terça-feira, 7 de outubro de 2014

Código de Defesa do Consumidor se aplica a relações entre empresas, diz STJ


Código de Defesa do Consumidor se aplica a relações entre empresas, diz STJ



O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também é aplicável às pessoas jurídicas que adquirem bens ou serviços, desde que seja para a satisfação de necessidades próprias, de forma que a empresa seja destinatária final do produto. Foi o que entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar uma ação movida por uma empresa do ramo imobiliário contra uma companhia de táxi aéreo. O órgão decidiu adotar a legislação nesse caso por considerar que a relação era de consumo.

A Skipton, empresa do ramo imobiliário, comprou um avião da Líder Táxi Aéreo, vendedora exclusiva no Brasil das aeronaves produzidas pela Hawker Beechraft Corporation, para atender a demanda que tinha de transporte de seus diretores, funcionários e clientes. Em virtude de suposto inadimplemento por parte da Líder, a Skipton ajuizou ação de resolução contratual e pediu a devolução dos valores que antecipou à empresa.

A ação foi proposta em Curitiba, onde fica a sede da Skipton. O artigo 101, inciso I, do CDC diz que em caso de ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, o autor poderá ajuizar o pedido no foro de seu domicílio.

Inconformada, a Líder arguiu exceção de incompetência. Argumentou que a relação discutida na ação possuía caráter paritário, pelo que não se poderia falar em relação de consumo. Por isso, a ação deveria ter sido movida em Belo Horizonte, onde fica a sede da companhia, conforme prevê a regra geral de competência do Código de Processo Civil.

A primeira instância rejeitou o pedido. O Tribunal de Justiça do Paraná, ao julgar agravo interposto pela Líder, também não acolheu os argumentos da companhia por considerar que a relação era de consumo.

A Líder, então, recorreu ao STJ. No recurso especial, a empresa reafirmou que o CDC não poderia ser invocado no caso específico para definir o juízo competente para decidir a demanda.

A companhia voltou a argumentar que não havia relação de consumo na relação com a Skipton, já que a empresa não se pode ser considerada hipossuficiente. “Tanto a doutrina quanto a jurisprudência afastam a aplicação da legislação consumerista nos casos em que o bem é utilizado para incrementar os negócios e as atividades comerciais do seu adquirente”, alegou companhia no recurso.

Os ministros da 3ª Turma, no entanto, não acolheram o argumento e aplicaram a jurisprudência já consolidada no STJ, que considera consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o produto como seu destinatário final — isto é, quem retira o bem de circulação no mercado para satisfazer sua própria necessidade e não para utilizá-lo no processo produtivo.

“Esta corte superior, adotando o conceito de consumidor da teoria finalista mitigada, considera que a pessoa jurídica pode ser consumidora quando adquirir o produto ou serviço como destinatária final, utilizando-o para atender a uma necessidade sua, não de seus clientes”, afirmou o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

“A aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica autora da demanda, não integrando diretamente — por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda — produto ou serviço por ela posto à disposição do mercado, motivo pelo qual se aplicam à relação em tela os ditames constantes da lei consumerista”, acrescentou o ministro Villas Bôas Cueva.

O colegiado, de forma unânime, acompanhou o voto do ministro Sanseverino e manteve a competência da Justiça do Paraná para o julgamento da ação. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 6 de outubro de 2014, 19h38

Adicional de transferência só é devido em caso de mudança provisória do domicílio do empregado





Adicional de transferência só é devido em caso de mudança provisória do domicílio do empregado 


O adicional de transferência tem a finalidade de custear as despesas extras do trabalhador com a sua moradia provisória. A parcela é devida quando o empregado, em razão do trabalho, tem que mudar de domicílio e deve ser paga até que ele retorne à sua antiga residência. E o artigo 469 da CLT é expresso ao dispor que não se considera transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do domicílio do empregado.

Com base nesses fundamentos, a juíza Adriana Farnesi e Silva, atuando na Vara de Trabalho de Monte Azul-MG, indeferiu a pretensão de um trabalhador de receber o adicional de transferência. Isto porque a magistrada constatou que ele prestava serviços em vários locais, em razão da natureza itinerante das atividades da empregadora. Mas permanecia em alojamentos fornecidos pela empresa, não chegando a estabelecer domicílio em nenhum desses locais. Assim, no seu entender, o reclamante não tem direito de receber o adicional de transferência.

Após examinar o estatuto social da empregadora, a juíza sentenciante observou que ela atua no ramo da geologia e engenharia, realizando sondagens, pesquisas minerais, levantamentos geológicos etc, sendo evidente a natureza itinerante dessas atividades. E, conforme constatou a julgadora, a prestação de serviços do reclamante ocorria em vários lugares, onde ele permanecia por curtos períodos e sempre em alojamentos fornecidos pela empregadora. As provas demonstraram que o reclamante jamais estabeleceu residência em nenhum desses locais e que a empregadora era quem arcava com todos os custos, incluindo, além da hospedagem, os deslocamentos e a alimentação.

