja aplicado em ações de promoção da igualdade do público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Também pede que Levy e seu partido banquem custos de um programa que promova os direitos dessa população.

“A fala do candidato nitidamente ultrapassou os limites da liberdade de expressão para incidir em absurdo discurso de ódio”, afirma a defensora Vanessa Alves Vieira, coordenadora do Núcleo de Combate à Discriminação, ao Racismo e ao Preconceito. “A externalização do preconceito, em especial por um meio de comunicação com ampla repercussão como a televisão, perpetua o tratamento discriminatório e pode produzir efeitos nocivos, como violações a direitos fundamentais e atos de violência”.

Levy nega ter feito declarações homofóbicas. Em entrevista ao Estado de S. Paulo, ele disse que apenas defende a “família tradicional”, mas “sem agressividade” a ninguém, e declarou-se vítima de perseguição por parte de algumas instituições.

Outras críticas
A Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasilchegou a pedir que o Tribunal Superior Eleitoral cassasse a candidatura de Levy Fidelix, mas a solicitação acabou prejudicada porque ele não passou para o segundo turno na eleição do último domingo (5/10). A comissão também enviou pedido de providências ao Ministério Público Eleitoral, ainda sem resposta.

Luciana Genro e o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) também apresentaram representação ao TSE. Com informações da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública de São Paulo.

Clique aqui para ler a petição.


Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2014, 15h00

ADI sobre efeito suspensivo de embargos à execução fiscal terá rito sumário


ADI sobre efeito suspensivo de embargos à execução fiscal terá rito sumário




A ação que questiona a proibição ao efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal interpostos pelo contribuinte tramitará pelo rito sumário. Em despacho da quarta-feira (1º/10), a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI que discute a matéria no Supremo Tribunal Federal, deu prazo de dez dias para que a Presidência da República, o Senado e a Câmara dos Deputados se pronunciem sobre o assunto. Depois, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República terão cinco dias para se manifestar.

O caso foi levado ao Supremo pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Na inicial, a entidade questiona a interpretação dada pelo Judiciário de que a regra que veda o efeito suspensivo a execuções privadas, prevista no Código de Processo Civil, deve ser aplicada também aos casos de recursos do contribuinte contra a Fazenda, descritos na Lei de Execuções Fiscais (LEF).

De acordo com a OAB, esse entendimento veio quando o STJ permitiu a aplicação subsidiária do artigo 739-A do CPC em relação à LEF. O dispositivo do CPC é claro ao proibir o efeito suspensivo dos embargos, ao passo que a Lei de Execuções Fiscais não trata do assunto.

Mas a autarquia defende que essa regra não pode ser aplicada subsidiariamente às execuções fiscais, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça em abril de 2013. Para a OAB, esse entendimento viola o princípio razoabilidade e da proporcionalidade.Também afirma que essa interpretação fere o princípio da isonomia, “pois conduz à expropriação de bens do contribuinte antes da confirmação da procedência do débito fiscal pelo Estado-juiz”.

No pedido, a OAB afirma que o caso é relevante o suficiente para que se conceda uma liminar suspendendo a aplicação subsidiária do 739-A do CPC. Também pede que sejam intimados, além da Fazenda Nacional, o Senado, o Congresso, a Presidência da República e a AGU.

A ministra Cármen Lúcia concordou com a OAB. Aplicou o rito descrito no artigo 12 da Lei 9.868/1999, que trata das ações de controle de constitucionalidade: “Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”.

Em outras palavras, o pedido de liminar feito pela OAB deverá ser julgado pelo Plenário do Supremo antes do fim do ano.

Clique aqui para ler o despacho.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2014, 9h14

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...