No entender da julgadora, o desempenho das atividades fora do local da contratação do reclamante não caracterizou a transferência provisória de que trata o art. 469 da CLT, especialmente porque não houve a mudança do seu domicílio. Para ela, a prestação de serviços em diversas localidades ocorreu para atender às necessidades especiais das atividades, sendo condição indispensável para a execução do trabalho. Nesse contexto, indeferiu o adicional de transferência. Houve recurso, mas a decisão foi mantida pela 9ª Turma TRT de Minas.( 0001671-80.2012.5.03.0082 RO )

Fonte: TRT3ª Região

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

"Jurisprudência materializa o que é discutido na escola de magistratura"


“Jurisprudência materializa o que é discutido na escola de magistratura”




A Escola Paulista de Magistratura quer fazer os juízes se dedicarem mais aos estudos. Percebeu que um dos maiores obstáculos para isso é que falta tempo aos operadores do Direito. Em São Paulo, não é só o volume de trabalho a dificuldade. Sair de um ponto da cidade para estudar em outro exige planejamento e paciência.



Uma das soluções encontradas pela escola foi inverter a lógica: ir até o juiz. Todas as aulas e palestras oferecidas pela EPM agora são gravadas em vídeo. Todos os juízes e desembargadores receberam uma senha para assistir online, a hora que puderem e quiserem, os cursos que lhe interessarem.

A escola investe também em cursos rápidos, focados em temas controversos e recorrentes no dia a dia das varas. “A grande riqueza da escola é unir a doutrina com a parte prática”, explica o diretor da EPM, desembargadorFernando Maia da Cunha, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico. E não deixa de lado quem prefere o modelo tradicional. Há cursos de pós-graduação e também núcleos de estudo, criados exclusivamente para juízes e desembargadores.

Desde julho deste ano, não há mais cobrança de mensalidade. “Desde que assumimos a diretoria da escola, nos incomodava cobrar dos juízes. Queríamos isentá-los em 100%. Fizemos isso com uma decisão do Conselho Consultivo. Hoje, o juiz não paga nada para estudar na EPM. A escola é dos magistrados, existe em função dos magistrados”, afirma o desembargador.

Maia da Cunha foi escolhido para dirigir a escola em dezembro de 2013, no mesmo dia em que foi eleita a nova direção do Tribunal de Justiça de São Paulo. Além da missão de tornar os cursos mais acessíveis aos juízes, tem de cuidar da formação dos magistrados e servidores do Judiciário paulista.

Em agosto, o presidente da corte, desembargador Renato Nalini, inaugurou a EJUS, escola criada para formar e capacitar os servidores. A partir de agora, quem chega para trabalhar na corte recebe um curso para conhecer as suas funções e aprender um pouco sobre Direito.

Fernando Maia da Cunha nasceu em Bauru (SP), tem 63 anos e está na magistratura desde 1980. É bacharel pela Faculdade de Direito de Alta Paulista e mestre em Direito Comercial pela PUC-SP, instituição em que é professor convidado. No TJ-SP, integra a 4ª Câmara de Direito Privado e a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor já disse que uma de suas prioridades é trazer o juiz de volta para a EPM. Por que houve esse distanciamento?
Maia da Cunha — O juiz tem um problema muito sério para frequentar a escola: o tempo. Nenhum juiz hoje, de qualquer vara, de qualquer câmara, tem tempo para muita coisa além da própria atividade jurisdicional. Isso acaba afastando o juiz do estudo, da leitura, da reflexão, do debate.

ConJur — E como pretende contornar essa situação?
Maia da Cunha — Uma das nossas tentativas tem sido ampliar o número de núcleos de estudo, que são exclusivos para magistrados.

ConJur — O que é um núcleo de estudo?
Maia da Cunha — Cada núcleo se organiza de uma forma. Não têm um objetivo pré-definido, podem ser simplesmente núcleos de discussões. O de Direito Empresarial, do qual participo, escolheu dez temas e convidou para discuti-los o melhor professor em cada área. Então, o professor vem até a escola para um encontro de três horas. Fala durante uma hora e debate o tema com os juízes no restante do tempo. Isso proporciona uma rica interação entre a doutrina e a jurisprudência.

ConJur — E ajuda na hora de decidir.
Maia da Cunha — A grande riqueza da escola é unir a doutrina com a parte prática. Toda lei, toda doutrina, todo estudo, toda reflexão, toda parte filosófica de qualquer ramo do Direito visa a prestação jurisdicional. Visa orientar que determinado direito seja aplicado desta ou daquela maneira no caso concreto. Somar esses dois lados é muito interessante para quem julga.

ConJur — Os núcleos duram quanto tempo?
Maia da Cunha — Dez meses, no máximo. Os encontros costumam ser mensais e os grupos são normalmente formados por cerca de 15 juízes. Alguns têm até 30. Ao final, os integrantes têm várias opções: escrever um trabalho sobre os temas discutidos, apresentar enunciados como sugestões de futuras súmulas, ou até editar um livro. Esta foi a opção do Núcleo de Direito Civil, na época em que participei. Dividimos os temas e escrevemos uma obra coletiva, que é o pensamento da magistratura paulista sobre o negócio jurídico. Há grupos que preferem escolha uma obra e estudá-la durante dois, três meses. Depois disso, convidam o autor para participar. Não há obrigação de apresentar trabalho. É uma reflexão que o juiz faz e que, evidentemente, vai se materializar no julgamento. Esses julgamentos formam jurisprudência e vão orientar, de modo geral, todos os juízes. É interessante e a escola existe para isso.

ConJur — O senhor tem um projeto de intercâmbio para juízes. Como isso seria feito?
Maia da Cunha — Já existe muito intercâmbio de juízes brasileiros, principalmente com os Estados Unidos. Tanto que, recentemente, criamos o Núcleo de Direito Comparado Brasil/Estados Unidos. É uma experiência muito rica, mas que, atualmente, não é compartilhada com os colegas. Eles vão às próprias custas. Não vão pela escola nem pelo tribunal.

ConJur — O curso seria pago pelo tribunal?
Maia da Cunha — Um dia o tribunal e a escola terão que discutir um sistema de escolha de juízes para intercâmbios, desde que haja um feedback para toda a magistratura. Vou levar essa proposta ao Conselho Consultivo da EPM. A ideia é que a escola possa enviar juízes para fazer cursos no exterior de interesse da magistratura brasileira e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Por que a escola auxiliaria nos custos? Porque quando o juiz voltar, ele vai escrever sobre o que estudou, e gravar um vídeo sobre os principais pontos do curso. A escola promoveria um debate sobre o tema do curso de modo a que todos os magistrados pudessem se beneficiar do intercâmbio.

ConJur — Como seria feita a escolha dos juízes?
Maia da Cunha — É fundamental que haja aprovação do Conselho Consultivo, que os critérios de escolha sejam democráticos e definidos em edital. Esse é um dos papéis da escola. Penso que interessa à magistratura saber como, há 10 ou 15 anos, os países mais avançados lidaram com situações que estamos vivendo hoje. Conhecer a evolução dessas experiências seria útil para que possamos corrigir aqui, saber qual caminho tomar ou entender porque tomamos caminhos diferentes. Particularmente, penso que seria importante trazer a experiência de outros países. Gostaria de começar a conversar sobre isso na EPM neste segundo semestre.

ConJur — Como a EPM define a abertura de novos cursos? Quem participa dessas escolhas?
Maia da Cunha — Os cursos são oferecidos com base no que é mais necessário e no que há mais interesse. Cursos de pós-graduação em Direito do Consumidor, Civil, Processo Civil, Penal e Processo Penal sempre têm muita procura. Mas, como são de longa duração, temos de oferecer com certo espaço de tempo para que o número de alunos não seja muito reduzido.

ConJur — Os cursos para juízes e desembargadores na EPM são gratuitos?
Maia da Cunha — Desde a presidência do desembargador Ivan Sartori, em 2012, os cursos são gratuitos para os servidores. Mas não para os juízes. Eles pagavam 40% do valor do curso. E, desde que assumimos a diretoria da escola, nos incomodava cobrar dos juízes. Queríamos isentá-los em 100%. Fizemos isso com uma decisão do Conselho Consultivo no dia 3 de julho. Hoje, o juiz não paga nada para estudar na EPM. A escola é dos magistrados, existe em função dos magistrados.

ConJur — O orçamento da escola é suficiente para dar gratuidade a todos os servidores e juízes?
Maia da Cunha — Na média, os cursos quase que se pagam com os alunos que vêm de fora do tribunal e pagam a mensalidade integral. Na pós-graduação há pouca frequência de juízes. Trinta por cento das vagas são preenchidas por quem não é servidor nem juiz. A preferência é sempre dos juízes e servidores, porque, de forma direta ou indireta, eles ajudam a aprimorar o Poder Judiciário. Só abrimos vagas para terceiros quando há remanescentes. De qualquer forma, a escola possui dotação orçamentária destacada no orçamento do tribunal, o que permite seu funcionamento normal ainda que se destine exclusivamente aos magistrados e servidores.

ConJur — Então, o juiz não precisa mais pagar pelo curso e nem é obrigado a apresentar trabalho de conclusão nos núcleos de debate. Há mais alguma mudança que o senhor pretende fazer para atraí-los para a escola?
Maia da Cunha — Estamos investindo mais em cursos rápidos, de 30, 50 e 60 dias. Por serem mais curtos, concentram-se em temas controvertidos e despertam mais interesse. Nesses casos, o juiz também não precisa apresentar trabalho no final. Passamos a gravar todas as palestras, inclusive dos cursos de pós-graduação, o juiz pode escolher o que assistir quando quiser. Fizemos uma adequação no sistema e entregamos uma senha de acesso ao material da EPM para cada juiz. Por exemplo, eu só quero assistir duas palestras de algum curso porque são temas do meu dia a dia. Eu posso ligar o computador no final de semana, em casa, e assistir. Essa é mais uma opção para o magistrado.

ConJur — Há uma filial da EPM no interior ou os juízes têm acesso apenas aos cursos online?
Maia da Cunha — O interior também é prioridade da escola na nossa gestão. Tenho visitado os núcleos regionais para saber o que os juízes querem da escola. Uma dificuldade em relação aos cursos de pós-graduação é que o Conselho Estadual de Educação estabelece que devem ser presenciais. Portanto, devem ser feitos lá. Os núcleos de estudo podem ser criados em qualquer cidade ou região.

ConJur — Os cursos presenciais são mais procurados do que os online?
Maia da Cunha — Este é o pequeno dilema que estamos enfrentando atualmente. As inscrições presenciais equivalem a 30% dos inscritos a distância. Os cursos de curta duração têm entre 150 e 180 inscritos a distância e apenas 50 que vão pessoalmente. A dificuldade de deslocamento em São Paulo é uma das principais responsáveis por essa mudança.

ConJur — Recentemente, a EPM ganhou a nova atribuição de oferecer cursos de aperfeiçoamento aos juízes que se movimentarem na carreira. Como serão esses cursos?
Maia da Cunha — A formação continuada do juiz, instituída pelo provimento do Conselho Superior da Magistratura [Provimento 2.179/2014], se resume no seguinte: o mundo é outro. Há um mundo novo em comparação ao que se decidiu há 20 anos, nas relações sociais, na velocidade das informações. A formação continuada traz essas reflexões sobre as alterações que são fundamentais na vida do juiz. Ele precisa ser alguém do próprio tempo e o estudo continuado traz o juiz para mais perto desse mundo. Por exemplo, o juiz que muda de uma vara cível para uma criminal precisa, em vez de simplesmente sentar e interpretar a lei, saber o que se tem discutido na área penal, como os colegas têm decidido e quais são as suas fundamentações. O Direito Empresarial tem as suas implicações próprias, pede decisões rápidas, que podem influenciar na atividade econômica. Se o juiz se muda para a área da família precisa conviver com a nova realidade das mudanças familiares. A ideia não é ensinar Direito de Família. Isso ele sabe. A ideia é mostrar a evolução das controvérsias e dos julgamentos na área para a qual se mudou.

ConJur — O curso é de quanto tempo?
Maia da Cunha — É de 90 dias, bem espaçado, uma vez por semana. Serão a distância. Ele vai acessar os vídeos e ver os problemas que pode enfrentar nos próximos anos e como se tem feito para solucioná-los. As aulas serão dadas por juízes que há anos atuam com aquela especialidade e que vão contar como trabalham, como decidem, como chegaram a essas conclusões e quais as outras linhas de pensamento.

ConJur — Essas aulas já estão disponíveis para os juízes?
Maia da Cunha — Estarão disponíveis a partir de novembro. Por que novembro? Porque estamos em ano de eleição e até lá todas as promoções estão suspensas. Mas já escolhemos os coordenadores gerais de cada área: penal, cível, juizado especial, família, crime, violência doméstica, infância e juventude, empresarial, falência e recuperação. Há também um coordenador para as varas cumulativas, porque o juiz que vai assumir não terá tempo para fazer todos esses cursos. Faremos um curso específico para as varas cumulativas. É um pouco mais delicado, mas estamos selecionando pessoas preparadas para isso.

ConJur — O senhor fez mudanças no curso oferecido aos novos juízes?
Maia da Cunha — A EPM vem tentando, há muito tempo, trazer para o novo juiz a prática forense, a prática do dia a dia. No último curso, fizemos alguns ajustes para deixá-lo mais o mais prático possível. Pedimos aos juízes que fizessem críticas e sugestões e vamos aplicá-las nos próximos cursos. Convidamos três dos novos juízes para integrar a coordenação do curso, que é feita hoje pelo juiz Claudio Godoy. Estamos tentando melhorá-lo. Este é um trabalho da escola que já vinha e que deverá ser constantemente aperfeiçoado.

ConJur — Em agosto foi inaugurada a EJUS, a escola dos servidores. Qual é o seu principal objetivo?
Maia da Cunha — A Escola de Servidores é um grande atalho para o tribunal melhorar a prestação jurisdicional, melhorar o serviço público que presta à sociedade e passar a ter dela o respeito que merece. Vamos oferecer cursos aos novos servidores e também capacitação àqueles que já trabalham conosco. Não faz sentido que os novos cheguem e comecem a trabalhar sem qualquer orientação. A EJUS quer oferecer aos servidores o mesmo aprimoramento que estamos oferecendo aos juízes, do ponto de vista funcional. Quando o servidor tomar posse vai aprender qual é o trabalho dele. Vamos explicar, passo a passo, como se usa o processo eletrônico, quais são as suas funcionalidades. Eles também terão aulas de Direito básico. O escrevente não precisa ser bacharel, mas deve ter noções básicas de Direito para trabalhar com processos.

ConJur — Os cursos são obrigatórios?
Maia da Cunha — Sim, da mesma forma que acontece com os novos juízes. Os cursos de aperfeiçoamento também. A escola tem todo equipamento e espaço para oferecer os cursos da melhor maneira. Eles serão feitos à tarde, horário em que não há aulas da EPM.


Lilian Matsuura é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2014, 07:13

STF determina sobrestamento de processos sobre terceirização de call center em empresas de telefonia


STF determina sobrestamento de processos sobre terceirização de call center em empresas de telefonia




O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o sobrestamento de todos os processos que discutam a validade de terceirização da atividade de call center nas concessionárias de telecomunicações. O ministro é o relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 791932, com repercussão geral reconhecida.

Até o julgamento do STF sobre o mérito do recurso – que valerá para todos os demais casos semelhantes -, a tramitação de todas as causas sobre a matéria estão suspensas, em todas as instâncias da Justiça do Trabalho. A decisão excepciona apenas os processos ainda em fase de instrução (sem sentença de mérito) e as execuções em andamento (decisões transitadas em julgado).

O caso chegou ao STF por meio de recurso extraordinário interposto pela Contax S/A em processo originalmente ajuizado por uma atendente de call center que prestava serviços para a Telemar Norte Leste S/A. A empresa foi condenada, solidariamente com a telefônica, a pagar à atendente os benefícios garantidos pelas normas coletivas dos empregados de empresas de telefonia, pois a terceirização foi considerada ilícita.

O reconhecimento da repercussão geral, como regra, acarreta o sobrestamento dos recursos extraordinários (recursos ao STF contra decisões do TST) sobre a matéria. No caso, porém, a Contax, a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) e a Federação Brasileira de Telecomunicações pediram ao STF o sobrestamento de todas as causas. A empresa e as entidades de classe alegam que existem cerca de dez mil processos em tramitação sobre a terceirização de call centers em telefonia, e as empresas têm sido obrigadas "a desembolsar vultosas quantias a título de depósito recursal".

Ao acolher o pedido, o ministro Teori Zavascki afirmou que a decisão a ser proferida pelo STF no caso "repercutirá decisivamente sobre a qualificação jurídica da relação de trabalho estabelecida entre as operadoras de serviços de call center e seus contratados, afetando de modo categórico o destino das inúmeras reclamações ajuizadas por trabalhadores enquadrados nesse ramo de atividade perante a Justiça do Trabalho".

(Carmem Feijó)

Fonte: TST

Condômino não tem legitimidade para propor ação de prestação de contas

Condômino não tem legitimidade para propor ação de prestação de contas
O condômino, isoladamente, não tem legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é prestar contas à assembleia, nos termos da Lei 4.591/64. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, ao julgar recurso de um condomínio contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), restabeleceu sentença que extinguiu a ação por considerar que a autarquia não tinha legitimidade para propor a demanda.

Proprietário de lojas no prédio, o INSS ajuizou ação de prestação de contas na qual pediu que o condomínio fornecesse documentação relativa às despesas realizadas com aquisição e instalação de equipamentos de prevenção e combate a incêndios e com serviços de modernização de um dos elevadores.

Ilegitimidade

Em primeiro grau, o processo foi extinto sem julgamento de mérito, ao fundamento de que a autarquia previdenciária não teria legitimidade ativa. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) anulou a sentença.

Segundo o TJRJ, toda pessoa que efetua e recebe pagamentos por conta de outrem tem o dever de prestação de contas, e “qualquer condômino detém legitimidade ativa para exigir do condomínio prestação de contas a ele pertinente”.

Inconformado, o condomínio recorreu ao STJ sustentando que o INSS, na qualidade de condômino, não tem legitimidade ativa para a ação.

Vedação legal

Ao analisar a questão, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a Lei 4.591 estabelece que compete ao síndico prestar contas à assembleia dos condôminos. No mesmo sentido, o artigo 1.348, inciso VIII, do Código Civil dispõe que compete ao síndico, entre outras atribuições, prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas.

“Assim, por expressa vedação legal, o condômino não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, porque o condomínio, representado pelo síndico, não teria obrigação de prestar contas a cada um dos condôminos, mas a todos, perante a assembleia”, afirmou o relator.

Segundo o ministro, o condômino não pode se sobrepor à assembleia, órgão supremo do condomínio, cujas deliberações expressam “a vontade da coletividade dos condôminos sobre todos os interesses comuns”.“Na eventualidade de não serem prestadas as contas, assiste aos condôminos o direito de convocar assembleia, como determina o artigo 1.350, paragrafo 1°, do Código Civil”, acrescentou o relator. Por essa razão, torna-se inviável ao condômino, isoladamente, exigir a prestação de contas, que deve ser apresentada à coletividade.

Fonte: STJ

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O que é verdade? Ou tudo é relativo? E o que dizer a quem perdeu um olho?


O que é verdade? Ou tudo é relativo? E o que dizer a quem perdeu um olho?




Uma coluna conceitual-acústico-epistêmica
Esta coluna não tratará de cases jurídicos. Quer dizer: a coluna é uma homenagem ao fotografo Sérgio Silva, que perdeu um olho em serviço em São Paulo. E não falará de autoajuda para concursos públicos. Tampouco a coluna tratará de bizarrices como “advogado fornicador suspenso por cobrar serviços sexuais de cliente”. A coluna é conceitual. Como um show com um banquinho e um violão. Para poucas pessoas; a coluna é acústico-epistêmica. E também é anti-facebook. Portanto, nem repliquem. É uma coluna para não mais de 231 leitores. O que a coluna quer, mesmo, é mostrar porque a praga do relativismo faz mal. E bradar que, em terrae brasilis, até um olho perdido fica “relativo”.

Então, ao tema
Depois que transformaram enterros em eventos festivos, onde frequentadores fazem selfies (odeio essa palavra) ao lado do morto, nada mais segura a pós-modernidade. Até o dia do enterro de Eduardo Campos achei que estávamos na alta modernidade (portanto, no finalzinho). Não se sabe muito bem em que ponto da história estamos. Bauman fala em modernidade líquida. Eu penso que ela está no final em alguns lugares e é tardia como em países como o nosso. Um indicador de que estamos saltando perigosamente de uma modernidade inacabada para uma pós-modernidade — onde tudo se transforma em narrativas ou colagens sobre o real — é a mania que tomou conta do direito aqui em Pindorama. Do que estou falando? Fácil: trata-se do niilismo, do relativismo e da tese esgrimida em livros, textos e palestras anunciando que “não existem verdades”. Além de tudo, isso é muito chato.

O sucesso de Michel Teló parece-me também um indício desse salto em direção à anemia significativa (a expressão é de Warat). Lepo-Lepo também. Não há mais fundamentos. Tudo vira narrativa. (Des)colagens do real. Pode-se fazer qualquer coisa. E sustentar qualquer tese. Pode-se dizer qualquer-coisa-sobre-qualquer-coisa. E também já nem precisamos citar as fontes. Só a água mineral ainda cita a fonte (se me entendem as indiretas e o sarcasmo). Tudo é de todos... Não há verdades. Portanto, podemos falar-sem-fundamentos. Sem amarras de sentido. Parece, assim, que somos críticos...

Descolamos as palavras das coisas. Não que elas tenham que ser coladas. Os sofistas foram os primeiros positivistas. Descolaram palavras e coisas. Foram os primeiros “discricionários”, por assim dizer. Foi o triunfo da retórica. Mas também causaram danos. Se o essencialismo “pegou pesado” (metafísica clássica), o nominalismo já começou a apontar para o que hoje parece triunfar: só existem coisas particulares. E grau zero de sentido. Da modernidade para cá a luta está sendo enorme para controlar o sujeito pensante-consciente-de-si. Nietszche introduziu o último princípio epocal da modernidade: a Wille zur Macht (a vontade do poder). E os juristas gostaram disso. Kelsen, por exemplo, foi dizer que o ato de aplicação da lei é um “ato de vontade” (ao que eu acrescento, ironicamente: “de poder”!). Hoje corremos atrás do prejuízo.

O mal-estar da civilização jurídica é a flambagem dos sentidos que os juristas fazem. Pensam que podem atribuir sentidos livremente. Descobriram o Santo Graal da “dação de sentidos”: basta nominar. Feito um novo Gênesis. Algo como “no princípio o que vale é o que eu digo sobre as coisas”. Não há tradição. Não há história. Nada é verdadeiro. Os juristas neoprofe(s)tas[1] que apresentam a “boa nova” de que não existe(m) verdade(s) correm o risco de serem comidos pela primeira onça que encontrarem. Afinal, para um relativista, a onça pode existir...ou não. Depende. Porque a onça é relativa. Com base em Nietszche, ficam repetindo algo similar à sua máxima: “fatos não há; só há interpretações”. Logo, as onças não existem; só há a narrativa do e sobre as onças. Para os relativistas jurídicos, o que aconteceu com o fotógrafo Sérgio Silva (ver aqui) não foi um fato; foi uma ilusão. Tudo é relativo. O tiro no olho não existiu. O que existiu foi apenas uma interpretação errada sobre o tiro que lhe furou o olho. Algo como “azar o seu por ter dado mole ao assaltante”. Por isso tudo, inverto a máxima de Nietzsche e afirmo: Contra essa gente que diz “fatos não há, só há interpretações”, eu digo: só-existem-interpretações-porque-existem-fatos!

Ariano Suassuna brincava com o subjetivismo e o relativismo. Dizia que, quando as pessoas falam sobre se algo é ou algo não é, lembrava de Kant e seu solipsismo, que, para ele, “era um hipócrita”. Com seu fino humor e grande dose de sarcasmo, Suassuna brincava com as palavras e a filosofia. Mais ou menos assim (reproduzo de cabeça) “— A coisa em si do copo é incognoscível... Pois para um copo pode até funcionar”, dizia. “Quero ver se for uma onça. Kant por certo não perguntaria se a onça existia em si ou se onoumenon era cognoscível. Também não diria que todo fenômeno deve ser experimentado em oposição ao sujeito. Dava no pé”. Guardado o bom humor e um certo exagero, permito-me acrescentar que, sem saber, Kant tinha uma antecipação de sentido; tinha um a priori compartilhado acerca do sentido da “onça”. Ele nem se perguntaria sobre o “sentido de onça”. O que é a onça já estava com ele...

Interessante que os pós-modernos do direito — esses que apostam em grau zero de sentido, construindo princípios no varejo para vendê-los no atacado, como se direito e filosofia moral fossem a mesma coisa — não repetem no seu cotidiano isso que pensam que podem fazer (como de fato, fazem) na doutrina e na jurisprudência: trocar o nome das coisas. Ou cindir fato e direito.

Quando um juiz diz que “onde está escrito 180 dias leia-se 210 dias” (ao conceder prorrogação ilegal do auxilio-maternidade), ele está fazendo a mesma coisa que, se andasse pela rua, atribuísse sentidos do modo que lhe conviesse, por exemplo, chamando uma garrafa de ônibus... Como “não existem” limites semânticos e a tradição e o tempo são tratados como inimigos, o lema passa a ser: vamos atribuir sentidos livremente por aí. Só que, em termos de paradigmas filosóficos, o grande problema passa a ser: temos de combinar com os russos[2], porque, ao tomar uma garrafa d’agua, o relativista pode ser atropelado pelo ônibus. Mutatis, mutandis, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que o fotógrafo Sérgio estava na hora errada no lugar errado e, portanto, perdeu o olho por sua culpa, é como dizer: não há fatos; só há interpretações. A retórica venceu! Os que dizem que não há verdades venceram!

Sintomas dessa “pós-modernidade”
A produção desenfreada no Direito faz com que percamos o sentido da diferença. Acordão encobre acórdão. Livro encobre livro. Artigo encobre artigo. Notícia encobre notícia. Você escreve hoje uma matéria e posta em algum site (por exemplo, aqui na ConJur). Ela fica na capa do site por algumas horas. Depois desaparece no buraco negro da internet. Some. Esfumaça. Fico imaginando uma espécie de purgatório de textos do dia anterior ao novo texto. Almas sofridas de textos lidos no dia anterior e que hoje já não valem, porque um montão de letrinhas encobriu as letrinhas do dia anterior. Pobres letras. Por isso, corra. Escreva seu texto e avise a todos para que leiam logo. Porque em instantes ele sumirá. Avise pelo facebook. Só hoje e amanhã seu texto ficará por aí.

O mundo foi transformado em imagem. Imagem é tudo, sede não é nada, dizia a propaganda do refrigerante. Ao por seu texto no facebook, logo ele será obnubilado pelo primeiro idiota que publica no facebook um selfie feito no aeroporto com um cantor de pagode. Ou com o cara do Lepo-Lepo. Nem no seu próprio facebook você manda. O facebook somente espalha (ou espraia) o seu texto se você “impulsionar a publicação” (sic). E isso custa dinheiro, é claro! Quer dizer: você é um idiota. Faz uma página, posta uma matéria. Mas seus próprios “amigos” feicibuquianos não recebem o seu material. Como seus “amigos” também não entram na própria página que pediram para se “filiar”, eles nem ficarão sabendo. Tempos pós-modernos. Você tem uma página com, sei lá, digamos 40 mil “amigos”. Mas eles são “amigos” de dezenas de outras páginas. E, pior: nem eles visitam essas dezenas de páginas das quais eles fazem parte. O que acontece é que seus “Amigos-do-face” praticam poligamia epistêmica. E você é um corno-poli-feici-epistêmico. Mas todos querem ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar...

Estes novos tempos em que os idiotas perdem a timidez nas redes sociais e infernizam a vida dos outros produzem, paradoxalmente, revoluções. Mas revoluções para trás. O filósofo Gadamer dizia que "ser que pode ser compreendido é linguagem”. Quer dizer: só compreendo o mundo na e pela linguagem. Mas sempre fica algo de fora. Em Lacan temos o simbólico, pelo qual o real vira realidade. O que não simbolizo fica no plano do real. Dele e sobre ele não posso falar. Não está no meu consciente. Pois nestes tempos o que fica de fora é... quase tudo. Ou seja, com o excesso de informações, não damos conta de simbolizar “isso tudo”. Logo, cada vez sobra mais mundo.

A velocidade desse novo tempo faz com que apenas trisquemos algumas coisas. Quando desvelamos algo, corremos o risco de perdê-las nas brumas da cotidianidade. Por isso, a minha pregação é a de que necessitamos nos apropriar dos sentidos. Interpretar a realidade é, assim, um processo de apropriação. Como diz Heidegger, Die jeweilige fattische Entdecktheit ist gleichsam immer ein Raub (Todo ser-descoberto factual é sempre um como que roubo). Precisamos manter essa res furtivae conosco. Sentidos apropriados são produtos raros. Commodities valiosíssimas. Não desperdice os sentidos. Faça poupança. Aplique em Fundos FSA (Fundo-Sentidos-Apropriados). Quando alguém pede a palavra, cuidado: ela pode lhe ser devolvida toda lascada. Daí a pergunta do poeta Eugênio de Andrade:

“Que fizeste das palavras? Que contas darás tu dessas vogais de um azul tão apaziguado? E das consoantes, que lhes dirás, ardendo entre o fulgor das laranjas e o sol dos cavalos? Que lhes dirás, quando te perguntarem pelas minúsculas sementes que te confiaram?”

Você mal-tratou a palavra? Trancafiou a palavra no interior de um twitter? Fez com ela um Leito de Procusto twitado? O pior é que ainda não inventamos um Habeas Corpus para libertar as palavras do jugo dos néscios. Eis porque venho dizendo de há muito que palavra é pá-que-lavra. Com essa “ferramenta” abro sulcos no imaginário, plantando as sementes da significação. Kein Ding sei, wo das Wort gebricht (que nada seja onde fracassa a palavra), clamava Stefan George.

Do selfie ao senso comum teórico dos juristas
Estes tempos... Nestes tempos... Essa parcela da população que fica fazendoselfies (e eles são a metáfora do homo alienadus da pós-modernidade) fica imersa no cotidiano, no senso comum. Pensemos, entretanto, no equivalente jurídico disso, isto é, no senso comum teórico dos juristas, no interior do qual o jurista medíocre tem o seu belvedere de sentido, para dizer obviedades como agressão atual é a que está acontecendo; coisa móvel alheia é a que não pertence à pessoa... Ou “ensina” direito penal com música de pagode ou funk; ou dizer coisas como “na teoria é uma coisa; mas na prática é outra”... É gente curiosa; são apenas curiosos, porque leem resumos e orelhas de livros; caem no falatório (Gerede), porque se movem no entremeio de ruídos, ronronares de gente mal instruída e, finalmente, ficam reféns da impessoalidade (das Man, como diz Heidegger), com conversas do tipo “a gente”. Sim, “a gente pensa assim...”. “A gente acha” que “sem ponderação não tem decisão”: eis um típico produto da de-caída(Verfallen). Do resvalo em direção à cotidianidade (Alltäghlichkeit). Na ambiguidade (Zweideutigkeit) está o que a curiosidade busca; e a ambiguidade dá ao falatório a ilusão de que nele tudo se decidiria...

Está no Google? Não está? Então não existe. Procure no Google se a tal ponderação é regra ou princípio (cartas para a coluna). Veja o que o Google diz sobre “cataratas do Iguaçu (o Google apresentará coisas como opero-catarata-em-clínica-de-olhos-em-Foz- do-Iguaçu). Bingo!

Mas como achar sua matéria ou artigo no Google, se a notícia de ontem se perdeu no purgatório dos “textos velhos”? Tem foto? Não tem? Então não vale. Você foi no enterro e não fez selfies? Céus! Então você não sabe o sentido pós-moderno de um esquife ou de um velório. Gosta de Lepo-Lepo ou do Teló? Viva! Afinal, eles são “fofos”. Como fofa é a nossa relação com os conceitos. Você aplica a “letra da Constituição”? Então você é um positivista. Bem assim... O que é positivismo? Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Oiço (é oiço mesmo) dizerem por ai: “— O professor Lenio disse na palestra tal ou tal (Unibrasil, Emerj, Amatra e em tantos outros lugares) que o judiciário deve obedecer os limites semânticos do artigo X da Lei Y, porque se a lei não é inconstitucional (e elenca mais cinco hipóteses), então é um dever do juiz aplicar... Também disse que ‘decisão não é escolha. Ele mesmo um positivista”. Ouço esse ronronar, esse ruído, esses resvalos de significação se espalhando por aí. Falatório. Ambiguidade. Curiosidade. Eis a decaída. Minha sugestão? Criar um novo princípio do tipo “princípio do não entendi”. Ou “não entendi um ovo do que ele falou mas preciso fazer umselfie de minha ignorância”. Ou um ainda mais novo: Princípio do selfie!

Essa (pseudo)pós-modernidade está liquidando com o que resta da cultura (jurídica ou não). Instantaneidade. Eficiência. Efetividades quantitativas. Gestão. ISO 14.001. Procedimentos. Algo como o Hotel Ibis. Não tem nem toalhas de rosto. Quando você enxugar certas partes do corpo, cuidado: há ainda que enxugar o outro lado com a mesma toalha; tem frigobar, mas não tem nem água. Mas é eficiente. E barato. “Otimizado”. Eis as palavras mágicas. E não esqueçamos de encolher as petições. Nada de erudições. Nada de filosofia. Vivamos a facilitação. Direito Facilitado. Resumido. Plastificado. Resumos de resumos. Direito mastigado. Vendamos ilusões. A malta compra. 

Vi no shopping uma mãe com seu filho. Passou uma amiga e disse: “Que lindo”! E ela disse: “Mas você precisa ver o álbum de fotos dele”! Bingo! And I rest my selfie!

Post Scriptum 1: como um remanescente da modernidade e odiador da pós-modernidade, arrisco a dizer: indigno-me; logo sou![3] E complemento: só-sou-onde-me-indigno!

Post Scriptum2: quero compartilhar com todos os milhares de leitores a felicidade de ter dois livros na lista dos dez finalistas para o Prêmio Jabuti deste ano (ler aqui): são eles o Compreender Direito – Como o Senso Comum pode nos Enganar (Revista dos Tribunais) e Comentários a Constituição do Brasil, em parceria com J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Mendes e Ingo Sarlet (Saraiva). Como um ouriço que sou, adoro jabutis. Para mim, estar entre os dez é como ser indicado ao Oscar. O que mais eu quero?

Post Scriptum3: e não esqueçam que a coluna é conceitual e autoral.



[1] Estagiário levanta a placa para informar: ele está se referindo aos juristas que são adeptos do woodstock do direito. São de várias tribos: tem a dos pamprincipilogistas, dos niilistas, dos “é proibido proibir”, dos “não há verdades” e dos “isso é assim mesmo porque sempre foi assim”.


[2] “combinar com os russos” é uma alusão ao craque Garrincha, que era anti-relativista. Explico: Feola deu toda a instrução tática do que o time deveria fazer até Pelé marcar o gol na URSSS. Garrincha levanta a mão e pergunta: “o senhor combinou isso tudo com os russos?”.


[3] Para fazer jus ao “troféu água mineral”, cito a fonte: blog Falcão de Jade.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2014, 08:00

MARINA É A CANDIDATA QUE MAIS FALA DE JUSTIÇA EM PLANO DE GOVERNO


Marina é a candidata que mais fala de Justiça em plano de governo




Entre os reais candidatos à Presidência da República, Marina Silva (PSB) é a que mais fala sobre planos envolvendo o Judiciário em sua plataforma de governo oficial. No documento de 242 páginas, ela cita as palavras “Judiciário”, “justiça” ou “direito” 231 vezes, praticamente uma vez por página. Dilma Rousseff, que concorre à reeleição pelo PT, disponibilizou um plano de governo com apenas 42 páginas, onde não faz qualquer menção à palavra “justiça” ou ao “Judiciário”, mas cita “direito” 13 vezes. Já Aécio Neves (PSDB) fica no meio termo. Em um documento de 76 páginas, as três palavras aparecem 57 vezes.

A contagem não é científica e inclui erros, como apontar uma menção a “justiça” onde está escrito “injustiça”, mas indica, em linhas gerais, preocupações dos candidatos.

Marina Silva fala de Justiça tributária, de fortalecer a ação de mutirões no Judiciário para reduzir a quantidade de presos e de acordar com o Poder Judiciário e com o Ministério Público parâmetros para o acolhimento de demandas individuais de tratamentos e de medicamentos de alto custo.

Dilma dá mais ênfase a conquistas de direitos que, segundo a campanha, ocorreram nos governos dela e do ex-presidente Lula. A presidente também promete “continuar implementando o Marco Civil da Internet”. A lei sobre a rede de computadores, diz o documento, “dá aos usuários garantias fundamentais como a liberdade de expressão, o respeito aos direitos humanos e à privacidade do cidadãos, assegurando a neutralidade da rede frente a interesses comerciais ou de qualquer espécie”. 

Aécio Neves cita o fortalecimento das Defensorias Públicas, visando facilitar o acesso à Justiça por todos os cidadãos. Com um tópico de seu plano de governo voltado ao Direito do Consumidor, o candidato diz que “é importante fortalecer, também, a defesa da concorrência para defender os interesses do cidadão e das famílias”. Ele fala também do combate à pirataria, citando o “direito de propriedade sobre a patente”.

Clique aqui para ler o programa de Dilma Rousseff.

Clique aqui para ler o programa de Marina Silva.

Clique aqui para ler o programa de Aécio Neves.

*Texto atualizado às 1h55 do dia 2 de outubro de 2014.


Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2014, 08:07

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...